APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000923-24.2016.4.03.6118
RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE
APELANTE: MARINA DE PAIVA BRANCO SOUZA - ME
Advogado do(a) APELANTE: ERIK MONTEIRO DA SILVA - SP240355-A
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogados do(a) APELADO: MARINA MACIEL CAMPOLINA CARDOSO - SP375888-B, MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA - SP100076-A, ROBERTO TADAO MAGAMI JUNIOR - SP244363-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000923-24.2016.4.03.6118 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: MARINA DE PAIVA BRANCO SOUZA - ME Advogado do(a) APELANTE: ERIK MONTEIRO DA SILVA - SP240355-A APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) APELADO: MARINA MACIEL CAMPOLINA CARDOSO - SP375888-B, MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA - SP100076-A, ROBERTO TADAO MAGAMI JUNIOR - SP244363-A R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por MARINA DE PAIVA BRANCO SOUZA-ME, em face da sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 16, §1º, da Lei nº 6.380/80. Honorários fixados em 10% do valor da causa. Em suas razões, aduz a apelante, em síntese, que, com exceção dos bens impenhoráveis, não possui meios de garantir a execução. Ademais, o art. 16 da Lei nº 6.380/80 é inconstitucional. Requer os benefícios da gratuidade de justiça. Com contraminuta. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000923-24.2016.4.03.6118 RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE APELANTE: MARINA DE PAIVA BRANCO SOUZA - ME Advogado do(a) APELANTE: ERIK MONTEIRO DA SILVA - SP240355-A APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO Advogados do(a) APELADO: MARINA MACIEL CAMPOLINA CARDOSO - SP375888-B, MARCUS ELIDIUS MICHELLI DE ALMEIDA - SP100076-A, ROBERTO TADAO MAGAMI JUNIOR - SP244363-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A assistência judiciária gratuita é garantia constitucional, prevista no art. 5.º, LXXIV, da Magna Carta, na qual se confere o dever do Estado de proporcionar a todos o acesso ao Judiciário, até mesmo aos que comprovarem insuficiência de recursos. Tal preocupação do Estado é antiga e tem origem mesmo antes do ordenamento constitucional de 1988. Observa-se que o privilégio não se limita às pessoas físicas, podendo ser estendida também às jurídicas, desde que comprovada a situação financeira precária. O Superior Tribunal de justiça sedimentou essa tese na edição da Súmula 481: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". Na hipótese dos autos, a agravante comprovou a insuficiência financeira alegada. A declaração de Imposto de Renda, Ano-calendário 2015, exercício de 2016, da pessoa física, onde consta que recebeu da pessoa jurídica agravante rendimentos de R$9.456,00, bem como do Fundo do Regime Geral de Previdência Social a quantia de R$25.776,13; o extrato bancário com saldo de R$ 2,81, em 31/12/2015, bom como o comprovante de baixa de inscrição da pessoa jurídica no CNPJ, em 8/3/2016, por motivo de “extinção p/ enc liq voluntária”, são elementos suficientemente hábeis para comprovar que a agravante não tem condições de pagar as custas processuais. Assim, de rigor o deferimento da gratuidade pleiteada. Quanto à questão atinente à admissibilidade dos embargos à execução foi objeto de exame pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.272.827 sob o regime do artigo 543-C do CPC/1973, ocasião em que restou assentado que, em atenção ao princípio da especialidade e ante a expressa previsão da Lei nº 6.830/1980 (artigo 16, §1º), não são admissíveis embargos à execução fiscal sem garantia. Em observância à ampla defesa e à garantia de acesso ao Poder Judiciário, tem-se mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado quando a parte executada, comprovadamente, for hipossuficiente (v.g.: Primeira Seção, REsp 1.127.815/SP, repetitivo) A concessão de justiça gratuita, por si só, não é elemento suficiente para comprovar o estado de hipossuficiência patrimonial e dispensar a garantia do juízo, ainda que parcial. Neste sentido, a jurisprudência do STJ: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. HIPOSSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL. GARANTIA DO JUÍZO. DISPENSA. POSSIBILIDADE. COMPROVAÇÃO A CARGO DO EMBARGANTE. NECESSIDADE. 1. É possível o recebimento dos embargos à execução fiscal sem a apresentação de garantia do juízo, quando efetivamente comprovado o estado de hipossuficiência patrimonial do devedor, não sendo suficiente, para esse mister, a concessão da assistência judiciária gratuita. Precedente: REsp 1.487.772/SE, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 12/06/2019. 2. Hipótese em que o acórdão recorrido destoa, em parte, da aludida orientação jurisprudencial, uma vez que dispensou a apresentação de garantia para a oposição dos embargos à execução fiscal apenas pelo fato de os embargantes estarem assistidos pela gratuidade da justiça e representados pela defensoria pública, razão pela qual os autos devem retornar ao Tribunal de origem para que reexamine o tema mediante a análise da prova produzida pelos embargantes sobre a sua alegada hipossuficiência patrimonial, convertendo o feito em diligência, se necessário for. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1836609/TO, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2021, DJe 16/06/2021) Como se depreende, o simples fato do executado ser amparado pela gratuidade da justiça não autoriza a oposição dos embargos sem a garantia do juízo. Nesse sentido, também destaco julgado desta Corte: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. GARANTIA DO JUÍZO - PARCIAL - CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE - ART. 16, § 1º, DA LEF. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DA INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. Embora tenha o Código de Processo Civil alterado as regras quanto à admissibilidade dos embargos do devedor no processo de execução e dispensado a garantia do juízo como requisito prévio à oposição de embargos (art. 914/CPC15 correspondente do artigo 736/CPC73), a referida norma processual não se aplica às execuções fiscais por se tratar de procedimento especial regulado por legislação própria (Lei 6.830/80 - Lei de Execuções Fiscais). 2. O c. Superior Tribunal de Justiça, em sede de representativo de controvérsia RESP 1.272.827/PE, firmou o entendimento de que "Em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736, do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 - artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos - não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da Lei n. 6.830/80, que exige expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal." 3. No caso dos autos, houve penhora no executivo fiscal, mas o valor apurado mostrou-se insuficiente frente ao valor executado. Diante da insuficiência da penhora, rejeitaram-se liminarmente os embargos e o processo foi extinto, sem análise do mérito. No entanto, subiram os autos a esta Corte e a r. sentença foi anulada a fim de que fosse oportunizado o reforço da penhora. Intimada, a parte embargante limitou-se a informar que o processo encontrava-se integralmente garantido com a constrição de um imóvel e em razão da penhora no rosto dos autos da Ação Ordinária nº 0002705-40.1990.4.01.3400, alegando, portanto, desnecessidade do cumprimento da medida para o prosseguimento dos embargos à execução fiscal. Frente ao alegado, o d. magistrado consignou "Compulsando os autos de execução fiscal nº 0803217-50.1996.403.6107 verifico que não está garantido totalmente o juízo. O noticiado pelo embargante é referente a possível crédito que não se consolidou; logo, não está integralmente garantida a dívida." e abriu nova oportunidade para que a parte embargante comprovasse a integralidade da garantia. Contudo, a parte embargante apenas reiterou suas razões e pleiteou a reconsideração do despacho anterior. Sobreveio, então, a r. sentença recorrida. 4. O artigo 16, § 1º, da LEF não exige, de forma expressa, que a garantia da execução fiscal seja integral, no entanto, o C. Superior Tribunal de Justiça consagrou entendimento, sob a sistemática de recurso repetitivo, no sentido de ser possível o processamento dos embargos à execução fiscal com juízo parcialmente garantido, desde que intimada previamente a parte executada para complementar a garantia do juízo e restar comprovada nos autos a situação de hipossuficiência da parte executada (REsp nº 1.127.815/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 14/12/2010). 5. Desta feita, não logrando a devedora comprovar de forma inequívoca sua insuficiência patrimonial e não tendo a constrição alcançado valor relevante, a r. sentença deve ser mantida. 6. Nesse mesmo sentido já decidiu esta e. Terceira Turma: AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 584636 - 0012703-79.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, julgado em 01/12/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2016; AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2154010 - 0042195-39.2012.4.03.6182, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 04/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2016. 7. Apelação a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2114188 - 0003745-58.2012.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES, julgado em 18/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/04/2018). No caso concreto, instada pelo juízo a quo a comprovar a garantia de juízo, a apelante quedou-se inerte, vindo a suscitar a hipossuficiência tão somente na presente esfera recursal. Ocorre que tal feito configura supressão indevida de instância, o que não se admite. Assim, não comprovada, na vara de origem, a situação de hipossuficiência da parte executada e ausente a garantia da execução fiscal, de rigor a manutenção da sentença. Por fim, a fixação dos honorários advocatícios observou o disposto no art. 85 do NCPC, e levando-se em conta o não provimento do recurso de apelação, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários advocatícios em 1%, sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 3º, I, observada a suspensão em decorrência do deferimento dos benefícios da justiça gratuita. Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação. É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Apelação interposta por MARINA DE PAIVA BRANCO SOUZA-ME contra sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 16, §1º, da Lei nº 6.380/80. Honorários fixados em 10% do valor da causa. Alega a recorrente que o art. 16 da Lei nº 6.380/80 é inconstitucional.
A eminente Relatora desproveu o recurso. Divirjo, com a devida vênia.
Primeiramente, consigno que nada tenho a opor ao posicionamento do STJ de que, à luz do princípio da especialidade, a regra da LEF que impõe a garantia não restou superada pela nova redação do artigo 736 do CPC. Minha objeção à norma da legislação específica é de ordem constitucional.
A Lei de Execuções Fiscais surgiu em meados da década de 80, com o claro objetivo de possibilitar ao fisco uma execução mais fácil e célere de seus créditos. Assim, basicamente transformou o procedimento executório em uma simples sucessão de atos de penhora, arrematação e a adjudicação dos bens do devedor. A defesa do contribuinte - na medida em que implica a cognição acerca da insurgência deduzida - dele foi apartada. O legislador foi além, contudo, e previu a necessidade de que seu exame fosse precedido e estava condicionado à garantia do juízo. Sob esse aspecto é que cabe examinar se legislação especial é compatível com a nossa atual Constituição Federal.
Entendo que exigência de garantia que esbarra nas garantias à ampla defesa e ao contraditório (artigo 5º, LIV), do direito fundamental a propriedade (artigo 5º, XXII), além de colocar o contribuinte numa situação processual extremamente desfavorável que, comumente, quando não dispõe de patrimônio para cumprir a exigência legal, como no caso dos autos, impede, em última análise, o acesso ao Judiciário, em clara violação ao inciso XXXV do artigo 5º. Aliás, a propósito, precisamente por incompatibilidade com essa garantia, em situação análoga prevista no artigo 19, caput, da Lei nº 8.870/1994, que condicionava o ajuizamento de ações judiciais relativas a débitos para com o INSS ao depósito preparatório do valor controvertido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 28 (É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.).
Sobre o tema, destaco excerto do artigo publicado pela advogada Michelle Marie Caldas Cruz Santos:
"(...)
6. A problemática da exigência da segurança do juízo nos embargos a execução fiscal
6.1 Afronta ao patrimônio e a cidadania dos executados
A segurança do juízo é um dos pressupostos indispensáveis à propositura dos embargos à execução fiscal, constituindo um verdadeiro pressuposto para seu exercício (artigo 16, §1º da LEF).
Essa exigência de garantia prévia do juízo claramente não se coaduna com o nosso ordenamento jurídico e, inegavelmente, muitas das vezes até inviabiliza o exercício do direito de ação e de defesa do executado, pois se trata de um gravame extremamente insuportável e desproporcional, principalmente para aqueles que não têm condições financeiras de arcar com tamanho ônus.
Nesse sentido, parece extremamente oportuno refletirmos rapidamente acerca dos princípios da legalidade, do federalismo, da cidadania, além do princípio republicano, já que eles revelam os poderes dos cidadãos, os principais interessados nesse tema de usurpação de direitos constitucionais.
Pois bem. Em decorrência desses princípios pode-se afirmar que o Estado tem a força que o cidadão lhe conferiu, através de seus representantes eleitos, e somente pode regular o exercício dos cidadãos nos casos e nas medidas em que eles mesmos estabeleceram.
Vejamos o brilhantismo com que nosso saudoso mestre Geraldo Ataliba aborda o tema:
"A força desamparada do Direito é mais repugnante no regime republicano que em qualquer outro: o Estado tem a força que os cidadãos lhe conferem. O seu uso contra o cidadão deve ser repelido. O Direito regula o exercício da força sobre o cidadão só nos casos em que, antes, teve seu consentimento patenteado no texto constitucional e traduzido nas manifestações legislativas."
É certo que, a Cidadania no Brasil longe de ser uma expressão que reflete o poder soberano do povo aproxima-se cada vez mais da idéia de mito, ou no melhor das vezes, como assegura J. J. Calmon de Passos, uma realidade de poder tutelada, onde se outorga formalmente a cidadania ao povo.
No entanto, não se pode perder de vista que é assegurado a todos os cidadãos, de forma igualitária pela Constituição Federal o direito pleno ao acesso a justiça, que se traduz no direito à ampla defesa, ao contraditório, ao direito de ação, sem qualquer restrição a seu patrimônio.
É inconcebível que o cidadão, detentor soberano do poder, seja rebaixado a casta de súdito do Estado e admita ser compelido a compor uma lide sem ao menos ter a possibilidade de exercer seu direito de defesa de forma plena, como lhe é assegurado pela Constituição Federal.
Não se pode permitir qualquer afronta aos princípios constitucionais, eles são as pedras basilares de nosso ordenamento jurídico. Desse entendimento, sucede, em voz majoritária, o entendimento de Geraldo Ataliba:
"(...)Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma, a desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado, porque representa a insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra."
Como dito anteriormente, sabe-se que o povo investido de seu poder de soberania conferiu autoridade ao órgão público competente para constituir um título executivo contra ele, em caso de inadimplemento, inclusive atribuindo a essa certidão uma presunção relativa.
No entanto, o povo não autorizou o legislador infraconstitucional a promover uma execução forçada sem possibilidade de processo cognitivo independente de constrição patrimonial, já que a Lei Maior de nosso país confere direito a ampla defesa, ao contraditório, a uma igualdade substancial entre todos.
A situação financeira do executado não pode constituir impedimento para o livre exercício do direito de defesa nem muito menos servir de fundamento para transformar o processo de execução em confisco de bens. Não se admite que em prol do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, ou do interesse público em aumentar os cofres públicos, possa usurpar do cidadão o seu direito constitucional de ação ou obstar o seu acesso ao Poder Judiciário.
Ademais, inexiste obrigação líquida, certa e exigível para se instaurar uma execução forçada contra o executado, o título que enseja a execução fiscal possui presunção relativa de certeza e liquidez.
Não se pode negar que a Constituição Federal assegura a existência do contraditório em todos os tipos de processos judiciais, sem fazer qualquer restrição; garante, ainda, o princípio do devido processo legal que visa garantir um processo justo às partes, um tratamento jurisdicional igualitário, sem que uma parte prevaleça sobre a outra. Assim, não deve prosperar argumentos que neguem a existência de contraditório no processo de execução sem que seja necessário garantir o juízo.
A segurança do juízo não pode usurpar dos cidadãos as garantias e princípios constitucionais que lhes asseguram uma cidadania plena, nesse contexto."
(A EXIGÊNCIA DA GARANTIA DO JUÍZO NAS EXECUÇÕES FISCAIS; p. em 19/01/2009, MIGALHAS; http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI76425,21048-A+exigencia+da+garantia+do+juizo+nas+execucoes+fiscais)
Na mesma linha, merece menção a seguinte passagem artigo de Rodrigo Fernandes Lobo da Silva:
"...
3. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXGÊNCIA DE GARANTIA DO DÉBITO COMO CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL
A Lei 6.830/1980, em seu art. 16, §1º dispõe que: "não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução". A exigência de garantia do débito para exercício do direito de ação e defesa afronta a Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 garante o livre acesso ao judiciário, prevendo em seu art. 5º, inc. XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Trata-se do denominado Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, também chamado de Princípio do Livre Acesso ao Judiciário ou direito de ação ou defesa.
Segundo este princípio todo aquele que tiver sofrido ou for ameaçado de sofrer lesão a seu direito, tem a garantia de socorrer-se ao Poder Judiciário. Nada poderá impedir intervenção do Poder Judiciário, bem como limitar-se ou condicionar-se o seu acesso.
Entretanto, o acesso ao Judiciário não se restringe ao direito de ação, mas implica também na garantia do direito de defesa. José Afonso da Silva assevera que[4]:
O art. 5º, XXXV, consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Não se assegura aí apenas o direito de agir, o direito de ação. Invocar a jurisdição para a tutela de direito é também direito daquele contra quem se age, contra quem se propõe a ação. Garante-se a plenitude de defesa, agora mais incisivamente assegurada no inc. LV do mesmo artigo.
Segundo Liebman, em seu Mannuale di diritto processuale civille[5]:
O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem representam a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direitos e competem a todos indistintamente, pessoa física e jurídica, italianos (brasileiros) e estrangeiros, como atributo imediato da personalidade e pertencem por isso à categoria dos denominados direitos cívicos.
Intrinsicamente ligada a inafastabilidade da Jurisdição estão as garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Proclama a Constituição Federal, art. 5º, inc. LIV: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e inc. LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Os princípios declinados asseguram que somente teremos nossa esfera individual invadida mediante instauração de um processo formal, o qual observará o ordenamento jurídico e garantirá o exercício do direito de defesa.
Dirley da Cunha Junior define devido processo legal como "a exigência da abertura de regular processo como condição para restrição de direitos", contraditório como "garantia que assegura a pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito", e ampla defesa como "garantia que proporciona a pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de defender-se e provar o contrário".[6] Assim, somente pode se falar em respeito a estes princípios quando as partes tiverem asseguradas a possibilidade de influenciaram na decisão judicial, tomando ciência do processo, sendo ouvidas e produzindo provas, mediante regras pré-estabelecidas e em igualdade de condições.
Por sua vez, Celso Ribeiro Bastos lecionando sobre o devido processo legal, diz[7]:
Por ele visa-se a proteger a pessoa contra a ação arbitrária do Estado. Colima-se, portanto, a aplicação da lei. O princípio se caracteriza pela sua excessiva abrangência e quase que se confunde com o Estado de Direito. A partir da instauração deste, todos passaram a se beneficiar da proteção da lei contra o arbítrio do Estado.
Resta claro que os princípios da inafastabilidade da jurisdição, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, estão a garantir ao indivíduo o livre acesso ao Judiciário, sem condições ou limites, para o exercício dos seus direitos. Desta forma, condicionar o ingresso dos embargos à execução fiscal, à prévia garantia do débito, ofende a Constituição Federal.
Destarte, os embargos à Execução fiscal são o meio de defesa do executado, ação em que se poderá alegar qualquer matéria de defesa, uma vez que na execução fiscal em si, somente é cabível exceção de pré-executividade, instrumento que não admite dilação probatória e em que somente se alega matérias conhecíveis de ofício pelo juiz.
Neste contexto, podemos observar que o Supremo Tribunal Federal, já reconheceu a inconstitucionalidade de se exigir à garantia do débito como condição para ingresso de recurso administrativo, editando a Súmula Vinculante nº 21: "é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévio de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo".
Se na esfera administrativa não pode haver limitação ao direito de defesa, condicionando-o a garantia do débito, com mais razão não poderá havê-lo como limite ao exercício do direito de defesa em juízo, uma vez que cabe ao Judiciário a solução final da lide, inclusive fazendo controle dos atos administrativos.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal também já reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio como condição para ações judiciais de natureza tributária. Dispõe a Súmula Vinculante nº 28: "é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário".
A súmula teve como precedente a Adin 1074-3, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 19 caput da Lei 8.870/1994, que exige depósito prévio para ações judiciais que discutem débito com o INSS, por ofensa ao art. 5º, incs. XXXV e LV da Constituição Federal.
O Ministro relator Eros Grau em seu voto destacou que[8]:
Por outro lado, ao dispor de forma genérica que "as ações judiciais, inclusive cautelares, que tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS serão, obrigatoriamente, precedidas do depósito preparatório", o artigo 19 da Lei 8.870/94, consubstancia barreira ao acesso ao Poder Judiciário. A mera leitura do texto normativo impugnado dá conta da imposição de condição à propositura das ações cujo objeto seja a discussão de créditos tributários, ainda que não esteja em fase de execução.
O Relator ainda citou parte do voto do Ministro Francisco Resek em medida cautelar na referida Adin[9]:
O que o dispositivo impugnado institui importa cerceamento do direito à tutela jurisdicional. O artigo determina que a admissão de 'ações judiciais' que tenham por objeto a discussão de débito para com o INSS se condiciona - obrigatoriamente - ao depósito preparatório do valor do débito cuja legalidade será discutida. Esta claro que o (sic) a norma cria séria restrição à garantia de acesso aos tribunais (art. 5º - XXXV da CF).
O que se pretende, à primeira vista, é assegurar a eventual execução. Nesta trilha, a norma não representaria grande novidade em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, o que a singulariza é a restrição vestibular e ponderável do acesso ao Poder Judiciário. A necessidade do depósito, tal como aqui lançada, limitará o próprio acesso a primeira instância.
Da garantia de proteção judiciária decorrem diversos princípios tutelares do processo - o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, entre outros - e o depósito aqui exigido poderá em muitos casos inviabilizar o direito de ação.
A procedência da Adin 1074 demonstra a inconstitucionalidade da exigência de garantia do débito para ingresso dos embargos à execução fiscal. Os fundamentos expostos pelo STF aplicam-se ao caso em análise. Exigir-se garantia da dívida implica em violação aos princípios expostos.
Aliás, a súmula vinculante 28 deve ser utilizada como fundamento para a inexigibilidade da garantia do débito. Referida súmula refere-se as ações judiciais nas quais se pretenda discutir exigibilidade do crédito tributário e os embargos à execução fiscal tem esta natureza. Os Embargos à Execução Fiscal tem natureza de ação de conhecimento e se discute o crédito tributário.
Outrossim, o extinto Tribunal Federal de Recursos já havia decido a inexigibilidade de depósitos como condição para admissibilidade da ação judicial, editando a súmula 247: "Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei 6.830/80".
Podemos ainda asseverar, que a exigência de garantia do débito ofende ao princípio da igualdade.
O art. 5º, caput da Constituição Federal proclama que todos são iguais perante a lei. Todavia, a moderna doutrina nos ensina que não basta a isonomia meramente formal, mas deve-se buscar a igualdade material das partes. Por igualdade material entende-se tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, no limite de suas desigualdades, para alcançar-se a isonomia. Pedro Lenza ensina que[10]:
Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isto porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei.
Desta forma, exigir de todos a garantia do débito, sem levar-se em consideração a diversidade da situação econômica dos indivíduos, é privilegiar aqueles que possuem melhor condição financeira. A exigência de garantia acaba por possibilitar o exercício do direito de defesa somente aos que possuem dinheiro para depósito bancário ou fiança, ou bens para oferecer a penhora.
Cumpre observar ainda, que nosso Poder Legislativo já deu o primeiro passo para garantia do direito de defesa dos executados, embora apenas naquelas execuções regidas pelo Código de Processo Civil. A Lei 11.382/2006, que alterou dispositivos do referido código, deixou de exigir a garantia do débito como condição de admissibilidade dos embargos do devedor, in verbis: "o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos" (Art. 736).
O tratamento diferenciado dos procedimentos executivos, não se justifica face ao princípio da igualdade material, não há razões para exigir-se garantia do débito na execução fiscal e não exigi-lo na execução comum, ambos os executados devem ter a possibilidade de exercer o direito de defesa sem limitações ou condições. Ademais, não bastasse o tratamento diferenciado entre executados, também não se justifica a prerrogativa da Fazenda Pública de somente em suas execuções exigir-se a garantia do débito, mormente se considerarmos que a Fazenda Pública já conta com um procedimento mais célere na cobrança judicial, não se justificando maiores obstáculos a defesa. O tratamento diferenciado fere o princípio da isonomia.
Nosso legislador, ciente da inconstitucionalidade e falta de justificativa para o tratamento dispare, já iniciou o debate para alteração desta realidade. Os Projetos de Lei 2412/2007 e 5080/09, que visam a alteração da disciplina da execução fiscal, não exigem a garantia do débito como condição de admissibilidade dos Embargos. A exposição de motivos do Projeto de Lei 5080/09, expressamente corrobora nosso posicionamento[11]:
18. Para a defesa do executado adota-se o mesmo regime proposto na execução comum de título extrajudicial, onde os embargos podem ser deduzidos independentemente de garantia do juízo, não suspendendo, como regra geral, a execução.
19. Prestigia-se, assim, o princípio da ampla defesa, que fica viabilizado também ao executado que não disponha de bens penhoráveis. Desaparece, por conseguinte, a disciplina da prévia garantia do juízo como requisito indispensável à oposição da ação incidental.
Os projetos de leis evidenciam que a exigência de garantia de débito, não corresponde ao anseio da sociedade e nem se amoldam a Constituição Federal de 1988."
(A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE GARANTIA DO DÉBITO COMO CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL; publicado em 05/2015; Jus Navigandi; https://jus.com.br/artigos/38771/a-inconstitucionalidade-da-exigencia-de-garantia-do-debito-como-condicao-de-admissibilidade-dos-embargos-a-execucao-fiscal)
Em conclusão, ao exigir a garantia do débito como condição de admissibilidade dos embargos à execução fiscal, a Lei de Execução Fiscal não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, à luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, contraditório e ampla defesa e igualdade, bem como considerada a Súmula Vinculante nº 28 do STF.
Ante o exposto, dou provimento à apelação, a fim de que os embargos à execução sejam recebidos e processados, independentemente de garantia do juízo.
É como voto.
ANDRÉ NABARRETE
Desembargador Federal
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E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – AUSÊNCIA DE GARANTIA – EXTINÇÃO – HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO SUSCITADA PERANTO O JUÍZO A QUO – RECURSO IMPROVIDO.
- Deferido o benefício da justiça gratuita.
- Em atenção ao princípio da especialidade e ante a expressa previsão da Lei nº 6.830/1980 (artigo 16, §1º), não são admissíveis embargos à execução fiscal sem garantia (STJ, Primeira Seção, REsp nº 1.272.827, repetitivo).
- Em observância à ampla defesa e à garantia de acesso ao Poder Judiciário, tem-se mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado quando a parte executada, comprovadamente, for hipossuficiente (STJ, Primeira Seção, REsp 1.127.815/SP, repetitivo).
- No caso concreto, instada pelo juízo a quo a comprovar a garantia de juízo, a apelante quedou-se inerte, vindo a suscitar a hipossuficiência tão somente na presente esfera recursal.Ocorre que tal feito configura supressão indevida de instância, o que não se admite.
- Assim, não comprovada a situação de hipossuficiência da parte executada e ausente a garantia da execução fiscal, de rigor a manutenção da sentença.
- Por fim, a fixação dos honorários advocatícios observou o disposto no art. 85 do NCPC, e levando-se em conta o não provimento do recurso de apelação, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários advocatícios em 1%, sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 3º, I, observada a suspensão em decorrência do deferimento dos benefícios da justiça gratuita.
- Deferido o benefício da justiça gratuita. Apelação improvida.