Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO


Nº 

RELATOR: 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5170195-83.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA

APELANTE: GILDAZIA RODRIGUES RUBINATO

Advogado do(a) APELANTE: ELIZANDRA MARCIA DE SOUZA BERNO - SP173750-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta nos autos de ação de conhecimento em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.

O MM. Juízo a quo declarou-se absolutamente incompetente para apreciar a ação previdenciária e extinguiu o processo sem resolução do mérito, nos termos do Art. 485, IV, do CPC.

Inconformada, a autora apela sob o argumento de que a Lei 13.876/19, que deu nova redação ao Art. 15 da Lei 1.060/50, para restringir a competência delegada da Justiça Estadual para processar e julgar as ações previdenciárias, passou a ter vigência somente em 01 de janeiro de 2020, após o ajuizamento da presente demanda, ocorrido em 31/12/2019. Pugna pela anulação da r. sentença para o feito seja regularmente processado e julgado.

Sem contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5170195-83.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA

APELANTE: GILDAZIA RODRIGUES RUBINATO

Advogado do(a) APELANTE: ELIZANDRA MARCIA DE SOUZA BERNO - SP173750-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Art. 109, § 3º, da Constituição Federal (CF/88) estabeleceu, em sua redação original, que as causas em que fossem parte instituição de previdência social e segurado seriam processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, sempre que a comarca não fosse sede de Vara do Juízo Federal, hipótese em que a lei poderia permitir que outras causas lá fossem também processadas e julgadas.

Após a recente alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, o citado § 3º passou a prever que "Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal". 

Ocorre que a Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, previamente modificara o Art. 15, da Lei nº 5.010/66, que passou a vigorar nos seguintes termos:

" Art. 15. Quando a Comarca não for sede de Vara Federal, poderão ser processadas e julgadas na Justiça Estadual:       (Redação dada pela Lei nº 13.876, de 2019)
(...)
III - as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária, quando a Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) de Município sede de Vara Federal;                (Redação dada pela Lei nº 13.876, de 2019)
(...)
§ 2º Caberá ao respectivo Tribunal Regional Federal indicar as Comarcas que se enquadram no critério de distância previsto no inciso III do caput deste artigo.      (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)".

A referida Lei estabeleceu também que a modificação legal prevista no Art. 3º somente teria vigência a partir do dia 1º de janeiro de 2020 (Art. 5º, inciso I).

Por sua vez, a Resolução nº 603/2019, do Conselho da Justiça Federal, dispôs que  os Tribunais  Regionais  Federais  "deverão publicar,  até  o  dia  15  de  dezembro  de 2019, lista das comarcas com competência federal delegada" (Art. 3º), e que as ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuariam a  ser processadas e julgadas no Juízo Estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º, do Art. 109, da Constituição Federal, pelo inciso  III,  do  Art.  15,  da Lei  nº 5.010/66, e  pelo  Art.  43,  do Código de Processo Civil (Art. 4º).

Especificamente sobre o tema, foi editada, nesta Corte, a Resolução PRES nº 322, de 12 de dezembro de 2019,  posteriormente modificada pela Resolução PRES nº 334, de 27 de fevereiro de 2020, em que, por meio da relação divulgada em seus anexos I e II, elencou as comarcas que permanecem com competência federal delegada, respectivamente, nas seções judiciárias de São Paulo e de Mato Grosso do Sul.

Nesse contexto, instauraram-se conflitos de competência em que se discute a possibilidade de redistribuição, para a Justiça Federal, de processos que se encontravam em curso perante a justiça estadual, no exercício da competência federal delegada, anteriormente a 1º/01/2020, o que levou o colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a admitir o incidente de assunção de competência no conflito de competência nº 170.051/RS,  para tratar de tese delimitada nos seguintes termos: "Efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada", tendo determinado a suspensão, em todo o  território nacional, de qualquer ato destinado a redistribuição de processos pela Justiça Estadual (no exercício da jurisdição federal delegada) para a Justiça Federal,  até o julgamento definitivo do incidente, esclarecendo ainda que os processos ajuizados em tramitação no âmbito da Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal delegada, deverão ter regular tramitação e julgamento, independentemente  do julgamento do incidente.

Posteriormente, no julgamento do incidente (IAC no CC 170051/RS), em 21/10/2021, a Primeira Seção do c. STJ firmou a tese nos seguintes termos:

 "Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020.

As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original."

O acórdão proferido naqueles autos restou assim redigido:

"INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS AUTOS DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIO, EXCETO AS DE ÍNDOLE ACIDENTÁRIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL INVESTIDO NA JURISDIÇÃO DELEGADA. ART. 109, §3º, DA CF. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103/2019. LEI FEDERAL Nº 13.876/2019.
1- Trata-se de incidente de assunção de competência, instaurado com fulcro nos arts. 947, § 2º, do CPC/2015 e 271-B do RISTJ, que visa examinar o campo de vigência das alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103/2019 e pela Lei nº 13.876/2019 no instituto da competência delegada previsto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988.
2- O presente incidente foi proposto nos autos do conflito negativo de instaurado entre o Juízo Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul e o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba/RS, em autos de ação previdenciária, ajuizada em 4/5/2018, por segurado em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando o restabelecimento de aposentadoria por invalidez com o adicional de grande invalidez.
3- A controvérsia em questão está afeta ao instituto da competência delegada conferida, pelo texto constitucional, à Justiça Estadual para o julgamento de causas envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, as quais, dada a natureza jurídica envolvida e os interesses tutelados na lide, deveriam ser julgadas pela Justiça Federal.
4- É fato que os Juízes Estaduais, por determinação constitucional, recebem, excepcionalmente por delegação, e não por assunção, competência previdenciária de matéria federal. Tanto é assim que o art. 109, § 4º, da CF c/c 108, II da CF/88 traz clara previsão de que o recurso cabível contra decisão da Justiça Estadual será sempre encaminhado à jurisdição do Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. Nesse sentido, CC 114.650/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 17/05/2011.
5- Outra importante observação, extraída de abalizada corrente de processualistas capitaneado por Dinamarco, está no fato de a hipótese tratar-se foros concorrentes, sendo de exclusivo arbítrio do autor a propositura de ação no local de sua preferência e sem possibilidade de a escolha ser impugnada pelo adversário.
Consequências dessa asserção:
5.1 Sendo a Justiça Federal organizada em Seções e Subseções, o Juiz Federal com competência incidente sobre o domicílio da parte - ainda que não haja uma sede de Vara Federal - terá competência originária para julgamento da causa. E caso essa localidade não seja sede de Vara Federal, o Juiz Estadual terá competência delegada para julgamento da causa, não cabendo, pois, ao INSS se insurgir contra a opção feita pelo autor da ação.
5.2 Haverá competência do Juízo Estadual somente quando não existir sede de Vara Federal na localidade em questão. Estar a comarca abrangida pela jurisdição de vara federal não é o mesmo que ser sede de vara federal. Sobre o ponto, nos autos do leading case CC 39.324/SP, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 24/09/2003, esta Corte firmou compreensão no sentido de que ulterior instalação de vara federal extingue a competência delegada.
6- A questão de direito a ser dirimida restou assim delimitada:
"Efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada". A propósito, cita-se a nova redação do dispositivo: " § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal."
7- Tese da Associação Brasileira dos Advogados Previdenciários que na qualidade de amicus curiae, aponta a ocorrência de inconstitucionalidade à Lei nº 13.876/19 rejeitada. Conforme voto de Sua Excelência Ministra Maria Thereza de Assis Moura, proferido em procedimento administrativo no Conselho da Justiça Federal do SEI 0006509-2019.4.90.8000 e que deu origem à Resolução CJF 603/2019, enquanto tal argumento exige a ocorrência de modificação de competência absoluta prevista em norma constitucional originária; a hipótese encerra apenas a delimitação de seu alcance, permanecendo, pois, hígida, a jurisdição da Justiça Federal.
8- As alterações promovidas pela Lei nº 13.876/19 são aplicáveis aos processos ajuizados após a vacatio legis estabelecida pelo art. 5º, I. Os feitos em andamento, estejam eles ou não em fase de execução, até essa data, continuam sob a jurisdição em que estão, não havendo falar, pois, em perpetuação da jurisdição. Em consequência, permanecem hígidos os seguinte entendimentos jurisprudenciais em vigor: i) quando juiz estadual e juiz federal entram em conflito, a competência para apreciar o incidente é do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, d, in fine); ii) se o conflito se estabelece entre juiz estadual no exercício da jurisdição federal delegada e juiz federal, competente será o Tribunal Regional Federal.
9- Nos termos da Resolução 603/2019, CJF: i) definição de quais Comarcas da Justiça Estadual se enquadram no critério de distância retro referido caberá ao respectivo TRF (ex vi do art. 3º da Lei nº 13.876/2019), através de normativa própri; ii) por questão de organização judiciária, a delegação deve considerar as áreas territoriais dos respectivos TRFs. Consequentemente, à luz do art. 109, § 2º, da CF, o jurisdicionado não pode ajuizar ação na Justiça Federal de outro Estado não abrangido pela competência territorial do TRF com competência sobre seu domicílio. Ainda que haja vara federal em até 70km dali (porém na área de outro TRF ), "iii) observadas as regras estabelecidas pela Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, bem como por esta Resolução, os Tribunais Regionais Federais farão publicar, até o dia 15 de dezembro de 2019, lista das comarcas com competência federal delegada." e iv)"As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a 1º de janeiro de 2020, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual."
10- Tese a ser fixada no incidente de assunção de competência: "Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art, 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020.
As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original."
11- Dispositivo: Como a ação fora ajuizada em 4/5/2018 deve ser reconhecida a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Guaíba - RS, o suscitado, para processar e julgar a ação.
(IAC no CC 170.051/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 21/10/2021, DJe 04/11/2021)".

Conforme se observa dos autos e da consulta ao sistema processual do Tribunal de Justiça de São Paulo, a autora, residente e domiciliada em Brodowski/SP, em 19/12/2019, distribuiu a ação previdenciária junto à Vara Única da Justiça Estadual daquela Comarca,  que não é sede de Vara da Justiça Federal estava abrangida na jurisdição da 2ª Subseção Judiciária de São José do Rio Preto/SP, nos termos do Provimento nº 436-CJF3R, de 04 de setembro de 2015.

Logo, tendo a causa sido proposta antes de 1º de janeiro de 2020, data de início da vigência da alteração promovida no Art. 15 da Lei 5.010/66, pela Lei 13.876/19, deve ser processada e julgada no juízo estadual, no exercício da competência federal delegada.

Por outro lado, incabível a extinção do feito sem resolução do mérito com fundamento na incompetência absoluta.

Com efeito, é firme a jurisprudência do c. STJ no sentido de que a incompetência absoluta não autoriza a extinção do processo, mas sim sua remessa ao juízo competente.

Nessa linha de entendimento:

Destarte, reconheço a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a causa e anulo a r. sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, para que tenha regular prosseguimento em seus ulteriores termos.

Ante o exposto, dou provimento à apelação.

É o voto.

 



E M E N T A

PROCESSO CIVIL. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA AJUIZADA PERANTE A JUSTIÇA ESTADUAL NO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA FEDERAL DELEGADA. PROPOSITURA ANTERIOR A 1º/01/2020. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO COM FUNDAMENTO NA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. IMPOSSIBILIDADE.
1. A competência federal delegada à Justiça Estadual, prevista nos termos do Art. 109, § 3º, da Constituição Federal, e do Art. 15, III, da Lei 5.010/66, em sua redação original, deve ser mantida com relação às ações previdenciárias ajuizadas antes de 1º de janeiro de 2020, conforme decidido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do incidente de assunção de competência no conflito de competência nº 170.051/RS.
2. O reconhecimento da incompetência absoluta não autoriza a extinção do processo sem resolução do mérito, mas sim sua remessa ao juízo competente. 
3. Apelação provida.
 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.