AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025600-78.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025600-78.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União em face da r. decisão que, em sede de ação civil pública acerca de procedimento de regularização fundiária para o reconhecimento e demarcação de território de comunidade remanescente de Quilombola, manteve a agravante no polo passivo. Por sua vez, insurge-se a agravante, sustentando, resumidamente, que: I- “o procedimento de demarcação de terras quilombolas é de responsabilidade praticamente integral do INCRA, autarquia com personalidade jurídica própria”. II- “na primeira fase a participação da União inexiste, sendo que a oitiva de órgãos seus (Administração Direta) se dá em momento seguinte ao atual, e ainda assim sem impactante repercussão na marcha, até porque no seu silêncio há presunção de concordância tácita”. III- “somente após finalizado o procedimento há eventualmente ato do Presidente da República expedindo Decreto declarando a área de interesse social para fins expropriatórios”. Com tais fundamentos, pede provimento ao recurso para o reconhecimento da ilegitimidade passiva. Indeferida a antecipação dos efeitos da tutela recursal Contraminuta do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5025600-78.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cinge-se a controvérsia acerca da legitimidade passiva da União, em “ação civil Pública proposta pelo MPF contra o INCRA e a União, cujo objetivo é obrigá-los a concluírem Relatório Técnico de identificação e Delimitação (RTID) em 180 dias e em até 18 (dezoito) meses, todo o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, marcação e titulação das terras ocupadas e vindicadas pela Comunidade Quilombola Família Quintino, localizada no Município de Pedro Gomes-MS”. Por sua vez, a r. decisão agravada, quanto ao tema, restou assim fundamentada, in verbis: [...]. Sobre a legitimidade da União para integrar o feito, há que se ressaltar que não se desconhece que seja da competência do INCRA promover a instauração do processo administrativo para identificação, reconhecimento delimitação, demarcação e titulação da terra ocupada por remanescente de comunidade quilombola. Contudo, o procedimento de regularização fundiária envolve a atuação conjunta de órgãos da Administração direta e indireta, como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e a Secretaria da Cultura. A jurisprudência tem mantido a UNIÃO no polo passivo em tais espécies de feito, tendo em conta que têm “um nítido componente político-ideológico que ultrapassa os limites da ação autárquica, o que justifica a presença da União no polo passivo” (STJ, AGRG no RESP 1525797, Rel. Min, Hermann Benjamin, DJE 05/02/2016). Por essas razões, entendo pela legitimidade passiva da União. [...]. De acordo com o artigo 68 do ADCT, é reconhecida a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos. Da leitura do referido dispositivo, tem-se que o componente étnico-cultural é determinante ao reconhecimento desse direito. Nessa senda, dispõe o artigo 2º do Decreto nº 4.887/2003, in verbis: "Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida." Ademais, nos termos dos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade, considerando-se como suas terras aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. Por força do artigo 3º do mencionado Decreto, compete ao INCRA a responsabilidade de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das referidas terras. Cumpre ressaltar, ainda, que, para a medição e demarcação das terras, devem ser levados em conta os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades, sendo-lhes facultada a apresentação de peças técnicas para a instrução do procedimento (§3º do artigo 2º do mesmo Decreto). A titulação se dará por meio de outorga de título coletivo e pró-indiviso à comunidade, sendo a terra inalienável, imprescritível e impenhorável (artigo 17). Com efeito, cabe ao Poder Público adotar as medidas necessárias para assegurar aos remanescentes de comunidades de quilombos o direito às suas terras, direito este resguardado pela Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho - OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto presidencial nº 5.051/2004. Nesse sentir, dispõem os artigos 13 e 14 da referida Convenção: "Artigo 13 1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma. Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. 3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados." Dessa feita, de acordo com o Decreto nº 4.887/2003, o procedimento em questão reclama atuação integrada dentre os diversos órgãos da Administração Direta e Indireta Ademais, as lides dessa espécie têm “nítido componente político-ideológico 'que ultrapassa os limites da ação autárquica', o que justifica a presença da União no pólo passivo da presente demanda" (AgRg no REsp 1525797/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 05/02/2016). Nesse sentido ainda: RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO POSSESSÓRIA AJUIZADA POR PARTICULARES CONTRA PARTICULARES - ÁREA OCUPADA POR REMANESCENTES DE COMUNIDADES DE QUILOMBOS - DISCUSSÃO ACERCA DA EXISTÊNCIA OU NÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO PASSIVO ENVOLVENDO A UNIÃO - OBJETO DOS AUTOS QUE EXTRAPOLA QUESTÕES MERAMENTE ADMINISTRATIVAS (A CARGO DA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES), ENVOLVENDO TAMBÉM A DEFESA DO PODER NORMATIVO DA UNIÃO E A SUA POSSÍVEL TITULARIDADE, TOTAL OU PARCIAL, EM RELAÇÃO AO IMÓVEL QUE CONSTITUI O OBJETO DA AÇÃO POSSESSÓRIA - INTERESSE JURÍDICO QUE FUNDAMENTA A OBRIGATORIEDADE DE CITAÇÃO DA UNIÃO COMO LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA (ART. 47 DO CPC) - RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO - NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO, PARA ESTE FIM. I - Enquanto o litisconsórcio unitário cinge-se à uniformidade do conteúdo do pronunciamento jurisdicional para as partes, o litisconsórcio necessário se dá quando a lei exige, obrigatoriamente, a presença de duas ou mais pessoas, titulares da mesma relação jurídica de direito material, no pólo ativo ou passivo do processo, sob pena de nulidade e conseqüente extinção do feito sem julgamento do mérito; II - A legitimidade da UNIÃO para figurar como litisconsorte passiva necessária na ação tratada nos autos justifica-se em razão da defesa do seu poder normativo e da divergência acerca da propriedade desses imóveis ocupados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, havendo indícios nos autos de que a área em disputa, ou ao menos parte dela, seja de titularidade da recorrente; III - A UNIÃO tem interesse jurídico e deve participar da relação jurídica de direito material, independentemente da existência de ou de entidades autônomas que venha a constituir para realizar as atividades decorrentes do seu poder normativo - tal como a Fundação Cultural Palmares; IV - Recurso especial provido. (REsp 1116553/MT, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe 29/05/2012) EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DE TERRA OCUPADA POR REMANESCENTES DE COMUNIDADE QUILOMBOLA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RECONHECIMENTO DA CONFIGURAÇÃO DE EXCESSIVA E INJUSTIFICADA MORA ESTATAL. DIREITO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL FIXAÇÃO DE MULTA À FAZENDA PÚBLICA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE 1. A União é litisconsorte necessária do INCRA nas causas em que se discute a posse e a demarcação de terras quilombolas. 2. A proteção e a inclusão dos variados grupos étnicos que compõem a comunhão nacional, os quais, por uma série de circunstâncias da história, encontram-se em uma posição social extremamente fragilizada, reveste-se em uma das preocupações fundamentais da Constituição de 1988 restando, especificamente em relação às comunidades quilombolas, previsto no art. 68 do ADCT que "Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". 3. Os procedimentos subsequentes à concretização da titulação forma previstos no Decreto nº 4.887/2003, que disciplinou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, e transferiu ao INCRA a competência para a sua efetivação e, nos termos da IN INCRA nº 57/2009, a finalização e concreção da titulação do território quilombola depende da superação de 21 etapas. 4. O acúmulo de processos administrativos, a complexidade do pedido ou carência de pessoal não podem acarretar delonga excessiva de processo, que deve ter seu trâmite finalizado em prazo razoável, em especial quando relativo a reconhecimento de área quilombola, essencial para sobrevivência de cultura tradicional e segurança jurídica e social. 5. A falta ou deficiência da prestação do serviço acaba gerando o direito subjetivo da coletividade atingida por seu não cumprimento a obter em Juízo que seja o responsável compelido a essa obrigação de fazer. É possível, assim, o controle judicial da atuação do Estado, mesmo quando este sustenta que esteja havendo ingerência na esfera do seu poder discricionário, pois esse poder apresenta limitações, em especial quando se trata da realização de direitos fundamentais. (TRF4 5000524-81.2016.4.04.7119, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/07/2018) EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. INCRA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS DE COMUNIDADE QUILOMBOLA. ANULAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. DECRETO 4.887/03. CONSTITUCIONALIDADE. PROCEDIMENTO LEGAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. 1. Embora a Comunidade Quilombola de Morro Alto tenha sido certificada pela Fundação Cultural Palmares e o procedimento da regularização fundiária tenha sido deflagrado e se processe perante o INCRA, o referido procedimento envolve a atuação conjunta de órgãos da Administração Direta - como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da Presidência da República e o Ministério da Cultura -, e órgãos da Administração Indireta, como o próprio INCRA, estando a União, portanto, legitimada para figurar no polo passivo da presente demanda. 2. Prevalece o entendimento da Corte Especial deste Tribunal pela rejeição da inconstitucionalidade formal e material do Decreto 4.887/03, reconhecendo-se a constitucionalidade do critérios de autodefinição dos remanescentes de quilombos e de definição de território quilombola, enquanto não concluído o julgamento da ADI 3239 no STF. 3. Hipótese em que assegurado o direito de defesa do autor por meio de contestação ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação da comunidade de Morro Alto, a qual ainda não havia sido analisada pela esfera administrativa competente. 4. Não se tratando os relatórios apresentados instrumentos irrevogáveis, viável a correção de eventual erro na esfera administrativa, salvo prova em sentido contrário. Caso em que não requerida a produção de provas. 5. Nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, a verba honorária deve ser fixada em parâmetro condizente com a natureza da causa e o trabalho realizado. Hipótese em que acolhido o pedido de redução do valor arbitrado a título de honorários advocatícios. 6. Apelação parcialmente provida. (TRF4, AC 5054447-84.2013.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 29/01/2016) CONSTITUCIONAL - CIVIL E PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - REMANESCENTES DE COMUNIDADE DE QUILOMBOS - PROPRIEDADE - FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO - ARTIGO 68, ADCT - CONDIÇÕES DA AÇÃO: LEGITIMIDADE ATIVA - LEGITIMIDADE PASSIVA - INTERESSE DE AGIR - REEXAME OBRIGATÓRIO - TERRAS DEVOLUTAS E TERRAS DE PARTICULAR - ORIGEM DA COMUNIDADE COMPROVADA - POSSE COMPROVADA - AÇÃO PROCEDENTE - REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. 1. Com a exclusão dos autores do polo ativo da ação, por decisão irrecorrida (que saneou o feito), assumiu a condição de parte-autora a Associação Quilombo de Ivaporunduva, cabendo-lhe a defesa dos interesses de seus associados, então excluídos da lide. 2. As preliminares de ilegitimidade passiva de parte e de carência da ação, argüídas pela União Federal, embora repelidas em primeiro grau de jurisdição por decisão irrecorrida, deverão ser reexaminadas, por força da norma prevista no artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil. 3. A existência da fundação, União Cultural Palmares, dotada de personalidade jurídica, e seus objetivos, ditados pelo artigo 2o, da Lei 7.668, de 22 de agosto de 1988, não retiram da União Federal a legitimidade para figurar no polo passivo da ação, em face dos limites de atuação da fundação, que, à época do ajuizamento da ação, não estava autorizada a promover demarcação e titulação de área ocupada pelos remanescentes de comunidades de quilombos. 4. A legitimidade passiva de parte da União Federal subsiste mesmo em face da competência ampliada da Fundação Cultural Palmares, na medida em que o direito reivindicado não se limita à prática de atos de natureza administrativa, mas envolve um interesse maior, qual seja, o direito de propriedade. Preliminar de ilegitimidade rejeitada. 5. A concordância com os termos da ação, expressada pela Fundação Cultural Palmares, não afasta o interesse jurídico da autora, na medida em que sua manifestação não alcança os interesses da União Federal, que contestou o feito, pugnou pela produção de provas e interpôs recurso de apelação, sendo certo que a desistência deste não legitima o acolhimento da preliminar suscitada, com fundamento na ausência superveniente do interesse de agir, na medida em que a questão envolve um interesse maior, qual seja, a aquisição originária da propriedade do imóvel pela comunidade quilombola, e a conseqüente perda da propriedade do imóvel por parte de pessoa jurídica de direito privado. Preliminar de ausência de interesse rejeitada. 6. A condição de parte passiva de parte da Fundação Cultural Palmares foi definida por ocasião da sentença, quando, então, foi determinada, formalmente, sua inclusão no polo passivo da ação. Daí, contudo, não advém qualquer irregularidade, haja vista que no ato da audiência de conciliação o direito de defesa foi-lhe assegurado, observando-se, para isso, o prazo previsto em lei. 7. Somente o uso e titulação da área total, identificada pela autora, incluindo também as porções de terras que seriam de domínio de empresa privada, é que teria o condão de dar concretude ao comando constitucional estampado no art. 68 do ADCT, pois o uso e titulação de domínio de apenas parte da aludida área não garantem a contento a reprodução física, econômica, cultural e social da minoria étnica globalmente considerada. 8. Reconhecida pela co-ré Fundação Cultural Palmares, e comprovada nos autos a condição de ser a Comunidade de Ivaporunduva remanescente de quilombo e ocupante da área, tem-se presente o binômio inseparável para a obtenção do direito pleiteado nestes autos. 9. Do procedimento administrativo juntado aos autos, extrai-se a conclusão de que a ocupação predominantemente de população negra de Ivaporunduva está associada à alforria e abandono da mão-de-obra escrava por antiga mineradora, que, doando terras à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no final do século XVII, possibilitou o estabelecimento desse núcleo de povoamento negro. 10. Da condição de remanescentes de quilombos da comunidade decorre a posse, cujo exercício por aquela comunidade, por si e por seus antepassados, é comprovada através de fotografias anexadas aos autos, que revelam a aparência das pessoas que constituem aquela comunidade, o aspecto das construções, dentre os diversos detalhes contidos nestes autos, permitindo, então, que se adote o mandamento constitucional previsto no artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e se conceda àquela comunidade a propriedade das terras que comprovadamente ocupa, nos termos do referido dispositivo. 11. A par da ressalva a Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar e da característica de terras devolutas, o Estado de São Paulo manifestou expressamente sua intenção de regularizar a situação da comunidade dos requerentes, mediante titulações dominiais das terras devolutas por eles ocupadas, nos termos da Lei Estadual nº 9.757/97, sendo certo que a natureza imperativa da norma prevista no artigo 1o, da referida lei, não deixa espaço a uma ação distinta por parte desse Estado-Membro. 12. A defesa apresentada pela empresa Alagoinha Companhia de Empreendimentos Gerais, que não se interessou pela sorte do processo, limitada à característica de terras devolutas do Estado de São Paulo, não constitui obstáculo ao deferimento da pretensão deduzida em favor da Comunidade de Remanescentes de Quilombos. 13. O direito da comunidade quilombola obter o domínio da área que imemorialmente ocupa constitui um direito fundamental (art. 68 do ADCT e art. 5o , § 2º, CF), pois diz respeito diretamente à dignidade de cada integrante daquela comunidade. 14. Assegurar a terra para a comunidade quilombola afigura-se imprescindível não só para garantia de sua própria identidade étnica e cultural, mas também para salvaguardar o direito de todos os brasileiros à preservação do patrimônio histórico-cultural do país (art. 215, CF). 15. Tratando-se de direito fundamental (art. 68 do ADCT e art. 5, § 2º da CF) possui aplicação imediata, conforme dicção do § 1º, do art. 5o, da Constituição Federal, haurindo-se do próprio texto constitucional o direito dos integrantes da comunidade quilombola de Ivaporunduva de granjearem a titulação da área por eles ocupada, contra tal direito não cabendo opor o domínio de entidade particular. 16. Remessa Oficial improvida. Mantida a procedência da ação, declarando-se os associados da autora como remanescentes de comunidade de quilombos, devendo a União, ou entidade pública por ela criada, emitir título de acordo com o modelo existente nos autos e observando-se os limites das áreas estritamente ocupadas pela Comunidade Remanescente de Quilombo de Ivaporunduva, bem como devendo a União, ou entidade pública por ela criada, providenciar, no prazo de 30 (trinta) dias, o respectivo registro imobiliário, sob pena de adjudicação compulsória. 17. Mantidos os honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da causa. (TRF 3ª Região, QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 983606 - 0020556-47.1994.4.03.6100, Rel. JUIZ CONVOCADO HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 15/12/2008, e-DJF3 Judicial 2 DATA:03/02/2009 PÁGINA: 732) Ante o exposto, nego provimento ao recurso. É o voto
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRAS. COMUNIDADE QUILOMBOLA. MOROSIDADE NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I- Cinge-se a controvérsia acerca da legitimidade passiva da União, em “ação civil Pública proposta pelo MPF contra o INCRA e a União, cujo objetivo é obrigá-los a concluírem Relatório Técnico de identificação e Delimitação (RTID) em 180 dias e em até 18 (dezoito) meses, todo o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, marcação e titulação das terras ocupadas e vindicadas pela Comunidade Quilombola Família Quintino, localizada no Município de Pedro Gomes-MS”.
II. De acordo com o artigo 68 do ADCT, é reconhecida a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos. Da leitura do referido dispositivo, tem-se que o componente étnico-cultural é determinante ao reconhecimento desse direito. Nessa senda, dispõe o artigo 2º do Decreto nº 4.887/2003, in verbis: "Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida."
III. Ademais, nos termos dos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade, considerando-se como suas terras aquelas utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. Por força do artigo 3º do mencionado Decreto, compete ao INCRA a responsabilidade de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das referidas terras. Cumpre ressaltar, ainda, que, para a medição e demarcação das terras, devem ser levados em conta os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades, sendo-lhes facultada a apresentação de peças técnicas para a instrução do procedimento (§3º do artigo 2º do mesmo Decreto).
IV. A titulação se dará por meio de outorga de título coletivo e pró-indiviso à comunidade, sendo a terra inalienável, imprescritível e impenhorável (artigo 17). Com efeito, cabe ao Poder Público adotar as medidas necessárias para assegurar aos remanescentes de comunidades de quilombos o direito às suas terras, direito este resguardado pela Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho - OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto presidencial nº 5.051/2004. Nesse sentir, dispõem os artigos 13 e 14 da referida Convenção: "Artigo 13 1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma. Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. 3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados."
V- Dessa feita, de acordo com o Decreto nº 4.887/2003, o procedimento em questão reclama atuação integrada dentre os diversos órgãos da Administração Direta e Indireta. Ademais, as lides dessa espécie têm “nítido componente político-ideológico 'que ultrapassa os limites da ação autárquica', o que justifica a presença da União no pólo passivo da presente demanda" (AgRg no REsp 1525797/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 05/02/2016). Precedentes.
VI- Agravo de instrumento a que se nega provimento.