Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000806-22.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

RECORRIDO: REGIS JOSE RAGAGNIN BASSO

Advogado do(a) RECORRIDO: PAULO ALLAN ALVES DE MELLO PEDROZA - MS11680-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000806-22.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

RECORRIDO: REGIS JOSE RAGAGNIN BASSO

Advogado do(a) RECORRIDO: PAULO ALLAN ALVES DE MELLO PEDROZA - MS11680-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS, que rejeitou a denúncia oferecida em face de REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

Narra a denúncia (ID 256086184):

“No dia 11 de maio de 2018, na BR 267/MS, KM 315, na Fazenda Dois Irmãos, às margens da referida rodovia, o denunciado REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, produziu bens pertencentes à União, sem autorização legal, consistente no cultivo agrícola para fins particulares na faixa de domínio da União.

Consta dos autos que na data e local supramencionado, equipe do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes – DNIT realizou diligência requisitada pelo Ministério Público Federal, a fim de que prestasse informações atualizadas sobre ocupação indevida, que haviam sido constatadas em fiscalização anterior, na faixa de domínio das rodovias BR267/MS.

Nessa ocasião, constatou-se que às margens da citada rodovia, trechos nos quais foram notificados para serem desocupados, ainda estavam sendo ocupados indevidamente pelo acusado para cultivo agrícola, conforme se depreende da Notificação n. 1010/2015 e do Registro Fotográfico em anexo.

Tais áreas são contíguas a propriedade pertencente a REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO, que apesar de já ter sido notificado do ilícito cometido, ainda insiste em produzir bens em área pública.

Portanto, autoria e a materialidade dos delitos encontram-se expressas nos seguintes documentos: Notificação n. 1010/2015, Relatório do DNIT.

Assim agindo, o denunciado REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO incorreu na prática do crime previsto no artigo 2º da Lei 8.176 de 1991.”

O Juízo da 1ª Vara Federal de Dourados/MS rejeitou a denúncia (ID 256086184) com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, por entender que o fato narrado seria materialmente atípico.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso em sentido estrito com fulcro no art. 581, I do CPP (ID 256086184).

Alega, em síntese, que a inadequação do momento processual em que proferida a decisão pelo magistrado, que deveria analisar apenas a presença dos pressupostos processuais, a existência de justa causa e se a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Acrescenta, ainda, i) que o imputado utilizou a faixa de domínio da União, no qual a propriedade se presume plena e exclusiva (art. 99, I, do Código Civil c/c art. 4°, III da Lei 6.766/1979); ii) que a partir dela, produziu bens (produtos agrícolas) que pertencem à União, pois os frutos e demais produtos pertence ao proprietário (art. 1.232 do Código Civil); iii) que os usurpou e tomou o lucro para si e; iv) que foi norteado por uma intenção de má-fé, pois já havia sido notificado que a área em que cultivava era um bem público (art. 1.255 do Código Civil).

Prossegue alegando que houve subsunção da conduta do denunciado ao tipo penal e, por fim, requer o recebimento da denúncia.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (ID 256086197).

Em sede de juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (ID 256086186).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0000806-22.2018.4.03.6002

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
PROCURADOR: PROCURADORIA DA REPÚBLICA-EM SÃO PAULO

 

RECORRIDO: REGIS JOSE RAGAGNIN BASSO

Advogado do(a) RECORRIDO: PAULO ALLAN ALVES DE MELLO PEDROZA - MS11680-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pelo Ministério Público Federal e passo à sua análise.

O recorrido foi denunciado como incurso no artigo 2º da Lei n.º 8.176/1991, porque, em tese, teria produzido bens pertencentes à União, sem autorização legal, consistente no cultivo agrícola para fins particulares, na faixa de domínio da União.

Segundo narra a denúncia, in verbis (ID 256086184):

“No dia 11 de maio de 2018, na BR 267/MS, KM 315, na Fazenda Dois Irmãos, às margens da referida rodovia, o denunciado REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, produziu bens pertencentes à União, sem autorização legal, consistente no cultivo agrícola para fins particulares na faixa de domínio da União.

Consta dos autos que na data e local supramencionado, equipe do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes – DNIT realizou diligência requisitada pelo Ministério Público Federal, a fim de que prestasse informações atualizadas sobre ocupação indevida, que haviam sido constatadas em fiscalização anterior, na faixa de domínio das rodovias BR267/MS.

Nessa ocasião, constatou-se que às margens da citada rodovia, trechos nos quais foram notificados para serem desocupados, ainda estavam sendo ocupados indevidamente pelo acusado para cultivo agrícola, conforme se depreende da Notificação n. 1010/2015 e do Registro Fotográfico em anexo.

Tais áreas são contíguas a propriedade pertencente a REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO, que apesar de já ter sido notificado do ilícito cometido, ainda insiste em produzir bens em área pública.

Portanto, autoria e a materialidade dos delitos encontram-se expressas nos seguintes documentos: Notificação n. 1010/2015, Relatório do DNIT.

Assim agindo, o denunciado REGIS JOSÉ RAGAGNIN BASSO incorreu na prática do crime previsto no artigo 2º da Lei 8.176 de 1991.”

Por sua vez, a decisão recorrida rejeitou a denúncia, pelos seguintes fundamentos, in verbis (ID 256086184):

“Dispõe o art. 2º da Lei 8.176/91, verbis: Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.

Pela redação posta, não há justo juízo de subsunção da conduta ao comando legal. As faixas de domínio são áreas estipuladas por decreto de utilização pública para servir à rodovia, cujos contornos variam conforme a necessidade de engenharia da pista. Conforme o Glossário de Termos Técnicos Rodoviários, que pode ser encontrado no sítio oficial do DNIT (www.dnit.gov.br), “Define-se como ‘Faixa de Domínio” a base física sobre a qual assenta uma rodovia, constituída pelas pistas de rolamento, canteiros, obras de arte, acostamentos, sinalização e faixa lateral de segurança, até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa de recuo”. Esta área pode ser do estado se for adquirida por compra e venda ou desapropriação.

No caso, há uma faixa de domínio que teria sido utilizada pelo denunciado.

Contudo, pauta-se a acusação que, com base em uma mera notificação do DNIT, houve invasão da área pela produção agrícola.

Não se vê, nos documentos e fotografias que acompanham a denúncia, a existência de cercas ou muros que delimitem a propriedade da faixa de domínio. Ora, isso é obrigação da UNIÃO, mais precisamente do DNIT, não sendo lícito exigir do proprietário que, às suas expensas, arque com tal obrigação. Ainda, não há produção de bens ou exploração de matéria-prima pertencentes à União. O denunciado promoveu às suas expensas o cultivo. A União não desprendeu nenhum material para fazê-lo. Se houvesse extração de mineral haveria, talvez, o enquadramento típico. Do contrário, até que se houvesse uma barraca de serviços na área seria o ocupante enquadrado como usurpador.

Por fim, ainda que houvesse enquadramento típico, o Direito Penal, dentro de seu caráter fragmentário, ultima ratio, não pode entrar em cena, uma vez que pode ser solucionado por outra esfera do direito. A promoção de ação de esbulho ou mesmo a aplicação de penalidade administrativa seria a medida mais sensata. (…)

No que respeita à tipicidade, convém externar, por oportuno, que é imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo incriminador. Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. Vale dizer, tipos penais que se limitem a descrever formalmente infrações penais, independentemente de sua efetiva potencialidade lesiva, atentam contra a dignidade da pessoa humana.

Em face do exposto, com escopo no art. 395, III, do CPP, rejeita-se a denúncia manejada pelo MPF em desfavor de Regis José Ragagnin Basso, vez que o fato narrado na pela acusatória é, a toda evidência, materialmente atípico.”

O magistrado de primeiro grau entendeu ser o fato materialmente atípico, não havendo subsunção da conduta ao comando legal, razão pela qual rejeitou a denúncia ofertada em face do recorrido. Argumentou, ainda, que o direito penal deve ser a última ratio, havendo a possibilidade de que a questão seja resolvida por outra esfera do ordenamento jurídico.

Entendo que razão lhe assiste, devendo ser mantida a sentença recorrida.

O art. 2º da Lei 8.176/91 cuida de crime contra o patrimônio da União. Vejamos.

Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.

Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.

Trata-se de lei penal em branco, que depende de integração para a identificação de quais são os bens pertencentes à União. E é a própria Constituição Federal, em seu artigo 20, que arrola referidos bens, dentre eles, os recursos minerais, in verbis:

Art. 20. São bens da União:

(...)

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

[...]

§ 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Portanto, justamente por se tratar de norma penal em branco, a tipificação da conduta prevista no art. 2º, da Lei 8.176/91, há que ser feita por meio da análise não só do caput do art. 20 da Constituição Federal, como também de seu § 1º, justamente para se identificar o verdadeiro significado da norma.

Nesse sentido, tem-se que o tipo penal previsto no art. 2º, da Lei 8.176/91 pretende criminalizar a conduta daquele que usurpa bens da União, produzindo bens ou explorando matéria-prima (economicamente explorável e de maneira irreversível), motivo pelo qual o § 1º do art. 20 da Constituição Federal assegura ao ente federal a participação no resultado dessa exploração, sobretudo, de petróleo, gás natural, recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica dentre outros recursos minerais.

Além disso, faz-se necessário saber o que são recursos minerais, para fins de tipificação do crime previsto no art. 2º da Lei 8.176/91.

Segundo a doutrina de Leandro Paulsen, in Crimes Federais, 2ª edição – Saraiva, pág. 184, in verbis:

“Recursos minerais são substâncias naturais inorgânicas encontradas na crosta terrestre, tais como areia, argila, carvão, basalto e muitos outros produtos que podem ser aproveitados diretamente ou constituírem matérias-primas para a produção de outros bens. A exploração dos recursos minerais depende de licença concedida pela União, que exigirá, em contrapartida, a compensação financeira pela exploração de recursos minerais de que cuidam as Leis n. 7.990/89 e 8.001/90, entre outras. Negritei

Desse modo, tem-se que a usurpação de recursos minerais, assim considerada a conduta de tomá-los para si, de apropriar-se deles, sem licença ou em desconformidade com a licença concedida, constitui crime contra o patrimônio da União.”

A partir dessa análise normativa, assim como o Juízo a quo, não verifico a subsunção da conduta narrada na denúncia com aquela prevista no tipo penal descrito no art. 2º da Lei 8.176/91.

Isso porque a conduta do denunciado não gerou a produção de bens pertencentes à União ou mesmo a exploração de matéria prima da União, no sentido normativo previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, pois referido tipo penal descreve uma conduta que pressupõe a redução do patrimônio da União, como nos casos que usualmente são julgados por esta E. Turma, de extração de areia ou argila (ou seja, matéria prima ou recursos minerais que se extrai e não voltam mais a existir), ou, ao menos, a produção de bens a partir de uma matéria-prima explorada economicamente da União, de maneira irreversível, e sem a sua autorização.

Entretanto, dos fatos narrados na denúncia, depreende-se que o denunciado possui uma fazenda, na qual desenvolve atividade de produção agrícola (agricultura), arcando com todo o custo do fator humano, econômico e tecnológico necessários para tanto, sendo que referida plantação ultrapassou os limites de sua propriedade e atingiu um trecho da faixa de domínio da rodovia BR 267/MS, pertencente à União.

Portanto, verifica-se que a conduta de produzir bens agrícolas foi realizada pelo denunciado, em sua quase integralidade, em terras de sua propriedade (fazenda), e às suas expensas, tendo "invadido" um trecho da faixa de domínio da União que, como já dito na sentença apelada, sequer se encontrava demarcado pelo DNIT, órgão da União responsável por demarcar a referida faixa de domínio da União nas rodovias.

Portanto, no caso dos autos, não houve qualquer conduta do denunciado no sentido de usurpar bens da União, seja porque não produziu bens a partir de matéria prima da União (no sentido tipificado no artigo em análise), pois, como já dito, toda a produção agrícola estava quase integralmente em terra de sua propriedade (tendo atingido apenas um trecho na área de domínio da União), seja porque toda a atividade agrícola foi realizada às suas expensas, seja porque sequer havia cerca delimitando qual seria esta faixa de domínio da União “invadida” pelo denunciado.

Não custa lembrar que a Lei 4.947/66, em seu art. 20, tipifica a conduta de invadir bens da União, in verbis:

Art. 20 - Invadir, com intenção de ocupá-las, terras da União, dos Estados e dos Municípios:

Pena: Detenção de 6 meses a 3 anos.

Entretanto, a denúncia não faz qualquer menção a este tipo penal, nem mesmo descreve a intenção do denunciado de invadir terras da União com o propósito de ocupá-las.

Ademais, importa ressaltar que o fato de se afastar a tipicidade penal da conduta narrada na denúncia, não significa refutar a ilicitude civil e administrativa dela decorrentes, cujas providências cabíveis podem e devem ser tomadas nas demais esferas do direito, a fim de preservar os direitos do ente federal, conforme bem pontuado na r. sentença recorrida.

Por fim, após pesquisa sobre o assunto, verifico que em agosto de 2020, ou seja, após a data dos fatos, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes, vinculado ao Ministério da Infraestrutura, publicou no Diário Oficial da União de 20/08/2020, a Resolução n.º 09/2020, que permite o uso das chamadas faixas de domínio das rodovias, para fins agrícolas e publicitário. Ainda segundo o Governo Federal, a nova resolução cumpre os requisitos exigidos pela Lei de Liberdade Econômica, Lei 10.139/2019, que dispõe sobre a revisão e consolidação dos atos normativos como medida de simplificação e desburocratização. A permissão de uso se dá por um documento chamado “Solicitação de Uso de Faixa de Domínio”, preenchidos alguns requisitos, legalizando o uso das chamadas faixas de domínio para a agricultura. O ocupante destas áreas para finalidades agrícolas deve buscar o “Termo de Permissão Especial de Uso” (TPEU), válido por até 10 (dez) anos, com possibilidade de renovação, devendo adotar medidas de segurança e sinalização (artigos 112 a 119), como também a limpeza periódica da área com roçadas e capinas, apresentando no requerimento de solicitação, documentos como os projetos, plano e licenças ambientais; e o cronograma da atividade produtiva desenvolvida. Pela utilização das faixas de domínio, o ocupante se compromete a prestar serviços aos cidadãos, no caso da agricultura, a conservação da faixa de domínio relativa à margem ocupada, por meio de limpeza e roçadas, bem como a sinalização e visibilidade determinados pela normativa. (https://jus.com.br/artigos/85199/agricultura-legalizada-em-faixas-de-dominio-rodoviarias)

Portanto, após a data dos fatos, foi editada nova Resolução regulamentando o uso dessas faixas de domínio da União, justamente para fins agrícolas, como no caso dos autos, o que reforça a ausência de lesividade da conduta para fins de sanção penal e seu amoldamento ao tipo penal constante do art. 2º da Lei 8.176/91. Aqui, tem-se potencial ilícito civil e administrativo, mas não delito, ante o não amoldamento da moldura fática descrita na denúncia a tipo previsto na lei penal, reforçado pela constatação de que a conduta em questão seria passível de regularização atualmente, nos termos acima descritos.

Por todas essas razões, entendo que deve ser mantida a decisão recorrida.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 2º DA LEI 8.176/91. USURPAÇÃO DE BENS DA UNIÃO. PRODUÇÃO DE BENS PERTENCENTES À UNIÃO. PLANTAÇÃO AGRÍCOLA QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DA FAZENDA E ATINGE TRECHO DA FAIXA DE DOMÍNIO DA RODOVIA BR 267/MS - PERTENCENTE À UNIÃO. AUSÊNCIA DE SUBSUNÇÃO DA CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA COM AQUELA PREVISTA NO REFERIDO TIPO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA MANTIDA. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.

1. O recorrido foi denunciado como incurso no artigo 2º da Lei n.º 8.176/1991, porque, em tese, teria produzido bens pertencentes à União, sem autorização legal, consistente no cultivo agrícola para fins particulares, na faixa de domínio da União.

2. Trata-se de lei penal em branco, que depende de integração para a identificação de quais são os bens pertencentes à União. E é a própria Constituição Federal, em seu artigo 20, que arrola referidos bens, dentre eles, os recursos minerais.

3. Portanto, justamente por se tratar de norma penal em branco, a tipificação da conduta prevista no art. 2º, da Lei 8.176/91, há que ser feita por meio da análise não só do caput do art. 20 da Constituição Federal, como também de seu §1º, justamente para se identificar o verdadeiro significado da norma.

4. Nesse sentido, tem-se que o tipo penal previsto no art. 2º, da Lei 8.176/91 pretende criminalizar a conduta daquele que usurpa bens da União, produzindo bens ou explorando matéria-prima (economicamente explorável, e de maneira irreversível), motivo pelo qual o §1º do art. 20 da Constituição Federal assegura ao ente federal a participação no resultado dessa exploração, sobretudo de petróleo, gás natural, recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica dentre outros recursos minerais.

5. A partir dessa análise normativa, constata-se a inexistência de subsunção da conduta narrada na denúncia com aquela prevista no tipo penal descrito no art. 2º da Lei 8.176/91.

6. Isso porque a conduta do denunciado não gerou a produção de bens pertencentes à União ou mesmo a exploração de matéria prima da União, no sentido normativo previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, pois referido tipo penal descreve uma conduta que pressupõe a redução do patrimônio da União, como nos casos usualmente julgados por esta E. Turma, de extração de areia ou argila (ou seja, matéria prima ou recursos minerais que se extrai e não voltam mais a existir) ou, ao menos, a produção de bens a partir de uma matéria-prima explorada economicamente da União, de maneira irreversível, e sem a sua autorização.

7. Entretanto, dos fatos narrados na denúncia, depreende-se que o denunciado possui uma fazenda, na qual desenvolve atividade de produção agrícola (agricultura), arcando com todo o custo do fator humano, econômico e tecnológico necessários para tanto, sendo que referida plantação ultrapassou os limites de sua propriedade e atingiu um trecho da faixa de domínio da rodovia BR 267/MS, pertencente à União.

8. Portanto, verifica-se que a conduta de produzir bens agrícolas foi realizada pelo denunciado, em sua quase integralidade, em terras de sua propriedade (fazenda), e às suas expensas, tendo atingido um trecho da faixa de domínio da União, que, como já dito na sentença apelada, sequer se encontrava demarcado pelo DNIT, órgão da União responsável por demarcar a referida faixa de domínio da União nas rodovias.

9. Portanto, no caso dos autos, não houve qualquer conduta do denunciado no sentido de usurpar bens da União, seja porque não produziu bens a partir de matéria prima da União (no sentido tipificado no artigo em análise), pois, como já dito, toda a produção agrícola estava quase integralmente em terra de sua propriedade (tendo atingido apenas um trecho na área de domínio da União), seja porque toda a atividade agrícola foi realizada às suas expensas, seja porque sequer havia cerca delimitando qual seria esta faixa de domínio da União “invadida” pelo denunciado.

10. Ademais, importa ressaltar que o fato de se afastar a tipicidade penal da conduta narrada na denúncia, não significa refutar a ilicitude civil e administrativa dela decorrentes, cujas providências cabíveis podem e devem ser tomadas nas demais esferas do direito, a fim de preservar os direitos do ente federal.

11. Recurso em sentido estrito desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.