Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000687-64.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: SHLOMO HAIM JACOVI

Advogado do(a) APELANTE: DANIEL ALLAN BURG - SP289165-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000687-64.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: SHLOMO HAIM JACOVI

Advogado do(a) APELANTE: DANIEL ALLAN BURG - SP289165-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal, interposta por SHLOMO HAIM JACOVI,, contra a r. sentença ID 196258786, que julgou procedente a pretensão punitiva formulada na denúncia, para condená-lo como incurso no art. artigo 22, parágrafo único, primeira figura, da Lei 7.492/86, c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e pagamento de 06 (seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da pena privativa de liberdade aplicada, a ser fixada pelo Juízo da Execução; ii) limitação de final de semana.

Segundo narra a denúncia (ID 196258593 – pág 03/08):

 

"No dia 08 de abril de 2019, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, YAACOV OHANA. SHLOMO HAIM JACOVI, YONATAN ZINDANY e IRIS ZINDANY, agindo de maneira livre e consciente, tentaram promover, sem autorização legal, a saída de moeda para o exterior. Com efeito, apurou-se que, na data dos fatos, YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS passaram pelo procedimento de imigração do Aeroporto de Guarulhos/SP sem fazerem qualquer (declaração de porte de valores em espécie, e, quando estavam no corredor (ie acesso à Sala de embarque para o voo TK 0016, da Companhia Aérea Turkísh Airlines, com destino a lstambul, Turquia, foram abordados por servidor da Receita Federal para revista de suas bagagens de mão, em virtude do recebimento de denúncia anônimas, por telefone, no Gabinete da Receita Nesse contexto, o agente alfandegário da Receita, com apoio da Polícia Federal, realizou a checagem das bagagens de mão dos denunciados (os quais, com exceção de SHLOMO, não ofereceram resistência), encontrando, em todas elas, moeda estrangeira em espécie em quantia superior à legalmente permitida para saída do país.

Na contagem do dinheiro, apurou-se que YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS tentaram promover a saída, sem a necessária declaração às autoridades competentes, de dólares norte americanos no montante de US$ 22.506, US$ 16.500, US$ 7.412 e US$ 9.860, respectivamente, totalizando, em reais, a quantia de R$ 217.869,01, descumprindo, deste modo, o previsto no art. 20 da Instrução Normativa RFB 1059/20106 c/c art. 65 § 3º da Lei. n' 9.069/9.

Em seguida, procedeu-se à apreensão dos valores (devolvendo-se para cada um o equivalente a R$ 10.000,00) e foi dada voz de prisão em flagrante a YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS, os quais, interrogados, justificaram que o dinheiro fora trazido, respectivamente, para compra de uma casa, custeio dos estudos, pagamento de despesas pessoais e compra de cabelo para peruca, tendo todos eles alegado que "acabou não gastando nenhum dinheiro e estava voltando com todo o dinheiro para lsrael".

Ainda em seus interrogatórios, e a despeito de serem todos viajantes frequentes, sustentaram que não sabiam "que era crime embarcar com o dinheiro em espécie sem declarar”.

 

A denúncia foi recebida, em 30 de abril de 2019 (ID 196258593 – pág 167)

Transcorrida regularmente a instrução processual, foi proferida a r. sentença de ID 196258786, que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar SHLOMO HAIM JACOVI como incurso no art. artigo 22, parágrafo único, primeira figura, da Lei 7.492/86, c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e pagamento de 06 (seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da pena privativa de liberdade aplicada, a ser fixada pelo Juízo da Execução; ii) limitação de final de semana.

Sentença condenatória, publicada em 10 de setembro de 2021 (ID 196258786).

Irresignada, a defesa de SHLOMO HAIM JACOVI interpôs recurso de apelação, em cujas razões recursais (ID 209944504) postula, em síntese: (i) o reconhecimento do erro de proibição (art. 21, CP), sob o argumento de que “os contextos social e cultural norteadores do Apelante impediam que este, ao sair do território brasileiro, tivesse conhecimento do limite relacionado aos valores que poderia levar consigo para o exterior”; (ii) o reconhecimento da existência de crime impossível, em razão da abordagem do apelante ter decorrido de denúncia anônima, bem como de flagrante esperado; (iii) que os valores foram internalizados pelo próprio apelante, razão pela qual “jamais foram contabilizados (ou deveriam ter sido) pelo Estado Brasileiro-, também deve afastar a incidência do tipo penal previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, no presente caso concreto”.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (ID 216654757), nas quais requer o conhecimento e desprovimento do recurso de apelação interposto, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Parecer da Procuradoria Regional da República (ID 220300957), em que se opina pelo desprovimento do recurso da defesa.

É o relatório.

Processo sujeito a revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 


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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

 

Resumo dos fatos

 

SHLOMO HAIM JACOVI foi denunciado como incurso nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal.

Em síntese, consta da denúncia que (ID 196258593 – pág 03/08):

"No dia 08 de abril de 2019, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, YAACOV OHANA. SHLOMO HAIM JACOVI, YONATAN ZINDANY e IRIS ZINDANY, agindo de maneira livre e consciente, tentaram promover, sem autorização legal, a saída de moeda para o exterior. Com efeito, apurou-se que, na data dos fatos, YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS passaram pelo procedimento de imigração do Aeroporto de Guarulhos/SP sem fazerem qualquer (declaração de porte de valores em espécie, e, quando estavam no corredor (ie acesso à Sala de embarque para o voo TK 0016, da Companhia Aérea Turkísh Airlines, com destino a lstambul, Turquia, foram abordados por servidor da Receita Federal para revista de suas bagagens de mão, em virtude do recebimento de denúncia anônimas, por telefone, no Gabinete da Receita Nesse contexto, o agente alfandegário da Receita, com apoio da Polícia Federal, realizou a checagem das bagagens de mão dos denunciados (os quais, com exceção de SHLOMO, não ofereceram resistência), encontrando, em todas elas, moeda estrangeira em espécie em quantia superior à legalmente permitida para saída do país.

Na contagem do dinheiro, apurou-se que YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS tentaram promover a saída, sem a necessária declaração às autoridades competentes, de dólares norte americanos no montante de US$ 22.506, US$ 16.500, US$ 7.412 e US$ 9.860, respectivamente, totalizando, em reais, a quantia de R$ 217.869,01, descumprindo, deste modo, o previsto no art. 20 da Instrução Normativa RFB 1059/20106 c/c art. 65 § 3º da Lei. n' 9.069/9.

Em seguida, procedeu-se à apreensão dos valores (devolvendo-se para cada um o equivalente a R$ 10.000,00) e foi dada voz de prisão em flagrante a YAACOV, SHLOMO, YONATAN e ÍRIS, os quais, interrogados, justificaram que o dinheiro fora trazido, respectivamente, para compra de uma casa, custeio dos estudos, pagamento de despesas pessoais e compra de cabelo para peruca, tendo todos eles alegado que "acabou não gastando nenhum dinheiro e estava voltando com todo o dinheiro para lsrael".

Ainda em seus interrogatórios, e a despeito de serem todos viajantes frequentes, sustentaram que não sabiam "que era crime embarcar com o dinheiro em espécie sem declarar”.

 

Imputa-se, portanto, ao recorrente a prática da conduta descrita na primeira parte do parágrafo único do art. 22, da Lei n. 7492/86, na forma tentada (art. 14, II, do Código Penal):

"Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Art. 14 - Diz-se o crime:

Crime consumado

I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

Tentativa

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente." - grifei

 

Como se vê, o parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86 disciplina duas condutas típicas autônomas. A primeira parte do dispositivo penaliza quem promove, sob qualquer pretexto, a saída de moeda ou divisas para o exterior. Por sua vez, a segunda parte do dispositivo refere-se à manutenção de depósitos, no estrangeiro, de valores não declarados.

Nestes termos, o delito ora imputado diz respeito ao transporte físico sem declaração por via terrestre, em sua modalidade tentada, no contexto de um transporte de fronteira.

A defesa apela pugnando, em síntese, o quanto segue:

(i) o reconhecimento do erro de proibição (art. 21, CP), sob o argumento de que “os contextos social e cultural norteadores do Apelante impediam que este, ao sair do território brasileiro, tivesse conhecimento do limite relacionado aos valores que poderia levar consigo paa o exterior”;

(ii) crime impossível, em razão da abordagem do apelante ter decorrido de denúncia anônima, bem como de flagrante esperado;

(iii) os valores foram internalizados pelo próprio apelante, razão pela qual “jamais foram contabilizados (ou deveriam ter sido) pelo Estado Brasileiro-, também deve afastar a incidência do tipo penal previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, no presente caso concreto”.

 

MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS

 

Conforme bem delineado na sentença (ID 196258786), a materialidade e autoria delitivas estão comprovadas pelo auto de apresentação e apreensão da Polícia Federal (id 34364860, p. 19-20), termo de retenção lavrado pela Receita Federal (id 34364860, p. 25), registro de saída nos passaportes (id 34364860, p. 32-35) registro de saída no histórico do Sistema de Tráfego Internacional (id 34364860, p. 29-30); além dos depoimentos de Milton Sérgio de Moraes Júnior (fls. 563, 565), Marcos de Jesus Andrade (fls. 563, 566) e João José Pereira Perez (fls. 563, 567).

O art. 22, parágrafo único, primeira parte, da Lei nº 7.492/86 tutela a regularidade do Sistema Financeiro Nacional, punindo quem promover, à revelia da lei, a saída de moeda ou divisa para o exterior. Sendo norma penal em branco, é complementada pelo art. 65, § 1º, II, da Lei nº 9.069/95 e pelo art. 1º da Resolução CMN nº 2.524/94, que determinam a necessidade de declaração à Secretaria da Receita Federal de recursos em moeda nacional ou estrangeira em montante superior a R$ 10.000,00 (dez) mil reais ou a seu equivalente em outras moedas.

Insta salientar que a remessa de valores em espécie ao exterior em quantia superior ao equivalente a R$ 10.000,00 que for realizada por via diversa da transferência bancária, e desacompanhada da Declaração de Porte de Valores (DPV), implica na tipificação do crime de evasão.

No caso dos autos, foram apreendidos com o réu US$ 16.500,00 (dezesseis mil e quinhentos dólares americanos) em espécie, quantia que excede flagrantemente o limite que isenta da obrigação de declaração de valores à Receita quando da saída do país. Plenamente configurada, pois, a materialidade delitiva.

A autoria foi comprovada pelos documentos acima citados, corroborados pelo depoimento das testemunhas ouvidas em Juízo (ID 196258786), in verbis:

“Milton Sérgio de Moraes Júnior, analista da Receita Federal, afirmou que atuou na fiscalização migratória e abordagem do acusado. Relatou que logo no início do plantão, às 21h, foi informado pelo supervisor sobre uma denúncia anônima que dava conta de que seis passageiros de origem israelense iriam sair do país com valores em patamares superiores ao máximo permitido para isentá-los de declaração. Afirmou que identificaram os seis passageiros, mas apenas quatro deles possuíam valores superiores ao exigido para declaração, os quais foram encaminhados à área de alfândega para contagem e posteriormente à Polícia Federal (1min55seg-3min25seg). Relatou que os passageiros já haviam passado da área de migração onde há oportunidade de apresentar a declaração de porte de valores (4min30seg). Inquirido pela defesa, a testemunha afirmou que um dos passageiros falava em português com certa facilidade (7min) e que, diante do teor da denúncia anônima recebida, sua atuação consistiu em identificação de passageiros israelenses pelo passaporte, não se recordando de ter havido identificação de outros israelenses além dos seis abordados (11min). Ao responder as perguntas do juízo, afirmou que a denúncia indicava que se tratava do voo destinado a Istambul e chegaram a identificar com a companhia aérea o nome dos passageiros com passaporte israelense (12min). Relatou que o dinheiro apreendido estava “na mala de mão ou no corpo”, “bolso, paletó, mas não soube afirmar com detalhes a posição específica de cada pessoa e confirmou que não havia dinheiro escondido nem houve necessidade de rompimento da bagagem para localização do dinheiro (13min15seg – fls. 563, 565, destaquei).

Marcos de Jesus Andrade, agente de proteção no Aeroporto de Guarulhos, afirmou que apenas foi chamado para testemunhar a abordagem e abertura de bagagem onde foi localizado dinheiro em poder dos passageiros, o que ocorreu depois do raio x, na área de migração, mas os passageiros não passaram na máquina operada pela testemunha (20min08seg). Inquirido pela defesa, afirmou que o dinheiro apreendido estava na bagagem de mão dos passageiros, “se não me engano em dois ou três envelopes” (25min20 -fls. 563, 566, destaquei).

A testemunha João José Pereira Perez, servidor da Receita Federal que trabalha no aeroporto, afirmou que os agentes migratórios puderam identificar SHOLOMO JACOBI e os demais acusados que figuram na denúncia porque receberam uma denúncia anônima que indicava o nome de três israelenses que pretendiam sair do país sem declarar o porte de valores. Afirmou acreditar que se tratava de Iris Zindany, Yanontan Zindany e Yaacov Ohana, mas puderam localizar outros cinco israelenses que constavam na mesma reserva da companhia aérea, entre eles o acusado.”

Verifica-se, portanto, que a materialidade e autoria delitivas restaram bem fundamentadas pela sentença apelada.

 

DA ALEGAÇÃO DE ERRO DE PROIBIÇÃO

De início, esclareça-se que o erro de proibição é o erro incidente sobre a ilicitude do fato, diz respeito à ausência de potencial consciência da ilicitude, com a consequente exclusão da culpabilidade do réu (art. 21, CP).

Nestes termos, requer a defesa a absolvição do apelante em razão de erro de proibição inevitável. Alega que SHLOMO integra uma comunidade israelense de judeus ortodoxos e que, por razões religiosas, viveria relativamente isolado do mundo exterior, não podendo saber que era vedado deixar o Brasil com US$16.500,00 em espécie, sem que fosse feita a declaração exigível. Além disso, aponta que, até pouco tempo atrás, Israel permitia que alguém deixasse seu território com o equivalente a R$100.000,00 em espécie.

Não obstante as particularidades da religião da qual o apelante é praticante, SHLOMO não é uma pessoa considerada de baixa instrução. Ao contrário, o apelante declarou possuir curso superior, o que afasta a alegação de ser uma pessoa sem acesso à informação e isolada da vida contemporânea.

Ademais, verifica-se do Histórico de Viagens e do passaporte de SHLOMO, ambos reproduzidos na sentença (ID 196258786), que ele realiza, habitualmente, viagens internacionais. Nota-se, por exemplo, duas viagens ao Brasil e uma ao Uruguai. Neste último país, como na maior parte do mundo, o limite de transporte de dinheiro em espécie, ao sair de um território nacional, é de US$10.000,00, como bem apontado pelo juízo a quo:

“Em primeiro lugar, observa-se que SHLOMO JACOBI declarou em sede policial que possui ensino superior (id 34364860, p 28), que estava no Brasil estudando para se tornar fiscal de corte de carne kosher e que já trabalhou como gerente de um restaurante em Israel (id 34364860, p. 13), o que está longe de indicar uma pessoa sem acesso à informação e isolada da vida contemporânea. Além disso, o histórico de registro de entradas/saídas e os carimbos nas páginas de seu passaporte mostram que SHLOMO JACOBI já havia realizado outras viagens internacionais ao Brasil e ao Uruguai, ao menos desde 2011, de modo que já tinha tido a experiência de passar pelo controle migratório e alfandegário de dois países que exigem a declaração do porte de valores na saída do país e sinalizam tal exigência em formulários migratórios. Parece-me muito razoável supor que passageiros estrangeiros que transitem pela primeira vez no Brasil acreditem que o limite de saída sem declaração às autoridades alfandegárias seja de US 10 mil, bem superior aos desatualizados R$ 10 mil fixados em 1995, conforme já decidi em caso citado em memoriais da defesa (000899-31.2015.403.6119) e na rejeição da denúncia formulada contra Iris Zindany E Yonatan Zindany. Todavia, o caso sob análise envolve porte de US$ 16.500, que está acima do limite previsto em quase todos os países, inclusive no Uruguai, destino que consta no passaporte do acusado e onde o limite é de US$ 10 mil.” Negritei.

Por fim, como bem pontuado pelo órgão ministerial em seu parecer (ID 220300957), em cada uma das viagens internacionais que realizou, SHLOMO preencheu declaração informando taxativamente não estar carregando consigo mais de US$10.000,00 em espécie. A defesa busca desconsiderar este fato, alegando que o apelante não fala inglês. Não obstante, no termo de interrogatório de SHLOMO, realizado na ocasião de sua prisão em flagrante, há o registro de que o réu apresentou-se à autoridade policial expressando-se razoavelmente no(s) idioma(s) inglês (ID 196258592 – p. 13). Assim sendo, não merece acolhida o pedido da defesa nesse ponto específico.

De se concluir, pois, que a consciência da ilicitude da conduta lhe era plenamente possível, ante o perfil subjetivo do acusado, e facilmente atingível, considerando que sua experiência de vida não se restringiu à sua comunidade judaica ortodoxa, pois possuía experiência em realizar viagens internacionais (além do fato de que estava no Brasil estudando para se tornar fiscal de corte de carne kosher), não sendo possível o reconhecimento do erro de proibição em seu favor.

Nestes termos, os elementos constantes dos autos são seguros quanto ao intuito do apelante de promover conscientemente a saída de divisas à revelia das normatizações aplicáveis, perfectibilizado, assim, o elemento subjetivo do tipo.

Nesse sentido, julgado desta E. Corte:

 

"PENAL. PROCESSO PENAL. ART.22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. EVASÃO DE DIVISAS. MATERIALIDADE DELITIVA E AUTORIA COMPROVADAS. ERRO DE PROIBIÇÃO AFASTADO. CONSTITUCIONALIDADE DO TIPO PENAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA INALTERADA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A peça inaugural da presente ação penal atendeu aos requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal, porquanto qualificou o acusado, descreveu o fato criminoso e suas respectivas circunstâncias, classificando-o, e ainda apresentou rol de testemunhas. Demais disso, a jurisprudência pátria vem proclamando de forma uníssona a impropriedade de se arguir a inépcia da denúncia em sede recursal. Prolatada a sentença condenatória, tem-se preclusa tal pretensão.

2. Afastada a alegação de crime impossível. No caso concreto, não se verificou inidoneidade absoluta do meio. O fato de o réu ter sido submetido a aparelho Raio-X não ilidiu, de forma absolutamente eficaz, a consumação do delito de evasão de divisas. Havia o risco - seja por falha no aparelho, seja por falha do operador do Raio-X - de que o agente lograsse êxito em passar por tal controle sem que o volume de cédulas que levava em seus bolsos fosse notado.

3. Constitucionalidade do crime do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, em face do direito à liberdade de locomoção, com os bens, assegurada no art. 5º, XV, da Constituição Federal. A incriminação em tela não atinge o direito de deixar o território nacional com os próprios bens. A proibição recai sobre o transporte não declarado de moeda, nacional ou estrangeira, em espécie, considerando o interesse fiscalizatório da administração de assegurar a regularidade do mercado cambial e a prevenir ilícitos que possam ser acobertados com tal prática. Desta feita, configura em tese o crime do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 a conduta de saída do país portando moeda em valor superior ao estabelecido no art. 65 da Lei nº 9.069/95, que fixou o limite de R$10.000,00 (dez mil reais) acima do qual há a obrigatoriedade de declaração de porte de valores, exigência regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional e tornada pública pela Resolução BACEN nº 2.524, de 30.07.1998. O porte lícito de numerário em espécie superior ao limite mencionado, portanto, requer que haja declaração à autoridade fiscal, sem a qual tem-se configurado o delito de evasão de divisas.

4. A materialidade delitiva restou comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Apresentação e Apreensão e passagens aéreas com destino ao Líbano. A remessa de valores em espécie ao exterior em quantia superior ao equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), que for realizada por via diversa da transferência bancária e estiver desacompanhada da Declaração de Porte de Valores (DPV) implica na tipificação do crime de evasão. No caso dos autos, foram apreendidos com o réu US$ 50,000.00 (cinquenta mil dólares) em espécie, desacompanhados da Declaração de Porte de Valores.

5. A autoria delitiva é certa. O dolo se caracterizou a contento, especialmente em vista das viagens ao exterior corriqueiras e das condições pessoais do réu, visto que se revelou ser comerciante bem sucedido, habituado ao câmbio de moedas, e dotado de discernimento que rechaça eventual alegação de desconhecimento da lei.

6. A consciência da ilicitude da conduta lhe era plenamente possível, ante o perfil subjetivo do acusado, e facilmente atingível, considerados os conhecimentos hauridos da vida comunitária de seu próprio meio, não sendo possível o reconhecimento do erro de proibição em seu favor.

7. Exsurgindo seguro dos autos o intuito de promover conscientemente a saída de divisas à revelia das normatizações aplicáveis, perfectibilizando assim o elemento subjetivo do tipo, a responsabilização do réu como incurso nas sanções previstas para o crime de evasão de divisas, in casu, na modalidade tentada, se impõe.

8. Dosimetria da pena inalterada. A pena-base foi fixada no mínimo legal. Ausentes agravantes e atenuantes de pena. Na terceira fase, a pena foi reduzida em 2/3 (dois terços) em razão da tentativa, resultando em 8 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

9. À míngua de insurgência, mantém-se o valor do dia multa fixado unitariamente em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente.

10. Mantém-se o regime inicial fixado no aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos de prestação de serviços comunitários, à entidade social ou pública a ser designada pelo Juízo das Execuções.

11. Recurso desprovido. (TRF3 – Quinta Turma – Acr 0009982-41.2016.4.03.6181/SP – Rel. Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras – e-DJF3 10/10/2019). Negritei.

 

 DA ALEGAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL.

A defesa aduz ser o caso dos autos hipótese de crime impossível, e não de tentativa punível, nos moldes como reconhecida pelo juízo a quo. Argumenta que, em virtude de denúncia anônima realizada contra SHLOMO e seus acompanhantes, as autoridades brasileiras tiveram, a todo tempo, controle absoluto da atividade do apelante. Destarte, uma vez que, em nenhuma circunstância, o crime de SHLOMO poderia ter se consumado, estar-se-ia diante de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio.

Não lhe assiste razão.

A inidoneidade absoluta do meio significa que o modo de execução utilizado pelo agente é, por sua natureza ou essência, incapaz de produzir o resultado. Ou seja,  o crime, em hipótese alguma, se praticado dessa forma, poderia chegar à consumação.

De outra parte, tem-se a inidoneidade relativa, quando a conduta poderia ter consumado o delito, o que somente não ocorreu por circunstâncias estranhas à vontade do agente.

Considerando que o Código Penal adotou em seu artigo 17 a teoria objetiva-temperada, é necessária a inidoneidade absoluta do meio ou do objeto do crime para fins de reconhecimento do crime impossível. Sendo o caso de inidoneidade relativa, haverá tentativa.

No caso concreto, não há que se falar em inidoneidade absoluta do meio, uma vez que, não fosse a diligência realizada pelos agentes policiais, ainda que decorrente de denúncia anônima, a conduta do apelante seria perfeitamente apta a configurar o crime em questão.

Por sua vez, no tocante à alegação de flagrante esperado, pela defesa, é sabido que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça considera que o flagrante esperado não torna o crime impossível, uma vez que tal espécie de flagrante não se confunde com o flagrante preparado ou com o flagrante forjado (nesse sentido: AgRg no AREsp 1301191 / SP).

 

Nesse sentido, adoto os argumentos bem lançados no parecer ministerial (ID 220300957), in verbis:

 

"Sustenta a defesa, ainda, a ocorrência, in casu, de crime impossível. Alega que, em virtude de denúncia anônima realizada contra SHLOMO e seus acompanhantes, as autoridades brasileiras tiveram, a todo tempo, controle absoluto da atividade do apelante. Destarte, uma vez que, em nenhuma circunstância, o crime de SHLOMO poderia ter se consumado, estar-se-ia diante de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio.

Sem razão.

No Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID 196258592 – p. 6; 8,) o Delegado de Polícia Federal Maurício Coelho Rocha relata: QUE a abordagem decorreu de uma denúncia anônima, apresentada por telefone, ao Gabinete da Receita Federal do Brasil QUE de acordo com a denúncia anônima, um grupo de israelenses estaria levando dinheiro escondido na mala ou no corpo para Israel, e fariam uma conexão em Istambul QUE a intenção do grupo seria ocultar o dinheiro das Autoridades Alfandegárias (…) QUE a denúncia identificava as pessoas que estariam carregando o dinheiro escondido, e, uma vez identificados e encontrados, os mesmos foram revistados, localizando-se os valores escondidos (...)

Trata-se, no caso, de evidente hipótese de flagrante esperado, o qual não ocasiona a absoluta ineficácia do meio de execução do crime, uma vez que o meio eleito pelo agente, poderia, em abstrato, gerar o resultado pretendido, como bem apontado pela Magistrada sentenciante:

O Código Penal adotou a teoria objetiva temperada sobre o crime impossível, que não pune a tentativa apenas se o meio for "absolutamente" ou inteiramente ineficaz (artigo 17, do CP). Impossibilidades relativas do meio empregado, que são aquelas meramente circunstanciais ou ocasionais, permitem a punição como crime tentado. Apenas são consideradas absolutas quando constantes e permanentes, ou seja, quando a impropriedade do meio resultar na total e irremediavelmente inviável consumação do crime. O acusado adotou meio de prática da evasão "relativamente" eficaz para a consumação, pois abstratamente é possível lograr êxito em promover a evasão de moeda em espécie que se encontra nos bolsos ou até mesmo em bagagem de mão.

Prova da eficácia relativa do meio é que equipamentos de raio-X ou semelhantes não disparam sinais de alerta quando há papel moeda no corpo ou na bagagem de mão. No caso sob exame, inclusive, o acusado logrou êxito em passar pelo equipamento de raio-x sem que o operador detectasse o porte de valores acima do limite legal, o que evidencia a aptidão do meio empregado. Tampouco se trata de flagrante preparado, figura reconhecida como crime impossível e que ocorre quando o autor do fato é estimulado por agente público ou pela vítima a cometer a infração penal com o escopo de prendê-lo (Súmula STF n 145). O flagrante esperado, que ocorre quando agentes públicos têm informação sobre a intenção do cometimento de infração penal e tão somente aguardam e cuidam de detalhes para evitar a consumação do crime, exatamente o que ocorreu no caso sob exame, não tem o condão de mudar a aptidão relativa do meio empregado pelo acusado para promover a evasão de dividas. Portanto, não merece acolhida a alegação de crime impossível porque o meio empregado era relativamente eficaz para a consumação, que não ocorreu por fatos circunstanciais que configuram flagrante esperado.

A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça também indica que o flagrante esperado não torna o crime impossível, uma vez que tal espécie de flagrante não se confunde com o flagrante preparado ou com o flagrante forjado (nesse sentido: AgRg no AREsp 1301191 / SP).

Pondere-se ainda que, segundo os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, crime impossível “é a tentativa não punível, porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios tornando impossível a consumação do crime”. O mesmo doutrinador ainda segue explicando, quanto a ineficácia do meio, que “a lei penal exige que o meio utilizado seja totalmente ineficaz, devendo-se avaliar a eficácia no caso concreto, jamais teoricamente”.

No caso, não fosse a diligência realizada pelos agentes policiais, a conduta do apelante seria perfeitamente apta a configurar o crime em questão.”

 

Por tais razões, não há como reconhecer a configuração de crime impossível por absoluta ineficácia do meio empregado, mas sim a tentativa do delito de evasão de divisas.

 

DA ALEGAÇÃO DE QUE OS VALORES FORAM INTERNALIZADOS PELO PRÓPRIO APELANTE E QUE, PORTANTO, TAL CONDUTA NÃO PODE CONFIGURAR O CRIME PREVISTO NO ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 7.492/86

 

Alega a defesa que os valores foram internalizados pelo próprio apelante, e que, portanto, “jamais foram contabilizados (ou deveriam ter sido) pelo Estado Brasileiro-, também deve afastar a incidência do tipo penal previsto no artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, no presente caso concreto”.

Mais uma vez, sem razão a defesa. A incriminação em tela não atinge o direito de deixar o território nacional com os próprios bens.

A proibição recai sobre o transporte não declarado de moeda, nacional ou estrangeira, em espécie, considerando o interesse fiscalizatório da administração de assegurar a regularidade do mercado cambial e a prevenir ilícitos que possam ser acobertados com tal prática.

Nestes termos, como já dito acima, o art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 criminaliza a conduta de saída do país portando moeda em valor superior ao estabelecido no art. 65 da Lei nº 9.069/95, que fixou o limite de R$10.000,00 (dez mil reais), ou valor equivalente, acima do qual há a obrigatoriedade de declaração de porte de valores, exigência regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional e tornada pública pela Resolução BACEN nº 2.524, de 30.07.1998.

O porte lícito de numerário em espécie superior ao limite mencionado, portanto, requer que haja declaração à autoridade fiscal, sem a qual tem-se configurado o delito de evasão de divisas.

Portanto, é irrelevante para a configuração do tipo penal a origem lícita dos valores apreendidos, ou mesmo que tenham sido internalizados no país pelo próprio réu.  Isso se dá porque a aquisição regular de moeda estrangeira afasta apenas a conduta descrita no caput do art. 22 da Lei n. 7.492/86, que trata da operação de câmbio não autorizada. No entanto, embora a moeda haja sido regularmente adquirida e internalizada no país, seu transporte sem declaração e acima do teto permitido configura o ilícito do parágrafo único, primeira parte, do mesmo art. 22.

Além disso, ponderou o Parquet federal, em seu parecer, in verbis:

 

"A defesa, por fim, aduz que o acusado deve ser absolvido porque sua conduta não ofende a política cambial brasileira ou a higidez do Sistema Financeiro nacional, bens jurídicos eventualmente tutelados pelo artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Isso porque, sempre segundo a defesa, não haveria provas de que os milhares de dólares transportados clandestinamente pelo apelante sejam oriundos do Sistema Financeiro Nacional.

Não assiste razão à defesa também neste ponto.

Com efeito, a evasão de divisas estrangeiras do território nacional ofendeu de forma inequívoca o bem jurídico tutelado pela norma penal na qual SHLOMO foi incurso, que consiste na “higidez do sistema no que se refere às reservas cambiais e o controle de divisas brasileiras ao redor do mundo”1 .

Cumpre destacar, ainda neste ponto, que a conduta a ele imputada consiste em promover a saída de moeda do país, seja a qual título for, sem autorização legal2 , tendo em vista o bem jurídico protegido, nos termos já vistos acima. Houve sim, pois, ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma no caso em tela.

De todo modo, consigna-se que a defesa deveria provar a sua alegação de que os valores carregados por SHLOMO foram por ele internalizados no país, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal. O apelante, contudo, não apresentou nenhuma prova que corroborasse a versão de que os valores teriam sido por ele internalizados no Brasil, conforme bem apontado na sentença e em contrarrazões ministeriais.

Escorreita, portanto, a decisão proferida pelo juízo a quo.”

 

Por tais razões, deve ser mantida a sentença condenatória.

 

DOSIMETRIA

 

Não houve impugnação quanto à dosimetria da pena, razão pela qual fica mantida a sentença apelada que assim procedeu, in verbis:

"Passo a fundamentar a dosimetria da pena, conforme sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal.

Na primeira fase (artigo 59 do Código Penal), observo que não há antecedentes hábeis a justificar o agravamento da pena base. Não constam nos autos elementos concretos que comprovem algo desabonador de sua conduta social, personalidade e culpabilidade. Os motivos e as circunstâncias são normais ao tipo e também não justificam a majoração da reprimenda penal. Não há nada relevante a apreciar quanto a comportamento de vítima. Não há nada de relevante sobre as consequências do crime, notadamente porque se trata de tentativa e houve apreensão dos recursos, impedindo inclusive sua saída do território nacional.

Assim, fixo a pena base no mínimo de 2 anos, que mantenho como pena provisória, pois inexistem agravantes ou atenuantes.

Não há causas de aumento a serem reconhecidas, mas incide a causa de diminuição pela tentativa, de 1/3 a 2/3 (artigo 14, inciso II, do CP). A fração de diminuição deve ter relação com a proximidade da consumação, o que depende do contexto de cada caso concreto. A apreensão do dinheiro ocorreu quando o acusado já tinha passado pela área de controle migratório, conforme relato da testemunha Milton Sérgio de Moraes. Assim, como já havia sido ultrapassado o ponto de obrigatoriedade de declaração e a próxima fase do iter criminis seria a efetiva saída do país, com ingresso na aeronave, imperioso incidir a causa de diminuição no seu patamar mínimo de 1/3, o que leva à fixação de uma pena definitiva de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão.

A dosimetria da pena de multa deve obedecer aos mesmos critérios de fixação da pena privativa de liberdade, atendendo-se, principalmente, à situação econômica do réu (artigos 59 e 60, ambos do Código Penal). Neste sentido:

(...)

Considerando os critérios utilizados para a fixação da pena privativa de liberdade, fixo a pena de multa em 6 (seis) dias-multa, valor proporcional à pena privativa fixada.

Quanto ao valor do dia-multa, deve ser fixado com base na situação financeira do acusado (artigo 49, §1º, e artigo 60, ambos do Código Penal). Não havendo informações precisas sobre sua capacidade econômica, fixo o dia-multa no mínimo legal de 1/30 do salário mínimo nacional vigente à data dos fatos (abril de  2019 - artigo 49, §1º, do CP).

O réu não é reincidente, portanto, diante do quantum da pena fixada e da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo o regime aberto como regime inicial de cumprimento da pena, pois entendo suficiente para prevenir e reprimir o delito por ele praticado, em especial, porque o encarceramento é medida excepcional (artigo 33, §2º, alínea c, e §3º, c.c. artigo 59, inciso II, ambos do Código Penal).

Diante do quantum de pena privativa de liberdade aplicada, é cabível sua substituição por penas restritivas de direitos, pois o réu não é reincidente, o delito foi praticado sem violência ou grave ameaça e as circunstâncias judiciais indicam que a substituição é suficiente para reprovação e prevenção, em especial porque o encarceramento é medida excepcional e é notório o atual descalabro do sistema penitenciário (artigo 44 do Código Penal).

Assim, substituo a pena de reclusão imposta ao acusado por duas penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, § 2º, do Código Penal, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com a mesma duração da pena privativa aplicada, e restrição de final de semana.”

 

Diante do exposto, NEGO provimento ao recurso de apelação.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS (ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 7.492/86). MODALIDADE TENTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA DEMONSTRADAS. ALEGAÇÃO DE ERRO DE PROIBIÇÃO AFASTADA. ALEGAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL. AFASTADA. ALEGAÇÃO DE QUE A CONDUTA NÃO É TÍPICA PORQUE OS VALORES FORAM INTERNALIZADOS PELO PRÓPRIO APELANTE. AFASTADA. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1- O apelante foi denunciado e condenado como incurso nas penas do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 c/c artigo 14, inciso II, do Código Penal.

2 - No caso dos autos, foram apreendidos com o apelante US$ 16.500,00 (dezesseis mil e quinhentos dólares americanos) em espécie, quantia que excede flagrantemente o limite que isenta da obrigação de declaração de valores à Receita quando da saída do país. Plenamente configurada, pois, a materialidade delitiva.

3- Materialidade e autoria delitiva demonstradas pelas provas documentais e testemunhais produzidas em juízo.

4 - Não obstante as particularidades da religião da qual o apelante é praticante, não se trata de pessoa de baixa instrução. Ao contrário, o apelante declarou possuir curso superior, o que afasta a alegação de ser uma pessoa sem acesso à informação e isolada da vida contemporânea. Além disso, verifica-se do seu Histórico de Viagens e passaporte, que o apelante realiza, habitualmente, viagens internacionais.

5 - A consciência da ilicitude da conduta lhe era plenamente possível, ante o perfil subjetivo do apelante, e facilmente atingível, considerando que sua experiência de vida não se restringiu à sua comunidade judaica ortodoxa, pois possuía experiência em realizar viagens internacionais (além do fato de que estava no Brasil estudando para se tornar fiscal de corte de carne kosher), não sendo possível o reconhecimento do erro de proibição em seu favor.

6 - Os elementos constantes dos autos são seguros quanto ao intuito do apelante de promover conscientemente a saída de divisas à revelia das normatizações aplicáveis, perfectibilizado, assim, o elemento subjetivo do tipo.

7 - No caso concreto, não há que se falar em inidoneidade absoluta do meio, uma vez que, não fosse a diligência realizada pelos agentes policiais, ainda que decorrente de denúncia anônima, a conduta do apelante seria perfeitamente apta a configurar o crime em questão. Afastada a alegação de crime impossível.

8. Por sua vez, no tocante à alegação de flagrante esperado, pela defesa, é sabido que a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça considera que o flagrante esperado não torna o crime impossível, uma vez que tal espécie de flagrante não se confunde com o flagrante preparado ou com o flagrante forjado (nesse sentido: AgRg no AREsp 1301191 / SP).

9. É irrelevante para a configuração do tipo penal a origem lícita dos valores apreendidos, ou mesmo que tenham sido internalizados no país pelo próprio réu.  Isso se dá porque a aquisição regular de moeda estrangeira afasta apenas a conduta descrita no caput do art. 22 da Lei n. 7.492/86, que trata da operação de câmbio não autorizada. No entanto, embora a moeda haja sido regularmente adquirida e internalizada no país, seu transporte sem declaração e acima do teto permitido configura o ilícito do parágrafo único, primeira parte, do mesmo art. 22.

10 - Mantida a dosimetria fixada na sentença, pois não houve impugnação da defesa, bem como não há qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício.

11. Apelação desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.