APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005910-42.2016.4.03.6106
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES
Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437
APELADO: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, M. C. D. S. B., VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437
Advogado do(a) APELADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
Advogado do(a) APELADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOSA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005910-42.2016.4.03.6106 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437 Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437 R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação à sentença de procedência que, com acolhimento de embargos declaratórios, condenou solidariamente o réu e a concessionária denunciada, em ação indenizatória, ao pagamento de pensão mensal no valor de um salário mínimo, rateado entre as autoras (à filha até a data em que completar 25 anos, e à viúva, até a data em que o falecido atingisse 70 anos), além de indenização por danos materiais no valor de R$ 4.600,00, com atualização monetária a partir do evento danoso, e danos morais no valor de R$ 150.000,00 para cada autora, com atualização monetária a partir da citação e incidência de juros de mora desde o evento danoso, fixando verba honorária de 15% sobre o valor da condenação, a cargo dos réus, e de 10% sobre o valor da diferença entre o valor da causa e o da condenação, a cargo das autoras, suspensa a execução, quanto a estas, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC. Em apelação, a PROMEDE ENGENHARIA LTDA. sustentou que: (1) é parte ilegítima para figurar no polo passivo, pois não há elementos que comprovem sua culpa no evento danoso, devendo ser indeferida a denunciação à lide, por constituir lide incidental, que em nada beneficia as requentes, apenas a denunciante; (2) eventual direito regressivo deve ser exercido em ação autônoma, no foro de eleição pactuado (cláusula 15ª do contrato), para que haja comprovação efetiva de dolo ou culpa; (3) não há prova de nexo causal entre qualquer conduta omissiva na execução contratual e eventuais ônus advindos da presente ação indenizatória, pois o DNIT afirma que a execução contratual era adequadamente prestada, a rodovia encontrava-se em bom estado de conservação, com presença de sinalização vertical e horizontal normatizada no local, tendo o acidente sido causado por culpa exclusiva da vítima, conforme apontado pelo laudo técnico pericial; (4) a condenação solidária é indevida, pois deveria limitar-se à declaração do direito regressivo em favor da denunciante; (5) não foram apreciadas excludentes da responsabilidade imputada pelo denunciante DNIT, como falta de remuneração por seis meses na época do acidente e chuva intensa que impediu realização de manutenção na pista, por orientação e aquiescência do próprio órgão federal; (6) “era remunerada exclusivamente pelos serviços efetivamente programados e executados, que são medidos pelo contratante e posteriormente pagos, ou seja, a empresa contratada não recebia ‘uma mensalidade’ para fazer a manutenção da rodovia” assim, “no período que antecedeu o acidente [...] a fiscalização determinou que a empresa executasse somente os serviços corretivos, sem executar nenhum serviço preventivo”; (7) “o quantitativo do serviço de tapa buraco do contrato em comento havia terminado no mês de setembro de 2015, e não mais foi acrescido pelo DNIT, como se pode observar nas medições de serviços realizadas pelo próprio órgão”, além de que serviços de implantação de sinalização não foram contemplados no contrato, apenas os de manutenção da sinalização vertical já existente; (8) vários fatores podem ter contribuído para o acidente, como longa viagem com curtos períodos de descanso, período noturno, tempo instável, excesso de carga, conservação do veículo, velocidade incompatível com a via e condições de trafegabilidade, entre outras; (9) não há prova técnica a respaldar a versão das requerentes, mas apenas depoimentos de testemunhas e documentos, ao contrário do parecer técnico juntado à contestação, que não foi apreciado na íntegra, incorrendo em cerceamento de defesa e violação ao artigo 93, IX, da CF; (10) subsidiariamente, a pensão deve ser fixada em 2/3 de um salário mínimo, tendo como limite, quanto à viúva, a data em que a vítima completaria 65 anos e, quanto à filha até que esta complete 21 anos, ressalvado o caso de extinção da obrigação pelo casamento das beneficiadas; (11) considerados os fatores de culpa excludente ou concorrente da vítima, a indenização por danos morais deve ser excluída, ou quando menos, reduzida a R$ 40.000,00, para evitar enriquecimento indevido; e (12) deve ser excluída dos danos materiais parcela referente a despesas com alimentação, combustível e pedágio, por ausência de comprovação. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT alegou, em suma, que: (1) considerando as condições do tempo, o acidente apenas seria possível com, no mínimo, culpa concorrente da vítima; (2) não se configura a culpa do DNIT, pois não provada omissão na conservação da rodovia, que se encontrava em bom estado, conforme boletim de ocorrência; (3) pelo longo trajeto percorrido, é possível afirmar que o condutor estava cansado e, estando de noite e com chuva, é possível concluir por culpa concorrente ou exclusiva da vítima, não havendo prova de que o buraco teria sido causador exclusivo do dano; (4) não cabe ao DNIT a execução direta das obras de manutenção, devendo ser afastada responsabilidade solidária, para condenação exclusiva da empresa contratada para tal fim, com a procedência da denunciação à lide; (5) não foram provados danos materiais referentes à viagem para o local do acidente; e (6) danos morais devem ser reduzidos pela metade, valor condizente com fatos e eventual participação na ocorrência do acidente. Houve contrarrazões. O parecer ministerial foi pela manutenção da sentença. É o relatório.
APELADO: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, M. C. D. S. B., VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
Advogado do(a) APELADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005910-42.2016.4.03.6106 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES Advogado do(a) APELANTE: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437 Advogado do(a) APELADO: ROGERIO ALBERTO BERETA - SP91437 V O T O Senhores Desembargadores, sendo o DNIT o órgão legalmente incumbido da tarefa de administrar rodovias federais, tem dever jurídico, sem dúvida alguma, de garantir a segurança e trafegabilidade das respectivas vias, afastando, assim, a ilegitimidade passiva invocada, sendo, de resto, concernente ao mérito a discussão em torno de eventual ruptura da relação de causalidade, por conduta eventualmente imputável ao próprio motorista. Assiste, porém, razão à concessionária denunciada PROMEDE ENGENHARIA LTDA, pois não prospera, no bojo da presente ação, imputar responsabilidade à empresa privada, já que o contrato acostado não se refere à administração e fiscalização da rodovia, mas à prestação de serviços de manutenção, sob orientação do DNIT (ID 122831735, f. 38/50), de modo que eventual direito regressivo deve ser discutido em ação autônoma com instrução probatória própria, sob pena de tumultuar indevidamente a presente lide. Neste sentido: REsp 1.501.216, Rel. Des. Fed. Conv. OLINDO MENEZES, DJE 22/02/2016: “PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE. RODOVIA EM OBRAS. TETRAPLEGIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO E DA CONCESSIONÁRIA. ACÓRDÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. JULGADO CITRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. NEXO CAUSAL E CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS E PROBATÓRIAS. VALOR DO DANO MORAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. SÚMULAS 54/STJ E 362/STJ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PODER PÚBLICO. DESNECESSIDADE. CELERIDADE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. Hipótese que cuida de indenização deferida à recorrida, em razão de acidente ocorrido em 23/11/2009, na Rodovia BR - 101, sob a administração da concessionária recorrente, que lhe causou tetraplegia traumática definitiva, tendo o acórdão de origem condenado (também) a concessionária e o DNIT, de forma solidária. O particular causador do acidente já fora condenado pela sentença. 2. O acórdão que, apesar de não mencionar expressamente todos os dispositivos legais destacados pelo recorrente, aborda na íntegra os pontos essenciais para o deslinde da controvérsia, não incorre em violação ao comando normativo inserto no art. 535 do CPC. 3. Nexo causal e culpa exclusiva da vítima, via de regra, caracterizam-se como circunstâncias fáticas inviáveis de exame em recurso especial, haja vista a necessidade de incursão no contexto probatório, incidindo a súmula 7/STJ. 4. Da mesma forma, o valor dos danos morais somente pode ser revisto pelo STJ quando for ínfimo ou exorbitante em face das circunstâncias do caso, não sendo cabível, no âmbito da Corte, o reexame de "justo" e/ou das provas dos autos, situação que também atrai o óbice contido na súmula 7/STJ. 5. Consoante jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, os juros moratórios inerentes aos danos morais incidem desde a data do evento, mediante aplicação da súmula 54/STJ (Recurso representativo da controvérsia nº 1132866/SP). A correção monetária, desde a data do arbitramento, nos moldes do enunciado da súmula 362/STJ ("A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.") 6. A obrigatoriedade da denunciação da lide deve ser mitigada em ações indenizatórias propostas em face do poder público pela matriz da responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º - CF). O incidente quase sempre milita na contramão da celeridade processual, em detrimento do agente vitimado. Isso, todavia, não inibe eventuais ações posteriores fundadas em direito de regresso, a tempo e modo. 7. Recurso especial da AUTOPISTA LITORAL SUL S.A. desprovido. AgRg no AREsp 534.613, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 02/02/2015: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. BURACO NA PISTA. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESNECESSIDADE. 1. O STJ entendimento de não ser obrigatória a denunciação à lide de empresa contratada pela administração para prestar serviço de conservação de rodovias, nas ações de indenização baseadas na responsabilidade civil objetiva do Estado. 2. Agravo Regimental não provido.” AI 5023571-94.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. MONICA NOBRE, e - DJF3 Judicial 1 28/11/2019: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DNIT. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE À EMPRESA RESPONSÁVEL PELA MANUTENÇÃO DA RODOVIA. DENUNCIAÇÃO NÃO OBRIGATÓRIA. AGRAVO IMPROVIDO. - Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes - DNIT em face da decisão que indeferiu pedido de denunciação da lide à empresa responsável pela manutenção da rodovia. - A discussão envolve a responsabilidade objetiva do agravante, nos termos do artigo 37, §6º, da Constituição Federal, de modo que a inclusão da empresa responsável pela manutenção da rodovia implicaria na admissão de novo fundamento, qual seja, o da responsabilidade subjetiva da empresa, não constante da lide originária. - Em se tratando de caso em que se discute a responsabilidade civil objetiva do Estado, a denunciação da lide não é obrigatória e, portanto, o agravante poderá pleitear o ressarcimento de eventuais prejuízos em ação autônoma regressiva, ocasião em que poderá discutir a suposta conduta dolosa ou culposa por parte da empresa contratada. Precedente do STJ. - Agravo de instrumento improvido." AI 0005592-78.2015.4.03.0000, Rel. Des. Fed. DIVA MALERBI, e-DJF3 Judicial 1 16/08/2019: "PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO EM RODOVIA. INVIABILIDADE. RESPONSABILIDADE DISTINTA. AÇÃO REGRESSIVA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedaneada em jurisprudência consolidada do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso. 2. A questão vertida nos autos cinge-se à possibilidade de denunciação da lide pelo Departamento Nacional de Infra Estrutura de Transportes - DNIT à empresa responsável pela restauração e manutenção de trecho da rodovia em que ocorreu acidente automobilístico por conta de desnível no acostamento e ausência de sinalização. 3. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido da inviabilidade da denunciação da lide na hipótese em que se objetiva discutir responsabilidade de natureza distinta daquela que é discutida na ação originária calcada no art. 37, § 6º, da CF/88, envolvendo o autor e o réu-denunciante, cuja abordagem prejudicaria o regular andamento da ação indenizatória proposta pelo autor em face do réu e ante a possibilidade de ajuizamento posterior de eventual ação regressiva. Precedentes. 4. Ressalte-se que o E. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que não cabe a denunciação quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso, mesmo tendo em vista o previsto no art. 70, III, do CPC/1973. Precedentes. 5. Na hipótese dos autos, observa-se que o autor ajuizou a ação originária em face do DNIT e da UNIÃO FEDERAL visando reparação por acidente automobilístico com fundamento no artigo 37, §6º, da Constituição Federal. 6. Da leitura do contrato de empreitada para a restauração e manutenção de trecho da Rodovia BR-163/MS (fls. 114/118), constata-se não haver cláusula que obrigue a empresa contratada, ora agravante, a ressarcir o Departamento Nacional de Infra Estrutura de Transportes-DNIT no caso de eventuais acidentes de trânsito que possam ocorrer na Rodovia sob sua restauração e manutenção. 7. De fato, tal contrato não transfere a ora agravante a responsabilidade pela fiscalização da rodovia, trata-se apenas de um contrato de execução de obras de restauração e manutenção sobre a efetiva fiscalização e orientação do próprio DNIT, cabendo a este, na hipótese de condenação no dever de indenizar, exercer o seu direito de regresso, por meio de ação própria, se assim entender. 8. Inadmissível, in casu, a denunciação da lide com fundamento no art. 70, III, do Código de Processo Civil, pelo que merece ser reformada a r. decisão agravada. 9. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida. 10. Agravo interno desprovido." Na espécie, o Juízo admitiu a denunciação da lide pelo DNIT à empresa PROMEDE ENGENHARIA LTDA, porém não procedeu ao respectivo julgamento, conforme determinado pelo artigo 129, caput, CPC, sequer promovendo instrução probatória para tanto necessária, ou mesmo o devido contraditório acerca dos fatos e argumentos suscitados especificamente quanto à ampliação da lide promovida, impedindo seja tal causa conhecida e examinada diretamente nesta Corte. Assim, neste contexto e nos termos da jurisprudência consolidada, cabe excluir da lide a empresa PROMEDE ENGENHARIA LTDA., assegurado, porém, em via própria, o exercício de eventual direito de regresso do DNIT nos termos do artigo 125, § 1º, CPC. No mérito, resta consolidada a jurisprudência no sentido de que a reparação civil fundada em danos decorrentes de acidente de trânsito em rodovia exige demonstração de conduta estatal, por ação ou omissão, e relação de causalidade com o dano apurado. A doutrina e jurisprudência não são unânimes no trato da natureza da responsabilidade do Estado em caso de omissão. Embora assente ser objetiva a responsabilidade estatal por ato comissivo, relevante divergência tem sido levantada quando se trata de ato omissivo, para a qual exigida comprovação de dolo ou culpa, elementos atrelados à responsabilidade subjetiva. De fato, a responsabilidade do DNIT envolve não responsabilidade apenas objetiva, mas subjetiva, por culpa, considerada a negligência no dever que tem de conservação da rodovia, permitindo que veículos trafeguem em pista com existência de buracos passíveis de causar acidentes. Tratando-se de conduta omissiva, a jurisprudência entende que a responsabilização estatal é subjetiva, ou seja, sendo necessária a demonstração de dolo ou culpa, que se encontram presentes na espécie. A propósito da violação de dever legal, dispõe o artigo 82, I e IV da Lei 10.233/2001 que "são atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação [...] estabelecer padrões, normas e especificações técnicas para os programas de segurança operacional, sinalização, manutenção ou conservação, restauração ou reposição de vias, terminais e instalações [...] administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovia". Destarte, a existência de buraco na pista configura omissão relevante e grave no cumprimento de dever imposto legalmente, havendo, assim, conduta negligente a demonstrar culpa da requerida, necessária e suficiente para a imputação de responsabilidade civil. Segundo consta dos autos, GERSON BARBOSA, pai e cônjuge das autoras, veio a óbito ao sofrer acidente, em 13/01/2016, na condução de veículo (caminhão Ford F-350) no quilômetro 106,3 da estrada BR 452, no município de Bom Jesus de Goiás, ocasionado por buraco na pista de rolamento, de grandes proporções e localizado na cabeceira de uma ponte, provocando perda de controle do veículo, que, colidindo com guarda-corpos existente no local, precipitou-se sobre córrego abaixo da via. A morte foi por “traumatismo crânio encefálico com perda de substância cerebral na região occipital” (ID 122831734, f. 63/5). A existência da irregularidade no piso asfáltico da rodovia não foi contestada, constando, ademais, do Boletim de Acidente de Trânsito lavrado (ID 122831734, f. 70/4), além de noticiada em jornal regional digital local, que relatou, inclusive, que até mesmo a viatura de socorro acionada para o evento foi avariada por buracos nas faixas de rolamento, não conseguindo atingir o destino (ID 122831734, f. 69). Ainda, as fotografias carreadas evidenciam que tal buraco, de expressiva profundidade e à entrada da ponte, ocupava quase 50% da única faixa de rolamento no sentido em que trafegava o veículo acidentado (ID 122831734, f. 75/89). De outra parte, os elementos de prova constantes dos autos a respeito do contexto em que ocorrido o evento convergem para a inexistência de culpa ou qualquer histórico desabonador do condutor do veículo, ou ainda de qualquer outro fator interveniente relevante. Com efeito, consta dos autos que o motorista era condutor habilitado, não estava alcoolizado, conforme atestou resultado negativo do exame de alcoolemia realizado (ID 122831734, f. 90/1) e não possuía registro de qualquer infração concernente à condução de veículos nos últimos doze meses (f. 92/5 de mesmo ID). Ainda, em que pese os fatos tenham se dado em período noturno (22:15h) de dia chuvoso, o passageiro também era habilitado para a condução do veículo, e revezava a direção com a vítima falecida, além de fazerem pausas periódicas e pernoites, o que afasta a alegação de direção sob condições insatisfatórias de descanso ou de que houvesse adormecido inadvertidamente ao volante. Não há qualquer prova de que o veículo estivesse acima do limite de velocidade no momento do evento. Ademais, como registrado no Boletim de Acidente de Trânsito, a vítima usava cinto de segurança, os pneus do veículo conduzido estavam em bom estado, não havia marcas de frenagem na faixa de rolamento, o veículo estava apenas semicarregado e o trecho da via em que ocorrido o acidente é desprovido de sinalização luminosa de qualquer sorte, informação esta ratificada pelas fotos anexadas, que revelam, inclusive, inexistir qualquer evidência de que a irregularidade na via estava sinalizada de qualquer forma. Trata-se, nesta medida, de malferimento ao artigo 94, caput, do Código de Trânsito Brasileiro: “Art. 94. Qualquer obstáculo à livre circulação e à segurança de veículos e pedestres, tanto na via quanto na calçada, caso não possa ser retirado, deve ser devida e imediatamente sinalizado.” Tal cenário sugere que, de fato, o buraco sequer foi visto pelo condutor, o que, em consonância à consistente demonstração de ausência de sinalização e iluminação do local e à inexistência de indício de qualquer fato imputável ao condutor, sinaliza, robustamente, neste momento processual, a culpa, por omissão, da autarquia, responsável pela manutenção da via, nos termos dos artigos 80 e 82, I e IV, da Lei 10.233/2001. Resta, pois, configurada relação de causalidade entre conduta estatal e dano sofrido, dada a negligência do DNIT em promover os devidos reparos na via sob sua responsabilidade. Portanto, sem qualquer indicativo nos autos de que houve condução perigosa ou em desacordo às normas de segurança, é indevido imputar ao próprio motorista, sem o mínimo lastro probatório, a responsabilidade por acidentes ocorridos em rodovias mal conservadas e sem a devida sinalização, em detrimento das obrigações legais do réu, não cabendo, assim, cogitar de excludente ou minorante de culpa na conduta estatal. Deixar de conservar e sinalizar corretamente vias públicas revela, sem dúvida, mais do que apenas possível relação objetiva de causa e efeito, mas, de fato, inexoravelmente leva ao reconhecimento inequívoco de conduta subjetivamente culposa, por falta de cuidado e de zelo com o patrimônio público e com o direito dos usuários de tais vias, capaz de produzir lesão a bem jurídico na perspectiva mais elementar de previsibilidade quanto ao que normalmente ocorreria em circunstâncias que tais. A respeito dos danos materiais referentes à viagem para o local do acidente, conquanto não tenham sido documentalmente comprovados os gastos, o Juízo considerou a média dos custos à luz do caso concreto, restando a sentença devidamente fundamentada nos seguintes termos: “as autoras também pretendem o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) a título de gastos com alimentação, combustível e pedágio, isso porque houve necessidade de deslocamento até o local do acidente, na cidade de Bom Jesus de Goiás/GO, que dista mais de 400 (quatrocentos) Km da cidade de Guapiaçu/SP, local onde residem. Sobre isso, ainda que não tenham comprovado o valor gasto por meio de notas fiscais, considerando a situação concreta, reputo suficiente e razoável o valor pleiteado pelas autoras”. Quanto à indenização por danos morais, cabe ressaltar que o valor fixado na sentença, de R$ 150.000,00 para cada uma das autoras, encontra-se razoável e proporcional diante das circunstâncias específicas do caso, com resultado morte sem qualquer culpa ou contribuição da vítima no acidente, à luz da jurisprudência da Corte Superior: AgInt no REsp 1.895.036, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/04/2021: “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. MÁ CONSERVAÇÃO. CULPA DO SERVIÇO. CONFIGURAÇÃO E RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. RESPONSABILIDADE DO DNIT. DANOS MORAIS. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte Superior tem arbitrado, em regra, para as hipóteses de dano-morte, a indenização por dano moral em valores entre 300 e 500 salários mínimos. 2. Na hipótese, verifica-se que o Tribunal a quo, ao fixar o valor da compensação por danos morais em R$ 80.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos agravados, o fez em patamar irrisório, distanciando-se dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. 3. Majoração da verba indenizatória para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) - dividido de forma igualitária para os recorridos -, montante reputado adequado para o presente caso, uma vez que este Tribunal Superior tem prelecionado ser razoável a condenação em até 500 (quinhentos) salários mínimos para a entidade familiar afetada por indenização decorrente de morte. 4. Agravo Interno não provido.” Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da empresa PROMEDE ENGENHARIA LTDA para reconhecer sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda, sem prejuízo de ser a tempo e modo acionada em via regressiva pela autarquia federal, e nego provimento à apelação do DNIT. É como voto.
APELADO: PROMEDE-ENGENHARIA LTDA, M. C. D. S. B., VERA LUCIA DOS SANTOS BARBOSA
Advogado do(a) APELADO: WAGNER DE SOUZA COSTA - SP133902
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E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE EM RODOVIA. BURACO NA PISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DNIT. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. EMPRESA CONTRATADA PARA REPARO, MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DA VIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
1. Sendo o DNIT o órgão legalmente incumbido da tarefa de administrar rodovias federais, tem dever jurídico, sem dúvida alguma, de garantir a segurança e trafegabilidade das respectivas vias, afastando, assim, a ilegitimidade passiva invocado, sendo concernente ao mérito a discussão em torno de eventual ruptura da relação de causalidade, por conduta eventualmente imputável ao próprio motorista.
2. Não prospera, no bojo da presente ação, imputar responsabilidade à empresa privada, já que o contrato acostado não se refere à administração e fiscalização da rodovia, mas à prestação de serviços de manutenção, sob orientação do DNIT, devendo eventual direito regressivo ser discutido em ação autônoma com instrução probatória própria, sob pena de tumultuar indevidamente a presente lide. Na espécie, o Juízo admitiu a denunciação da lide pelo DNIT à empresa contratada, porém não procedeu ao respectivo julgamento, conforme determinado pelo artigo 129, caput, CPC, sequer promovendo instrução probatória para tanto necessária, ou mesmo devido contraditório acerca dos fatos e argumentos suscitados especificamente quanto à ampliação da lide promovida, impedindo seja tal causa conhecida e examinada diretamente nesta Corte. Assim, neste contexto e nos termos da jurisprudência consolidada, cabe excluir da lide a empresa contratada, assegurado eventual direito de regresso do DNIT nos termos do artigo 125, § 1º, CPC.
3. No mérito, resta consolidada a jurisprudência no sentido de que a reparação civil fundada em danos decorrentes de acidente de trânsito em rodovia exige demonstração de conduta estatal, por ação ou omissão, e relação de causalidade com o dano apurado. A doutrina e jurisprudência não são unânimes no trato da natureza da responsabilidade do Estado em caso de omissão. Embora assente ser objetiva a responsabilidade estatal por ato comissivo, relevante divergência tem sido levantada quando se trata de ato omissivo, para a qual exigida comprovação de dolo ou culpa, elementos atrelados à responsabilidade subjetiva.
4. De fato, a responsabilidade do DNIT envolve não responsabilidade apenas objetiva, mas subjetiva, por culpa, considerada a negligência no dever que tem de conservação da rodovia, permitindo que veículos trafeguem em pista com existência de buracos passíveis de causar acidentes. Tratando-se de conduta omissiva, a jurisprudência entende que a responsabilização estatal é subjetiva, ou seja, sendo necessária a demonstração de dolo ou culpa, que se encontram presentes na espécie. A existência de buraco na pista configura omissão relevante e grave no cumprimento de dever imposto legalmente, havendo, assim, conduta negligente a demonstrar culpa da requerida, necessária e suficiente para a imputação de responsabilidade civil.
5. Segundo consta dos autos, a vítima, pai e cônjuge das autoras, veio a óbito ao sofrer acidente, em 13/01/2016, na condução de veículo (caminhão Ford F-350) no quilômetro 106,3 da estrada BR 452, no município de Bom Jesus de Goiás, ocasionado por buraco na pista de rolamento, de grandes proporções e localizado na cabeceira de uma ponte, provocando perda de controle do veículo, que, colidindo com guarda-corpos existente no local, precipitou-se sobre córrego abaixo da via. A existência da irregularidade no piso asfáltico da rodovia não foi contestada, constando, ademais, do Boletim de Acidente de Trânsito lavrado, além de noticiada em jornal regional digital local, que relatou, inclusive, que até mesmo a viatura de socorro acionada para o evento foi avariada por buracos nas faixas de rolamento, não conseguindo atingir o destino. Ainda, as fotografias carreadas evidenciam que tal buraco, de expressiva profundidade e à entrada da ponte, ocupava quase 50% da única faixa de rolamento no sentido em que trafegava o veículo acidentado.
6. Os elementos de prova constantes dos autos a respeito do contexto em que ocorrido o evento convergem para inexistência de culpa ou qualquer histórico desabonador do condutor do veículo, ou ainda de qualquer outro fator interveniente relevante. Com efeito, consta dos autos que o motorista era condutor habilitado, não estava alcoolizado, conforme atestou resultado negativo do exame de alcoolemia realizado e não possuía registro de qualquer infração concernente à condução de veículos nos últimos doze meses. Ainda, em que pese os fatos tenham se dado em período noturno (22:15h) de dia chuvoso, o passageiro também era habilitado para a condução do veículo, e revezava a direção com a vítima falecida, além de fazerem pausas periódicas e pernoites, o que afasta a alegação de direção sob condições insatisfatórias de descanso ou de que houvesse adormecido inadvertidamente ao volante. Não há qualquer prova de que o veículo estivesse acima do limite de velocidade no momento do evento. Ademais, como registrado no Boletim de Acidente de Trânsito, a vítima usava cinto de segurança, os pneus do veículo conduzido estavam em bom estado, não havia marcas de frenagem na faixa de rolamento, o veículo estava apenas semicarregado e o trecho da via em que ocorrido o acidente é desprovido de sinalização luminosa de qualquer sorte, informação esta ratificada pelas fotos anexadas, que revelam, inclusive, inexistir qualquer evidência de que a irregularidade na via estava sinalizada de qualquer forma. Trata-se, nesta medida, de malferimento ao artigo 94, caput, do Código de Trânsito Brasileiro.
7. Tal cenário sugere que, de fato, o buraco sequer foi visto pelo condutor, o que, em consonância à consistente demonstração de ausência de sinalização e iluminação do local e à inexistência de indício de qualquer fato imputável ao condutor, sinaliza, robustamente, neste momento processual, a culpa, por omissão, da autarquia, responsável pela manutenção da via, nos termos dos artigos 80 e 82, I e IV, da Lei 10.233/2001. Resta, pois, configurada a relação de causalidade entre a conduta estatal e o dano sofrido, dada a negligência do DNIT em promover os devidos reparos na via sob sua responsabilidade. Portanto, sem qualquer indicativo nos autos de que houve condução perigosa ou em desacordo às normas de segurança, é indevido imputar ao próprio motorista, sem o mínimo lastro probatório, a responsabilidade por acidentes ocorridos em rodovias mal conservadas e sem a devida sinalização, em detrimento das obrigações legais do réu, não cabendo, assim, cogitar de excludente ou minorante de culpa na conduta estatal. Deixar de conservar e sinalizar corretamente vias públicas revela, sem dúvida, mais do que apenas possível relação objetiva de causa e efeito, mas, de fato, inexoravelmente leva ao reconhecimento inequívoco de conduta subjetivamente culposa, por falta de cuidado e de zelo com o patrimônio público e com o direito dos usuários de tais vias, capaz de produzir lesão a bem jurídico na perspectiva mais elementar de previsibilidade quanto ao que normalmente ocorreria em circunstâncias que tais.
8. A respeito dos danos materiais referentes à viagem ao local do acidente, conquanto não tenham sido documentalmente comprovados os gastos, o Juízo considerou a média dos custos à luz do caso concreto, restando a sentença devidamente fundamentada nos seguintes termos: “as autoras também pretendem o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) a título de gastos com alimentação, combustível e pedágio, isso porque houve necessidade de deslocamento até o local do acidente, na cidade de Bom Jesus de Goiás/GO, que dista mais de 400 (quatrocentos) Km da cidade de Guapiaçu/SP, local onde residem. Sobre isso, ainda que não tenham comprovado o valor gasto por meio de notas fiscais, considerando a situação concreta, reputo suficiente e razoável o valor pleiteado pelas autoras”.
9. Quanto à indenização por danos morais, cabe ressaltar que o valor fixado pela sentença, de R$ 150.000,00 para cada uma das autoras, encontra-se razoável e proporcional diante das circunstâncias específicas do caso, com resultado morte sem qualquer culpa ou contribuição da vítima no acidente, à luz da jurisprudência da Corte Superior.
10. Apelação da empresa denunciada parcialmente provida e apelação do DNIT desprovida.