APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000368-64.2016.4.03.6103
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CLAUDIO LEITAO BANDEIRA
Advogado do(a) APELANTE: ARTUR BENEDITO DE FARIA - SP218692-A
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO
Advogados do(a) APELADO: CLAUDIO BORREGO NOGUEIRA - SP194527-A, ANDRE LUIS DE CAMARGO ARANTES - SP222450-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000368-64.2016.4.03.6103 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CLAUDIO LEITAO BANDEIRA Advogado do(a) APELANTE: ARTUR BENEDITO DE FARIA - SP218692-A APELADO: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO Advogados do(a) APELADO: CLAUDIO BORREGO NOGUEIRA - SP194527-A, ANDRE LUIS DE CAMARGO ARANTES - SP222450-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo autor, em face de sentença que julgou improcedente o pedido, em demanda proposta com o objetivo de ser declarada a nulidade do ato administrativo de demissão do autor, reintegrando-o ao cargo que ocupava no Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 2ª Região, com conversão do regime celetista para o regime estatutário. O autor foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, na forma do art. 85, § 2º do CPC, observado ser o autor beneficiário da gratuidade da justiça, ficando as obrigações decorrentes da sucumbência sob condição suspensiva de exigibilidade, pelo prazo de 05 (cinco) anos, consoante disposto no § 3º do artigo 98 do CPC. Refuta, em síntese, os fundamentos da sentença, no sentido da nulidade da demissão e do direito à conversão do regime celetista para o regime estatutário. Pugna, ainda, pela condenação em danos morais. Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000368-64.2016.4.03.6103 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CLAUDIO LEITAO BANDEIRA Advogado do(a) APELANTE: ARTUR BENEDITO DE FARIA - SP218692-A APELADO: CONSELHO REGIONAL DE CORRETORES DE IMOVEIS DA 2 REGIAO Advogados do(a) APELADO: CLAUDIO BORREGO NOGUEIRA - SP194527-A, ANDRE LUIS DE CAMARGO ARANTES - SP222450-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): A lide a ser dirimida diz respeito à imposição de a ré, autarquia federal, promover processo administrativo para instrumentar a rescisão contratual sem justa causa do autor, bem como da conversão do regime jurídico da CLT para o estatutário. Inicialmente, por força do Decreto-Lei n.º 968/1969, o regime jurídico dos funcionários dos conselhos de fiscalização profissional era celetista, o que foi modificado com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 que, com a subsequente edição da Lei n.º 8.112/1990, instituiu o regime único dos servidores públicos. Assim, tais funcionários tornaram-se estatutários, situação esta que perdurou até a Emenda Constitucional n.º 19/1998, que aboliu o regime único dos servidores públicos. Em decorrência da Emenda nº 19/1998 foi editado o art. 58, §3º da Lei n.º 9.649/1998, instituindo novamente o regime celetista para os servidores dos conselhos de fiscalização profissional, in verbis: Art. 58. (...) § 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta. Por sua vez, ao julgar a ADI 1717/DF, o E.STF declarou a inconstitucionalidade do art. 58, caput e parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º 6º, 7º e 8º da Lei n.º 9.649/98, sustentando que os referidos conselhos de fiscalização possuem natureza de autarquia de regime especial: "DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime." (ADI 1717/DF-DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, DJ 28/03/2003) Nessa ADI 1717/DF, o E. STF manteve intacto o previsto no §3º do art. 58 da Lei n.º 9.649/1998, preservando a disposição que submetia os funcionários dos conselhos de fiscalização de profissões à legislação trabalhista. Ocorre que, em 02/08/2007, ao proferir decisão na Medida Cautelar na ADI n.º 2.135/DF, o E. STF suspendeu, liminarmente, a vigência do caput do art. 39 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda n.º 19/1998, restabelecendo a redação original do dispositivo, que exigia o regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Tal suspensão, entretanto, produz efeitos ex nunc, preservando as relações jurídicas constituídas sob a legislação editada nos termos da Emenda declarada suspensa, tal qual se confere da ementa do julgado: "MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido." (grifei) (ADI 2135 MC, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Relator(a) p/ Acórdão: ELLEN GRACIE (ART.38,IV,b, do RISTF), Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-01 PP-00081 RTJ VOL-00204-03 PP-01029) É dizer, de todo esse percurso constitucional, legislativo e jurisprudencial, tem-se que até 1988 as contratações dos conselhos profissionais davam-se pela legislação trabalhista; de 1988 até 1998, tais funcionários estavam submetidos ao regime estatutário, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº 19/1998; a partir de então, e com a edição da Lei nº 9.649/1998, restabeleceu-se mais uma vez a legislação trabalhista como lei de regência e, com a suspensão do art. 39 pelo entendimento do E.STF afirmado na ADI 2135 MC, ficou estabelecido que os conselhos profissionais são entidades de direito público (autarquias), que compõem a administração indireta e, como consequência, estão obrigados a contratar seu pessoal através de concurso público. Ocorre, entretanto, que em decisão recente, o E.STF apreciou a legalidade do §3º do art. 58 da Lei nº 9.649/1998, que fora mantido intacto no julgamento da ADI 1.717, acima referido. Trata-se do julgamento de três ações do mesmo tema: ADC 36, ADIn 5.367 e ADPF 367. Na ADC 36, pleiteava-se a declaração de constitucionalidade do § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98; na ADI 5.367 sustentava-se que, de acordo com a Constituição Federal, o regime jurídico estatutário é a regra para servidores da administração direta, de autarquias e fundações da União, dos Estados, do DF e dos municípios; e na ADPF 367, foram questionados diversos dispositivos da legislação Federal anterior à Constituição de 1988 que determinam a aplicação da CLT aos empregados de conselhos profissionais. No julgamento conjunto das três ações, assentou-se o entendimento segundo o qual, ainda que esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República (que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas), não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso. Confira-se, por relevante ao presente caso, excerto do voto do Ministro Dias Toffoli: “Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 968/69, os empregados dos Conselhos de Fiscalização Profissional eram celetistas. Eis o teor do dispositivo: ‘Art. 1º - As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais’. Após a Constituição Federal de 1988, houve a instituição do regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas (art. 39), seguido do art. 243 da Lei 8.112/90. Com a EC 19/98, o regime jurídico único foi abolido e a Lei 9.649/98 passou a prever o regime celetista para o quadro de pessoas dos Conselhos Profissionais (art. 58, § 3º). No julgamento da ADI 1.717/DF , o STF declarou prejudicada a ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98 e julgou inconstitucionais o art. 58 e seus parágrafos 1°, 2º, 4°, 5°, 6º, 7° e 8°, da Lei 9.649/98, afirmando que os conselhos de fiscalização possuem natureza de autarquia de regime especial , tendo em vista “a indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas”. No julgamento da ADI 2.135-MC , a Corte Suprema deferiu a liminar, com efeito ex nunc , para suspender a validade do caput do art. 39 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 19/98. Assim, a redação original do art. 39 foi repristinada, voltando a viger o regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Com efeito, não obstante esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República, que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas, não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso. Como bem assentou o Ministro Alexandre de Moraes , “não existe razão de fundo constitucional a exigir que o legislador equipare o regime dos Conselhos Profissionais ao das autarquias, nesse aspecto”, mormente por se enquadrarem num regime híbrido (autarquias sui generis) que permite a aplicação do direito público de forma mitigada . A característica híbrida dos Conselhos Profissionais autoriza a adoção do regime celetista, sem haver prejuízo à função fiscalizatória do ente, especialmente porque, apesar de terem natureza de pessoa jurídica de direito público (autarquia de regime especial), “gozam de ampla autonomia e independência”, não se submetem a “controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República”, não integram a estrutura orgânica do Estado”, não recebem recursos orçamentários da União e não se sujeitam a aprovação de seu orçamento pelo Congresso Nacional para fixar despesas de pessoal e de administração, como destacado no voto do Ministro Alexandre de Moraes . Ante o exposto, acompanho a divergência iniciada pelo Ministro Alexandre de Moraes e julgo procedente o pedido formulado na ADC 36 e improcedentes os pedidos formulados na ADI 5367 e na ADPF 367.” Todavia, embora autarquias possam contratar por regime celetista, a dispensa do empregado público deve ser motivada em favor da impessoalidade e da isonomia, que também orienta a admissão do mesmo trabalhador por concurso publico. No RE 589.998/PI, o E.STF firmou a seguinte Tese no Tema 131, tendo como controvérsia a demissão imotivada de empregado público celetista de empresa pública e de sociedade de economia mista que preste serviço público, cuja ratio decidendi claramente aplica a autarquias como os Conselhos Profissionais: "A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados.". Confira-se a ementa do julgado: Ementa: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. DEMISSÃO IMOTIVADA DE SEUS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DA DISPENSA. RE PARCIALEMENTE PROVIDO. I - Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC nº 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso publico, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa. III – A motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso extraordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho. (RE 589998, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-179 DIVULG 11-09-2013 PUBLIC 12-09-2013 RTJ VOL-00238-01 PP-00201) E ainda que não haja exigência de prévio processo administrativo (com contraditório e ampla defesa) para a dispensa do empregado público, a motivação do ato de demissão do celetista pode ser controlada pelo Poder Judiciário quanto a aspectos formais e, excecionalmente, se acusar manifesta violação do ordenamento jurídico quanto a aspectos materiais. Confira-se o entendimento desta e. 2ª Turma (grifei): MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ADMINISTRATIVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. CONSELHO PROFISSIONAL. ENQUADRAMENTO. REGIME CELETISTA. PRECEDENTES DO STF. ADC 36. SENTENÇA REFORMADA. APELO E REMESSA OFICIAL PROVIDOS. I - Preliminarmente, merece ser afastada à alegação de competência da Justiça do Trabalho para decidir a presente demanda, eis que o C. Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento segundo o qual a natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão (ARE 809482 AgR, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 28-03-2017 PUBLIC 29-03- 2017). II - No tocante à natureza da contratação de pessoal dos Conselhos de Fiscalização Profissional, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, ao julgar a ADC 36, a ADI 5367 e a ADPF 367, firmou o entendimento segundo o qual o regime de contratação é o celetista e não o estatutário, prevalecendo o disposto no artigo 58, §3º, da Lei nº 9.649/98. III - Considerando a eficácia erga omnes de referida decisão da Suprema Corte, há que se reconhecer a legalidade da contratação dos impetrantes pelo regime celetista. Nesse contexto, tem-se que a pretendida reintegração nos cargos respectivos, ao fundamento de que as respectivas demissões não foram precedidas de regular processo administrativo, acarretando, assim, violação ao contraditório e a ampla defesa, não merece ser acolhida. IV - A dispensa de empregados públicos não exige a instauração de processo administrativo, sendo necessário apenas que o ato demissório seja motivado, o que ocorreu in casu. V - Apelação e remessa oficial providas. Segurança denegada. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5025697-82.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 23/04/2021, Intimação via sistema DATA: 27/04/2021) No caso dos autos, o autor era empregado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 2ª Região desde 2008 e foi demitido sem justa causa em 15/10/2013. Alega o Conselho que pagou todas as verbas rescisórias nos termos da CLT, razão pela qual não há vício na demissão. Ocorre, entretanto, que a dispensa do autor, ainda que prescindisse de processo administrativo formal, não poderia se dar de maneira imotivada, tal qual admitido pelo próprio CRECI em contestação. Evidentemente, anulada a demissão, deverá ser recomposta a situação anterior do autor, com devolução dos valores recebidos a título de verbas rescisórias. Indo adiante, sobre a lesão patrimonial e extrapatrimonial, é necessário situar o problema posto nos autos no contexto de responsabilidade civil por danos, para o que se faz necessário lembrar que os bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas (Súmula 227 do E.STJ), assim como de universalidades e entes despersonalizados, abrangem itens de diversas naturezas e conteúdos, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em materiais e morais. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, a proteção a esses bens e direitos tem atributos de garantia fundamental, de tal modo que o titular da prerrogativa indevidamente violada tem a faculdade de exigir o dever fundamental de reparação apropriada em face do responsável, sendo certa a possibilidade de cumulação da reparação da lesão material com o dano moral. O objeto do dano material correspondente à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito. Ao mesmo tempo em que os sujeitos de direito são dotados de liberdade de escolha, todos devem responder por seus atos ou omissões quando violarem limites determinados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidades de diversas espécies (dentre elas as criminais). Para o que importa a este feito, a atribuição da responsabilidade civil pode ser imputada a todo aquele que causar lesão, por fato ou ato praticado (in committendo), por omissão (in ommittendo), por pessoa que o representante (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo). É pela correta delimitação jurídica da responsabilidade civil que se torna possível estabelecer os parâmetros para avaliação do caso sub judice, motivo pelo qual é necessário também consignar que, quanto ao fato gerador, há a responsabilidade contratual (relacionada a negócio jurídico não cumprido, no todo ou em parte, nos termos do art. 389 e seguintes do Código Civil) e responsabilidade extracontratual ou aquiliana (casos de violação à lei e a primados de Direito, independentemente de negócio jurídico, conforme art. 186 e seguintes, também do Código Civil); acerca do fundamento, há a responsabilidade subjetiva (baseada em culpa) e a responsabilidade objetiva (baseada no risco, não exigindo culpa); e, considerando o agente, há a responsabilidade direta ou simples (se oriunda de ato da própria pessoa imputada) e responsabilidade indireta ou complexa (resultante de ato ou fato de terceiro, animal ou coisa inanimada vinculada ao imputado). Friso que a culpa ou o dolo podem aparecer como causa da lesão, mas não são imprescindíveis para atribuição de responsabilidade civil (embora tenham utilidade no caso de fixação de reparação). Nessa linha, não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida). Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência (vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso), o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes; já a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para conferir a responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. Por sua vez, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa do causador da lesão (excluída apenas se o prejuízo for exclusivamente gerado por ato ou omissão do lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade do causador do dano, observando também o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). A responsabilidade objetiva gera o dever de indenizar por parte daquele que interagiu (direta ou indiretamente) com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, e se baseia na injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao titular do bem ou direito prejudicado; por não depender de dolo ou culpa, a responsabilidade civil decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos. No caso dos autos, verifico a ocorrência de dano patrimonial ao autor, haja vista que na sua condição de empregado público sua demissão não poderia acontecer de forma imotivada. Assim, a título de danos materiais, são devidos todos os valores que o autor deixou de receber a título de remuneração no período. O dano moral, contudo, ensejaria a presença de evidente má-fé do ente público, o que não se percebe no caso dos autos, pois o CRECI seguiu as normativas aplicáveis a empregados ordinariamente contratados pelo regime celetista, adimplindo todas as verbas rescisórias e efetuando baixa na CTPS de modo adequado. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para declarar a nulidade do ato de demissão do autor e reintegrá-lo ao cargo de Agente de Fiscalização e declarar seu direito ao cômputo desse tempo como de efetivo serviço, bem como à percepção dos valores que deixou de receber a título de remuneração no período, corrigidos nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Os valores pagos pelo CRECI a título de verbas rescisórias, que devem ser devolvidos pelo autor, devem ser compensados com os valores a receber do CRECI, devendo o Conselho também tomar as medidas administrativas necessárias. Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 85 do CPC, condeno cada uma das partes ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (que arbitro como equivalente ao proveito econômico tratado nos autos, não obstante a procedência parcial da pretensão), na seguinte proporção: 50% para o autor e 50% para o réu. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. CONSELHO PROFISSIONAL. REGIME DE CONTRATAÇÃO. EMPREGADO PÚBLICO CELETISTA. DEMISSÃO. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO. EXIGÊNCIA. TEMA 131/STF. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. DESLIGAMENTO IMOTIVADO. IRREGULARIDADE. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA.
- Até 1988, as contratações dos conselhos profissionais se davam pela legislação trabalhista, por força do Decreto-Lei nº 968/1969; com a promulgação da Constituição Federal, de 1988 até 1998, tais funcionários estavam submetidos ao regime estatutário, conforme se infere da redação original de seu art. 39, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº 19/1998; a partir de então, e com a edição da Lei nº 9.649/1998, restabeleceu-se mais uma vez a legislação trabalhista como lei de regência e, com a suspensão do art. 39 em decisão proferida pelo E.STF na ADI 2135-MC, ficou estabelecido que os conselhos profissionais são entidades de direito público (autarquias), que compõem a administração indireta e, como consequência, estariam obrigados a contratar seu pessoal através de concurso público.
- Julgando a ADC 36 o E.STF assentou o entendimento segundo o qual, ainda que esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República (que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas), não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso.
- Embora autarquias possam contratar por regime celetista, a dispensa do empregado público deve ser motivada em favor da impessoalidade e da isonomia, que também orienta a admissão do mesmo trabalhador por concurso publico. No RE 589.998/PI, o E.STF firmou a seguinte Tese no Tema 131, tendo como controvérsia a demissão imotivada de empregado público celetista de empresa pública e de sociedade de economia mista que preste serviço público, cuja ratio decidendi claramente aplica a autarquias como os Conselhos Profissionais: "A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados.". Confira-se a ementa do julgado:
- E ainda que não haja exigência de prévio processo administrativo (com contraditório e ampla defesa) para a dispensa do empregado público, a motivação do ato de demissão do celetista pode ser controlada pelo Poder Judiciário quanto a aspectos formais e, excecionalmente, se acusar manifesta violação do ordenamento jurídico quanto a aspectos materiais.
- No caso dos autos, o autor era empregado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis da 2ª Região desde 2008 e foi demitido sem justa causa em 15/10/2013. Ainda que prescindisse de processo administrativo formal, a demissão não poderia se dar de maneira imotivada, tal qual admitido pelo próprio CRECI em contestação. Por isso, a demissão deve ser anulada, com reintegração do demitido ao cargo e pagamento de valores que deixou de receber, mas com devolução dos valores recebidos a título de verbas rescisórias.
- Incabível condenação em danos morais, uma vez que não comprovado qualquer dano a indenizar.
- Apelação parcialmente provida.