Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003633-13.2002.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: GERALDO GUITTI, GERALDO CARDOSO GUITTI

Advogados do(a) APELADO: RICARDO BATISTA CAPELLI - SP310900, PEDRO IVO GRICOLI IOKOI - SP181191-A
Advogados do(a) APELADO: PEDRO IVO GRICOLI IOKOI - SP181191-A, RICARDO BATISTA CAPELLI - SP310900

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003633-13.2002.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

APELADO: GERALDO GUITTI, GERALDO CARDOSO GUITTI

Advogado do(a) APELADO: PEDRO IVO GRICOLI IOKOI - SP181191-A
Advogado do(a) APELADO: BRUNO MAGOSSO DE PAIVA - SP252514-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 224, 228/245 ID 151118408) contra a r. sentença (fls. 205/221 ID 151118408), oriunda do MM. Juízo da 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP e da lavra do Eminente Juiz Federal Márcio Assad Guardia, que ABSOLVEU SUMARIAMENTE, com fundamento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal, os acusados GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI, da imputação da prática do delito previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, por não constituir infração penal o fato descrito na denúncia.

Narra a inicial acusatória (fls. 3/7 ID 151118408), recebida em 01 de dezembro de 2017 (fls. 9/12 ID 151118408):

GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI, na qualidade de responsáveis pela administração da pessoa jurídica CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS, CNPJ 56.199.714/0001-25, com endereço na Rua Juruena, nº 45, conj. B, Moema, São Paulo/SP, CEP 04517-130, mediante a apresentação de DIPJ - Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica exercícios 1996, 1997 e 1998, anos-calendário de 1995, 1996 e 1997, de forma livre e consciente, suprimiram o pagamento devido a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e suas tributações reflexas - Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Contribuição Social - CS, e Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, pela empresa, no montante de, respectivamente, R$ 1.570.950,78 (IRPJ), R$ 162.608,53 (PIS), R$ 500.333,96 (COFINS), R$ 451.184,57 (CS), e R$ 154.764,13 (IRRF).

Ainda, GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI, na qualidade de responsáveis pela administração da pessoa jurídica CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS, CNPJ 56.199.714/0001-25, em decorrência da supracitada omissão de receita constatada, suprimiram o pagamento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), nos exercícios 1996, 1997 e 1998, anos-calendário de 1995, 1996 e 1997, mediante a saída de produtos tributados sem lançamento do imposto, caracterizada pela falta de emissão de notas fiscais, no montante de R$ 4.631.379,12.

GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI, ainda, na qualidade de responsáveis pela administração da pessoa jurídica CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS, CNPJ 56.199.714/0001-25, mediante a apresentação de DIPJ - Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica exercícios de 1999 e 2000, anos-calendário de 1998 e 1999, de forma livre e consciente, suprimiram o pagamento devido a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e suas tributações reflexas - Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Contribuição Social - CS, pela empresa, no montante de, respectivamente, R$ 675.463,28 (IRPJ), R$ 186.187,97 (PIS), R$ 634.267,84 (COFINS), R$ 304.448,55 (CS).

Ainda, GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI, na qualidade de responsáveis pela administração da pessoa jurídica CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS, CNPJ 56.199.714/0001-25, em decorrência da supracitada omissão de receita constatada, suprimiram o pagamento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)·nos exercícios 1999 e 2000, anos-calendário 1998 e 1999, mediante a saída de produtos tributados sem lançamento do imposto, caracterizada pela falta de emissão de notas fiscais, no montante de R$ 6.110.128,20.

Os créditos tributários nos valores totais de R$ 8.561.170,82 (oito milhões, quinhentos e sessenta e um mil, cento e setenta reais e oitenta e dois centavos) e de R$ 15.202.608,16 (quinze milhões, duzentos e dois mil, seiscentos e oito reais e dezesseis centavos) referentes, respectivamente, ao IRPJ e tributação reflexa e ao IPI (anos-calendário 1995, 1996 e 1997); bem como os créditos tributários nos valores totais de R$ 5.044.804,67 e de R$ 17.172.436,43, referentes, respectivamente, ao IRPJ e tributação reflexa e ao IPI (anos-calendário 1998 e 1999), todos acrescidos de juros de mora e multa, decorrentes do arbitramento do lucro, tornaram-se definitivamente constituídos em 24/01/2001, não tendo a contribuinte impugnado o lançamento, nem recolhido os créditos exigidos (fls. 403/444-verso destes autos).

Conforme restou apurado no incluso procedimento administrativo fiscal nº 10882.002046/00-0l (Apensos III a V), oriundo da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Administração Tributária em São Paulo, a empresa contribuinte declarou nas GIAs apresentadas à Fazenda Estadual, com relação ao total de compras realizadas nos mercados interno e externo, para os anos-calendário de 1995, 1996 e 1997, o montante de R$ 14.244.004,58 (catorze milhões, duzentos e quarenta e quatro mil, quatro reais e cinquenta e oito centavos). Este valor se mostrou incompatível com o das compras informadas pelos fornecedores da empresa e com os Dados Elementares de Importação de 1997, fornecidos pelo Banco de Dados da Receita Federal, no total de R$ 39.260.702,75 (trinta e nove milhões, duzentos e sessenta mil, setecentos e dois reais e setenta e cinco centavos), gerando uma diferença de R$ 25.016.698,17 (vinte e cinco milhões, dezesseis mil, seiscentos e noventa e oito reais e dezessete centavos), conforme quadros demonstrativos de fls. 268 e 269 do Apenso IV.

Para os anos-calendário 1998 e 1999, a empresa contribuinte declarou nas GIAs apresentadas à Fazenda Estadual, com relação ao total de compras realizadas nos mercados interno e externo, o montante de R$ 15.482.592,52 (quinze milhões, quatrocentos e oitenta e dois mil, quinhentos e noventa e dois reais e cinquenta e dois centavos), incompatível com os dados constantes das DIPJs de seus fornecedores e com os dados da Receita Federal sobre comércio exterior (fls. 675, Apenso V) no valor total de R$ 44.126.897,08 (quarenta e quatro milhões, cento e vinte e seis mil, oitocentos e noventa e sete reais e oito centavos). Constatada, portanto, uma diferença de R$ 28.644.304,56, caracterizando omissão de receitas, conforme Termo de Consolidação de Dados sobre Compras de fls. 680 do Apenso V.

Foram lavrados para os anos-calendário de 1995, 1996 e 1997 autos de infração relativos ao MPF 0811300.2000.00404-9. O de nº 10882.002048/00-29 (fl. 619/650 do Apenso V), referente ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e tributação reflexa, no montante de, respectivamente, R$ 4.668.370,52 (IRPJ), R$ 460.938,77 (IRRF), R$ 512.669,62 (PIS), R$ 1.341.746,81 (CS) e R$ 1.577.445,10 (COFINS), perfazendo o total de R$ 8.561.170,82 (Termo de encerramento às fls. 651 do Apenso V). E o de nº. 10882.002063/00-12 referente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no montante de R$ 15.202.608,16 (fl. 666/671).

Ainda, para os anos-calendário de 1998 e 1999, foram lavrados os autos de infração originados do MPF 0812600.2000.00408-l. O de nº 10882.002327/00-92 (fl. 728/742 do Apenso), referente ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e tributação reflexa, no montante de, respectivamente, R$ 1.899.163, 17 (IRPJ), R$ 523.283,77 (PIS), R$ 1.771.863,37 (COFINS) e R$ 850.494,36 (CS), perfazendo o total de R$ 5.044.804,67 (Termo de encerramento às fl. 743). E o de nº 10882.002326/00-20, referente ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no montante de R$ 17.172.436,43 (fl. 720/724 do Apenso).

Assim, na qualidade de responsáveis pela administração da empresa CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS, GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI suprimiram, nos exercícios 1996, 1997 e 1998, anos-calendário 1995, 1996 e 1997, o pagamento de IRPJ, IRRF, PIS, Contribuição Social, COFINS e IPI, devidos à União mediante a omissão de informações às autoridades fazendárias. Ainda, suprimiram, nos exercícios 1999 e 2000, anos-calendário 1998 e 1999, o pagamento de IRPJ, PIS, COFINS, Contribuição Social e IPI, devidos à União mediante a omissão de informações às autoridades fazendárias praticando a conduta tipificada no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71 do Código Penal.

Em sede policial, GERALDO CARDOSO GUITTI afirmou que, por divergências entre os sócios, deixou a sociedade em 2010. Afirmou que a empresa, fundada por seu pai, era administrada de forma familiar e admitiu que, até 2006, as decisões administrativas da empresa eram tomadas pelos três irmãos e por seu pai. Assume, claramente, que participava da direção da empresa, tendo deixado de participar das decisões administrativas somente a partir de 2007. Informa que, atualmente, a empresa pertence apenas a sua irmã Francisca Amélia Cardoso Guitti.

GERALDO GUITTI, por sua vez, afirmou ter sido o fundador da empresa, que administrava juntamente com seus filhos Francisca Amélia Cardoso Guitti, Geraldo Cardoso Guitti e Carlos Alberto Cardoso Guitti, sendo que a palavra final sempre lhe cabia.

Por todo o exposto, o Ministério Público Federal denuncia GERALDO GUITTI e GERALDO CARDOSO GUITTI como incursos no artigo 1°, inciso I, da Lei 8.137/90, requerendo seja instaurada a ação penal, com citação dos denunciados para que respondam à acusação por escrito, e, após, prosseguindo-se com os demais atos processuais, até final decisão, quando deverá ser julgada procedente a presente pretensão punitiva.

 

Almeja o Parquet Federal a reforma da r. sentença, ao argumento de que, comprovada a tipicidade da conduta e presentes indícios suficientes da autoria, não pode ser reconhecida a causa sumária de absolvição, requerendo seja mantida a decisão de recebimento da denúncia e determinado o regular prosseguimento do feito.

Subiram os autos a esta E. Corte, com contrarrazões (fls. 255/277, 278/305 ID 151118408).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial (fls. 308/316 ID 151118408).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 


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RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

APELADO: GERALDO GUITTI, GERALDO CARDOSO GUITTI

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Advogado do(a) APELADO: BRUNO MAGOSSO DE PAIVA - SP252514-A

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V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofereceu denúncia (recebida em 01 de dezembro de 2017 - fls. 9/12 ID 151118408) em face de GERALDO GUITTI, nascido em 06.09.1933, e GERALDO CARDOSO GUITTI, nascido aos 03.06.1957, como incursos nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, porquanto, na qualidade de responsáveis pela administração da pessoa jurídica CONVENÇÃO SÃO PAULO INDÚSTRIA DE BEBIDAS E CONEXOS LTDA., teriam suprimido, nos exercícios 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000, Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e suas tributações reflexas - Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição para Financiamento da Seguridade Social - COFINS, Contribuição Social - CS, e Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF, mediante a omissão de informações às autoridades fazendárias nas DIPJs - Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica apresentadas, bem como de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), mediante a saída de produtos tributados sem lançamento do imposto, caracterizada pela falta de emissão de notas fiscais.

Após a resposta à acusação, sobreveio a sentença absolvendo sumariamente os réus do delito inscrito no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, com fulcro no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal, ao fundamento de não constituir o fato infração penal.

A propósito, colhe-se do r. provimento judicial monocrático a seguinte fundamentação:

Sucede que, do exame percuciente dos autos, observo que a constituição definitiva dos supracitados créditos tributários encontra-se alicerçada em presunção que transcende os limites consignados na legislação tributária, em atuação que nitidamente viola o princípio da legalidade, haja vista que os requisitos utilizados pelos auditores fiscais não são aqueles assinalados pela lei, mas sim aqueles oriundos da subjetividade dos auditores fiscais. Senão, vejamos.

Preliminarmente, cumpre salientar, por oportuno, que a presunção de existência de omissão de receita e quaisquer outras oriundas da legislação tributária não se transmitem à seara penal. Isso porque, no âmbito administrativo fiscal, é ônus do sujeito passivo (contribuinte ou responsável) produzir as provas aptas a afastar a presunção criada pela legislação tributária, ao passo que na ação penal é ônus do Parquet a prova inequívoca da existência do crime e de sua autoria.

Daí porque referida presunção erigida da legislação tributária não é suficiente para comprovação da materialidade do crime contra a ordem tributária, haja vista que na seara penal é ônus da acusação a comprovação cabal da existência de todos os elementos constitutivos do fato típico, ilícito e culpável, bem ainda a sua autoria (art. 156 do Código de Processo Penal).

Entrementes, no caso em tela, verifico não se tratar de efetiva presunção assinalada na legislação tributária - a qual poderia ao menos viabilizar o prosseguimento da ação penal - mas sim de violação dos limites das normas legais que autorizam tal presunção, porquanto a tipicidade cerrada se impõe aos agentes fiscais não apenas como garantia constitucional ao contribuinte, mas, especialmente, como expressão do princípio da legalidade estrita, ao qual o agente público deve obediência.

Depreende-se do termo de verificação (original às fls. 36/42 do Apenso lI) que a autuação teria ocorrido em virtude da inexistência de comprovação mediante documentação idônea, por parte do contribuinte, após regular intimação, acerca das diferenças existentes sobre o valor das compras realizadas pela pessoa jurídica, razão pela qual o fisco caracterizou como omissão de receita e, por conseguinte, considerou tal ‘receita’ como proveniente de ‘vendas não registradas’, sobre as quais é devido o IPI (fl. 676/7 do Apenso V).

Como se nota, pois, toda a autuação do fisco é consequência da ‘presunção de omissão de receita’, a qual, assim, foi acrescida à base de cálculo do IRPJ (cujo valor ‘apurado’ serviu de referência, pasme-se, para o arbitramento do lucro e para arbitramento do IPI decorrente das ‘vendas’ realizadas), consignada pelos auditores fiscais, cujos ‘critérios’ encontram-se explicitados nos termos de verificação fiscal acostados às fls. 36/42 do Apenso II e fl. 676/7 do Apenso V.

Passemos, então, aos fundamentos legais invocados (e, especialmente, não invocados).

De início, constato que nos termos de verificação fiscal supracitados, ao tratar da questão relativa à ‘omissão de receita’, no corpo da exposição dos motivos de fato e de direito, não mencionam norma legal alguma concernente efetivamente concernente (sic) à ‘omissão de receita’ praticada pelos auditores fiscais no caso concreto, mas tão somente normas relativas ao arbitramento do lucro, bem como normas impertinentes ao caso, em tosca confusão entre os institutos ‘omissão de receita’ e ‘arbitramento de lucro’.

O mais bizarro a notar é que a norma legal que, se corretamente aplicada, seria o fundamento legal pertinente para a autuação nos moldes em que foi realizada, consiste naquela inserta no art. 41 da Lei 9.430/96, cujo teor tratar-se-á a seguir, a qual não é mencionada em momento algum pelos auditores fiscais nos termos de verificação fiscal em comento.

Ao contrário, os auditores fiscais apontam normas que não possuem relação alguma com a presunção de omissão de receita, de sorte que o exame percuciente dos termos de verificação fiscal acostados às fls. 36/42 do Apenso II e fl. 676/7 do Apenso V gera estupefação.

Com efeito, no tocante ao ‘enquadramento legal’ de omissão de receita concernente ao Imposto de Receita de Pessoa Jurídica (que é aquele cujo aumento da base de cálculo decorrente dessa presunção repercute automaticamente no cálculo de COFINS, PIS, CSLL e, in casu, do IPI), observo a alusão aos art. 16 e 24, § 1º, da Lei 9.249/95 e do art. 27, inciso I, da Lei 9.430/96.

Ora, o art. 16 da Lei 9.249/95 e o art. 27, inciso I, da Lei 9.430/96 disciplinam lucro arbitrado, não possuindo relação alguma com omissão de receita.

Não bastasse, o art. 24, § 1º, da Lei 9.249/95, alude a omissão de receita em contexto de incorporação, fusão e cisão, bem como de integralização de capital decorrente de transferência de bens de pessoa física para a pessoa jurídica (arts. 21 a 23 da Lei 9.249/95). Por fim, as normas do Decreto 1.041/94 cujo teor consta do próprio termo de verificação (...) tratam exclusivamente de arbitramento do lucro.

Transparece à obviedade a natureza tosca da autuação que, para além de confundir omissão de receita com arbitramento de lucro, nem sequer menciona a única norma legal que ao menos em tese permitiria - caso fossem respeitados seus requisitos - a operação presuntiva engendrada pelos auditores fiscais no caso concreto. Senão, vejamos.

Com efeito, a presunção de omissão de receita concretamente utilizada pelos auditores fiscais, consoante se extrai da descrição de seus ‘critérios de verificação’ corresponderia, em tese, àquela disciplinada no art. 41 da Lei 9.430/96, in verbis:

Art. 41. A omissão de receita poderá, também, ser determinada a partir de levantamento por espécie das quantidades de matérias-primas e produtos intermediários utilizados no processo produtivo da pessoa jurídica.

§ 1 º Para os fins deste artigo, apurar-se-á a diferença, positiva ou negativa, entre a soma das quantidades de produtos em estoque no início do período com a quantidade de produtos fabricados com as matérias-primas e produtos intermediários utilizados e a soma das quantidades de produtos cuja venda houver sido registrada na escrituração contábil da empresa com as quantidades em estoque, no final do período de apuração, constantes do livro de Inventário.

§ 2° Considera-se receita omitida, nesse caso, o valor resultante da multiplicação das diferenças de quantidades de produtos ou de matérias-primas e produtos intermediários pelos respectivos preços médios de venda ou de compra, conforme o caso, em cada período de apuração abrangido pelo levantamento.

Como se nota, trata-se da única norma legal que autorizaria a determinação de omissão de receita por presunção decorrente de aferição por espécie de quantidades de matérias-primas e produtos intermediários no processo de produção da pessoa jurídica, curiosamente omitida pelos auditores fiscais, os quais de forma tosca e confusa salpicaram diversas normas tributárias impertinentes ao tema ‘omissão de receita’ em seus termos de verificação fiscal (fls. 36/42 do Apenso II e fl. 676/7 do Apenso V).

Não obstante, uma vez identificada a norma legal que disciplina a atuação da administração tributária concernente à aferição de omissão de receita por presunção no caso concreto, cabe examinar se os parâmetros legais ali consignados foram observados.

A resposta negativa é inexorável.

No tocante aos ‘critérios e fundamentos’ para a presunção de omissão de receitas, extrai-se a seguinte: ‘da tributação do IRPJ: ‘Em decorrência da supracitada omissão de compras, que caracteriza omissão de receitas, cabe ainda a exigência do imposto de renda pessoa jurídica e seus reflexos’ (fl. 677, apenso V).

Observo, pois, que o auditor fiscal faz a esdrúxula afirmação de que ‘omissão de compras caracteriza omissão de receita’.

Ora, não há sequer como levar a sério tamanha absurdez.

Qual o dispositivo legal que lhe dá suporte para tal afirmação e para autuar com base nessa ficção? Não é à toa que não há menção a norma legal alguma neste tópico, visto que não existe norma que ampare tal conclusão nestes termos. Daí porque é possível concluir também a omissão, nesse documento, das normas que autorizam a presunção de 'omissão de receita em casos como o dos autos (realização de compras em valor maior que o declarado), visto que esta assinala os parâmetros legais que vinculam a administração tributária.

(...)

Não há, destarte, efetiva comprovação de que a omissão de informações verificada pela Receita Federal, qual seja, a divergência apurada entre os valores de compras declaradas pela sociedade empresária e aqueles apresentados pelos seus fornecedores no mercado interno e externo, consubstanciou-se efetivamente em receita cuja omissão teria gerado supressão ou redução do pagamento dos tributos devidos.

Observo que na presente ação penal não foram produzidas provas suficientes no sentido de que a aludida diferença de valores na compra de insumos apurada pela autoridade fazendária poderia ser considerada como ‘omissão de receita’, ou seja, não restou comprovado que todos os insumos adquiridos necessariamente foram transformados em produtos, cujas vendas não foram tributadas.

Vale lembrar ainda que nenhuma prova foi buscada ou produzida no âmbito fiscal e, notadamente, no âmbito da persecução penal, v.g, pedido de quebra de sigilo bancário da sociedade empresária, a fim de aferir eventuais ingressos em suas contas bancárias que poderiam configurar omissão de receitas, bem como apuração de vendas junto aos compradores dos produtos da empresa (já que quem gera receita é a operação de venda, não a de compra, obviamente).

Nesse contexto, tendo em vista vício insanável da autuação fiscal, cuja ilegalidade é manifesta e, por conseguinte, da prova da existência de redução ou supressão de pagamento de tributo, conforme estabelecido em lei, não há materialidade de crime contra a ordem tributária.

Não bastasse isso, verifico ainda que a defesa dos réus, para além do que seria seu ônus probatório, trouxe à colação documentação apta a rechaçar a ilusão inventiva do auditor fiscal ‘expert’ no processo produtivo de bebidas.

(...)

Portanto, não bastasse a autuação fiscal que presumiu omissão de receita em afronta ao estabelecido em lei, o que, por si só, já ensejaria a absolvição sumária, defesa explicita de forma inexorável o devaneio fiscal, porquanto demonstra que a capacidade de produção da empresa se mostra incompatível com a estimativa de produção de refrigerante arbitrada pelo Fisco, de sorte a infirmar os argumentos utilizados pela autoridade fazendária para presumir a produção de refrigerante e consequente venda de produtos sem tributação atribuída à sociedade empresária.

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ATINENTES À DECISÃO JUDICIAL QUE APRECIA A RESPOSTA OFERTADA À ACUSAÇÃO

A absolvição sumária do acusado, tendo como supedâneo a norma inserta no art. 397 do Código de Processo Penal (Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente), pressupõe que o julgador tenha formado sua convicção plena no sentido absolutório, na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa, qual seja, a instrução do processo-crime.

Justamente em razão do apontado e do fato de que vige em tal momento processual o princípio in dubio pro societate, prevalece o entendimento de que, quando da incidência das hipóteses anteriormente indicadas, deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime, de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal. A respeito do exposto, vide a ementa que segue:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, QUADRILHA OU BANDO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E PREVARICAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO ESTELIONATO. TEMA NÃO DEBATIDO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. (...) (STJ, RHC 40.260/AM, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 22/09/2017) - destaque nosso.

Sem prejuízo do exposto, importante frisar que o momento processual constante do art. 397 do Diploma Processual somente permite aferir a temática expressamente prevista no dispositivo (vale dizer, manifesta existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente, evidente atipicidade da conduta e extinção de punibilidade do agente), sendo, assim, defeso ao magistrado adentrar e apreciar teses outras que necessariamente deverão ser enfrentadas quando da prolação da sentença penal (condenatória ou absolutória) sem que tal proceder macule os postulados constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Em outras palavras, quando da exaração da decisão nos termos do art. 397, deve o juiz ficar adstrito aos assuntos expressamente previstos em indicado preceito, não devendo prejulgar temas aventados pelo denunciado em razão da imposição de que se esgote a fase de produção de provas. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. RELAXAMENTO DA PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. CONCESSÃO DA ORDEM NA ORIGEM. PEDIDO PREJUDICADO. 2. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. NULIDADE DA DECISÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. 3. DESNECESSIDADE DE EXTENSA FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NÃO OCORRÊNCIA. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. (...) 2. Da leitura do acórdão recorrido bem como da decisão que analisou a resposta à acusação, não verifico a suposta nulidade apontada pelo recorrente. De fato, as matérias passíveis de exame no referido momento processual foram devidamente analisadas, com a finalidade de confirmar o recebimento da denúncia e refutar as hipóteses de absolvição sumária, devendo as demais matérias serem debatidas após a devida instrução processual. Destaque-se que não se pode abrir muito o espectro de análise da resposta à acusação, sob pena de se invadir a seara relativa ao próprio mérito da demanda, que depende de prévia instrução processual para que o julgador possa formar seu convencimento. 3. Mostrar-se-ia temerário analisar certas teses, quer para acolher quer para rejeitar, antes da colheita de provas, principalmente em momento processual que autoriza a absolvição sumária apenas nas hipóteses elencadas de forma expressa pelo art. 397 do Código de Processo Penal. Portanto, desnecessário exigir que o julgador refute, de forma exaustiva, todas as alegações apresentadas, para concluir que não presentes as hipóteses de absolvição sumária. Dessarte, não há se falar em nulidade da decisão que analisou a resposta à acusação, porquanto devidamente motivada, inexistindo, assim, constrangimento ilegal a ser sanado na via eleita. 4. Recurso em habeas corpus improvido (...) (STJ, RHC 72.808/SP, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 27/09/2017) - destaque nosso.

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 89, 90 E 96, INCISO V, DA LEI N. 8.666/93. CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO QUE NÃO TERIA SE MANIFESTADO ACERCA DAS TESES DEFENSIVAS EXPENDIDAS EM RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. ORDEM DENEGADA. (...) 2. Ao contrário do que consignado pelos impetrantes, houve pronunciamento acerca das formulações defensivas trazidas em sede de resposta à acusação. Como se verifica da decisão atacada, o Juízo singular afastou a alegação de inépcia da denúncia, por entender que os fatos atribuídos aos acusados estão suficientemente detalhados na peça acusatória e permitem o exercício do contraditório e do direito de defesa em sua plenitude. 3. O Juízo singular consignou, ainda, que as interceptações telefônicas e as sucessivas prorrogações foram autorizadas em consonância com os ditames da Lei 9.296/96, em face da dificuldade de elucidação dos crimes praticados contra a administração pública. No tocante à arguição de excesso de prazo, o magistrado fez constar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de admitir a prorrogação do prazo previsto na Lei 9.296/96, mesmo que sucessiva, desde que motivadamente autorizada. 4. Por fim, depreende-se da decisão impugnada que as alegações acerca da inexistência provas da materialidade e autoria dizem respeito ao mérito e serão oportunamente apreciadas, ao término da instrução processual. Desse modo, por não vislumbrar as hipóteses de absolvição sumária, a autoridade impetrada determinou o prosseguimento do feito. 5. Ressalte-se que o juízo não está obrigado a manifestar-se de forma exauriente e conclusiva sobre os argumentos lançados pela defesa, porquanto este seria o momento processual inoportuno, na medida em que o julgamento de mérito do processo somente ocorrerá após a devida instrução, com a produção de provas e formação de um juízo de certeza. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, HC - HABEAS CORPUS - 71077 - 0002874-40.2017.4.03.0000, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 13/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2017) - destaque nosso.

No caso dos autos, a imputação imposta aos acusados está prevista no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, in verbis:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

(...)

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado.

Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n. 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material.

Para que o delito previsto no artigo 1º da legislação em comento reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta fraudulenta, com eficácia de ofensa ao bem jurídico e efetivo prejuízo patrimonial ao erário público.

É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n. 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005).

Como se verifica, para a justa causa da ação penal que verse sobre o crime de sonegação fiscal, além da presença dos indícios de autoria, é suficiente a constituição definitiva dos créditos tributários, o que ocorreu em 24.01.2001 e 29.01.2001, conforme oficiado pela Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região (fls. 60/61 e 107/108 ID 151117725).

Ressalte-se que o curso do prazo prescricional esteve suspenso, em virtude de parcelamento, nos seguintes períodos: 25.07.2001 a 18.02.2002 (fls. 370, 390 ID 151117718) e 24.03.2003 a 21.03.2014 (fls. 78, 431 ID 151117724).

O procedimento fiscal verificou a supressão de tributos federais mediante omissão de receitas às autoridades fazendárias, lavrando os respectivos autos de infração, o que materializa o crime em comento.

Não se olvide, outrossim, que o lançamento é ato administrativo dotado de presunção de legitimidade e veracidade.

Exsurge da r. sentença absolutória que, para a desconstituição do lançamento fiscal, reputado ilegal, foi tecida extensa fundamentação, em cognição extremamente aprofundada, com incursão em normas de direito tributário, subjetivismo do fiscal e mesmo utilização de laudo pericial produzido unilateralmente pela defesa, o que se mostra incompatível com a fase processual em que se encontra o processo. Deflui que a atipicidade da conduta não é manifesta e sua declaração, portanto, apresenta-se prematura, obstando indevidamente a persecução criminal.

Deve ser oportunizada à acusação a prova de suas alegações, com o prosseguimento do feito, em observância ao contraditório e à ampla defesa. A própria sentença recorrida aduz que na presente ação penal não foram produzidas provas suficientes no sentido de que a aludida diferença de valores na compra de insumos apurada pela autoridade fazendária poderia ser considerada como ‘omissão de receita’, em clara incongruência com a absolvição sumária proclamada.

Assim, não há falar em absolvição sumária dos acusados se, em análise superficial dos elementos probatórios presentes, não se vislumbra a aludida atipicidade da conduta. Se é necessário o estudo aprofundado das provas, estas deverão ser valoradas pelo juízo no momento oportuno.

Ressalte-se, ademais, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário é apta a configurar a materialidade do crime de sonegação fiscal. Logo, nessa fase processual incipiente, não sendo manifesta a atipicidade da conduta, o lançamento definitivo é suficiente ao prosseguimento do feito, com a instrução criminal.

Confiram-se os seguintes precedentes:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. INDEFERIMENTO DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Cabe às instâncias ordinárias a aferição da necessidade da produção probatória, podendo denegar os pleitos formulados pelas partes mediante motivação idônea.

2. Ademais, em crimes contra a ordem tributária, a constituição definitiva do crédito tributário é apta para comprovar a materialidade. Precedentes.

3. A Corte de origem constatou que houve efetiva supressão de elevado montante (R$ 10.926.219,15) de tributos, e não apenas presunção, ao contrário do que aduz a defesa. Assim, a inversão do julgado, no ponto, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável nesta instância especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

4. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no AREsp 1873405/ES, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 24.08.2021, DJe 30.08.2021) - destaque nosso.

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. 2. DUPLA IMPUTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO. NOVA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. 3. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO VERIFICAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO ART. 41 DO CPP. AMPLA DEFESA ASSEGURADA. 4. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO.

1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. O recorrente havia sido denunciado, em um primeiro momento, como incurso no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990. Contudo, em virtude da ausência de constituição definitiva do crédito tributário, foi absolvido sumariamente, por atipicidade do fato. Nada obstante, sobrevindo a constituição definitiva do crédito tributário, a conduta se tornou típica, autorizando, assim, a apresentação de nova denúncia. De fato, conforme assentado pelo acórdão recorrido, tem-se que a decisão absolutória não analisou o mérito da ação penal. Nesse contexto, não há se falar dupla imputação, porquanto o crime apenas passou a existir com a constituição definitiva do crédito tributário. Portanto, se no momento da absolvição não havia tipo penal, tem-se que a constituição definitiva do crédito tributário, em momento posterior, tipifica o crime e autoriza o início da ação penal.

3. Pela leitura da denúncia, bem como do acórdão recorrido, verifica-se que não há se falar em inépcia nem em ausência de justa causa. Com efeito, presentes a materialidade delitiva e os indícios de autoria, tem-se a justa causa para a ação penal. Ademais, os fatos encontram-se devidamente narrados, em observância ao art. 41 do Código de Processo Penal, autorizando ao recorrente o exercício da ampla defesa. Assim, "não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao acusado devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal". (HC 339.644/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 08/03/2016, DJe 16/03/2016). 4. Recurso em habeas corpus improvido.

(STJ, RHC 83753/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 15.05.2018, DJe 15.06.2018) - destaque nosso.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à Apelação da acusação para determinar que a marcha processual seja retomada com a abertura da fase de instrução probatória.

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N. 8.137/1990. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ATIPICIDADE NÃO MANIFESTA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. NECESSIDADE DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃ PROVIDA.

1. A absolvição sumária do acusado, tendo como supedâneo a norma inserta no art. 397 do Código de Processo Penal (Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente), pressupõe que o julgador tenha formado sua convicção plena no sentido absolutório, na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa, qual seja, a instrução do processo-crime.

2. Justamente em razão do apontado e do fato de que vige em tal momento processual o princípio in dubio pro societate, prevalece o entendimento de que, quando da incidência das hipóteses anteriormente indicadas, deve existir prova manifesta/evidente da existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou de que o fato narrado não constitui crime, de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal.

3. A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, exige supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n. 24.

4. Para a justa causa da ação penal que verse sobre o crime de sonegação fiscal, além da presença dos indícios de autoria, é suficiente a constituição definitiva dos créditos tributários, o que ocorreu em 24.01.2001 e 29.01.2001, conforme oficiado pela Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região. O curso do prazo prescricional esteve suspenso, em virtude de parcelamento, nos seguintes períodos: 25.07.2001 a 18.02.2002 e 24.03.2003 a 21.03.2014.

5. O procedimento fiscal verificou a supressão de tributos federais mediante omissão de receitas às autoridades fazendárias, lavrando os respectivos autos de infração, o que materializa o crime em comento. Não se olvide, outrossim, que o lançamento é ato administrativo dotado de presunção de legitimidade e veracidade.

6. Exsurge da r. sentença absolutória que, para a desconstituição do lançamento fiscal, reputado ilegal, foi tecida extensa fundamentação, em cognição extremamente aprofundada, com incursão em normas de direito tributário, subjetivismo do fiscal e mesmo utilização de laudo pericial produzido unilateralmente pela defesa, o que se mostra incompatível com a fase processual em que se encontra o processo. Deflui que a atipicidade da conduta não é manifesta e sua declaração, portanto, apresenta-se prematura, obstando indevidamente a persecução criminal.

7. Deve ser oportunizada à acusação a prova de suas alegações, com o prosseguimento do feito, em observância ao contraditório e à ampla defesa. A própria sentença recorrida aduz que na presente ação penal não foram produzidas provas suficientes no sentido de que a aludida diferença de valores na compra de insumos apurada pela autoridade fazendária poderia ser considerada como ‘omissão de receita’, em clara incongruência com a absolvição sumária proclamada.

8. Apelação da acusação provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Primeira Turma, por unanimidade decidiu, DAR PROVIMENTO à Apelação da acusação para determinar que a marcha processual seja retomada com a abertura da fase de instrução probatória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.