Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
10ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000091-52.2021.4.03.6142

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: LUCAS ALMEIDA DINIZ, EVELLIN BEATRIZ ROCHA FIALA

Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A
Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A

RECORRIDO: ADVOCACIA GERAL DA UNIAO, REPRESENTANTE DO 37º BATALHÃO DE INFANTARIA LEVE, UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000091-52.2021.4.03.6142

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: LUCAS ALMEIDA DINIZ, EVELLIN BEATRIZ ROCHA FIALA

Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A
Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A

RECORRIDO: ADVOCACIA GERAL DA UNIAO, REPRESENTANTE DO 37º BATALHÃO DE INFANTARIA LEVE, UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA:

Vistos em inspeção.

Trata-se de ação movida por LUCAS ALMEIDA DINIZ e EVELLIN BEATRIZ ROCHA FIALA em face da UNIÃO FEDERAL e do REPRESENTANTE DO 37 BATALHÃO INFANTARIA LEVE, com o objetivo de condenar os réus a realizar todas as obras tecnicamente necessárias e recomendadas para proibição do descarte de águas pluviais ao imóvel inferior, além de indenizar os prejuízos causados, que devem ser apurados por prova técnica, e danos morais, no valor de R$ 10.000,00.

Narra a inicial o seguinte:

O autor Lucas é proprietário do imóvel situado à Rua Rockefeller, nº 880, nesta cidade de Lins, conforme documentos anexos.

Ocorre que, como se pode observar dos registros fotográficos colacionado, foi construído um mecanismo de captação de águas pluviais pelo requerido (boca de lobo) que, por sua vez, desagua no muro de divisa dos imóveis, com inclinação para o fundo do terreno do autor.

Desse modo, em ordem cronológica, no mês de novembro o autor começou a construir o muro lateral da residência, solicitando do requerido que efetuasse o fechamento das bocas de lobo. Todavia, em que pese seus esforços, o autor nunca conseguiu contato além de deixar seu nome e número de telefone, sempre sendo informado que encaminhariam para o setor de obras.

Por conseguinte, no dia 14 de dezembro de 2020, o muro lateral da residência já havia sido levantado, e, com a chuva forte, inundou a residência dos autores, ocasião em que o autor compareceu ao Quartel requerendo ajuda, sendo informado que somente poderiam verificar a situação no dia seguinte, pois o expediente havia encerrado.

Ao passo que a água começou a adentrar a residência do autor, a coautora, Evellin, estava em desespero dentro de casa, com os filhos pequenos, Miguel (5 anos) e Artur (3 anos), e o pedreiro Ademir.

A água desaguou para dentro do terreno e na residência do autor, devido ao esgoto do quartel ter caída e saída (pelas bocas de lobo) dentro do terreno, não havendo evasão para a água, a qual começou a entrar pelo ralo, conforme faz prova as fotos carreadas infra:

No dia seguinte ao ocorrido, foi entregue notificação ao requerido, com o objetivo de sanar os problemas, conforme anexo.

Após, no dia 16/12/2020 o requerido, tampou as bocas de lobo, com pedaços de tijolo e abriu um buraco no muro da autora. Veja-se:

Devido as bocas de lobos terem sido fechadas, a água estava acumulando do outro lado do muro, fazendo com que este rachasse e a água passasse por cima (como uma cachoeira) e, ainda assim, passando água pelos buracos que haviam sido fechados de forma errada.

Ocorre que, na chuva do dia 29/12/2020, o autor começou a verificar rachaduras no muro e novos alagamentos, situação que, após o final do ano, procurou a Prefeitura Municipal de Lins, que não tomou providências, mesmo o Projeto da residência estando aprovado por ela, e sem a previsão de tais bocas de lobo.

Após o ocorrido, o autor procurou a Defesa Civil. No dia 06/01/2021, o funcionário Wagner Soancella visitou a residência dos autores, tirou fotos e verificou o muro, aduzindo que notificaria o Quartel para resolução do problema.

No mesmo dia, o Sr. Jesse, funcionário do Quartel, informou que estaria verificando os fatos. Somente no dia 20/01/2021 foi aberto, pelo Requerido, outro buraco no muro, com grades, conforme fotos abaixo:

Com o aumento das chuvas, os autores e sua família vêm sofrendo sérios transtornos, vez que tiveram sua residência inundada, inclusive danificando os móveis, dado o acúmulo de água no terreno dos autores.

Salienta-se que os autores têm dois filhos menores de idade, e isso gerou grande abalo moral e temor pela saúde de seus filhos, devido às condições de sua residência após o fato exposto, bem como pela sensação de impotência, ante o descaso do requerido em adotar postura ativa para, ao menos, dirimir os danos que deu causa.

Após novos episódios de chuva e persistência do problema, a autora acionou a Defesa Civil, na qual, através do funcionário Wagner Saoncella, compareceu à residência do autor, e verificando o problema, pediu providencias ao quartel, que até o momento não solucionou o problema dos autores.

Verifica-se que os problemas iniciaram quando do levantamento do muro, em novembro/2020, estando até hoje sem solução, o que acarreta em enormes transtornos, inclusive com o quintal desnivelado pelas fortes chuvas, sobretudo pelo fato de que os autores, até o momento, não conseguiram quaisquer medidas efetivas para fechamento dos buracos, que ele, autor, teve que abrir no seu muro lateral para escoamento da água.

Nessa toada, o requerido não executou a obra corretamente, deixando que o cano que capta as águas que decorrem de seu terreno e adentra o imóvel do autor despejando água diretamente no solo, sem nenhum tipo de proteção, captação ou desvio correto do curso da água, e assim, a ausência desse projeto que, frisa-se, é de responsabilidade do requerido, ocasionou e ocasiona diversos danos, inclusive com início de um processo de erosão na residência dos autores.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a UNIÃO a (i) obrigação de fazer, consistente em contratar empresa especializada em drenagem para execução de obras e equipamentos de drenagem superficial para destinação das águas coletadas para a rede pluvial por meio de tubulação, sem escoamento para o imóvel dos autores; e (ii) pagar a quantia certa consistente no montante de R$ 110,00, a título de danos materiais, acrescida de juros de mora e correção monetária a partir da data da citação.

Houve interposição de recurso pela parte autora e pela União.

Nas razões recursais, os autores sustentam, em síntese, que (i) com as tentativas frustradas de resolver o problema, sofreram consequências severas em sua propriedade, gerando incontáveis abalos morais; (ii) no dia da inundação, a coautora Evellin estava na residência juntamente com seus dois filhos, de 5 e 3 anos de idade, que ficaram desesperados; e (iii) não se pode olvidar o temor e desespero dos autores a cada previsão de chuva, ficando apreensivos de que o episódio anterior se repita, situação que extrapola o mero aborrecimento do cotidiano. Requerem, assim, a condenação do réu ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 10.000,00.

A União Federal, por sua vez, sustenta que o laudo elaborado pelo Exército concluiu que o escoamento das águas pluviais segue o fluxo natural do relevo da propriedade superior do 37º Batalhão de Infantaria Leve para a propriedade inferior, que é a residência do autor, e que a forma atual do terreno se encontra inalterada em relação à época da construção. Assim, as águas pluviais devem ser suportadas pelo terreno inferior. Requer, por isso, a improcedência da ação.

Ambas as partes ofereceram contrarrazões.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000091-52.2021.4.03.6142

RELATOR: 29º Juiz Federal da 10ª TR SP

RECORRENTE: LUCAS ALMEIDA DINIZ, EVELLIN BEATRIZ ROCHA FIALA

Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A
Advogado do(a) RECORRENTE: LOHAINE MILENA ALEXANDRE - SP415031-A

RECORRIDO: ADVOCACIA GERAL DA UNIAO, REPRESENTANTE DO 37º BATALHÃO DE INFANTARIA LEVE, UNIÃO FEDERAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

JUIZ FEDERAL CAIO MOYSÉS DE LIMA (RELATOR):

A sentença assim se pronunciou sobre a obrigação de fazer e a indenização por danos materiais:

O caso em questão trata de direitos de vizinhança, especialmente no que tange ao escoamento de águas pluviais de um imóvel a outro. Alega a parte autora que haveria mau uso da propriedade pelo réu, o que ensejaria a indenização pelos danos causados e a obrigação de cessar tais danos por meio das obras necessárias para tanto.

De início, importante ressaltar que o conceito de vizinhança no Direito Civil é mais amplo que na linguagem comum, de forma que não se confunde com a contiguidade. Para o Direito Civil, vizinhança refere-se a propriedades que repercutem juridicamente umas nas outras.[i]

Nos termos do art. 1.277 do Código Civil:

“O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”

A respeito do escoamento de águas pluviais de um imóvel a outro, dispõe o Código Civil:

“Art. 1.288. O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada por obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior.”

“Art. 1.289. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer.”

Todavia, a responsabilidade estatal possui tratamento constitucional, e segundo a CF a responsabilidade estatal por atos comissivos é objetiva. Verifica-se se há nexo causal entre ato estatal e dano e, caso positivo, existe a responsabilidade do Estado, exceto se houver culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito/força maior, basicamente. Isso vale para os atos estatais propiciatórios de danos, que a rigor são comissivos.

Aqui sigo lição valorosa de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que a responsabilidade estatal por omissão é subjetiva, pois a rigor o art. 37, § 6º, da CF trata de ato comissivo e porque o nada, nada pode gerar, em princípio. A lição pela responsabilidade subjetiva estatal por omissão foi encampada pelo STF reiteradas vezes, o qual adicionou que é preciso que o Estado tenha atuado com culpa e que a falta de atuação tenha sido a causa direta e imediata do prejuízo (teoria dos danos diretos e imediatos).

No caso concreto há um ato propiciatório de dano (construção feita pelo Exército) e falta de sistema de drenagem superficial (como se verá).   

Para aferir a existência de danos indenizáveis e de nexo causal entre os danos e a existência/inexistência de obras pela parte ré, foi realizada perícia técnica na área de engenharia civil, por Perito Engenheiro de confiança deste juízo (ID 111213849).

O perito deixou claro que “O dano do imóvel no autor é de responsabilidade do réu”. Destaco trechos elucidativos do referido laudo pericial:

“Os danos constatados no imóvel do Autor se concentram apenas em reparo na pintura externa demonstrada nas Figura 25, p. 34 e Figura 26, p. 34 e utensílios (sofá retrátil de dois lugares, armário multiuso e caixa de leite) e materiais utilizados na construção do muro (areia grossa e pedra), ambos pleiteados pelos Autores. Vale salientar que o serviço de reparo no imóvel não depende de grandes proporções por se tratar apenas em pintura ao externo do imóvel, não sendo necessário o custo para desocupação do imóvel e limpeza geral da edificação.”

“O nexo causal se restringe na inexistência da drenagem de águas pluviais geradas no imóvel a montante de propriedade da Ré, que não dispõe de equipamentos de drenagem superficial13, sendo que as águas tendem no sentido dos imóveis a jusante, principalmente ao imóvel do Autor, sendo fato o retaludamento14 ao entorno do campo de futebol (Figura 34, p. 40), caracterizando o mesmo como conceito de talude formado, ou modificado, pela ação direta do homem (Figura 36, p. 41, Figura 38, p. 42, Figura 39, p. 43, Figura 40, p. 44, Figura 41, p.44 e Figura 43, p. 46), contrariando o código civil, visto terem alterado a condição natural e executar obras e benfeitorias conforme Figura 33, p. 39. Constatou se no ato da vistoria, por avaliação sensorial15, que os muros que perfazem a delimitação do imóvel do Réu (Figura 36, p. 41 e Figura 41, p. 44), mais precisamente os muros junto a divisa com o Autor e o muro de divisa junto a praça, podem vir a ruína, em parte ou total, visto a quantidade de trincas e rachaduras que os mesmos possuem, ressaltando que os muros de divisa não preveem o tipo de esforço horizontal ocasionado pela enxurrada, sem contar a força de remanso. Os fatos foram descritos por uma questão de prudência e evitando ser negligente, mesmo estes não sendo objeto da lide.”

Em resposta aos quesitos do juízo, o perito esclareceu que o imóvel do réu não possui obras de equipamentos de drenagem superficial em seu terreno, o que levou ao escoamento das águas ao imóvel do autor.

As respostas aos quesitos elaborados pela União deixam claro que as obras provenientes do Exército agravaram as condições anteriores naturais dos terrenos, aplicando-se a segunda parte do art. 1.288 do Código Civil ao caso concreto:

“Quesito 3) Comparando-se o levantamento topográfico da data da construção do quartel com o levantamento topográfico atual, houve obras provenientes do exército brasileiro que alteraram o perfil topográfico do relevo do terreno que ocasionaram o desvio do curso natural da água para casa do Senhor Lucas? Resposta: Sim, conforme exposto no item 9.2, p. 48, foi implantado uma quadra poliesportiva e um campo de futebol (Figura 34, p. 40), no qual foi realizado um taludamento ao entorno do campo, tendo como o pé do talude o muro de divisa junto aos imóveis da Rua Rockefeler e ao muro de divisa junto à praça.”

“Quesito 6) Segundo a doutrina: O dono ou possuidor do prédio inferior terá obrigação de receber as águas pluviais ou nascentes que naturalmente correm do superior, ante a conformação do solo e à lei da gravidade. Logo, está proibido de realizar obras que dificultem o fluxo das águas. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 13. Ed. Ver. E atual. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 882). Nesse contexto, quando o senhor Lucas decidiu construir um muro na divisa com o quartel, exatamente no caminho natural da água, foi realizado algum estudo do impacto futuro do fluxo da água, que ali passava? Resposta: Ressaltando que o muro construído pelo Autor não se faz divisa com o imóvel do Réu, este signatário entende que as águas que escoa em direção ao imóvel do Autor, se deve devido a alteração das características do terreno do imóvel da Ré, indo contra o art. 1288.”

Por fim, o expert concluiu que o réu deve contratar empresa especializada em drenagem e, consequentemente, executar equipamentos de drenagem superficial e destinar as águas coletadas para a rede pluvial por meio de tubulação.

Evidentemente que em diversas passagens o perito usou linguagem que não lhe cabe, pois efetuou juízo de valor jurídico, mas apesar disso o por ele elaborado no campo da Engenharia vale para aclarar que o Estado fez obra que propiciou o dano e que se omitiu ao não construir a drenagem superficial, malgrado tenha atuado, e de boa-fé, ineficazmente, para conter o problema.

Assim, restou claro que não cabe ao autor simplesmente tolerar o escoamento de águas pluviais em seu terreno, por se tratar de propriedade inferior com relação ao terreno da ré. Isso porque as intervenções realizadas pelo réu em seu terreno (tais como construção de muros junto à divisa com o autor e junto à praça, implantação de campo de futebol que dispõe de retaludamento ao seu entorno e implantação de quadra poliespoertiva) causaram agravamento ao fluxo das águas pluviais. Restou devidamente comprovado o nexo causal entre os danos sofridos pelo autor e a existência de alterações no terreno do réu e a omissão do réu em executar obras de drenagem do terreno e tubulações para o escoamento das águas pluviais.

As ações e omissões da parte ré ensejam a responsabilidade estatal material, como se viu.

 

Da obrigação de fazer

 

Para cessar o escoamento indevido de águas para o imóvel dos autores, deverá a parte ré realizar as obras necessárias para drenagem superficial do imóvel, por meio da contratação de empresa especializada em drenagem, para destinação das águas coletadas para a rede pluvial por meio de tubulação.

 

Dos danos materiais

 

Segundo o laudo técnico, “Os danos constatados no imóvel do Autor se concentram apenas em reparo na pintura externa demonstrada nas Figura 25, p. 34 e Figura 26, p. 34 e utensílios (sofá retrátil de dois lugares, armário multiuso e caixa de leite) e materiais utilizados na construção do muro (areia grossa e pedra), ambos pleiteados pelos Autores. Vale salientar que o serviço de reparo no imóvel não depende de grandes proporções por se tratar apenas em pintura ao externo do imóvel, não sendo necessário o custo para desocupação do imóvel e limpeza geral da edificação.”.

No caso em tela, a parte autora pleiteou tão-somente a indenização pelos danos materiais referentes à perda da areia grossa e fina anteriormente compradas pelos autores, em razão da inundação. A comprovação da compra dos dois tipos de areia encontra-se no documento de ID 45868216.

A sentença deve ficar adstrita ao pedido da parte, de forma que não é possível a condenação da parte ré a indenizar pelos demais danos materiais supostamente sofridos pela parte.

Assim, a parte ré deverá indenizar a parte autora pelos danos materiais referentes à areia perdida, no valor de R$ 110,00.

Uma vez que tais fundamentos estão em sintonia com meu próprio entendimento, adoto-os como razão de decidir.

Dano moral

Não obstante o dano moral se refira à experiência dolorosa da vítima e, portanto, à sua subjetividade, a prova de sua ocorrência pode ser exclusivamente circunstancial, dada a dificuldade de se comprovar estados puramente subjetivos. Há casos, ainda, em que, pela gravidade manifesta da situação comprovada, tem-se dano moral “in re ipsa”, isto é, o dano que decorre da mera existência de situação objetiva apta a produzir graves transtornos.

No presente caso, entendo que a gravidade da situação configura o dano moral “in re ipsa”, pois a constante apreensão dos autores quanto à possibilidade de ocorrência de novos danos, semelhantes àqueles demonstrados nos vídeos trazidos com a inicial (Ids 254763253 e 254763254), transcende o mero aborrecimento e configura já verdadeiro transtorno, que foge do que é comum, esperado ou tolerável no convívio social.

Configurado, assim, o dano moral “in re ipsa”, passo a quantificá-lo.

A reparação em dinheiro tem dupla finalidade: indenizatória e punitiva. Nas palavras de José de Aguiar Dias (“Da Responsabilidade Civil”. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 846): 

“[...] se a reparação se tem de fazer em dinheiro, avultam os ponto de contato entre a indenização e a pena, porque também esta pode empregar-se na satisfação do prejudicado, proporcionando-lhe o salatium, apaziguamento, e conseguindo alteração do sentimento e da vontade. Essa função oferece satisfação à consciência de justiça e à personalidade do lesado, e a indenização pode desempenhar um papel múltiplo, de pena, de satisfação e de equivalência. Assim, ‘[...] o pagamento de uma soma a título de satisfação ocupa um lugar intermédio entre a indenização e a pena. Com a primeira, compartilha o fim essencial de representar uma prestação imposta a favor e em consideração do lesado; com esta tem de comum o implicar em mal para o indenizante’.” 

Diante disso, para determinar o valor da indenização deve-se levar em conta não apenas a gravidade dos transtornos sofridos pela vítima, como também o caráter pedagógico da reparação e a capacidade financeira do responsável pelo dano. 

Ora, os recursos da União Federal são também os do erário, ou seja, qualquer ônus imposto à União é distribuído por toda a sociedade, e que, portanto, é preciso fixar o “quantum” moderadamente, a fim de que não haja enriquecimento desproporcional da parte autora em detrimento da coletividade.

Assim, tendo em vista a finalidade reparatória e preventiva da indenização, entendo razoável fixar o valor da indenização no montante de R$ 1.100,00, equivalente a dez vezes o valor dos danos materiais comprovados.

Diante do exposto, voto por negar provimento ao recurso da UNIÃO FEDERAL e dar parcial provimento ao recurso dos autores, para reformar em parte a sentença e condenar a UNIÃO FEDERAL, ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 1.100,00, a ser atualizado, a partir da data deste julgado, segundo os critérios estabelecidos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil e do art. 55 da Lei nº 9.099/95, considerando a baixa complexidade do tema.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

Dispensada a ementa, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região - Seção Judiciária de São Paulo, por unanimidade, negar provimento ao recurso da UNIÃO FEDERAL e dar parcial provimento ao recurso dos autores, nos termos do voto do Juiz Federal Relator, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.