Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003902-11.2019.4.03.6103

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: EMBRAER S.A.

Advogado do(a) APELADO: JOSE PAULO DE CASTRO EMSENHUBER - SP72400-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003902-11.2019.4.03.6103

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: EMBRAER S.A.

Advogado do(a) APELADO: JOSE PAULO DE CASTRO EMSENHUBER - SP72400-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação fazendária e remessa oficial à sentença concessiva de segurança, em mandado impetrado objetivando, em síntese (ID 127952568, f. 20):
 

 

"c) ao final, com a convalidação da medida liminar pleiteada, requer seja CONCEDIDA A SEGURANÇA em definitivo para assegurar o direito líquido e certo da Impetrante de se submeter à alíquota zero (0%) do IOF-Câmbio nas operações de câmbio relativas ao ingresso no País de valores com natureza de receitas de exportação, ainda que os recursos tenham permanecido ou permaneçam por tempo determinado ou indeterminado em contas no exterior, nos termos do artigo 15-B, inciso I, do Decreto nº 6.306/07, afastando-se a aplicação do entendimento consignado pela RFB, que vincula a Autoridade Impetrada, na Solução de Consulta COSIT 246/18, bem como desobrigando e desonerando os responsáveis tributários (instituições financeiros) pela retenção e pagamento do referido imposto, sendo-lhe, ainda, reconhecido o direito à compensação dos valores indevidamente recolhidos com débitos de todos e quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (União Federal), sem qualquer limitação ou restrição administrativa imposta, notadamente as IN RFB 1.300/12, e eventuais normativos posteriores, entre outras aplicáveis à espécie, tudo com a devida atualização monetária integral desde a época de cada recolhimento efetuado a maior, com a incidência de juros compensatórios à base de 1% ao mês, aplicando-se a taxa SELIC, nos termos do artigo 39, da Lei 9.250/95, acrescidos de juros moratórios a partir do trânsito em julgado."
 

 

Apelou a Fazenda Nacional, alegando que: (1) após prolação da sentença, a Solução de Consulta COSIT 246/2018 foi reformada pela Solução de Consulta COSIT 231, de 15/07/2019, entendendo que não podem ser aplicadas à generalidade dos casos as afirmações contidas na Solução de Consulta 246 Cosit no sentido de que a remessa dos recursos ao Brasil em data posterior ao depósito já "não fará parte de um processo de exportação e estará sujeito à alíquota de 0,38%, conforme o Decreto n.º 6.306, art. 15-B, caput"; (2) a incidência da alíquota zero de IOF nas operações de câmbio relativas ao ingresso no País de receitas de exportação deve ser interpretada no sentido de que se aplica alíquota zero prevista no inciso I do artigo 15-B do Decreto 6.306/2007 sempre que houver liquidação de contrato de câmbio de exportação que tenha observado forma e prazos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional e BACEN, independentemente de os recursos terem sido inicialmente recebidos em conta mantida no exterior, conforme autorizado pela legislação nacional; (3) mesmo após reforma da Solução de Consulta COSIT 246/2018, não se pode acolher a tese da impetrante de que o único critério relevante, para incidência da alíquota zero prevista no inciso I do artigo 15-B do Decreto 6.306/2007, seria a origem da receita; (4) até 2006, os recursos em moeda estrangeira recebidos por exportações deveriam ingressar no país, obrigatoriamente, por meio de operação de câmbio, e a Lei 11.371/2006 permitiu que tais recursos fossem mantidos em instituição financeira no exterior, observados limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional; (5) de acordo com o § 2º do artigo 1º da Lei 11.371/2006, os recursos mantidos no exterior somente podem ser utilizados para realização de investimento, aplicação financeira ou pagamento de obrigação próprios do exportador, vedada realização de empréstimo ou mútuo de qualquer natureza; (6) a decisão de manter ou não os recursos no exterior é exclusiva do exportador, nos termos do § 1º, do artigo 8º da Lei 11.371/2006; (7) para regulamentar o disposto na Resolução CMN 3.568/2008, o BACEN publicou a Circular 3.691, de 16/12/2013; (8) a Lei 8.894, de 21/06/1994, além de fixar alíquota máxima dos impostos previstos no inciso V do artigo 153 da CF, dispõe que a alíquota do IOF-câmbio, a ser fixada pelo Poder Executivo com observância do limite de que trata o artigo 5º da lei, incide sobre o valor da liquidação da operação cambial; (9) é possível afastar desde logo a interpretação que contesta a Solução de Consulta 246-Cosit, pois a tese de que o único critério relevante seria a origem da receita conduziria à absurda conclusão de que seria aplicável o benefício da alíquota zero à operação de câmbio liquidada cinquenta ou cem anos depois de uma exportação, ou seja, se fosse endossada a interpretação pretendida pelos contribuintes: a) deixaria de ser aplicada a lei vigente na época da ocorrência do fato gerador; e b) seria eternizado benefício fiscal, com aplicação de alíquota zero a fatos geradores que poderiam ocorrer décadas depois; (10) devem ser observadas a Resolução CMN 3.568/2008 (artigo 16-A) e, especialmente, o artigo 99 da Circular BCB 3.691, de 16/12/2013, de modo que para que se caracterize como operação de câmbio relativa ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços, na forma do inciso I do artigo 15-B do Decreto 6.306/2008; (11) os recursos mantidos no exterior que não observem forma e prazos previstos pelo CMN e pelo BCB e posteriormente ingressados no país não são receitas de exportação de bens e serviços para incidência da alíquota zero prevista no inciso I do artigo 15-B do Decreto 6.306/2007; e (12) deve ser afastado o entendimento de que inexiste limite temporal para aplicação de alíquota zero ao IOF-câmbio quando do retorno ao Brasil de recursos em moeda estrangeira oriundos de exportação.

Houve contrarrazões pelo não conhecimento por falta de impugnação específica da sentença.

O Ministério Público Federal opinou pelo prosseguimento do feito. 

É o relatório.

 

 


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003902-11.2019.4.03.6103

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: EMBRAER S.A.

Advogado do(a) APELADO: JOSE PAULO DE CASTRO EMSENHUBER - SP72400-A

 

  

 

V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, no exame da espécie, cabe registrar, como premissa essencial, que o mandado de segurança é instrumento processual especificamente destinado a obstar, de maneira célere, ato de autoridade administrativa tido por coação ilegal. Logo, o que se tutela, enquanto direito líquido e certo, é, antes de tudo, o reconhecimento da validade jurídica da insubordinação do impetrante à conduta específica impugnada da autoridade impetrada.

Desta derivação decorre importante diferenciação processual entre escopo cognoscível no mandado de segurança e em uma ação de conhecimento de rito ordinário. Ao passo em que na segunda o delineamento da lide se estabelece, primeiramente, com a matéria fática e jurídica, na impetração esse liame é mediado pelo ato tido por coator: discute-se fato e direito apenas na medida em que estes se prestam a demonstrar se há respaldo jurídico na conduta especificamente descrita como ato coator.

O impacto da distinção é notório em relação a fatos processuais novos incidentais à causa. É que, no mandamus, a superveniência de norma nova, em vez de configurar matéria a ser acrescida ao juízo de mérito (como o seria, de regra, em ação de conhecimento pelo rito ordinário), no mais das vezes denota, em verdade, perda do interesse de agir do impetrante.

É este o caso dos autos.

O presente mandado de segurança foi impetrado indicando como ato coator a exigência fiscal de que, para que a impetrante possa se beneficiar de alíquota zero de IOF sobre câmbio das receitas recebidas decorrentes de exportação, tais recursos deveriam ser remetidos ao Brasil no mesmo dia, pois se mantidos no exterior, e remetidos após determinado prazo, as operações de câmbio relativas a tais valores sujeitar-se-iam à alíquota de 0,38% (IOF-Câmbio).

O relato da impetração é de que tal exigência era devida com base na vinculante Solução de Consulta COSIT 246/2018 (ID 127952568, f. 3, 10, 18/19):

 

"Ocorre que, em dezembro de 2018, a Receita Federal do Brasil editou a Solução de Consulta COSIT nº 246/2018, na qual consignou posicionamento no sentido de que se as receitas de exportação não forem, imediatamente ao seu recebimento, remetidas ao Brasil, permanecendo no exterior, elas perderiam sua natureza de receitas de exportação e, quando fossem efetivamente remetidas ao País, no momento do respectivo fechamento de câmbio, estariam sujeitas à incidência do IOF-Câmbio, uma vez que encerrado estaria o ciclo da exportação” (...)

Neste ponto, a Impetrante apresenta a afronta praticada pela Autoridade Impetrada ao seguir a orientação da Solução de Consulta COSIT nº 246/18, ao princípio da isonomia, insculpido no artigo 150, II, da Constituição, na medida em que tratou de forma diversa contribuintes em situações equivalentes. (...) 

(iii) a irresignação da Impetrante está no fato de que, sem qualquer alteração normativa ou regulamentar, a partir de então, passou a se sujeitar ao entendimento arbitrário de que somente farão jus à alíquota zero do IOF- Câmbio os recursos decorrentes de exportação remetidos ao Brasil no mesmo dia em que recebidos os montantes relativos à exportação; (...)

(vi) a Impetrante demonstrou, ainda, que é imperiosa, por meio de medida liminar, a suspensão da exigibilidade dos futuros recolhimentos do IOF-Câmbio, na forma como exigida pela Solução de Consulta COSIT nº 246/18, a qual a Autoridade Impetrada encontra-se vinculada."

 

Coerentemente, as causas de pedir são orientadas a demonstrar que tal interpretação da legislação de regência não tem respaldo legal na Lei 11.371/2006, tampouco no Decreto 6.306/2007.

Sucede que, após prolação da sentença neste feito (em 12/07/2019) a Solução de Consulta 246/2018 foi alterada pela Solução de Consulta COSIT 231, de 15/07/2019. Neste segundo parecer foi afastada a interpretação legal contestada, de modo que se entendeu que o gozo do benefício de alíquota zero de IOF não exige liquidação do contrato de câmbio na mesma data em que recebida a remuneração no exterior, mas, sim, a observância de critérios de forma e prazo estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional.

Veja-se, a propósito, a ementa da mencionada solução de consulta (grifos nossos):

 

"ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CRÉDITO, CÂMBIO E SEGUROS OU RELATIVAS A TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS - IOF RECURSOS PROVENIENTES DE EXPORTAÇÕES. MANUTENÇÃO NO EXTERIOR. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR.

Não incide IOF quando da manutenção de recursos em moeda estrangeira em instituição financeira fora do país, relativos aos recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas. Nesta situação, não há liquidação de contrato de câmbio e, portanto, não se verifica a ocorrência do fato gerador do imposto conforme definido no art. 63, II do Código Tributário Nacional (CTN) e no art. 11 do Decreto 6.306, de 2007.

OPERAÇÕES DE CÂMBIO RELATIVAS AO INGRESSO NO PAÍS DE RECEITAS DE EXPORTAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS. ALÍQUOTA ZERO.

a) No caso de operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços, há a incidência do IOF, à alíquota zero, conforme expressa previsão no art. 15-B, I, do Decreto nº 6.306, de 2007.

b) No entanto, para a incidência da alíquota zero devem ser observados a forma e os prazos estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional -CMN e pelo Banco Central do Brasil - BCB, independentemente de os recursos terem sido inicialmente recebidos em conta mantida no exterior, conforme autoriza a legislação pátria.

c) Nos termos da legislação vigente (art. 16-A da Resolução CMN nº 3.568, de 2008, e do art. 99 da Circular BCB nº 3.691, de 2013), para que se caracterize como operação de câmbio relativa a ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços, na forma do art. 15-B, I, do Decreto nº 6.306, de 2007:

c.1) O contrato de câmbio de exportação deverá ser celebrado para liquidação pronta ou futura, prévia ou posteriormente ao embarque da mercadoria ou da prestação do serviço, observado o prazo máximo de 750 (setecentos e cinquenta) dias entre a contratação e a liquidação, bem como o seguinte:

I - no caso de contratação prévia, o prazo máximo entre a contratação de câmbio e o embarque da mercadoria ou da prestação do serviço é de 360 (trezentos e sessenta) dias;

II - o prazo máximo para liquidação do contrato de câmbio é o último dia útil do 12º mês subsequente ao do embarque da mercadoria ou da prestação do serviço.

c.2) Para os contratos de câmbio de exportação, no caso de requerimento de recuperação judicial, ajuizamento de pedido de falência do exportador ou em outra situação em que fique documentalmente comprovada a incapacidade do exportador para embarcar a mercadoria ou para prestar o serviço por fatores alheios à sua vontade, o embarque da mercadoria ou a prestação do serviço pode ocorrer até 1.500 (mil e quinhentos) dias a partir da data de contratação da operação de câmbio, desde que o prazo entre a contratação e a liquidação do contrato de câmbio não ultrapasse 1.500 (mil e quinhentos) dias.

ESTA SOLUÇÃO DE CONSULTA REFORMA A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 246, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2018.

Dispositivos Legais: Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964; Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional - CTN); Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994; e Lei nº 11.371, de 28 de novembro de 2006; Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007; Resolução CMN nº 3.568, de 29 de maio de 2008; Circular BCB nº 3.691, de 16 de dezembro de 2013."

 

Ora, sendo este o caso, não mais existe risco iminente de coação a justificar a impetração do mandamus, na medida em que suprimida a base infralegal que lastreava a provável conduta tida por ilegal. O ponto é ratificado inclusive pelo apelo fazendário, que denota que o Fisco passou a adotar entendimento firmado na solução de consulta superveniente.

Não cabe discutir, neste feito, porém, a validade jurídica da Solução de Consulta COSIT 231/2019, por estar fora do escopo da impetração, como explanado de início. Não é cabível que, nesta fase processual, sejam modificadas as bases fáticas e normativas que pautaram o processamento do mandado de segurança para discutir o que seria, na verdade, novo ato coator, diverso do primeiro, baseado em fundamento infralegal diverso, com regras diversas – ainda que relativos à mesma matéria de fundo.

Note-se que em nenhum momento da inicial há qualquer contestação à possibilidade do Conselho Monetário Nacional definir regras sobre a matéria (embora, registre-se, obter dictum, que o artigo 1º da Lei 11.3741/2006, citado pela impetrante, expressamente dispõe que: “Os recursos em moeda estrangeira relativos aos recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas, poderão ser mantidos em instituição financeira no exterior, observados os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional." - grifo nosso).

Nem se diga em contrário sob a alegação de que o mandamus busca, em verdade, a insubordinação a qualquer prazo de liquidação do contrato de câmbio como elemento condicionante da neutralização da alíquota de IOF. Como se demonstrou, o próprio cabimento do mandado de segurança e da discussão da matéria fática e de direito é mediado pela existência de ato coator: a impetração busca afastar coação ilegal específica, conforme cenário fático e normativo descrito na inicial, e não julgamento amplo sobre o direito aplicável à matéria de fundo (repise-se, daí porque de processamento restrito, com prova pré-constituída), pretensão que desafia ação de conhecimento regular.

Neste sentido:

 

ApelRemNec 5003273-34.2019.4.03.6104, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e - DJF3 26/08/2020: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IOF-CÂMBIO. RECEITAS AUFERIDAS PELA VENDA DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ESTRANGEIRO. EXPORTAÇÃO. ALÍQUOTA ZERO. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT 246/2018. CONDICIONAMENTO DO BENEFÍCIO À LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO DE CÂMBIO NA MESMA DATA EM QUE OCORRIDO O PAGAMENTO. PARECER REVOGADO. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT 231/2019. REGRAS DIVERSAS. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. 1. O mandado de segurança é instrumento processual especificamente destinado a obstar, de maneira célere, ato de autoridade administrativa tido como coação ilegal. Logo, o que se tutela no mandamus enquanto direito líquido e certo é, antes de tudo, o reconhecimento da validade jurídica da insubordinação do impetrante à conduta específica impugnada da autoridade impetrada. 2. Desta derivação decorre importante diferenciação processual entre o escopo cognoscível no mandado de segurança e em uma ação de conhecimento de rito ordinário. Ao passo em que na segunda o delineamento da lide se estabelece, primeiramente, com a matéria fática e jurídica, na impetração esse liame é mediado pelo ato tido por coator: discute-se fato e direito apenas na medida em que estes se prestam a demonstrar se há respaldo jurídico na conduta especificamente descrita como ato coator. 3. Revogado o ato normativo infralegal em que baseado o ato tido por coator, há perda no interesse de agir superveniente na impetração, não sendo cabível, neste feito, juízo meritório sobre o novo regramento. O próprio cabimento do mandado de segurança e da discussão da matéria fática e de direito é mediado pela existência de ato coator: a impetração busca afastar coação ilegal específica, conforme cenário fático e normativo descrito na inicial, e não julgamento amplo sobre o direito aplicável à matéria de fundo (daí porque de processamento restrito, com prova pré-constituída), pretensão que desafia ação de conhecimento regular. 4. Não é cabível que, em sede de apelação, sejam modificadas as bases fáticas e normativas que pautaram o processamento do mandado de segurança para se discutir o que seria, na verdade, um novo ato coator, diverso do primeiro, baseado em fundamento infralegal diverso, com regras diversas – ainda que relativos à mesma matéria de fundo. 5. Remessa oficial provida e apelo fazendário prejudicado."

 

ApelRemNec 5001867-09.2019.4.03.6126, Rel. Des. Fed. NERY JUNIOR, Intimação via sistema 03/08/2021: "MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IOF-CÂMBIO. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT N. 246/2018. REVOGADA PELA SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT N. 231/2019. SUPERVENIENTE PERDA DO OBJETO. APELAÇÃO PREJUDICADA. REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA. 1. Da leitura da exordial, conclui-se que a causa de pedir é toda voltada ao afastamento da Solução de Consulta – COSIT nº 246/2018, sendo este, portanto, o limite objetivo da lide. 2. Ocorre, todavia, que, em 24/7/19, pela edição da Solução de Consulta COSIT nº 231/19, foi reformado, de modo expresso, o entendimento anterior da Receita Federal, consubstanciado na Solução de Consulta COSIT nº 246/18, tendo a Receita Federal afastado a interpretação legal contestada, de modo que se entendeu que o gozo do benefício de incidência de IOF à alíquota zero não exige liquidação do contrato de câmbio na mesma data em que recebida a remuneração no exterior, mas, sim, a observância de critérios de forma e prazo estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional. 3. Tendo sido revogado o ato normativo infralegal tido por coator, adotando-se, a propósito, uma posição favorável ao contribuinte, é de rigor o reconhecimento da perda no interesse de agir superveniente na impetração, não sendo possível, neste writ, a análise do novo regramento. 4. De rigor a reforma da sentença, para extinguir o feito sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, restando prejudicado o apelo fazendário. 5. Remessa necessária provida. Apelação da União julgada prejudicada."

                                                                                                     

Assim, na medida em que subtraída condição processual para o processamento do feito (artigo 17 do CPC), passível de reconhecimento inclusive de ofício (artigo 330 do CPC) – embora a questão deva ser considerada devolvida pela remessa oficial, propriamente -  cabe, a rigor, a reforma da sentença, para extinguir o feito sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, IV e VI, do Código de Processo Civil, restando prejudicado o apelo fazendário.

Ante ao exposto, dou provimento à remessa oficial e julgo prejudicada a apelação fazendária.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IOF-CÂMBIO. RECEITAS AUFERIDAS PELA VENDA DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ESTRANGEIRO. EXPORTAÇÃO. ALÍQUOTA ZERO. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT 246/2018. CONDICIONAMENTO DO BENEFÍCIO À LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO DE CÂMBIO NA MESMA DATA EM QUE OCORRIDO O PAGAMENTO. PARECER REVOGADO. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT 231/2019. REGRAS DIVERSAS. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR.

1. Cabe registrar, como premissa essencial, que o mandado de segurança é instrumento processual especificamente destinado a obstar, de maneira célere, ato de autoridade administrativa tido por coação ilegal. Logo, o que se tutela, enquanto direito líquido e certo, é, antes de tudo, o reconhecimento da validade jurídica da insubordinação do impetrante à conduta específica impugnada da autoridade impetrada. Desta derivação decorre importante diferenciação processual entre escopo cognoscível no mandado de segurança e em uma ação de conhecimento de rito ordinário. Ao passo em que na segunda o delineamento da lide se estabelece, primeiramente, com a matéria fática e jurídica, na impetração esse liame é mediado pelo ato tido por coator: discute-se fato e direito apenas na medida em que estes se prestam a demonstrar se há respaldo jurídico na conduta especificamente descrita como ato coator. O impacto da distinção é notório em relação a fatos processuais novos incidentais à causa. É que, no mandamus, a superveniência de norma nova, em vez de configurar matéria a ser acrescida ao juízo de mérito (como o seria, de regra, em ação de conhecimento pelo rito ordinário), no mais das vezes denota, em verdade, perda do interesse de agir do impetrante.

2. Revogado o ato normativo infralegal em que baseado o ato tido por coator, há perda no interesse de agir superveniente na impetração, não sendo cabível, neste feito, juízo meritório sobre o novo regramento. O próprio cabimento do mandado de segurança e da discussão da matéria fática e de direito é mediado pela existência de ato coator: a impetração busca afastar coação ilegal específica, conforme cenário fático e normativo descrito na inicial, e não julgamento amplo sobre o direito aplicável à matéria de fundo (daí porque de processamento restrito, com prova pré-constituída), pretensão que desafia ação de conhecimento regular.

3. Não é cabível que, em sede de apelação, sejam modificadas as bases fáticas e normativas que pautaram o processamento do mandado de segurança para discutir o que seria, na verdade, novo ato coator, diverso do primeiro, baseado em fundamento infralegal diverso, com regras diversas – ainda que relativos à mesma matéria de fundo.

4. Remessa oficial provida e apelo fazendário prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento à remessa oficial e julgou prejudicada a apelação fazendária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.