Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000548-72.2019.4.03.6007

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: MARIA LUCIA BORTOLUZZI

Advogado do(a) APELADO: JAASIEL MARQUES DA SILVA - MS5337-B

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000548-72.2019.4.03.6007

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: MARIA LUCIA BORTOLUZZI

Advogado do(a) APELADO: JAASIEL MARQUES DA SILVA - MS5337-B

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

 

 

  

R E L A T Ó R I O

 

Apelação e recurso adesivo interpostos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e por Maria Lucia Bortoluzzi, respectivamente, contra sentença que extinguiu os embargos à execução fiscal, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, ao fundamento da perda superveniente do interesse de agir, bem como fixou a verba honorária em 10% incidentes até o valor de R$ 199.600,00 e 8% sobre o restante (Id 145610465). Opostos embargos de declaração pela autarquia (Id 145610466), foram acolhidos para reduzir a condenação dos honorários advocatícios pela metade, nos termos do artigo 90, §4º, do CPC (Id 145610472).

 

Aduz (Id 145610475) que:

 

a) decisão administrativa que determinou o cancelamento da infração administrativa e, por conseguinte, do débito executado, foi proferida em 02.10.2019;

 

b) é incontroverso que a parte embargante, quando da oposição dos embargos à execução, já tinha conhecimento da decretação da nulidade do débito administrativo. Ademais, quando da prolação da sentença, o processo executivo já havia sido extinto por provocação do credor;

 

c) os embargos à execução visam à desconstituição do título executivo, de modo que se ele já havia sido declarado sem efeito por força de decisão administrativa e judicial, antes da sua oposição, carecia a parte embargante de interesse de agir.

 

d) não há que se falar em causalidade, porque, se devidos, os honorários advocatícios deveriam ter sido arbitrados no processo de execução fiscal;

 

e) houve a violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, inciso LV, da Constituição) e ao disposto no artigo 10 do Código de Processo Civil, pois não foi dada oportunidade de manifestação, o que ocasionou a condenação ao pagamento da verba honorária.

 

Em recurso adesivo, o embargante aduz que:

 

a) uma vez que a autarquia deu causa à propositura da ação executiva e, por consequência, à oposição dos embargos à execução, deve responder pelos ônus da sucumbência, de acordo com a teoria do princípio da causalidade e da sucumbência;

 

b) o artigo 90, § 4º, do CPC não guarda qualquer correspondência com a questão versada nos autos, porque se refere à parte que, depois de anuir com o pedido, imediata e simultaneamente, cumpre a prestação reconhecida.

 

Foram apresentadas contrarrazões (Id 145610479 e 147264353).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000548-72.2019.4.03.6007

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: MARIA LUCIA BORTOLUZZI

Advogado do(a) APELADO: JAASIEL MARQUES DA SILVA - MS5337-B

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

I – Dos fatos

 

Embargos à execução fiscal opostos por Maria Lúcia Bortoluzzi contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com vista à anulação do débito inscrito sob o n.º 177010, objeto da Execução Fiscal n.º 5000168-83.2018.4.03.6007, decorrente do déficit de área de reserva legal.

 

Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito:

 

a) em 24.04.2018, a autarquia ajuizou a Execução fiscal n.º 5000168-83.2018.4.03.6007 para a cobrança de R$ 636.938,10, referente à infração ambiental prevista nos artigos 3º, §1º, da Lei 8.005/90 e 16 do Decreto- Lei nº 2.323/87 (Id 6361886 daqueles autos);

 

b) o juízo de primeira instância, em 08.06.2018, determinou o arresto, por meio do sistema BACENJUD, dos valores existentes nas contas bancárias da executada, o que restou parcialmente cumprido, em 24.08.2018, por insuficiência de saldo (Id 10626680 daqueles autos);

 

c) em 10.10.2018, o executado requereu a substituição dos valores bloqueados por bens imóveis (Id 11527671 daqueles autos), o que, após avaliação judicial (Id 12837629, p. 17/18) foi recusado pelo credor que solicitou apenas o reforço de penhora (Id 14390467), pedido que, em 16.04.2019, foi deferido pelo juízo (Id 164520096);

 

d) os embargos à execução fiscal foram opostos em 24.10.2019 (Id 145610441 destes autos) e a informação de cancelamento administrativo do débito juntada na ação executiva em 13.11.2019 (Id 24611625 daqueles autos);

 

e) em 14.11.2019, a ação executiva foi extinta, nos termos do artigo 26 da Lei n.º 6.830/80, sem condenação ao pagamento da verba honorária (Id 24628710 daqueles autos).

 

II – Do artigo 10 do Código de Processo Civil

 

O artigo 10 do CPC veda ao magistrado decidir com base em fundamento sobre o qual a parte não teve oportunidade de se manifestar. Trata-se de prestigiar o princípio do contraditório não só na dimensão formal, com a garantia da participação do jurisdicionado, mas também na sua dimensão substancial, entendida como a possibilidade de as partes efetivamente influenciarem a decisão do juiz.

 

No caso concreto, todavia, não se verifica a ofensa ao princípio da não surpresa, uma vez que o fundamento da sentença extintiva é fato conhecido por ambas as partes (cancelamento da dívida em ambiente administrativo) e consubstanciou consequência lógica e inescapável da extinção da execução fiscal originária. Constatada causa de indeferimento da inicial dos embargos, qual seja, a ausência de interesse processual do autor (artigo 330, inciso III), dispensada a triangularização da relação processual por razões óbvias. Destarte, se não era necessário citar a parte antes da referida extinção, afigura-se descabido sustentar a nulidade da sentença por ausência de intimação para manifestação nos termos do artigo 10 do CPC.

 

Por outro lado, tampouco havia a possibilidade de correção do vício ou de emenda da inicial, em atenção ao disposto nos artigos 317 e 321 do CPC. Nesse sentido, inclusive, acerca da específica situação de inépcia da inicial, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que: a norma do art. 10 do CPC/2015 não pode ser considerada de aplicação absoluta, porque o sistema processual brasileiro desvincula a necessidade de atos processuais da realização de diligências desnecessárias (REsp 1781459/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 02.06.2020).

 

Despicienda, por fim, a anulação da sentença, uma vez que o IBAMA não pretende pronunciamento diverso, na medida em que não se opõe à resolução sem mérito dos embargos, mas busca apenas rever a sua condenação ao pagamento da verba honorária, o que pode ser feito em âmbito recursal, para fins de eventual reforma, de forma que não se verifica a nulidade aventada.

 

III – Dos honorários advocatícios

 

Cinge-se a questão à análise da condenação ao pagamento de honorários advocatícios em sede de embargos à execução fiscal extinta sem resolução do mérito, porquanto cancelado administrativamente o débito.

 

O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.111.002/SP (Tema 143), representativo da controvérsia, firmou entendimento de que a imposição dos ônus processuais, no Direito Brasileiro, pauta-se pelo princípio da sucumbência, norteado pelo princípio da causalidade, segundo o qual: aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.09.2009). O posicionamento adotado por aquela corte afasta a aplicação do artigo 26 da Lei n.º 6.830/80, que eximia o credor do pagamento dos honorários advocatícios nos casos de cancelamento da inscrição em dívida ativa.

 

De outro lado, consoante disposto no artigo 90, § 4º, do Código de Processo Civil, a verba honorária será reduzida pela metade se o réu reconhecer expressa e inequivocamente a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir a obrigação. Conforme explica Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (in Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, livro eletrônico, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2022) na nota 7 ao referido artigo: o parágrafo 4º premia não apenas a rapidez com que o litígio se encerra, mas também a conduta do réu que, ao reconhecer o pedido, porta-se de forma condizente com a boa-fé processual e a não fazer perdurar, desnecessariamente, o litígio.

 

Por sua vez, os embargos à execução fiscal previstos no artigo 16 da Lei n.º 6.830/80, constituem ação autônoma com natureza jurídica de ação de conhecimento incidental ao processo executivo, nos quais o executado deve alegar toda a matéria útil à defesa, requerer as provas e juntar aos autos os documentos aptos à comprovação do alegado.  

 

No caso, entretanto, entendo que a situação concreta não é compatível com a intenção legislativa que visa estimular a solução do litígio, pois os embargos representam a defesa apresentada pelo devedor que, além do patrimônio constrito, teve que arcar com as despesas da contratação de um advogado. Observa-se que a informação de cancelamento administrativo do débito juntada na ação executiva em 13.11.2019, após a oposição dos embargos à execução, em 24.10.2019, de modo que não há como reconhecer a espontaneidade da autarquia no reconhecimento da procedência do pedido, o que afasta a aplicação do artigo 90, §4º, do CPC. Nesse sentido, é firme o entendimento da jurisprudência, de que são devidos honorários advocatícios pela exequente se o devedor foi obrigada a constituir advogado para defender-se. Confira-se:

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR OPOSTOS. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO DÉBITO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA.

1. "Os honorários advocatícios são regidos pelo regime vigente na época de prolação do primeiro ato judicial que os arbitrou" (REsp 1799317/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/11/2019).

2. Ajuizada a execução fiscal e opostos embargos pelo devedor, o cancelamento administrativo da inscrição em dívida ativa e a consequente desistência da execução fiscal implica na condenação da parte exequente em verba honorária de sucumbência, devendo-se observar os §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC/2015, caso inexistente as situações do § 8º.

(...)

4. Agravo interno não provido.

(STJ, AgInt no REsp 1837816/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16.03.2020, destaquei).

 

EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CANCELAMENTO DA CDA. HONORÁRIOS. ART. 90, §4º, DO CPC. DESCABIMENTO.

1.Extinta a execução fiscal tão somente após a parte executada ter constituído advogado e apresentado defesa que implicou a extinção do feito, fica demonstrada a sucumbência da exequente, que deve ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios, a despeito do disposto nos artigos 26 da Lei de Execuções Fiscais, e 19, § 1°, da Lei 10.522, de 2002.

2. A norma que isenta a União do pagamento de honorários, prevista no artigo 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522, de 2002, não incide nos casos em que o pedido veiculado na exceção de pré-executividade, cuja procedência foi reconhecida pelo Procurador da Fazenda Nacional, não trate de nenhuma das matérias elencadas nos incisos do caput do dispositivo legal em questão.

3. Para que haja a redução dos honorários advocatícios à metade, o reconhecimento do pedido e o cumprimento da prestação deve ser de plano.

(TRF 4ª Região, AC 5027875-57.2014.4.04.7100, Segunda Turma, Rel. Rômulo Pizzolatti, j. 17.05.2017, destaquei).

 

Assim, à vista da ausência o reconhecimento do pedido pela autarquia, na forma do artigo 90, §4º, do CPC, é de rigor a reforma da sentença para condenar o ente ao pagamento dos honorários advocatícios. Considerados o trabalho realizado, a natureza e o valor atribuído à causa (R$ 636.938,10), fixo a verba honorária no percentual mínimo estabelecido no artigo 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil.

 

Ante o exposto, rejeito a preliminar e nego provimento à apelação da autarquia e dou provimento ao recurso adesivo para reformar a sentença e afastar a aplicação do artigo 90, §4º, do CPC e condenar o ente ao pagamento dos honorários advocatícios nos termos explicitados.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 10 DO CPC. NULIDADE NÃO VERIFICADA. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DO DÉBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 90, §4º, DO CPC. INAPLICABILIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO.

- Não se verifica a ofensa ao princípio da não surpresa (artigo 10 do CPC), uma vez que o fundamento da sentença extintiva é fato conhecido por ambas as partes (cancelamento da dívida em ambiente administrativo) e consubstanciou consequência lógica e inescapável da extinção da execução fiscal originária. Constatada causa de indeferimento da inicial dos embargos, qual seja, a ausência de interesse processual do autor (artigo 330, inciso III), é dispensada a triangularização da relação processual.

- Despicienda a anulação da sentença, uma vez que o ente não pretende pronunciamento diverso, na medida em que não se opõe à resolução sem mérito dos embargos, mas busca apenas rever a sua condenação ao pagamento da verba honorária, o que pode ser feito em âmbito recursal.

- O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.111.002/SP (Tema 143), representativo da controvérsia, firmou entendimento de que a imposição dos ônus processuais, no Direito Brasileiro, pauta-se pelo princípio da sucumbência, norteado pelo princípio da causalidade, segundo o qual: aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 23.09.2009). O posicionamento adotado por aquela corte afasta a aplicação do artigo 26 da Lei n.º 6.830/80 que eximia o credor do pagamento dos honorários advocatícios nos casos de cancelamento da inscrição em dívida ativa.

- Os embargos à execução fiscal previstos no artigo 16 da Lei n.º 6.830/80, constituem ação autônoma com natureza jurídica de ação de conhecimento incidental ao processo executivo, nos quais o executado deve alegar toda a matéria útil à defesa, requerer as provas e juntar aos autos os documentos aptos à comprovação do alegado.  

- Consoante disposto no artigo 90, § 4º, do Código de Processo Civil, a verba honorária será reduzida pela metade se o réu reconhecer expressa e inequivocamente a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir a obrigação.

- A informação de cancelamento administrativo do débito juntada na ação executiva após a oposição dos embargos à execução, de modo que não há como reconhecer a espontaneidade da autarquia no reconhecimento da procedência do pedido, o que afasta a aplicação do artigo 90, §4º, do CPC.

- Preliminar rejeitada. Apelação desprovida. Recurso adesivo provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação da autarquia e dar provimento ao recurso adesivo para reformar a sentença e afastar a aplicação do artigo 90, §4º, do CPC e condenar o ente ao pagamento dos honorários advocatícios, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, por motivo de férias. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.