APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002609-54.2012.4.03.6130
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: SONIA MARIZA BRANCO
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIO JOSE LANGROIVA PEREIRA - SP212004
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002609-54.2012.4.03.6130 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: SONIA MARIZA BRANCO Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIO JOSE LANGROIVA PEREIRA - SP212004 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por SÔNIA MARIZA BRANCO em face da sentença proferida pela 2ª Vara Federal de Osasco (SP) que a condenou à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em (i) prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários mínimos, e (ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, a ser especificada pelo juízo da execução. A denúncia (ID 160822629, pp. 3/6), recebida em 18.06.2012 (idem, p. 8), narra: Consta dos autos que a denunciada, na qualidade de representante legal da empresa ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA. · CNPJ nº 05.298.439/0001-66, estabelecida na Estrada dos Romeiros, 6388, Centro, Santana do Parnaíba, declarou em DCTF os débitos abaixo discriminados, informando que estavam suspensos por medida judicial, com base na ação judicial nº 00027241-17.2010.401.3400, em trâmite na 18ª Vara Federal do Distrito Federal. (...) O valor total do crédito tributário, acrescido de multa e juros resultou em R$ 268. 911, 79 (fl. 18). Todavia, em consulta ao sítio da Justiça Federal do Distrito Federal, verificou-se que a citada ação judicial se referia a uma ação de execução de título da dívida pública mobiliária onde a empresa ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA. sequer figurava como parte (fl. 05). Não foi verificada qualquer decisão judicial proferida naqueles autos que autorizasse a suspensão da exigibilidade dos tributos aqui tratados. Assim, foi enviada cobrança à contribuinte e decorrido o prazo legal, não houve contestação ou mesmo o recolhimento dos débitos. Aduz o Auditor Fiscal, ainda, que tal prática foi realizada por outros oito contribuintes pertencentes à jurisdição da Delegacia da Receita Federal em Barueri, todos utilizando o mesmo número de ação judicial, contra as quais se formalizou a competente representação fiscal para fins penais. Solicitadas informações, a Delegacia da Receita Federal em Barueri informou que a declaração de débitos em DCTF constitui definitivamente o crédito tributário, nos termos da Súmula nº 436 do STJ e que os débitos aqui apurados já se encontram cadastrados em processo, não havendo notícia de pagamento ou pedido de parcelamento por parte da contribuinte, motivo pelo qual foram enviados à Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Osasco para inscrição em Dívida Ativa da União (fl. 19). A autoria encontra-se demonstrada uma vez que a denunciada SÔNIA MARIZA BRANCO é a responsável pela gerência da sociedade, nos termos da ficha cadastral simplificada emitida pela Junta Comercial de São Paulo (fl. 20/22). A materialidade, retratada nos autos da representação fiscal para fins penais nº 50/2012 que instrui a presente. A conduta da denunciada em prestar declaração falsa no intuito de eximir-se do pagamento de tributos amolda-se à figura prevista no artigo 1°, 1, da Lei nº 8.137 /90. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia SÔNIA MARIZA BRANCO como incursa nas sanções do artigo 1°, I, da Lei nº 8.137/90, requerendo que recebida e autuada esta, seja a denunciada citada e interrogada, prosseguindo-se nos demais atos processuais até final condenação. A sentença (ID 160822630, pp. 108/135) foi publicada em 16.06.2016 (idem, p. 136). Em seu recurso (ID 160822630, pp. 184/238), a defesa de SÔNIA requer, preliminarmente, (i) a conversão do julgamento em diligência para o reinterrogatório da acusada e (ii) o reconhecimento da inépcia da denúncia. No mérito, pede, em síntese, a absolvição nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, sustentando, para tanto, a existência de erro sobre elemento do tipo e, por isso, a atipicidade da conduta da acusada por ausência de dolo. Alega, ainda, a ausência de lesividade ao bem jurídico. Por fim, defende a absolvição por não existirem provas suficientes de que a ré praticou o crime a ela imputado e, ainda, a fixação da pena no mínimo legal. Foram apresentadas contrarrazões (ID 160822630, pp. 244/260). A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da apelação (ID 160822630, pp. 263/266). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002609-54.2012.4.03.6130 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: SONIA MARIZA BRANCO Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIO JOSE LANGROIVA PEREIRA - SP212004 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por SÔNIA MARIZA BRANCO em face da sentença que a condenou pela prática de crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei nº8.137/90). A defesa pede, preliminarmente, a conversão do feito em diligência para que se proceda ao reinterrogatório da apelante. Para tanto, argumenta que há fato superveniente, consistente no depoimento prestado por Adir Assad nos autos nº 0057817-33.2012.4.025101, na condição de colaborador premiado, no qual declarou que a ora apelante nada sabia da real atividade da empresa que controlava, corroborando, assim, as teses defensivas sustentadas neste feito. O art. 616 do Código de Processo Penal autoriza o tribunal a proceder a novo interrogatório do réu. Contudo, tal providência tem caráter supletivo, para esclarecimento dos julgadores, como leciona Guilherme de Souza Nucci: Natureza das diligências: devem ser meramente supletivas, voltadas ao esclarecimento de dúvidas dos julgadores de segunda instância, não podendo extrapolar o âmbito das provas já produzidas, alargando-se o campo da matéria em debate, pois isso configuraria nítida supressão de instância e causa de nulidade. É inadmissível o procedimento do tribunal de produzir novas provas, das quais não tem – e não teve por ocasião da sentença – ciência o juiz de primeiro grau, julgado o recurso com base nelas. Assim fazendo, não estará havendo duplo grau de jurisdição, mas uma única - e inédita – decisão, da qual não poderão as partes recorrer. (Código de Processo Penal comentado, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 829, n. 17) Pois bem. O pedido de novo interrogatório da apelante não procede, pois o fato de terceira pessoa declarar que a apelante “nada sabia da real atividade da empresa que controlava” não é apto a justificar a necessidade de ouvi-la novamente, ensejando a conversão do julgamento em diligência. Nesse sentido: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PLEITO DE NOVO INTERROGATÓRIO EM SEDE DE APELAÇÃO. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. ART. 616 DO CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos do art. 616 do CPP, o tribunal tem a faculdade, diante do conjunto probatório dos autos, de determinar ou não o reinterrogatório do acusado ou reinquirir testemunhas, desde que fundamentadamente. 2. Mostra-se impróprio o pedido de realização de nova instrução processual no segundo grau de jurisdição. 3. Ordem denegada. (STJ, HC 85.170/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 05.05.2009, DJe 15.06.2009) PENAL E PROCESSO PENAL. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. REINTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. IMPROVIMENTO. SONEGAÇÃO FISCAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. Faz-se mister fundamentar o pedido de reinterrogatório, possibilitando a análise da pertinência da medida, não tendo a defesa do apelante se desincumbido deste ônus, porquanto não apresentou qualquer justificativa que pudesse ensejar a realização de novo interrogatório em segunda instância. 2. Nos termos do art. 616 do CPP, o tribunal tem a faculdade, diante do conjunto probatório dos autos, de determinar ou não o reinterrogatório do acusado ou reinquirir testemunhas, desde que fundamentadamente. 3. O conjunto probatório acostado aos autos evidencia satisfatoriamente a responsabilidade do acusado pelos fatos narrados na exordial acusatória, não tendo sido demonstrada, sob outro giro, qualquer circunstância que pudesse corroborar a alegação de que o mesmo seria apenas um laranja- na administração da sociedade 4. Apelação improvida. (TRF2, ApCrim 0000120-15.2002.4.02.5001, Segunda Turma, Rel. Des. Federal Guilherme Bollorini Pereira, j. 17.05.2011, Publicação 23.05.2011) A propósito, destaco o seguinte trecho das contrarrazões do Ministério Púbico Federal (ID 160822630, p. 249): Preliminarmente. a defesa pleiteou a realização de novo interrogatório de SÔNIA, uma vez que, supostamente, teriam surgido fatos supervenientes atinentes ao presente feito. Tais fatos se resumem ao depoimento prestado por Adir Assad, na condição de colaborador, nos autos nº 0057817-33.2012.4.02.5101, em trâmite perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Conforme se extrai do referido depoimento, gravado em mídia digital acostada a fl. 451 pela defesa, Adir Assad aduziu que SÔNIA MARIZA BRANCO tinha ciência dos ilícitos perpetrados, destacando o dolo na conduta da apelante em suprimir tributos, ao afirmar que "era pra matar (sic) o imposto" (Olh00min54s a Olh0lmin02s). Por outro lado, não fica claro sobre qual empresa Adir se refere ao dizer que SÔNIA figurava como sócia quando, em verdade, era sua funcionária - isso considerando que o colaborador confirmou que SÔNIA era sócia em várias empresas suas, sendo que não é possível sequer afirmar que uma dessas empresas é a ROCK STAR. Afora isso, o pleito da apelante não merece acolhida, pois não há que se falar em fatos supervenientes, mas apenas em um depoimento que menciona a apelante como uma das pessoas envolvidas em outros ilícitos penais, que não o tratado no presente feito. É de se destacar. ainda, que a defesa poderia ter arrolado Adir Assad como testemunha, porém não o fez no momento oportuno, acarretando a preclusão desta prova. Desse modo, deve ser rechaçado o pleito da defesa no sentido de converter o julgamento em diligência para novo interrogatório da apelante, pois em nada alterará o panorama fático, sendo uma diligência meramente protelatória. Inépcia da denúncia. A defesa também alega que a denúncia é inepta porque não teria descrito adequadamente a conduta da acusada. Sem razão. Em primeiro lugar, observo que, uma vez proferida sentença condenatória, a discussão sobre a inépcia da denúncia fica superada (AgRg no AREsp 1.003.966/SP, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, j. 01.03.2018, DJe 12.03.2018). A despeito disso, a denúncia descreve satisfatoriamente os fatos criminosos e a atuação da apelante, havendo correspondência entre esses fatos e a capitulação jurídica a ela imputada, tendo sido viabilizado o pleno exercício do direito de defesa (ID 170496821, pp. 03/07). Além disso, a primeira fase da persecutio criminis não exige que a autoria do delito esteja definitivamente esclarecida, pois a verificação da justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade (materialidade e indícios suficientes de autoria), e não de certeza. A certeza para o juízo condenatório advém do conjunto probatório formado durante a instrução processual. Nos crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária nem sempre é possível realizar-se, de plano, a perfeita identificação das ações que resultaram na conduta criminosa. Por isso, é admissível denúncia não tão detalhada, desde que a acusação seja compreensível e possibilite a ampla defesa. Nesse sentido é a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF): PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, II, C/C o ART. 11, DA LEI 8.137/90). TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE AUTORIA. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. HABEAS CORPUS EXTINTO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. (...) 2. A denúncia, na hipótese de crime societário, não precisa conter descrição minuciosa e pormenorizada da conduta de cada acusado, sendo suficiente que, demonstrando o vínculo dos indiciados com a sociedade comercial, narre as condutas delituosas de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa. Precedentes: HC 103.104, Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 14.02.12; HC 101.754, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 25.06.10; HC 101.286, Primeira Turma, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 25.08.11; HC 97.259, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 26.02.10; HC 98.840, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 25.09.09. (...) (STF. HC 122.450/MG, Primeira Turma, v.u., Rel. Min. Luiz Fux, j. 28.10.2014, DJe-228 DIVULG 19.11.2014 PUBLIC 20.11.2014; destaquei) No mais, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa (APN 841, Corte Especial, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 15.03.2017, DJe 28.03.2017), o que não se verifica no caso em exame. Por isso, rejeito essa questão preliminar. Quanto ao mérito da imputação, a materialidade está devidamente comprovada pela Representação Para Fins Penais nº 50/2012 (Processo Administrativo Fiscal nº 13896.720627/2012-37), bem como pela constituição definitiva do crédito, ocorrida em 24.11.2011, quando do envio, pela empresa, das declarações de débitos e créditos tributários federais (DCTFs), por meio das quais foi constatada a fraude em relação ao não recolhimento de tributos federais devidos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) pela pessoa jurídica ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA., cujo montante totalizava a quantia de R$ 268.911,79 (duzentos e sessenta e oito mil novecentos e onze reais e setenta e nove centavos), acrescidos de multa e juros de mora, atualizados até março de 2012. A partir desses documentos, verifica-se que, embora as DCTFs relativas aos segundo e terceiro trimestres de 2011 tenham sido apresentadas ao Fisco, foi informado que os débitos tributários lançados estariam com a exigibilidade suspensa em razão de decisão proferida na Ação nº 00027241-17.2010.401.3400, em trâmite na 18ª Vara Federal do Distrito Federal, o que, após consulta efetuada pelo auditor fiscal, revelou-se inverídico. Assim, foi demonstrada a prática de crime contra a ordem tributária, conforme descrito na denúncia. Nesse sentido orienta-se a jurisprudência deste Tribunal Regional Federal: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CONFIGURADA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O CRIME DO ART. 2º, I, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOLO EVENTUAL DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. REJEITADOS PEDIDOS ACUSATÓRIOS. MANTIDO AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS. APELOS DESPROVIDOS. (...) 3.1- A situação em que o contribuinte declara corretamente a exação devida, permitindo sua constituição, mas presta informação falsa com o fim de se eximir do pagamento devido se amolda ao art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. 3.2- No caso dos autos, não se verifica que o réu tenha de fato suprimido (ou reduzido) tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas e constituídas integralmente, quando da apresentação das Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTFs) pela contribuinte. A fraude, nos termos da denúncia, teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo constituído, mas eximir-se do seu devido pagamento (ou, ao menos, postergá-lo), mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de condição suspensiva da exigibilidade dos tributos. 4- Materialidade objetiva do crime que se mostra incontroversa. A pessoa jurídica contribuinte foi eximida do pagamento dos tributos (IRPJ, PIS, COFINS, CSLL e IPI) devidos nas competências de 12/2011 a 10/2012, exceto 05/2012, mediante fraude, consistente na declaração de suspensão da exigibilidade das exações, fundada em decisão judicial inexistente. (...) 9- Apelos desprovidos. (ApCrim 0000448-67.2018.4.03.6128, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 25.06.2020, p. e-DJF3 Judicial 1, de 13.07.2020) Destaque-se que a apelante, como sócia administradora da empresa, foi intimada para providenciar o recolhimento dos tributos devidos, mas se manteve inerte (ID 160822815, pp. 24/26). Assim, está devidamente caracterizada a fraude mediante a declaração, sabidamente falsa, de suspensão da exigibilidade dos créditos tributários lançados nas DCTFs, pois, além de a empresa sequer fazer parte da ação judicial mencionada, também não havia qualquer decisão naquele sentido, o que configura o crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. A autoria e o dolo também estão comprovados. A defesa argumenta que a falsa informação de que os débitos declarados nas DCTFs estariam com a exigibilidade suspensa por força de decisão judicial proferida nos autos da ação judicial nº 0027241-17.2010.401.3400 jamais foi prestada pela apelante. Afirma que a responsabilidade seria da empresa Brasilian Landbank Empreendimentos, Incorporações e Representação Comercial Ltda., representada por Flávio Berenstein, uma vez que estes haviam assumido a responsabilidade por representarem a sociedade empresarial da apelante junto à Secretaria Receita Federal, conforme fora estabelecido no contrato de cessão de crédito celebrado. Não merece guarida a alegação da defesa de ser afastado o dever legal de prestar declaração e ou informação à Receita Federal, pois essa incumbência é ínsita à própria administração do negócio, sendo, de rigor, que, ao figurar na condição de sócia, a apelante deveria tomar providências necessárias à regularidade contábil e fiscal da empresa. Além disso, a alegação de que a empresa cessionária - Brasilian Landbank - seria a única responsável pelas informações prestadas irregularmente ao Fisco não se revela idônea para eximir a responsabilidade da apelante pela obrigação tributária. Nos termos do art. 123 do Código Tributário Nacional, o acordo celebrado entre a apelante e a cessionária não poderia ser oposto para ser alterada a definição do sujeito passivo, tampouco para se afastar o dever legal da pessoa jurídica responsável pelo pagamento de tributos. O administrador da sociedade empresarial não pode alegar que não teria responsabilidade pelas declarações fiscais prestadas, como pretexto de transferi-las a terceiros, sob o argumento de que não tinha conhecimento de quem se encarregara de inserir a informação inverídica lançada nas DCTFs. Nesse sentido, a propósito, pontuou o juízo (ID 160822630, pp. 125/127): No caso vertente, a ré não refuta a existência da fraude, todavia atribui sua execução a terceiros, Aduz a acusada que a empresa Rock Star Produções, Comércio e Serviços Ltda. teria formaiizado instrumento particular de cessão de direitos e outras avenças jurídicas com Flávio Borenstein, por meio de Brazilian Landbank Empreendimentos, Incorporações e Representação Comercial Ltda., apresentando os documentos de fls. 160/165. O contrato estipularia a cessão de créditos financeiros provenientes de "Títulos da Dívida Pública Externa", e que, por meio de referida avença, tais pessoas passaram a representar a Rock Star perante a Receita Federal. Assim, de acordo com a acusada, as informações constantes das DCTFs eram prestadas em decorrência do contrato entabulado entre as partes, e a faisa informação deveria ser imputada exclusivamente a Flávio Borenstein e a Brazilian Landbank. Contudo, var1os são os elementos indicadores da fraude perpetrada pela acusada contra o fisco. Vejamos. A empresa comandada por SONIA ostenta tamanho considerável. Tanto assim o é, que a questão sub judice diz respeito a valores devidos a título de IRPJ, PIS, COFINS e CSSL, que, no interregno de apenas 06 meses, atinge o valor de aproximadamente de R$ 215.000,00, caiculados à época, e cujo faturamento anual seria na ordem de R$ l .000.000,00, segundo a própria ré. Além disso, a Rock Star fazia parte de um grupo de empresas comandado pela acusada. Na mesma esteira, o valor do suposto contrato firmado com a Brazilian Landbank perfazia o montante de R$ 1.160.000,00. Tais fatos, de per si, já tornam inverossímil que a única gestora do vultoso negócio simplesmente se abstivesse do controle tributário e, ainda que assim o fosse, restaria configurado claro dolo eventual. Noutro vértice, a ré afirmou que estava movendo ação contra a Brazilian Landbank para ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos, apresentando cópia da petição inicial (fls. 320/338). Em pesquisa ao site do TJSP, verifica-se que a ação foi extinta sem julgamento do mérito porque a autora não constituiu novo patrono no prazo assinalado pelo juízo. Ora, soa bastante estranho que a acusada tenha ressaltado com tanta ênfase sua intenção de buscar ressarcimento pelos danos que alega ter sofrido em razão da celebração do aludido contrato e tenha deixado de tomar as providências necessárias para o julgamento do mérito da causa, levando-se em conta, ainda, a declaração da acusada de que já teria pago, na vigência do acordo, cerca de R$ 700.000,00 à Brazilian Landbank. Da mesma forma, se a denunciada dispunha na época de R$ 700.000,00 como afirmou ter pagado em face do contrato celebrado, era muito mais plausível utilizar esses recursos para pagamento dos tributos tratados nos autos, na ordem de R$ 215.000,00. Ademais, extrai-se, do próprio contrato firmado, que a intenção das partes era manter a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários utilizando-se de meio fraudulento, até alcançar a prescrição (...) Esses elementos conjugados reforçam o conluio para a prática da fraude tratada nos autos. É preciso registrar que a obrigação tributária é imposta por lei. É imperativa. Não pode, portanto, ser derrogada por acordos privados, conforme se infere do artigo 123 do CTN, o qual preceitua que os contribuintes não podem opor ao fisco convenções particulares que alterem a definição do sujeito passivo tributário, donde se conclui que eles não podem, também, afastar a obrigação fiscal por meio de tais instrumentos. O fato de umn 11unnu privndu atirmnr que a rcprcscntuçno du pessoa jurídica perante u Receita Federal será exercida por terceiros não retira sua qualidade de responsável tributária pelos débitos discutidos nos autos. A defesa sustenta ainda, em prol da inocência da ré, a alegação de que as declarações inidôneas foram prestadas pelo contador contratado, sem o conhecimento desta. A tentativa de atribuição de responsabilidade sobre o fato ao escritório de contabilidade contratado pela empresa igualmente não pode ser aceita, uma vez que, na condição de proprietária e administradora da empresa, detinha a acusada o poder de decisão final acerca do pagamento dos tributos e das informações prestadas ao fisco. Incidência da teoria do domínio do fato já acima exposta. Na mesma ordem de ideias, em regra, tal fato, por si só, não tem o condão de excluir a autoria mediata de crimes de natureza tributária, porquanto, inclusive por determinação legal, a escrituração contábil de sociedades empresárias deve ser realizada por profissional habilitado (art. 1.182 do Código Civil). Cabia à acusada a fiscalização do trabalho do contador, aliás, trata-se de atividade inerente à gerência do negócio. Assim é que, não sendo demonstrada a ausência de dolo dos soc10s da empresa, a chamada "cegueira deliberada" não isenta de responsabilidade penal aqueles sob o comando de quem são praticados os atos ilícitos. Vale lembrar, neste aspecto, que ouvido em Juízo, o contador Amauri Pontalti negou qualquer participação na fraude, alegando ter preenchido a documentação contábil da Rock Star com os dados que lhe eram fornecidos pela própria empresa. Adicione-se que a defesa não apresenta qualquer razão para que o contador procedesse à revelia da acusada, mas em beneficio exclusivo desta. De qualquer forma, eventual coautoria ou participação de terceiros nos fatos narrados na denúncia não excluiria a responsabilidade de SONIA, pois o administrador da pessoa jurídica tem o dever de fiscalizar e é responsável pelos atos realizados a seu mando. Enfim, o responsável jurídico pelo estabelecimento comercial que não se certifica da ausência do recolhimento da exação assume o risco do cometimento de ato ilícito, sem se importar que ele efetivamente aconteça, razão pela qual eventual desconhecimento da ilicitude não tem o condão de eximir a responsabilidade pela prática delitiva, pois acabou por anuir na produção do resultado, que podia claramente antever. Cumpre observar, ainda, que sobre a apelante recai, na condição de contribuinte, a responsabilidade pelas exações declaradas, devendo ter conhecimento daquilo que foi informado ao Fisco, razão pela qual concorreu, de modo livre e consciente, para a prática criminosa. Quanto à alegação da defesa de que a acusada teria incorrido em erro de fato e, por isso, não haveria dolo na sua conduta, não prospera. As provas produzidas revelam o contrário. Aliás, como ressaltado pelo Ministério Público Federal em suas contrarrazões de apelação, a apelante tinha consciência da sua conduta ilícita: Ainda que procure atribuir a outrem a responsabilidade pelo delito, restou claramente demonstrado nos autos que o poder de mando na empresa ROCK ST AR cabia à SÔNIA e que, ainda que não realizasse absolutamente todos os atos na empresa (por lógica impossibilidade), tudo o que era feito passava por seu conhecimento e aprovação, partindo da apelante as decisões envolvendo a pessoa jurídica. Portanto, o conjunto probatório amealhado aos autos aponta claramente que a apelante tinha plena ciência do objeto do contrato e da finalidade de suspender a exigibilidade de débitos fiscais da empresa, sendo esta a razão que levou à celebração do contrato. Por conseguinte, não há como negar que SÔNIA tinha domínio da situação, sabendo perfeitamente que a referida suspensão seria pleiteada junto ao Fisco, com base na cessão de supostos créditos que nem sequer envolviam a empresa administrada pela apelante. Nesse sentido, os documentos para a confecção das declarações perante a Receita seriam fornecidos por SÔNIA ou por pessoa por ela delegada para tal função, que atuava conforme determinado pela administradora, a qual, ainda que não realize diretamente a conduta típica, detém o domínio final da ação e sobre quem, à luz da chamada "teoria do domínio do fato", recai a autoria do fato criminoso. Sobre isso, ainda destaco o seguinte trecho da sentença (ID 160822630, p. 129): Na verdade, a informação foi prestada pela pessoa jurídica da qual a acusada é a representante legal. Embora não tenha sido ela a preencher pessoalmente as DCTFs, detinha o total controle da operação. O certo é que os atos de gestão praticados foram planejados e executados, direta ou indiretamente, pela ré, sendo confirmada, pois, a autoria delitiva. O dolo também é evidente, consistente na própria vontade deliberada de prestar informação que sabia inverídica, com o intuito de subtrair tributos devidos por pessoa jurídica à União Federal. A acusada tenta, sem sucesso, se desvincular da autoria delitiva, bem como desconstituir qualquer elemento subjetivo do tipo. (...) No presente caso, o dolo exsurge das circunstâncias fálicas, sendo a ré a responsável pela administração da empresa, inclusive no que se refere às questões tributárias, não há como eximi-la da responsabilidade pela prestação das informações que gerou a sonegação fiscal. Por fim, destaco que, conforme a ficha cadastral simplificada arquivada perante a JUCESP (ID 160822815, pp. 37/39, a apelante figurava como a única sócia que assinava pela empresa fiscalizada, corroborando sua responsabilidade pelas informações prestadas à autoridade fazendária e, via de consequência, a autoria delitiva. Com efeito, não se trata de responsabilização objetiva por falta de comprovação do dolo. A apelante tinha consciência da inserção dos dados falsos nas declarações enviadas ao Fisco, tendo, assim, vontade livre e consciente de eximir-se do seu pagamento ou, ao menos, de procrastiná-lo. Enfim, não prosperam as teses defensivas de erro sobre elemento do tipo e, por isso, de atipicidade da conduta por ausência de dolo, tampouco da ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora. O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, por sua vez, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, por qualquer das condutas nele previstas. Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DE MULTA. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. 1. Não se aplica ao caso a excludente supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, na medida em que a sonegação fiscal pressupõe uma conduta clandestina por parte do agente, a qual não se justifica, ainda que se comprovem as dificuldades financeiras do contribuinte. A fragilidade financeira da empresa não repercute no cometimento do crime. 2. O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90 é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, gerando a redução ou supressão de tributos. 3. Dosimetria da pena. Pena-base mantida. O valor dos tributos sonegados supera um milhão de reais, sem o cômputo de juros, multa e encargos, o que justifica a exasperação da pena-base. 4. Embora o juízo tenha utilizado a confissão judicial da apelante como fundamento para a sentença condenatória, não a reconheceu, o que contraria a orientação da Súmula nº 545 do STJ. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea. 5. O reconhecimento da continuidade delitiva deve ser norteado pelo período em que a conduta delitiva é possível de ser perpetrada; neste caso, semestralmente. Assim, se em vários anos seguidos o agente incorreu na mesma conduta, tem-se por configurada a continuidade delitiva. Quanto à fração aplicável, a jurisprudência considera o número de infrações cometidas o critério mais adequado à fixação do quantum de aumento decorrente do crime continuado (STJ, HC 258.328/ES, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 24.02.2015, DJe 02.03.2015). 6. Reduzido o valor unitário do dia-multa em razão da situação financeira da apelante. 7. Ante o redimensionamento da pena, é fixado o regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade, que é substituída por duas penas restritivas de direitos. 8. Apelação parcialmente provida. (TRF3, ApCrim nº 0002714-47.2014.4.03.6102, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 11.03.2021, p. 02.06.2021 - destaquei) Portanto, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, mantenho a condenação de SÔNIA MARIZA BRANCO pela prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Passo ao reexame da dosimetria da pena. Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, acima do mínimo legal, considerando negativa a circunstância judicial (CP, art. 59) relativa às consequências do crime, dado o valor do débito tributário objeto da fraude praticada pela acusada. A defesa pede a redução da pena-base ao mínimo legal, argumentando, que a apelante é primária e tem bons antecedentes. Sem razão. As consequências do crime devem ser valoradas negativamente e, independentemente de a apelante ser primária e ter bons antecedentes, a fraude efetivada deixou de recolher, em tempo e modo corretos, o crédito tributário de R$ 268.911,79 (acrescidos de multa e juros de mora), o que, segundo a jurisprudência deste Tribunal, poderia levar a elevação até maior do que a feita pelo juízo a quo. Todavia, como o recurso é exclusivo da defesa, fica mantida a pena-base fixada na sentença. Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes, mantendo inalterada a pena intermediária, o que confirmo. Na terceira fase, o juízo não aplicou nenhuma causa de diminuição ou de aumento, o que também confirmo. Quanto à pena de multa, foi fixada em 11 (onze) dias-multa, o que confirmo porque é proporcional à pena privativa de liberdade, segundo o critério trifásico utilizado para a sua fixação (CP, art. 68), tendo sido observado o disposto no art. 49 do Código Penal. Mantenho o valor do dia-multa no mínimo legal. Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "c"), assim como a substituição dessa pena por duas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2º), nos termos fixados na sentença. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002609-54.2012.4.03.6130
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: SONIA MARIZA BRANCO
Advogado do(a) APELANTE: CLAUDIO JOSE LANGROIVA PEREIRA - SP212004
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Peço vênia ao e. Relator para divergir parcialmente de seu judicioso voto e desclassificar os fatos descritos na denúncia para a conduta prescrita no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, pelos fundamentos que passo a expor.
EMENDATIO LIBELLI
Segundo consta dos autos (ID. 160822629 – pp. 3/6), o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra SÔNIA MARIZA BRANCO, imputando-lhe a prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, c.c. o art. 71, do Código Penal, porque:
“a denunciada, na qualidade de representante legal da empresa ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA. · CNPJ nº 05.298.439/0001-66, estabelecida na Estrada dos Romeiros, 6388, Centro, Santana do Parnaíba, declarou em DCTF os débitos abaixo discriminados, informando que estavam suspensos por medida judicial, com base na ação judicial nº 00027241-17.2010.401.3400, em trâmite na 18ª Vara Federal do Distrito Federal.
[...]
Todavia, em consulta ao sítio da Justiça Federal do Distrito Federal, verificou-se que a citada ação judicial se referia a uma ação de execução de título da dívida pública mobiliária onde a empresa ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS L TDA sequer figurava como parte (fl. 05). Não foi verificada qualquer decisão judicial proferida naqueles autos que autorizasse a suspensão da exigibilidade dos tributos aqui tratados.”
Como é cediço, a capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal.
Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal. A propósito, colaciono os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. ART. 155 DO CPP. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIRMADA POR DIVERSOS ELEMENTOS DE PROVA, INCLUSIVE PRODUZIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. DECISÃO MOTIVADA SUFICIENTEMENTE. ALEGAÇÃO DE QUE O TRIBUNAL A QUO EXTRAPOLOU A DEVOLUTIVIDADE DO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI. OCORRÊNCIA DE EMENDATIO LIBELLI. NÃO ACRÉSCIMO DE FATO NOVO À IMPUTAÇÃO PENAL. NOVO ENQUADRAMENTO AOS FATOS EM ANÁLISE. CORREÇÃO DE ATECNIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. AFASTAMENTO DA DUPLA MAJORAÇÃO PREJUDICADO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, IMPROVIDO.
[...]
4. Art. 384 do CPP. Alegação de que o Tribunal a quo extrapolou a devolutividade do recursal. Inocorrência.
4.1. Na hipótese em foco, não há se falar em mutatio libelli; mas, sim, em emendatio libelli. A Corte paulista não acresceu fato novo a imputação penal, o que implicaria em mutatio libelli. Em verdade, o Tribunal de origem deu novo enquadramento aos fatos em análise, de modo a afastar a aplicação do concurso formal impróprio e fazer incidir o concurso material.
4.2. Nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, emendatio libelli consiste na atribuição de definição jurídica diversa ao arcabouço fático descrito na inicial acusatória, ainda que isso implique agravamento da situação jurídica do réu, mantendo-se, contudo, intocada a correlação fática entre acusação e sentença, afinal, o réu defende-se dos fatos no processo penal. O momento adequado à realização da emendatio libelli pelo órgão jurisdicional é o momento de proferir sentença, haja vista que o Parquet é o titular da ação penal, a quem se atribui o poder-dever da capitulação jurídica do fato imputado. Como corolário da devolutividade recursal vertical ampla, inerente à apelação, desde que a matéria tenha sido devolvida em extensão, plenamente possível ao Tribunal realizar emendatio libelli para a correta aplicação da hipótese de incidência, desde que dentro da matéria devolvida e não implique reformatio in pejus, caso haja recurso exclusivo da defesa.
4.3. O Tribunal de origem verificou a existência de mais de uma ação para a consecução dos delitos, motivo pelo qual afastou a atecnia da sentença que aplicou o concurso formal impróprio. Nota-se não ter ocorrido nenhum prejuízo para o réu, pois a regra do concurso formal impróprio aplicada na sentença é a mesma do concurso material.
4.4. Prejudicada a alegação de que a jurisprudência do STJ rechaça a dupla majoração pela incidência da continuidade delitiva e do concurso formal, haja vista que o aresto recorrido assentou existir concurso material.
5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nesta extensão, improvido."
(STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 1364914 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 19/12/2018);
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO. EMENDATIO LIBELLI EM SEGUNDO GRAU JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. ATIPICIDADE. SITUAÇÃO DE CONTENDA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO. IDONEIDADE INTIMIDATIVA DA AÇÃO. TEMOR DE CONCRETIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus. Precedentes.
2. Na espécie, a Corte local, em recurso interposto pelo Ministério Público, houve por bem recapitular os fatos descritos na exordial incoativa como contravenção penal de vias de fato, em detrimento da imputação por lesão corporal, não havendo falar em mutatio libelli.
3. O fato de a conduta delitiva ter sido perpetrada em circunstância de entrevero/contenda entre autor e vítima não possui o condão de afastar a tipicidade formal ou material do crime de ameaça. Ao contrário, segundo as regras de experiência comum, delitos dessa estirpe tendem a acontecer justamente em eventos de discussão, desentendimento, desavença ou disputa entre os indivíduos.
4. O crime de ameaça é formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização.
5. Ordem denegada."
(STJ, 6ª Turma, HC 437730 / DF, Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), DJe 01/08/2018).
É o que se verifica na hipótese.
Com efeito, a conduta imputada ao réu está descrita no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, que dispõe:
"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;" - grifei
No caso dos autos, não se verifica que a ré tenha de fato suprimido (ou reduzido) tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas e constituídas integralmente, quando da apresentação das Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTFs) pela contribuinte, conforme se extrai da Representação Fiscal para Fins Penais (ID. 160822815 – pp. 15/29). Os mencionados créditos tributários, regularmente constituídos, são os seguintes:
- IRPJ do 2º Trimestre/2011, no valor originário de R$26.446,40;
- IRPJ do 3º Trimestre/2011, no valor originário de R$134.993,20;
- COFINS de agosto/2011, no valor originário de R$3.123,99;
- COFINS de setembro/2011, no valor originário de R$51,69;
- CSLL do 2º Trimestre/2011, no valor originário de R$9.398,12;
- CSLL do 3º Trimestre/2011, no valor originário de R$41.662,58;
- PIS de agosto/2011, no valor originário de R$637,70.
A fraude, portanto, teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo constituído, mas eximir-se do seu devido pagamento, mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de créditos aptos e válidos para compensação tributária.
Assim, inexistiu (ou, ao menos não se discute na presente ação penal) fraude que reduzisse ou suprimisse base de cálculo das exações devidas (PIS, COFINS, IRPJ e CSLL). A imputação contida na denúncia refere-se, exclusivamente, à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90.
Assim, com fundamento no art. 617 do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90.
MATERIALIDADE OBJETIVA
A materialidade objetiva do delito restou demonstrada por meio da prova documental que acompanhou a denúncia, mais precisamente pela Representação Fiscal para Fins Penais (ID. 160822815 – pp. 15/29).
Tais elementos demonstram, de maneira inequívoca, que a pessoa jurídica “ROCK STAR PRODUÇÕES, COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA.” (CNPJ nº 05.298.439/0001-66) foi eximida do pagamento dos tributos (IRPJ, PIS, COFINS, CSLL) apurados no entre o segundo e terceiro trimestres do ano de 2011, no valor de R$216.313,58 (excluídos juros e multa), mediante fraude consistente na apresentação de Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais com a informação de que os valores em questão estariam incluídos em decisão judicial proferida nos autos da ação nº 0027241-17.2010.403.3400 da 18ª Vara Federal do Distrito Federal, da qual a contribuinte sequer figurava como parte.
A irregularidade foi apurada pela Receita Federal do Brasil, conforme se extrai do seguinte trecho da Representação Fiscal para Fins Penais:
2) Em consulta ao sítio da Justiça Federal do Distrito Federal, verificou-se que a citada ação judicial se referia à ação de execução de título da dívida pública mobiliária;
3) Verificou-se ainda que o contribuinte sequer figurava como parte nesta ação judicial;
4) Não foi possível verificar nenhuma decisão judicial proferida nos autos desta ação judicial que autorizasse a suspensão de exigibilidade de tributos;
4) Sendo assim, considerando que não havia qualquer indício que amparasse a suspensão de exigibilidade declarada pelo interessado com fulcro no art. 151 do Código Tributário Nacional, foi enviada carta cobrança ao contribuinte, oferecendo-lhe prazo de 10 dias para que se manifestasse;
5) Não foi apresentada qualquer contestação nesse período e também não foi efetuado o recolhimento dos débitos em questão;
6) Ressalte-se ainda que a mesma prática foi realizada por outros oito contribuintes de jurisdição desta Delegacia. Todos se utilizaram do mesmo número de ação judicial para suspender débitos indevidamente. Em cada um desses casos foi formalizada uma Representação para Fins Penais.”
Demonstrada, assim, a materialidade objetiva do delito.
AUTORIA E DOLO
Quanto à autoria e dolo, acompanho integralmente o voto do e. Relator:
“A defesa argumenta que a falsa informação de que os débitos declarados nas DCTFs estariam com a exigibilidade suspensa por força de decisão judicial proferida nos autos da ação judicial nº 0027241-17.2010.401.3400 jamais fora prestada pela acusada. Afirma, ainda, que a responsabilidade seria da empresa Brasilian Landbank Empreendimentos, Incorporações e Representação Comercial Ltda., representada por Flávio Berenstein, uma vez que estes haviam assumido a responsabilidade por representarem a sociedade empresarial da ré junto à Secretaria Receita Federal, conforme estabelecido no contrato de cessão de crédito celebrado.
Ora, não merece guarida a alegação da acusada no sentido de ver afastado o dever legal de prestar declaração e ou informação à Receita Federal, pois referida incumbência é ínsita à própria administração do negócio, sendo, de rigor, que, ao figurar na condição de sócia, deveria tomar todas as providências necessárias à regularidade contábil e fiscal da empresa.
Além disto, a alegação de que a empresa cessionária Brasilian Landbank seria, exclusivamente, responsável pelas informações prestadas irregularmente ao Fisco não se revela idônea para eximir a responsabilidade da ré pela obrigação tributária imposta por lei. Nos termos do art. 123 do Código Tributário Nacional, a avença celebrada entre a acusada e a referida cessionária não pode ser oposta para alterar a definição do sujeito passivo, tampouco para afastar o dever legal da pessoa jurídica responsável pelo pagamento de tributos.
Outrossim, não pode o administrador da sociedade empresarial, convenientemente, sustentar que não teria responsabilidade pelas declarações fiscais prestadas, como pretexto de transferi-las a terceiros, sob o argumento de que não tinha conhecimento a respeito de quem se encarregou por inserir a informação inverídica lançada nas DCTFs.
Nesse sentido, a propósito, pontuou o magistrado (ID 160822630, pp. 125/127):
No caso vertente, a ré não refuta a existência da fraude, todavia atribui sua execução a terceiros, Aduz a acusada que a empresa Rock Star Produções, Comércio e Serviços Ltda. teria formalizado instrumento particular de cessão de direitos e outras avenças jurídicas com Flávio Borenstein, por meio de Brazilian Landbank Empreendimentos, Incorporações e Representação Comercial Ltda., apresentando os documentos de fls. 160/165. O contrato estipularia a cessão de créditos financeiros provenientes de "Títulos da Dívida Pública Externa", e que, por meio de referida avença, tais pessoas passaram a representar a Rock Star perante a Receita Federal. Assim, de acordo com a acusada, as informações constantes das DCTFs eram prestadas em decorrência do contrato entabulado entre as partes, e a falsa informação deveria ser imputada exclusivamente a Flávio Borenstein e a Brazilian Landbank. Contudo, var1os são os elementos indicadores da fraude perpetrada pela acusada contra o fisco. Vejamos. A empresa comandada por SONIA ostenta tamanho considerável. Tanto assim o é, que a questão sub judice diz respeito a valores devidos a título de IRPJ, PIS, COFINS e CSSL, que, no interregno de apenas 06 meses, atinge o valor de aproximadamente de R$ 215.000,00, calculados à época, e cujo faturamento anual seria na ordem de R$ l .000.000,00, segundo a própria ré. Além disso, a Rock Star fazia parte de um grupo de empresas comandado pela acusada. Na mesma esteira, o valor do suposto contrato firmado com a Brazilian Landbank perfazia o montante de R$ 1.160.000,00. Tais fatos, de per si, já tornam inverossímil que a única gestora do vultoso negócio simplesmente se abstivesse do controle tributário e, ainda que assim o fosse, restaria configurado claro dolo eventual. Noutro vértice, a ré afirmou que estava movendo ação contra a Brazilian Landbank para ressarcimento dos danos materiais e morais sofridos, apresentando cópia da petição inicial (fls. 320/338). Em pesquisa ao site do TJSP, verifica-se que a ação foi extinta sem julgamento do mérito porque a autora não constituiu novo patrono no prazo assinalado pelo juízo. Ora, soa bastante estranho que a acusada tenha ressaltado com tanta ênfase sua intenção de buscar ressarcimento pelos danos que alega ter sofrido em razão da celebração do aludido contrato e tenha deixado de tomar as providências necessárias para o julgamento do mérito da causa, levando-se em conta, ainda, a declaração da acusada de que já teria pago, na vigência do acordo, cerca de R$ 700.000,00 à Brazilian Landbank. Da mesma forma, se a denunciada dispunha na época de R$ 700.000,00 como afirmou ter pagado em face do contrato celebrado, era muito mais plausível utilizar esses recursos para pagamento dos tributos tratados nos autos, na ordem de R$ 215.000,00. Ademais, extrai-se, do próprio contrato firmado, que a intenção das partes era manter a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários utilizando-se de meio fraudulento, até alcançar a prescrição (...) Esses elementos conjugados reforçam o conluio para a prática da fraude tratada nos autos. É preciso registrar que a obrigação tributária é imposta por lei. É imperativa. Não pode, portanto, ser derrogada por acordos privados, conforme se infere do artigo 123 do CTN, o qual preceitua que os contribuintes não podem opor ao fisco convenções particulares que alterem a definição do sujeito passivo tributário, donde se conclui que eles não podem, também, afastar a obrigação fiscal por meio de tais instrumentos. O fato de um instrumento privado atribuir a representação da pessoa jurídica perante a Receita Federal será exercida por terceiros não retira sua qualidade de responsável tributária pelos débitos discutidos nos autos. A defesa sustenta ainda, em prol da inocência da ré, a alegação de que as declarações inidôneas foram prestadas pelo contador contratado, sem o conhecimento desta. A tentativa de atribuição de responsabilidade sobre o fato ao escritório de contabilidade contratado pela empresa igualmente não pode ser aceita, uma vez que, na condição de proprietária e administradora da empresa, detinha a acusada o poder de decisão final acerca do pagamento dos tributos e das informações prestadas ao fisco. Incidência da teoria do domínio do fato já acima exposta. Na mesma ordem de ideias, em regra, tal fato, por si só, não tem o condão de excluir a autoria mediata de crimes de natureza tributária, porquanto, inclusive por determinação legal, a escrituração contábil de sociedades empresárias deve ser realizada por profissional habilitado (art. 1.182 do Código Civil). Cabia à acusada a fiscalização do trabalho do contador, aliás, trata-se de atividade inerente à gerência do negócio. Assim é que, não sendo demonstrada a ausência de dolo dos soc10s da empresa, a chamada "cegueira deliberada" não isenta de responsabilidade penal aqueles sob o comando de quem são praticados os atos ilícitos. Vale lembrar, neste aspecto, que ouvido em Juízo, o contador Amauri Pontalti negou qualquer participação na fraude, alegando ter preenchido a documentação contábil da Rock Star com os dados que lhe eram fornecidos pela própria empresa. Adicione-se que a defesa não apresenta qualquer razão para que o contador procedesse à revelia da acusada, mas em beneficio exclusivo desta. De qualquer forma, eventual coautoria ou participação de terceiros nos fatos narrados na denúncia não excluiria a responsabilidade de SONIA, pois o administrador da pessoa jurídica tem o dever de fiscalizar e é responsável pelos atos realizados a seu mando.
Enfim, o responsável jurídico pelo estabelecimento comercial que não se certifica da ausência do recolhimento da exação assume, a rigor, o risco do cometimento criminoso, sem se importar que ele efetivamente aconteça, razão pela qual eventual desconhecimento da ilicitude não tem o condão de eximir a responsabilidade pela prática delitiva, pois acabou por anuir na produção do resultado, o qual podia claramente antever.
Cumpre observar, ainda, que sobre a apelante recai, na condição de contribuinte, a responsabilidade pelas exações declaradas, devendo ter conhecimento daquilo que foi informado ao Fisco, razão pela qual concorreu, portanto, de modo livre e consciente para a prática criminosa.
Quanto à alegação da defesa no sentido de a acusada incorrer em erro de fato e, portanto, não haveria dolo na conduta ilícita praticada, não prospera a irresignação, pois, conforme se verifica nos autos, as provas produzidas revelam o contrário.
Aliás, como bem ressaltado pelo Ministério Público Federal, a ré tinha consciência de sua conduta ilícita, consoante se extrai das contrarrazões:
(...) Ainda que procure atribuir a outrem a responsabilidade pelo delito, restou claramente demonstrado nos autos que o poder de mando na empresa ROCK ST AR cabia à SÔNIA e que, ainda que não realizasse absolutamente todos os atos na empresa (por lógica impossibilidade), tudo o que era feito passava por seu conhecimento e aprovação, partindo da apelante as decisões envolvendo a pessoa jurídica. Portanto, o conjunto probatório amealhado aos autos aponta claramente que a apelante tinha plena ciência do objeto do contrato e da finalidade de suspender a exigibilidade de débitos fiscais da empresa, sendo esta a razão que levou à celebração do contrato. Por conseguinte, não há como negar que SÔNIA tinha domínio da situação, sabendo perfeitamente que a referida suspensão seria pleiteada junto ao Fisco, com base na cessão de supostos créditos que nem sequer envolviam a empresa administrada pela apelante. Nesse sentido, os documentos para a confecção das declarações perante a Receita seriam fornecidos por SÔNIA ou por pessoa por ela delegada para tal função, que atuava conforme determinado pela administradora, a qual, ainda que não realize diretamente a conduta típica, detém o domínio final da ação e sobre quem, à luz da chamada "teoria do domínio do fato", recai a autoria do fato criminoso (....).
Outrossim, colho o trecho abaixo transcrito da sentença que reputou que a apelante tinha consciência da prática ilícita perpetrada (ID 160822630, p. 129):
Na verdade, a informação foi prestada pela pessoa jurídica da qual a acusada é a representante legal. Embora não tenha sido ela a preencher pessoalmente as DCTFs, detinha o total controle da operação. O certo é que os atos de gestão praticados foram planejados e executados, direta ou indiretamente, pela ré, sendo confirmada, pois, a autoria delitiva. O dolo também é evidente, consistente na própria vontade deliberada de prestar informação que sabia inverídica, com o intuito de subtrair tributos devidos por pessoa jurídica à União Federal. A acusada tenta, sem sucesso, se desvincular da autoria delitiva, bem como desconstituir qualquer elemento subjetivo do tipo.
(...)
No presente caso, o dolo exsurge das circunstâncias fálicas, sendo a ré a responsável pela administração da empresa, inclusive no que se refere às questões tributárias, não há como eximi-la da responsabilidade pela prestação das informações que gerou a sonegação fiscal.
Por fim, destaco que, conforme a ficha cadastral simplificada arquivada perante à JUCESP (ID 160822815, pp. 37/39, a acusada figura como a única sócia assinando pela empresa fiscalizada, corroborando, desse modo, a responsabilidade pelas informações prestadas à autoridade fazendária e, via de consequência, a autoria delitiva.
Com efeito, não se trata de responsabilização objetiva por falta de comprovação do dolo, mas de aplicação adequada da teoria do domínio do fato. A ré tinha consciência da inserção dos dados falsos nas declarações enviadas ao Fisco, tendo, portanto, vontade livre e consciente de eximir-se do seu devido pagamento (ou, ao menos, procrastiná-lo), mediante a prestação de informação acerca da inexistência de decisão judicial proferida declarando eventual causa suspensiva da exigibilidade dos tributos, nos termos postos na denúncia.
Enfim, não prosperam as teses defensivas no sentido de erro sobre elemento do tipo e, por isso, a atipicidade da conduta por ausência de dolo, tampouco da ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora.
O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, por sua vez, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, por qualquer das condutas nele previstas. Nesse sentido:
[...]”
Portanto, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, condeno SONIA MARIZA BRANCO pela prática do crime previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90.
DOSIMETRIA
1ª FASE
Na primeira etapa da dosimetria, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em razão das consequências do crime, já que o valor dos tributos somava, ao tempo do lançamento, R$ 268.911,79 (duzentos e sessenta e oito mil novecentos e onze reais e setenta e nove centavos).
Fixo, assim, a pena-base em 07 (sete) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
2ª FASE
Inexistem atenuantes ou agravantes.
3ª FASE
Não há causas de aumento ou de diminuição.
Deixo de reconhecer a pluralidade de delitos e a continuidade delitiva, pois a sentença apelada reconheceu a ocorrência de um único crime e não há recurso da acusação.
Assim, fixo a pena definitiva em 07 (sete) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
Mantenho o valor unitário do dia-multa no mínimo legal e o regime aberto para início de cumprimento da pena de detenção, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal.
Substituição da pena privativa de liberdade
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal e considerando a redução da pena aplicada em primeiro grau (§2º), substituo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo período da reprimenda corporal substituída.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo defensivo e, DE OFÍCIO, desclassifico a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, com fundamento nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, e, por conseguinte, reduzo as penas aplicadas à ré SONIA MARIZA BRANCO para 07 (sete) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, substituída a pena corporal por uma restritiva de direitos.
É como voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. REINTERROGATÓRIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. DECLARAÇÃO FALSA NA DCTF. RESPONSABILIDADE. SÓCIA ADMINISTRADORA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA.
1. O art. 616 do Código de Processo Penal autoriza o tribunal a proceder a novo interrogatório do réu. Contudo, tal providência tem caráter supletivo, para esclarecimento dos julgadores. O pedido de novo interrogatório da apelante não procede, pois o fato de terceira pessoa declarar que a apelante “nada sabia da real atividade da empresa que controlava” não é apto a justificar a necessidade de ouvi-la novamente, ensejando a conversão do julgamento em diligência.
2. Uma vez proferida sentença condenatória, a discussão sobre a inépcia da denúncia fica superada. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A despeito disso, a denúncia descreve satisfatoriamente os fatos criminosos e a atuação da apelante, havendo correspondência entre esses fatos e a capitulação jurídica a ela imputada, tendo sido viabilizado o pleno exercício do direito de defesa.
3. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Está devidamente caracterizada a fraude mediante a declaração, sabidamente falsa, de suspensão da exigibilidade dos créditos tributários lançados nas DCTFs.
4. O administrador da sociedade empresarial não pode alegar que não teria responsabilidade pelas declarações fiscais prestadas, como pretexto de transferi-las a terceiros, sob o argumento de que não tinha conhecimento de quem se encarregara de inserir a informação inverídica lançada nas DCTFs.
5. Não se trata de responsabilização objetiva por falta de comprovação do dolo. A apelante tinha consciência da inserção dos dados falsos nas declarações enviadas ao Fisco, tendo, assim, vontade livre e consciente de eximir-se do seu pagamento ou, ao menos, de procrastiná-lo.
6. O elemento subjetivo do crime tipificado no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, por sua vez, é o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, por qualquer das condutas nele previstas.
7. As consequências do crime devem ser valoradas negativamente e, independentemente de a apelante ser primária e ter bons antecedentes, a fraude efetivada deixou de recolher, em tempo e modo corretos, o crédito tributário de R$ 268.911,79 (acrescidos de multa e juros de mora), o que, segundo a jurisprudência deste Tribunal, poderia levar a elevação até maior do que a feita pelo juízo a quo. Todavia, como o recurso é exclusivo da defesa, fica mantida a pena-base fixada na sentença.
8. Apelação não provida.