Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5025735-60.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA, DAYANE FREDDI

Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A, DAYANE FREDDI - SP431467-A
Advogados do(a) APELANTE: DAYANE FREDDI - SP431467-A, WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, JAIR MESSIAS BOLSONARO
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5025735-60.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA, DAYANE FREDDI

Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A, DAYANE FREDDI - SP431467-A
Advogados do(a) APELANTE: DAYANE FREDDI - SP431467-A, WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, JAIR MESSIAS BOLSONARO
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):

 

Trata-se de apelação e remessa necessária em ação popular ajuizada por Wellington Catta Preta Costa e Dayane Freddi em face da União, do Congresso Nacional e de Jair Messias Bolsonaro, requerendo, em síntese, determinação judicial para que: i) liminarmente, sejam declarados nulos o Projeto de Lei Orçamentária e a Lei Orçamentária de 2021, por não contemplarem a “renda básica” prevista na Lei 10.835/2004; ii) que seja feito um novo Projeto de Lei Orçamentária, fixando a “renda básica” consistente no direito de receber, anualmente, um benefício monetário cujo valor recomenda que seja de R$ 400.000,00/ano por cidadão, para custeamento básico e concessão do máximo existencial a que se tem direito; iii) que sejam pagos os valores retroativos, devidos desde 2005 (ano do início da vigência da lei); iv) que seja paga uma indenização no valor de um bilhão de reais, para construção de “kibutz” verticais, no lugar de favelas, nas comunidades.

 

A sentença julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por falta de uma das condições da ação – o interesse processual, ante a inexistência de ato lesivo –, nos termos do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil (ID 152530281).

O autor Wellington Catta Preta Costa interpôs apelação (ID 152530284) que pode ser assim resumida:

  1. em tutela antecipada recursal, considerando o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que sejam declarados nulos o Projeto de Lei Orçamentária e a Lei Orçamentária anual, por não contemplarem a “renda básica” prevista na Lei 10.835/2004;
  2. em observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da ética, da honestidade e da boa-fé, previstos na Constituição Federal de 1988, a reforma da sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito;
  3. a lesividade foi comprovada porque o dano à moralidade administrativa é “in re ipsa”, de modo que o simples fato de não haver o recebimento do programa “renda básica” previsto na Lei 10.835/2004 já acarreta um dano à população brasileira;
  4. “incidenter tantum”, pede o controle difuso de constitucionalidade em ação popular, para afirmar a constitucionalidade da moralidade como medida constitucional a ser protegida pela Administração pública e pelo Judiciário”;
  5. requer a “intimação da Corregedoria Geral da Justiça Federal, para que apure, pedindo esclarecimentos acerca do entendimento da juíza de primeira instância, por ausência do cumprimento do dever legal (seguir a constituição e as leis), em especial diante de pedidos de autores populares, segundo os arts. 139, 321 e 927 do CPC, bem como o art. 79 da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional)”;d.
  6. requer também, que seja designado juiz de garantias, como no processo penal, pois é direito do cidadão ser atendido em todas as instâncias e tribunais”.

 

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

 

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do e. Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, opinou pelo desprovimento da apelação (ID 152962720).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5025735-60.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA, DAYANE FREDDI

Advogados do(a) APELANTE: WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A, DAYANE FREDDI - SP431467-A
Advogados do(a) APELANTE: DAYANE FREDDI - SP431467-A, WELLINGTON CATTA PRETA COSTA - SP324834-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, JAIR MESSIAS BOLSONARO
REPRESENTANTE: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):

A sentença julgou extinto processo, sem resolução de mérito, por falta de uma das condições da ação (artigo 485, VI, do Código de Processo Civil), de modo que cabe o reexame necessário, consoante previsão do artigo 19 da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), a saber:

 

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição".

 

Sendo assim, impende analisar tanto a apelação e proceder-se ao reexame necessário.

 

Os autores pretendem com a presente ação popular, em síntese, a obtenção da declaração de nulidade do Projeto de Lei Orçamentária e da Lei Orçamentária anual, por não contemplarem a “renda básica” prevista na Lei n. 10.835/2004.

 

Cumpre observar que o pedido formulado tem como objeto uma lei em sentido formal, dotada de abstração e generalidade, o que impossibilita sua formulação por meio de ação popular, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

 

Nesse sentido, ensina a doutrina:

 

“(...) Toda ação popular deverá ter por pedido a invalidação de um ato que atente contra o patrimônio público, a moralidade, ou o meio ambiente. Mas será que esse pedido poderá visar à invalidação de qualquer tipo de ato? A resposta é negativa.

No mais das vezes, o ato sindicável em uma ação popular consistirá em um ato administrativo, seja unilateral (p. ex., autorização), seja bilateral (p. ex., contrato administrativo).

Também os atos que possuam forma de norma (p. ex., Decreto, Provimento, Resolução, Circular, etc.) poderão ser objeto de ação popular, desde que não sejam leis em sentido formal (ou seja, não possuam a forma de lei)e tampouco em sentido material (ou seja, devem ser atos de efeitos concretos, despidos de abstração e generalidade, meros atos administrativos). Caso contrário, haveria o risco de a ação popular ser utilizada à guisa de ação direta de inconstitucionalidade, em violação à primazia do STF no controle concentrado de constitucionalidade. (...)” (Masson, Cleber et alii in Interesses Difusos e Coletivos – Esquematizado, 3ª ed., São Paulo, Editora Método, 2013, p. 284-285) (grifei).

 

E também:

 

“(...) Ainda em relação ao objeto, Hely Lopes Meirelles aponta que ‘hoje é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que não cabe ação popular para invalidar lei em tese, ou seja, a norma geral, abstrata, que apenas estabelece regras de conduta para sua aplicaçãoEm tais casos, é necessário que a lei renda ensejo a algum ato concreto de execução, para ser atacado pela via popular e declarado ilegítimo e lesivo ao patrimônio público, se assim o for.’ (Meirelles, Hely Lopes. Estudos e pareceres de direito público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 369, v. 9)”, in Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional, 23ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 183) (grifei).

 

No mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica por meio dos seguintes precedentes:

 

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR NA QUAL SE PÕE COMO PEDIDO E CAUSA DE PEDIR DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N. 1/1999 DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DE JUIZ SINGULAR PARA DECLARAR INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA EM TESE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MAQUIADA SOB TÍTULO DE AÇÃO POPULAR. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (Rcl 31818 AgR, Relatora: Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, julgado em 20/04/2020, DJe-099  divulg. 23-04-2020  public. 24-04-2020) (grifei)

 

“EMENTA: Reclamação: procedência: usurpação da competência do STF (CF, art. 102, I, a). Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade de leis federais, da privativa competência originária do Supremo Tribunal” (Reclamação n. 2.224/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 10.2.2006) (grifei)

 

“EMENTA: Reclamação: usurpação da competência do STF (CF, art. 102, I, l): ação popular que, pela causa de pedir e pelo pedido de provimento mandamental formulado, configura hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade por omissão de medidas administrativas, de privativa competência originária do Supremo Tribunal: procedência” (Rcl 1017, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 07/04/2005, DJ   03-06-2005 PP-00004      ement. Vol-02194-01 PP-00040 LEXSTF v. 27, n. 320, 2005, p. 228-238 RTJ VOL-00194-01 PP-00044) (grifei)

 

“RECLAMAÇÃO. CONTROLE CONCENTRADO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AS AÇÕES EM CURSO NA 2. E 3. VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO - OBJETO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO - NÃO VISAM AO JULGAMENTO DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA CONCRETA, MAS AO DA VALIDADE DE LEI EM TESE, DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO SUPREMO TRIBUNAL (ARTIGO 102-I-A DA CF). CONFIGURADA A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO PARA O CONTROLE CONCENTRADO, DECLARASE A NULIDADE "AB INITIO" DAS REFERIDAS AÇÕES, DETERMINANDO SEU ARQUIVAMENTO, POR NÃO POSSUIREM AS AUTORAS LEGITIMIDADE ATIVA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE” (Reclamação n. 434/SP, Relator Min. Francisco Rezek, Plenário, DJ 9.12.1994)

 

Sendo assim, o pedido de declaração de nulidade do Projeto de Lei Orçamentária e da Lei Orçamentária de 2021 (porque não teriam contemplado a “renda básica” prevista na Lei 10.835/2004) configura hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de competência originária e privativa do Supremo Tribunal, e não hipótese de ação popular.

 

Em que pese a existência do princípio da instrumentalidade das formas, impossível sua aplicação no caso em comento, haja vista que a ação popular e a ação direta de inconstitucionalidade possuem legitimados ativos, competência e requisitos sobremodo diferentes.

 

Mostra-se incabível, portanto, a presente ação popular, por ausência de uma das condições da ação, precisamente o interesse de agir na modalidade de adequação da via processual eleita.

 

Não vejo, na atuação da juíza de primeiro grau, qualquer hipótese ensejadora de intervenção da Corregedoria-Geral da Justiça Federal ou, mesmo, da Corregedoria-Regional da Justiça Federal da 3ª Região, sem prejuízo, é certo, de que o próprio apelante dirija-se aos referidos órgãos, se assim entender por bem de fazê-lo.

 

Por fim, mantida a extinção do processo, resta prejudicado o pedido de nomeação de juiz de garantias, pedido que, assim, não se conhece.

 

Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, NEGO PROVIMENTO à apelação, bem como NEGO PROVIMENTO à remessa necessária.

 

Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/85.

 

É como voto.

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. LEI EM TESE. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO RESERVADOS À AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CARÊNCIA DE AÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E NÃO PROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA.

1. Os autores pretendem, em síntese, a obtenção da declaração de nulidade do Projeto de Lei Orçamentária e da Lei Orçamentária anual, por não contemplarem a “renda básica” prevista na Lei n.10.835/2004.

2. A sentença julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por falta de uma das condições da ação – o interesse processual, nos termos do artigo 485, VI, do CPC.

3. O pedido de declaração de nulidade do Projeto de Lei Orçamentária e da Lei Orçamentária de 2021 (porque não teriam contemplado a “renda básica” prevista na Lei 10.835/2004) configura hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade, de competência originária e privativa do Supremo Tribunal, e não hipótese de ação popular.

4. O pedido formulado tem como objeto uma lei em sentido formal, dotada de abstração e generalidade, o que impossibilita sua formulação por meio de ação popular. Entendimento doutrinário e jurisprudencial. Precedentes do STF.

5. Inexistência de situação ensejadora de comunicação aos órgãos correicionais, sem prejuízo de que o próprio interessado o faça, se assim entender por bem de fazê-lo.

6. Apelação prejudicada e, assim, não conhecida na parte em que requer a designação de juiz de garantias.

7. Apelação parcialmente conhecida e, na parte conhecida, não provida. Remessa necessária não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, CONHECEU EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, NEGOU PROVIMENTO à apelação, bem como NEGOU PROVIMENTO à remessa necessária. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.