AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022708-02.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
AGRAVANTE: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI
Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958
AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogados do(a) AGRAVADO: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A
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AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022708-02.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO AGRAVANTE: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958 AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) AGRAVADO: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A RELATÓRIO Trata-se de agravo interno interposto pelo CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CREMESP, contra a decisão monocrática prolatada nos seguintes termos: "Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, nos autos de ação ordinária de obrigação de não fazer, movido por ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI, contra o r. decisum a quo, que deferiu pedido antecipatório de tutela do CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO - CREMESP, para determinar ao réu, ora recorrente, que se abstivesse, imediatamente, de divulgar nas redes sociais ou em qualquer outro meio de comunicação a ozonioterapia como tratamento e prevenção no combate à pandemia de COVID-19, bem como que cessasse imediatamente com a realização de (quaisquer) cursos de ozonioterapia e modulação hormonal, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O pedido de tutela recursal foi parcialmente deferido. Com contrarrazões. É o relatório. DECIDO. De início, cumpre explicitar que o art. 932, IV e V do CPC de 2015 confere poderes ao Relator para, monocraticamente, negar e dar provimento a recursos. Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas.("Curso de Processo Civil", 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544). Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com o seguinte teor: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema". Veja-se que a expressão entendimento dominante aponta para a não taxatividade do rol em comento. Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art. 1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. - O denominado agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão agravada, objeto de impugnação. - O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação, tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial, não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal. - Na hipótese, a decisão agravada não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. - Agravo improvido.(ApReeNec 00248207820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN, TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017) Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de Processo Civil de 2015. Merece parcial acolhimento a insurgência da parte agravante. Ao analisar o pedido tutela recursal.nos presentes autos, foi proferida a seguinte decisão, cujas razões são adotadas como fundamento para decidir, in verbis: "(...) Nos exatos termos do artigo 1.019, inciso I, do Estatuto Processual Civil em vigor, passo a apreciar, no presente momento, o pedido de efeito suspensivo deste agravo de instrumento. Com efeito, no caso presente verifica-se que há flagrante risco de perecimento de direito da pessoa do agravante, em sendo aguardada a remessa de contraminuta de agravo, para apreciação do pedido de efeito suspensivo em referência. Desta forma, nos termos do artigo 300, do Estatuto Processual Civil, verbis: "Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo." A se considerar, por ora, que, de fato, não há qualquer comprovação médico-científica acerca da eficácia da ministração de ozonioterapia em pacientes afetados pelo coronavírus. Tal é, inclusive, fato notório, de modo que o agravante deve, realmente, se abster de promover qualquer tratamento cientificamente não demonstrado e comprovado, em benefício da saúde pública. No entanto, a isso deveria se limitar o deferimento da tutela antecipatória, pois é autorizada a ozonioterapia para uma diversidade de outras hipóteses clínicas - tudo nos termos da legislação e normas técnicas atualmente em vigor. E tal prática é permitida aos profissionais da Odontologia devidamente capacitados para tanto, nos moldes das Resoluções do respectivo Conselho Federal, notadamente a 166/2015. O próprio agravante, ademais, admite que não é aplicável a ozonioterapia em casos de COVID-19. Deste modo, a insurgência recursal se refere aos demais casos em que esta é sim plenamente admissível e ministrada por profissional dentista. Portanto, presente o fumus boni iuris, in casu, já que pode o profissional agravante ministrar tratamento e cursos de ozonioterapia nas hipóteses permitidas pelo ordenamento jurídico e reconhecidas pelos estudos científicos correspondentes, embora neste rol não esteja incluído o combate ao coronavírus. Quanto ao periculum in mora, este se perfaz na medida em que se vê o recorrente privado de seu livre exercício profissional, nos termos que a lei dispõe (artigo 5º, inciso XII, da Constituição da República), de onde tira seu sustento e o de sua família. Deste modo, deve ser o efeito suspensivo ora pleiteado concedido em parte, para que o ora insurgente possa exercer livremente sua profissão nos termos da lei e tendo por base a questão ora controvertida nos autos. Trocando em miúdos: estando o agravante regularmente admitido ao exercício da profissão, pode o agravante ministrar tratamento de ozonioterapia, bem como ministrar cursos e palestras a respeito, desde que não divulgue ou defenda tal terapia como indicação para casos de COVID-19. Ante o exposto, nos moldes do artigo 1.019, inciso I, do CPC, defiro parcialmente a tutela antecipada requerida, determinando o efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, para que a proibição de exercício profissional para aplicação de ozonioterapia e de ministração de cursos na área se limite aos casos de coronavírus ou outros casos que não tenham eficácia cientificamente reconhecida, ficando, pois, permitido o pleno e livre exercício profissional do peticionário quanto às demais hipóteses diagnósticas previstas. Publique-se. Intimem-se. Vista à parte agravada, para, no prazo legal, em querendo, apresentar contraminuta. Comunique-se o MM. Juízo de origem acerca da presente decisão. (...)". Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos. Ante o exposto, mantendo as razões da decisão supra transcritas, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, determinando o efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, para que a proibição de exercício profissional para aplicação de ozonioterapia e de ministração de cursos na área se limite aos casos de coronavírus ou outros casos que não tenham eficácia cientificamente reconhecida, ficando, pois, permitido o pleno e livre exercício profissional do peticionário quanto às demais hipóteses diagnósticas previstas. Publique-se. Intimem-se. Após, ultimadas as providências necessárias, baixem os autos à Vara de origem." Com contrarrazões ao recurso. É o relatório do essencial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022708-02.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO AGRAVANTE: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958 AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) AGRAVADO: TOMAS TENSHIN SATAKA BUGARIN - SP332339-A, CARLOS MAGNO DOS REIS MICHAELIS JUNIOR - SP271636-A Mantenho a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. Ressalto que a vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo, que determina: Art. 1.021. (...) § 1o Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificadamente os fundamentos da decisão agravada. Assim, se a parte agravante apenas reitera os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas. Diante do exposto, voto por negar provimento ao agravo interno. É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5022708-02.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
AGRAVANTE: ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI
Advogado do(a) AGRAVANTE: GUSTAVO SUFREDINI ROSSI - SP255958
AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SAO PAULO
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V O T O
O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MAIRAN MAIA:
Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão de antecipação de tutela proferida em ação de conhecimento ajuizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo em face de ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI, com o fim de obter provimento jurisdicional consistente em obrigação de não fazer.
A antecipação dos efeitos da tutela foi deferida pelo juízo de origem “para determinar ao réu que se abstenha, imediatamente, de divulgar nas redes sociais ou em qualquer outro meio de comunicação a ozonioterapia como tratamento e prevenção no combate do surto de coronavírus, bem como cesse imediatamente com a realização de cursos de ozonioterapia e modulação hormonal, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais).”
ALEXANDRE SUFREDINI ROSSI, cirurgião dentista, interpôs agravo de instrumento e pleiteou a reforma da decisão agravada. Alegou, em suma, que as referências aos tratamentos médicos à base de ozionioterapia tiveram apenas caráter informativo e opinativo. Afirmou possuir formação de Ozonioterapeuta, reconhecida pela Conselho Federal de Odontologia, bem como realizar tratamentos apenas na sua área de atuação profissional, a Odontologia, com amparo na Resolução 166/2015 do Conselho Federal de Odontologia. Asseverou realizar cursos livres, sem formação profissional, sob a supervisão da FACULDADE DO CENTRO OESTE PAULISTA – FACOP, com amparo na Lei nº 9394/96, no Decreto nº 5.154/04 e na Deliberação CEE 14/97 (Indicação CEE 14/97). Aduziu ensinar a técnica para profissionais da área odontológica, sem, contudo, recomendar a sua substituição aos tratamentos convencionais.
O e. Relator, em decisão monocrática, confirmou o efeito suspensivo e, com fundamento no artigo 932, IV e V, do CPC, deu parcial provimento ao agravo de instrumento “para que a proibição de exercício profissional para aplicação de ozonioterapia e de ministração de cursos na área se limite aos casos de coronavírus ou outros casos que não tenham eficácia cientificamente reconhecida, ficando, pois, permitido o pleno e livre exercício profissional do peticionário quanto às demais hipóteses diagnósticas previstas.”
Sobreveio o Agravo Interno interposto pelo CRM/SP pleiteando a reforma da decisão monocrática, com o objetivo de que seja negado provimento ao agravo de instrumento, bem como mantida a decisão do juízo de origem, por representar a continuidade da prestação de informações sem comprovação científica risco à saúde da população. Sustentou, em suma, que a ozonioterapia consiste em tratamento experimental que somente poderia ser realizado de acordo com os protocolos do sistema CEP/CONEP, em estabelecimentos credenciados, nos termos do art. 1º da Resolução CFM nº 2.181/18. Argumentou que, muito embora fosse comprovada cientificamente, seria atividade privativa de médico. Asseverou que a Resolução CFO nº 199/2019 veda as atividades relativas à “Modulação Hormonal” ao dentista.
O e. Relator votou no sentido de negar provimento ao Agravo Interno.
Pedi vista dos autos para melhor analisar a controvérsia, notadamente quanto à abrangência da Resolução 166/2015 do Conselho Federal de Odontologia.
Preliminarmente, com a devida vênia do e. Relator, entendo que Agravo Interno impugna especificadamente a decisão monocrática e apresenta as razões de fato e de direito a ensejar a sua reforma. Atende, portanto, aos requisitos do artigo 1.021, § 1º do Código de Processo Civil, razão pela qual passo à análise do mérito recursal.
Inicialmente, ressalte-se que, de acordo com o artigo 5º, XIII, da CF, "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Pois bem, a Resolução 166/2015, do Conselho Federal de Odontologia, editada com fundamento no 6º, caput e incisos I e VI, da Lei nº 5081, de 24 de agosto de 1966, reconhece a prática pelo cirurgião-dentista da Ozonioterapia, ao dispor, verbis :
“Art. 1º. Reconhecer a prática da Ozonioterapia pelo cirurgião-dentista.
Art. 2º. Será considerado habilitado pelos Conselhos Federal e Regionais de Odontologia para a prática definida no artigo anterior, o cirurgião-dentista que atender ao disposto no Regulamento que faz parte integrante desta Resolução.”
Anexo à Resolução CFO-166/2015, encontra-se o REGULAMENTO SOBRE O EXERCÍCIO PELO CIRURGIÃO-DENTISTA DA PRÁTICA DE OZONIOTERAPIA, que explicita e restringe a adoção da prática a atividade de odontologia:
“Art. 2º. São atribuições do cirurgião-dentista com formação em Ozonioterapia aplicada a Odontologia:
(...)
Parágrafo único: São áreas de aplicação da Ozonioterapia em Odontologia:
(...)”
Por sua vez, o artigo 3º do regulamento prevê os requisitos para a habilitação:
“Art. 3º. Poderá requerer ao Conselho Federal de Odontologia habilitação em Ozonioterapia, o profissional graduado em Odontologia e registrado no Conselho Regional de Odontologia de sua jurisdição e que tenha concluído formação com o mínimo de 32 horas/aulas em curso de Ozonioterapia para cirurgião-dentista, promovido por instituição de ensino superior devidamente inscrita no Ministério da Educação e reconhecido pelo CFO, comprovado por certificado expedido ou reconhecido pela Instituição mantenedora.”(grifo nosso)
Depreende-se das provas coligidas aos autos, estar o agravante inscrito no Conselho Regional de Odontologia do Estado de São Paulo sob nº 88479, com registro em Ozonioterapia, conforme documentos de IDs 196176135 e 196176140. Concluiu o curso na FACOP – Faculdade do Centro Oeste Paulista em “Habilitação em Ozonioterapia Aplicada à Odontologia”, com carga horária de 32 horas, conforme certificado de ID 196176137.
Assim, constata-se encontrar-se o agravante habilitado para a prática da denominada Ozonioterapia nos estritos limites da sua formação superior, vale ressaltar, na atividade básica de odontologia, a teor do disposto nos artigos 2º e 3º do REGULAMENTO SOBRE O EXERCÍCIO PELO CIRURGIÃO-DENTISTA DA PRÁTICA DE OZONIOTERAPIA Anexo à Resolução CFO-166/2015.
Por seu turno, as atividades privativas dos médicos encontram-se disciplinadas no artigo 4º da Lei 12.842/2013, que incluiu dentre elas o prognóstico do diagnóstico nosológico, nos seguintes termos:
Art. 4º São atividades privativas do médico:
(...)
X - determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
§ 1º Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:
I - agente etiológico reconhecido;
II - grupo identificável de sinais ou sintomas;
III - alterações anatômicas ou psicopatológicas.
(...)
§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
Ainda, de acordo com o artigo 5º, III, da citada legislação de regência, o ensino de disciplinas médicas constitui matéria privativa de médico:
Art. 5º São privativos de médico:
(...)
III - ensino de disciplinas especificamente médicas;
Nota-se que no âmbito médico o tratamento denominado ozonioterapia é considerado pelo Conselho Federal de Medicina como prática experimental, com utilização restrita nos termos da Resolução CFM nº 2.181, de 20 de abril de 2018, “... só podendo ser realizada sob protocolos clínicos de acordo com as normas do sistema CEP/Conep, em instituições devidamente credenciadas”.
Na exposição de motivos da aludida Resolução, revela-se a intenção normativa, consistente na precaução em se evitar riscos à saúde dos pacientes, ao se aplicar a técnica da ozonioterapia. Confira-se, no particular:
“(...)Após análise, concluiu-se que a força da evidência sustentando as sínteses de eficácia e dano é muito baixa (alto risco de vieses), o que significa que há incerteza nas estimativas de efeito. Assim, permanece elevado o grau de incerteza envolvido no tocante à eficácia da prática; além disso, há ausência de benefícios nos prováveis efeitos da sua utilização clínica quando comparada aos tratamentos já consagrados em uso. Verifica-se também evidência de estimativa de dano aos pacientes submetidos à ozonioterapia, podendo inclusive colocar em risco a saúde desses indivíduos(...)”.(grifo nosso)
Outrossim, com a edição da Resolução CFO-199, de 29 de janeiro de 2019, há vedação expressa ao cirurgião-dentista de promover a “Modulação Hormonal”, por considera-la como estranha a atividade odontológica:
“Art. 3º. Fica expressamente proibido ao cirurgião-dentista ministrar, promover e/ou divulgar cursos de terapias denominadas de modulacão e/ou reposicão e/ou suplementacão e/ou fisiologia hormonal ou outra denominação não reconhecida cientificamente e fora do âmbito da odontologia.”
O agravante, cirurgião-dentista, divulga a ozonioterapia nas redes socias como tratamento para diversas enfermidades e promove a realização de cursos, conforme se constata do documento de id 70241726, juntado com a inicial do processo de conhecimento. Como se pode ver, são divulgações da ozonioterapia relacionadas à prevenção e ao tratamento de COVID-19 e de suas consequências; tratamento de lombalgia; utilização em idosos; aplicações em atletas e suas enfermidades; bem como “Curso de Ozonioterapia”, com carga horária de 120 horas.
No mesmo documento, ainda consta o curso de “Modulação Hormonal”, bem como o denominado “STOP CANCER – o melhor método de combate ao câncer como tratamento e como coadjuvante junto a quimioterapia”.
Nesse sentido, na via estreita de cognição não exauriente desenvolvida em sede de agravo de instrumento, entendo que o cirurgião-dentista, ao ministrar os supracitados cursos e divulgá-los nas mídias sociais, não observou a necessária restrição à sua área de atuação, qual seja, a de cirurgião dentista, e acabou por invadir a seara própria privativa de ser exercida por médico, em ofensa aos artigos 4º e 5º da Lei 12.842/2013, bem assim às Resoluções CFO 166/2015 e 199/2019.
Destarte, de rigor o provimento do agravo interno para, negando-se provimento ao agravo de instrumento, manter a decisão recorrida proferida pelo juízo de origem.
Ante o exposto, com a devida vênia do e. relator, dou provimento ao agravo interno.
EMENTA
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.021, § 3º DO NCPC. REITERAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
- A vedação insculpida no art. 1.021, §3º do CPC/15 contrapõe-se ao dever processual estabelecido no §1º do mesmo dispositivo.
- Se a parte agravante apenas reitera os argumentos ofertados na peça anterior, sem atacar com objetividade e clareza os pontos trazidos na decisão que ora se objurga, com fundamentos novos e capazes de infirmar a conclusão ali manifestada, decerto não há que se falar em dever do julgador de trazer novéis razões para rebater alegações genéricas ou repetidas, que já foram amplamente discutidas.
- Agravo interno desprovido.