Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001620-37.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

RECORRIDO: FLAVIANE OLIVEIRA SILVA

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001620-37.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: FLAVIANE OLIVEIRA SILVA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito (ID 156658005) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão da lavra do eminente Juiz Federal Fábio Rubem David Müzel (4ª Vara Criminal Federal de Guarulhos/SP - ID 156658003), que REJEITOU A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que a investigada FLAVIANE OLIVEIRA SILVA já foi presa e processada na Holanda pelos mesmos fatos descritos na peça acusatória, havendo manifesto bis in idem, à luz do Decreto nº 592, de 06.07.1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Consta da r. denúncia (ID 156657993) e do correlato aditamento (ID 156658005), em síntese, que no dia 20 de outubro de 2018, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, FLAVIANE OLIVEIRA SILVA, em unidade de desígnios com Sandra Mara Souza da Silva, trouxeram consigo, transportaram e tentaram exportar no voo KL792, da companhia aérea KLM, com destino a Amsterdã/Holanda, a quantidade de 4.988g (quatro mil novecentos e oitenta e oito gramas – massa líquida) de COCAÍNA (fls. 18/20 e 25/28), substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.

Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL incursionou a ré FLAVIANE OLIVEIRA SILVA nas sanções do artigo 33, em sua forma fundamental, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006. Não houve denúncia em relação à investigada Sandra Mara.

Não fora determinada a citação para que FLAVIANE pudesse responder à acusação.

Em suas razões recursais, o órgão acusatório, em linhas gerais, sustenta que o delito de tráfico internacional de drogas praticado pela recorrida FLAVIANE teve sua execução e seus efeitos observados não só na Holanda, mas também no Brasil, o que faz incidir a regra da territorialidade e permite eventual condenação com mitigação da pena cumprida no estrangeiro. Deste modo, no entender do parquet federal, não há bis in idem em relação ao processo a que investigada respondeu na Holanda, destacando-se, ainda, que este fora julgado improcedente por falta de provas. Pede, portanto, o recebimento da r. denúncia e o regular prosseguimento do feito.

A Defensoria Pública da União apresentou Contrarrazões ao Recurso em Sentido Estrito (ID 156658030).

A decisão recorrida foi mantida pelo juízo a quo pelos seus próprios e jurídicos fundamentos (ID 156658031).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do recurso em sentido estrito, para que sejam recebidas a r. denúncia e aditamentos ofertados, em todos os seus termos, com determinação do devido prosseguimento do feito (ID 159381488).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental. 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001620-37.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: FLAVIANE OLIVEIRA SILVA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

DAS RAZÕES RECURSAIS

Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito (ID 156658005) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão da lavra do eminente Juiz Federal Fábio Rubem David Müzel (4ª Vara Criminal Federal de Guarulhos/SP - ID 156658003), que REJEITOU A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que a investigada FLAVIANE OLIVEIRA SILVA já foi presa e processada na Holanda pelos mesmos fatos descritos na peça acusatória, havendo manifesto bis in idem, à luz do Decreto nº 592, de 06.07.1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Em suas razões recursais, o órgão acusatório, em linhas gerais, sustenta que o delito de tráfico internacional de drogas praticado pela recorrida FLAVIANE teve sua execução e seus efeitos observados não só na Holanda, mas também no Brasil, o que faz incidir a regra da territorialidade e permite eventual condenação com mitigação da pena cumprida no estrangeiro. Deste modo, no entender do parquet federal, não há bis in idem em relação ao processo a que investigada respondeu na Holanda, destacando-se, ainda, que este fora julgado improcedente por falta de provas. Pede, portanto, o recebimento da r. denúncia e o regular prosseguimento do feito.

 

DOS FATOS

Verte do incluso procedimento perquisitivo-antejudicial que, no dia 20 de outubro de 2018, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, a recorrida FLAVIANE OLIVEIRA SILVA, agindo em concurso de agentes com Sandra Mara Souza da Silva, ambas em unidade de desígnios e propósitos, trouxeram consigo, transportaram e tentaram exportar em uma bagagem que despacharam no voo KL792, da companhia aérea KLM, com destino a Amsterdã/Holanda, a quantidade de 4.988g (quatro mil novecentos e oitenta e oito gramas – massa líquida) de COCAÍNA, fracionada em 05 (cinco) volumes de formatos retangulares.

Ocorre, entretanto, que a bagagem com drogas, despachada no voo KL 792, foi interceptada ainda em território brasileiro pelos agentes de proteção da aviação civil atuantes no Aeroporto de Guarulhos/SP, que, após submeterem-na ao raio-X, lograram êxito em encontrar a substância entorpecente escondida em fundos falsos (Cocaína). 

As investigadas FLAVIANE e Sandra, por seus turnos, conseguiram embarcar e voar para Amsterdã/Holanda, sem que fossem presas no Brasil. 

Ao aportarem na Holanda, ambas foram presas na imigração deste país, uma vez que foi localizada e apreendida, na bagagem correspondente a Sandra, a quantidade de 3.966,6G (três quilos novecentos e sessenta e seis gramas e seis decigramas) de Cocaína. Observe-se que esta quantidade de drogas é diversa daquela que foi apreendida em solo brasileiro.

Diante disso, foi instaurado Procedimento de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal entre o Brasil e os Países Baixos, registrado sob o número 1.00.000.016975/2019-78 (ID 156657995 – fl. 47 e s.), em que se informou que a recorrida FLAVIANE foi processada e julgada especificamente em relação à tentativa de remessa da bagagem com drogas apreendida em Guarulhos/SP (4.988g de Cocaína) (ID 156657995 – fl. 52, in fine), sendo certo que, ao final da ação penal instaurada na Holanda, foi absolvida por falta de provas (ID 156657995 – fl. 50). Já a investigada Sandra, por seu turno, foi definitivamente condenada pela droga apreendida na Holanda.

 

DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA A ADMISSÃO DO RECURSO

Diante da documentação trazida, verifica-se que a recorrida FLAVIANE respondeu a procedimento judicial perante o Tribunal Penal Holandês pelo crime de tentativa de importação de Cocaína para o território dos Países Baixos, sendo certo que foi absolvida por falta de provas em sede de decisão que se tornou imutável em 09 de julho de 2019. Assim, há identidade entre o objeto de ambos os procedimentos judiciais realizados no Brasil e na Suíça.

Ocorre, entretanto, que apesar de o delito ter sido praticado também na Holanda, onde ocorreria o seu resultado acaso a mala tivesse desembarcado em Amsterdã com a droga (Teoria da Ubiquidade), sua execução e seus efeitos se deram, principalmente, no nosso país (Brasil), onde a mala com drogas foi interceptada e apreendida pela Polícia Federal, o que faz incidir, in casu, a regra da territorialidade, prevista nos artigos 5º, caput, e 6º, ambos do Código Penal:

Art. 5º, caput. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Art. 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Com efeito, não existe óbice qualquer para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e holandesa.

A propósito, a questão não é nova e já foi reiteradamente analisada pelo E. Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ITER CRIMINIS OCORRIDO NA SUÍÇA E NO BRASIL. CONDENAÇÃO E CUMPRIMENTO DA PENA POR ESTE DELITO NO EXTERIOR. AÇÃO PENAL PROPOSTA NA JUSTIÇA BRASILEIRA. VIABILIDADE. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. O crime também foi cometido no Brasil, tendo o acórdão reconhecido que a execução e os efeitos da lavagem de dinheiro ocorreram no território nacional, assim admite-se a persecução penal pela justiça brasileira, independentemente de outra condenação no exterior. 2. Desta forma, adota-se o princípio da territorialidade previsto no art. 5º do Código Penal - CP, segundo o qual aplica-se a lei brasileira a qualquer crime cometido no Brasil. Todavia, segundo a previsão do art. 8º CP, a pena cumprida no estrangeiro vai atenuar a reprimenda imposta aqui. 3. Recurso desprovido. (STJ - RHC: 78684 SP 2016/0308956-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 04/12/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2019)

'PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL CRIME INICIADO EM TERRITÓRIO NACIONAL. SEQÜESTRO OCORRIDO EM TERRA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO. CONDUÇÃO DA VITIMA PARA TERRITÓRIO ESTRANGEIRO EM AERONAVE. PRINCIPIO DA TERRITORIALIDADE. LUGAR DO CRIME - TEORIA DA UBIQÜIDADE. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO EVENTUAL PROCESSAMENTO CRIMINAL PELA JUSTIÇA PARAGUAIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ORDEM DENEGADA. 1. Aplica-se a lei brasileira ao caso, tendo em vista o princípio da territorialidade e a teoria da ubiquidade consagrados na lei penal. 2. Consta da sentença condenatória que o início da prática delitiva ocorreu nas dependências do aeroporto de Tupã⁄SP, cuja tese contrária exigiria exame profundo do acervo fálico-probatório, incabível em sede de habeas coreus, sendo assegurado ao acusado o reexame das provas quando do julgamento de recurso de apelação eventualmente interposto, instrumento processual adequado para tal fiar. 3. Afasta-se a competência da .Justiça Federal, pela não-ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas no art. 109 da Constituição Federal, mormente pela não-configuração de crime cometido a bordo de aeronave. 4. Não existe qualquer óbice legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e paraguaia, tendo em vista a regra constante do art. 8º do Código Penal. 5. Ordem denegada.' (STJ - HC: 41892 SP 2005⁄0024758-9, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 02⁄06⁄2005, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação Dl 22⁄08⁄2005 p. 319) (grifo nosso)

'HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO (..) CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E LAVAGEM DE DINHEIRO (ARTIGOS 16 E 22 DA LEI 7.492⁄1986 E ARTIGO 1º, INCISO VI, DA LEI 9.613⁄1998). ACORDO CELEBRADO COM A PROMOTORIA DE NOVA IORQUE. IMPOSIÇÃO DE PENA DE PERDIMENTO DOS VALORES BLOQUEADOS PELA JUSTIÇA NORTE-AMERICANA. PRETENDIDA EXTENSÃO À JURISDIÇÃO BRASILEIRA PARA FINS DE CASSAÇÃO DA CONDENAÇÃO AQUI PROFERIDA OU REDUÇÃO DA PENA IMPOSTA AOS ACUSADOS. IMPOSSIBILIDADE. ENTREGA NÃO ESPONTÂNEA DA QUANTIA BLOQUEADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. 1. Embora os pacientes tenham se utilizado de offshore constituída no exterior, bem como de contas situadas em banco estrangeiro para a prática dos ilícitos narrados na denúncia, o certo é que também fizeram uso de uma empresa sediada no território nacional, tendo sido condenados por operação de instituição financeira sem a devida autorização, operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país e lavagem de capitais, delitos que lesionam o Sistema Financeiro Nacional, bem como a ordem econômica e tributária, a paz pública e a administração da Justiça do Brasil, motivo pelo qual não há falar em crimes praticados no estrangeiro, não havendo quaisquer impedimentos para a aplicação da lei penal brasileira à espécie. 2. (...) 8. Habeas corpus não conhecido.' (STJ - HC: 221108 PR 2011⁄0240528-2 Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 11⁄03⁄2014, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25⁄03⁄2014)

Não se desconhece que a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, preveem efetivamente a proibição do bis in idem. Entretanto, fazem-no como norma internacional a limitar a jurisdição de cada país signatário, impedindo que o mesmo Estado soberano processe o indivíduo por mais de uma vez em seu próprio território, isto é, pelos mesmos fatos. Não encontramos nas normas a abrangência que se pretende lhe conferir, de que vedaria a incidência da jurisdição estatal quando o réu já tivesse sido processado em outro país. Confira-se:

O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8º 4.)

Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país. (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 17, 7.)

Portanto, bem se vê que as normas não fazem menção a uma situação como a dos autos, mas se destinam a impedir que os Estados, por si só, violem a concepção do non bis in idem. Seria possível indagar se o princípio da vedação do non bis in idem, se adotado, não teria o condão também de abranger a contingência de dois processos em países distintos. A resposta é negativa, pois tal interpretação extensiva seria claramente limitativa da soberania dos países signatários. Uma coisa é exercer a sua jurisdição e não poder fazê-lo novamente; outra é não poder exercê-la quando um outro Estado o tiver feito. No último caso, o Estado não poderia exercer a sua jurisdição, em razão da atuação prévia de um outro Estado, o que nos parece capaz de afetar o princípio da soberania, que segue sendo de extrema importância no Direito Internacional.

Nesse sentido, confira-se como o princípio foi tratado na Convenção Europeia de Direitos Humanos, em que a limitação aparece explícita:

Ninguém pode ser processado ou punido penalmente pelas jurisdições do mesmo Estado em razão de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por julgamento definitivo conforme à lei e ao processo penal desse Estado. (artigo 4º, par 1º. do Protocolo adicional nº 7, tradução nossa. Original: 'nul ne peut être poursuivi ou puni pénalement par les juridictions du méme Etat en raison d'une infraction pour laquelle il a déjà été acquitté ou condamné par un jugement définitif conformément à la loi et à la procédure pénale de cet État) - grifamos.

Assim, tratando-se de territorialidade, como reconhecemos ser a hipótese sob exame, não se retira do Brasil a competência para a persecução penal.

A propósito, a tese defendida pelo magistrado a quo somente poderia ser acolhida se o iter criminis do delito não tivesse acontecido no território nacional e fosse aplicado o artigo 7º do Código Penal – princípio da extraterritorialidade –, que veda outro processo no Brasil pelo mesmo crime quando o agente já foi condenado e cumpriu pena no exterior.

Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para reformar a decisão e receber a r. denúncia, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito, na forma da fundamentação.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001620-37.2019.4.03.6119

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: FLAVIANE OLIVEIRA SILVA

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Pedi vista para melhor analisar a questão posta nos autos

Como relatado pelo Desembargador Fausto de Sanctis em seu minudente voto:

“Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito (ID 156658005) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão da lavra do eminente Juiz Federal Fábio Rubem David Müzel (4ª Vara Criminal Federal de Guarulhos/SP - ID 156658003), que REJEITOU A DENÚNCIA, com fulcro no artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que a investigada FLAVIANE OLIVEIRA SILVA já foi presa e processada na Holanda pelos mesmos fatos descritos na peça acusatória, havendo manifesto bis in idem, à luz do Decreto nº 592, de 06.07.1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Em suas razões recursais, o órgão acusatório, em linhas gerais, sustenta que o delito de tráfico internacional de drogas praticado pela recorrida FLAVIANE teve sua execução e seus efeitos observados não só na Holanda, mas também no Brasil, o que faz incidir a regra da territorialidade e permite eventual condenação com mitigação da pena cumprida no estrangeiro. Deste modo, no entender do parquet federal, não há bis in idem em relação ao processo a que investigada respondeu na Holanda, destacando-se, ainda, que este fora julgado improcedente por falta de provas. Pede, portanto, o recebimento da r. denúncia e o regular prosseguimento do feito.

DOS FATOS

Verte do incluso procedimento perquisitivo-antejudicial que, no dia 20 de outubro de 2018, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, a recorrida FLAVIANE OLIVEIRA SILVA, agindo em concurso de agentes com Sandra Mara Souza da Silva, ambas em unidade de desígnios e propósitos, trouxeram consigo, transportaram e tentaram exportar em uma bagagem que despacharam no voo KL792, da companhia aérea KLM, com destino a Amsterdã/Holanda, a quantidade de 4.988g (quatro mil novecentos e oitenta e oito gramas – massa líquida) de COCAÍNA, fracionada em 05 (cinco) volumes de formatos retangulares.

Ocorre, entretanto, que a bagagem com drogas, despachada no voo KL 792, foi interceptada ainda em território brasileiro pelos agentes de proteção da aviação civil atuantes no Aeroporto de Guarulhos/SP, que, após submeterem-na ao raio-X, lograram êxito em encontrar a substância entorpecente escondida em fundos falsos (Cocaína). 

As investigadas FLAVIANE e Sandra, por seus turnos, conseguiram embarcar e voar para Amsterdã/Holanda, sem que fossem presas no Brasil. 

Ao aportarem na Holanda, ambas foram presas na imigração deste país, uma vez que foi localizada e apreendida, na bagagem correspondente a Sandra, a quantidade de 3.966,6G (três quilos novecentos e sessenta e seis gramas e seis decigramas) de Cocaína. Observe-se que esta quantidade de drogas é diversa daquela que foi apreendida em solo brasileiro.

Diante disso, foi instaurado Procedimento de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal entre o Brasil e os Países Baixos, registrado sob o número 1.00.000.016975/2019-78 (ID 156657995 – fl. 47 e s.), em que se informou que a recorrida FLAVIANE foi processada e julgada especificamente em relação à tentativa de remessa da bagagem com drogas apreendida em Guarulhos/SP (4.988g de Cocaína) (ID 156657995 – fl. 52, in fine), sendo certo que, ao final da ação penal instaurada na Holanda, foi absolvida por falta de provas (ID 156657995 – fl. 50). Já a investigada Sandra, por seu turno, foi definitivamente condenada pela droga apreendida na Holanda”.

 

O Desembargador Fausto de Sanctis sustentou que:

“Diante da documentação trazida, verifica-se que a recorrida FLAVIANE respondeu a procedimento judicial perante o Tribunal Penal Holandês pelo crime de tentativa de importação de Cocaína para o território dos Países Baixos, sendo certo que foi absolvida por falta de provas em sede de decisão que se tornou imutável em 09 de julho de 2019. Assim, há identidade entre o objeto de ambos os procedimentos judiciais realizados no Brasil e na Suíça.

Ocorre, entretanto, que apesar de o delito ter sido praticado também na Holanda, onde ocorreria o seu resultado acaso a mala tivesse desembarcado em Amsterdã com a droga (Teoria da Ubiquidade), sua execução e seus efeitos se deram, principalmente, no nosso país (Brasil), onde a mala com drogas foi interceptada e apreendida pela Polícia Federal, o que faz incidir, in casu, a regra da territorialidade, prevista nos artigos 5º, caput, e 6º, ambos do Código Penal:

Art. 5º, caput. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Art. 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

Com efeito, não existe óbice qualquer para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e holandesa”.

Peço vênia para divergir de tal posicionamento.

De início, destaco que não há dúvida quanto à identidade dos fatos.

Consta no Procedimento de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal entre o Brasil e os Países Baixos, registrado sob o número 1.00.000.016975/2019-78 (ID 156657995 – fl. 56), que:

“Tanto a bagagem apreendida no Aeroporto de Schiphol (importação de narcóticos para os Países Baixos), quanto a bagagem apreendida no Aeroporto Internacional de Guarulhos (importação de narcóticos do Brasil) foram consideradas pelo procurador público holandês na avaliação sobre quais fatos Oliveira Silva e Souza da Silva seriam acusadas. Portanto, tanto a bagarem apreendida no Aeroporto de Schiphol, quanto a bagagem apreendida no Aeroporto Internacional de Guarulhos foram consideradas um grupo de circunstâncias concretas intrinsecamente conectadas.

Concluindo, a Procuradoria dos Países Baixo entende que os fatos do pedido jurídico mútuo são os mesmos atos processados nos casos holandeses. A Procuradoria Holandesa considera que, de acordo com a jurisprudência mencionada acima, o princípio do non bis in idem aplica-se nos casos em referência”.

Pois bem, como bem destacado pelo relator em seu voto, o crime ocorreu também no Brasil, já que a bagarem com entorpecentes foi apreendida aqui e como se extrai da redação do art. 6º do Código Penal, que adota a teoria da ubiquidade: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.

Contudo, penso que a questão posta em desate nesta lide não diz respeito à territorialidade, pois o lugar do crime está identificado e foi praticado no Brasil.

O que é necessário definir é o alcance da proibição de dupla persecução em matéria penal e se é possível a instauração de nova persecutio criminis tendo por objeto fatos já julgados no exterior. Penso que não.

O art. 5º do Código Penal prevê que se aplica a lei brasileira a crimes praticados no território nacional, mas ressalta que isso deve se dar “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”.

 

De outro lado, a homologação de sentenças estrangeiras tem finalidade tão somente de produzir efeitos civis e não criminais. O artigo 9° do Código Penal, ao qual se reporta o artigo 787 do CPP (o artigo traz referência ao art. 7º do CP, entretanto houve renumeração pela Lei n° 7.209/84, sendo o atual 9° o antigo 7º do CP), prevê que a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis e sujeitá-lo a medida de segurança.

Portanto, evidentemente, a eventual ausência de homologação de sentença estrangeira não pode ser alegada para afastar garantia processual que vede a dupla punição pelo mesmo fato (ne bis in idem).

Por outro lado, é fato que a Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada pelo Decreto n° 54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque), dispõe em seu art. 36, nº 2, letra "a", I, que cada uma das condutas previstas no tipo penal de ação múltipla, quando praticada em diferentes países, será considerada um delito distinto:

ARTIGO 36

Disposições Penais

1. Com ressalva das limitações de natureza constitucional, cada uma das Partes se obriga a adotar as medidas necessárias a fim de que o cultivo, a produção, fabricação, extração, preparação, posse, ofertas em geral, ofertas de venda, distribuição, compra, venda, entrega a qualquer título, corretagem, despacho, despacho em trânsito, transporte, importação e exportação de entorpecentes, feitos em desacordo com a presente Convenção ou de quaisquer outros atos que, em sua opinião, contrários à mesma, sejam considerados como delituosos, se cometidos intencionalmente, e que as infrações graves sejam castigadas de forma adequada, especialmente com pena prisão ou outras de privação da liberdade.

2. Observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas constituições, sistema legal e legislação nacional de cada Parte:

a) I - cada delito enumerado no parágrafo 1, ser for cometido em diferente países será considerado um delito distinto;

II - serão considerados delitos puníveis na forma estabelecida no parágrafo 1, a participação deliberada a confabulação destinada à consumação de qualquer dos referidos crimes, bem como a tentativa de consumá-los, os atos preparatórios e as operações financeiras em conexão com os mesmos;

III - as condenações pelos mesmos delitos, ocorridas no estrangeiros, serão tomadas em conta para efeito da reincidência; e

IV - os delitos graves acima referidos, cometidos por nacionais estrangeiros, deverão ser julgados pela Parte em cujo território se encontra o criminoso se a extradição não fôr admitida por lei da Parte à qual foi solicitada, e se o criminoso já não houver sido julgado e sentenciado.

b) É desejável que os crimes a que se referem o parágrafo 1 e o inciso II da alínea a parágrafo 2 sejam incluídos entre os passíveis de extradição em qualquer tratado concluído ou que venha a ser concluído entre as Partes; e que, entre as Partes que não condicionam a extradição à existência de tratado ou à reciprocidade, sejam reconhecidos como crimes passíveis de extradição. Isso desde que a extradição seja concedida de conformidade com a lei da Parte à qual foi solicitada e que a Parte em questão tenha o direito de recusar efetuar a prisão ou conceder extradição nos casos em que suas autoridades competentes julguem que o delito não é sufiecientemente grave.

3. As disposições do presente artigo estarão sujeitas no que se refere à matéria de jurisdição às do direito penal da Parte interessada.

4. Nenhuma das disposições do presente artigo afetará o princípio de que os delitos a que se referem devam ser definidos, julgados e punidos de conformidade com a legislação acional de cada Parte. (grifei)

 

No entanto, como destacado no texto, a própria Convenção de Nova Iorque excepciona a sua aplicabilidade ao dispor que devem ser observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas constituições, sistema legal e legislação nacional de cada Parte.

A mesma disposição foi repetida na Convenção contra o tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena, 1988) - Decreto n° 154, de 26/06/1991:

ARTIGO 3

Delitos e Sanções

(...)

2 - Reservados os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Parte adotará as medidas necessárias para caracterizar como delito penal, de acordo com seu direito interno, quando configurar a posse, à aquisição ou o cultivo intencionais de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas para consumo pessoal, contra o disposto na Convenção de 1961, na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971.

 

Oportuno anotar que os tratados internacionais que têm como objeto os Direitos Humanos e que não sejam aprovados com força de emenda constitucional por quórum qualificado para tanto (art. 5º, 3º da CF), são introduzidos no ordenamento brasileiro com força de norma supralegal, ou seja, acima das leis ordinárias e abaixo da Constituição, como decidido pelo STF no RE 466.343-1/SP.

Verifica-se, na hipótese, a existência de tratados internacionais ratificados pelo Brasil e que vedam que alguém seja julgado ou punido mais de uma vez pelo mesmo fato delituoso.

Na hipótese, o ne bis idem está positivado no ordenamento jurídico brasileiro, por meio do art. 14, §7º, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em vigor para o Brasil (Decreto 592/1992), o qual estabelece que:

"7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país".

 

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário, promulgada aqui pelo Decreto 678/1992, assim estipula em seu artigo 8º, §4:

"O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos."

O art. 7º da Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior - Convenção de Manágua de 1993 (Decreto 5.919/2006) também afirma o princípio non bis in idem ao estatuir que:

"a pessoa sentenciada que for transferida conforme previsto nesta Convenção não poderá ser detida, processada ou condenada novamente no Estado receptor pelo mesmo delito que motivou a sentença imposta pelo Estado sentenciador."

 

O princípio igualmente vem estampado no art. 9º da Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal - Convenção de Nassau de 1992 (Decreto 6.340/2008):

"O Estado requerido poderá recusar a assistência quando, em sua opinião:

a) o pedido de assistência for usado com o objetivo de julgar uma pessoa por um delito pelo qual essa pessoa já tiver sido previamente condenada ou absolvida num processo no Estado requerente ou requerido;"

 

Cumpre ilustrar, ainda, que na legislação interna há a previsão do ne bis in idem no artigo 82 do novo Estatuto do Estrangeiro (Lei n° 13.445/2017), repetindo disposição contida no anterior. Assim prevê:

Art. 82. Não se concederá a extradição quando:

(...)

V - o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

 

Portanto, como mencionado, há normas supralegais que obstaculizam a aplicação do art. 36, nº 2, letra "a", I, da Convenção Única sobre Entorpecentes promulgada pelo Decreto n° 54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque).

Quanto à previsão contida no artigo 8° do Código Penal, cumpre observar que este se aplica tão somente aos casos de extraterritorialidade incondicionada prevista no artigo 7°, I, do CP, quando a nossa lei alcança os crimes praticados no estrangeiro sem que seja observada qualquer condição, pouco importando se o criminoso foi condenado, absolvido ou processado no estrangeiro.

O artigo 8° do CP não evita dois processos ou duas condenações. Há dois julgamentos em dois países distintos, portanto é um caso excepcional em que se tolera o bis in idem.

Trago a redação:

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

 

Já o artigo 7°, II (extraterritorialidade condicionada), este não abarcado pelo artigo 8° do CP, tem a seguinte previsão:

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I (...)

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.

 

Na hipótese, é patente que não foram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 7°, II do CP.

 

Nesse sentido, trago julgado da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 171.118-SP), que, por unanimidade, deliberou pela Proibição de o Estado brasileiro instaurar persecução penal fundada nos mesmos fatos de ação penal já transitada em julgado sob a jurisdição de outro Estado:

 

Penal e Processual Penal. 2. Proibição de dupla persecução penal e ne bis in idem.

3. Parâmetro para controle de convencionalidade. Art. 14.7 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Art. 8.4 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de “proteger os direitos dos cidadãos que tenham sido processados por determinados fatos para que não voltem a ser julgados pelos mesmos fatos” (Casos Loayza Tamayo vs. Perú de 1997; Mohamed vs. Argentina de 2012; J. vs. Perú de 2013).

4. Limitação ao art. 8º do Código Penal e interpretação conjunta com o art. 5º do CP. 5. Proibição de o Estado brasileiro instaurar persecução penal fundada nos mesmos fatos de ação penal já transitada em julgado sob a jurisdição de outro Estado. Precedente: Ext 1.223/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 28.2.2014. 6. Ordem de habeas corpus concedida para trancar o processo penal.

(STF – HC 171.118-SP - RELATOR : MIN. GILMAR MENDES – SEGUNDA TURMA – JULG. 12/11/2019 - DJE 17/08/2020)

 

Peço vênia para colacionar o inteiro teor do voto do ministro relator Gilmar Mendes:

 

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de habeas corpus impetrado com o objetivo de trancar ação penal na origem, na qual o ora paciente estaria sendo processado pelos mesmos fatos que ensejaram condenação criminal em processo já transitado em julgado no âmbito da jurisdição do Estado suíço.

Inicialmente, deve-se assentar a premissa de que as instâncias inferiores, tanto o TRF como o STJ, reconheceram claramente a identidade de partes e de fatos entre o julgamento anterior, na Suíça, e os fatos agora em processamento, no Brasil. Portanto, tomo como comprovada a identidade fática entre os processos.

Por outro lado, também resta inquestionável a consagração da proibição da dupla persecução penal da dogmática penal e processual penal, também denominada de ne bis in idem.

Em matéria penal, o instituto da coisa julgada adquire contornos fundamentais e ampliados, consagrando-se a proibição de dupla persecução penal. (CRUZ, Rogerio Schietti. A proibição de dupla persecução penal. Lumen Juris, 2008. p. 30-32)

Na doutrina, define-se como “o direito à unicidade de (re)ação do Estado contra a mesma pessoa, com base nos mesmos fatos e nos mesmos fundamentos”. (SABOYA, Keity. Ne bis in idem. Lumen Juris, 2014. p. 155)

Desse modo, o que se deve debater diz respeito ao conteúdo da proibição de dupla persecução e seus impactos no processo penal brasileiro. Basicamente, o problema a que se pretende responder é: o direito de não ser processado duplamente por fatos já julgados se aplica também em âmbito internacional?

Em um cenário de globalização e crescente confluência entre ordenamentos jurídicos e até mesmo integrações comunitárias, a temática aqui em debate mostra-se extremamente relevante.

1. Da identidade fática entre os processos suíço e brasileiro e do lugar do crime

Em minuciosa perquirição dos documentos acostados aos autos, extrai-se que Marcelo Brandão Machado foi detido, juntamente com outros acusados, pelas autoridades de Zurique, em 6.8.2005, por estarem transportando dezessete quilogramas de cocaína.

As investigações conduzidas e a confissão de P.S.S. revelaram que, entre o período de 2002 e a data da prisão, cento e oitenta quilogramas de cocaína provenientes do Brasil foram introduzidos na Suíça. Estes fatos motivaram a solicitação de assistência jurídica internacional entre os Estados, ao fundamento de terem os investigados praticado atos típicos descritos pelos dispositivos do art. 19, cifra 1, parágrafos 3 a 6 (sic), em conexão com o art. 19, cifra 2, letras “a” a “c”, todos da Lei Federal de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas da Suíça (Betäubungsmittelgesetz, BetmG), além do art. 305 até cifra 2, do Código Penal suíço (Schweizerisches Strafgesetzbuch, StGB). (eDOC 3, p. 4)

A cooperação estabelecida entre os Estados suíço e brasileiro resultou na quebra de sigilo bancário dos investigados e de pessoa jurídica a eles relacionada; no bloqueio de ativos bancários; bem como no sequestro de bens móveis e imóveis, como consta do Pedido de Cooperação proposto pelo MPF (Proc. 2006.61.81.002780-2). (eDOCs 4 e 5)

Instaurado o competente inquérito policial em solo brasileiro, restou comprovado que os acusados J.C.A.F. e P.S.S. encontravam-se encarcerados na Suíça, juntamente com Marcelo Brandão Machado – o qual estava preso preventivamente por período que, posteriormente, quando da confirmação da condenação em duplo grau de jurisdição, foi computado como execução antecipada da pena. (eDOC 6 e 7; eDOC 8, p. 2-3; eDOC 10, p. 10 e 60-65)

A denúncia ofertada contra Marcelo Brandão Machado, como incurso no art. 1º, §1º, I e §4º, da Lei 9.613/1998 (eDOC 2), teve seu recebimento (eDOC 9) atacado em resposta à acusação, quando foram trazidos à baila documentos oficiais do Estado suíço, passados por tradução juramentada.

A sequência da acusação narra como, em confluência de desígnios, Marcelo Brandão Machado e os outros acusados organizaram a transferência de dinheiro oriundo do tráfico de drogas na Suíça para o Brasil. Consta, inclusive, a descrição de contrato de fachada com terceiro, firmado em 27.1.2005, com o objetivo de dar aparência de licitude dos ativos em solo brasileiro. (eDOC 10, p. 22 e 23)

Esse mesmo contrato foi objeto da denúncia, quando, ao colar trechos do interrogatório de P.S.S. à exordial acusatória, o MPF descreveu os fatos delituosos de branqueamento de capitais em solo brasileiro. (eDOC 2, p. 7-9)

Igualmente, a peça acusatória suíça está em paralelo com a brasileira, no que tange a referência aos atos de lavagem de dinheiro conduzidos por Marcelo Brandão Machado no âmbito da empresa da qual é proprietário, fatos que foram praticados e produziram efeitos em solo pátrio. (eDOC 2, p. 9-11; eDOC 10, p. 20-24)

Não restam dúvidas, à vista disso, de que os fatos ora apreciados são coincidentes com os já analisados pelo Estado suíço. Ora, se o relatório produzido em sede acusatória pela autoridade europeia abrange tanto os atos praticados quando da saída do dinheiro da Suíça até aqueles de chegada ao Brasil, todos por meio da empresa de propriedade do paciente, fica claro que a descrição do crime atingiu o lugar da sua produção de efeitos, a saber: o território brasileiro. E nem poderia ter sido diferente, dada a natureza transnacional desse tipo de lavagem de dinheiro, que, para se configurar, precisa iniciar na jurisdição de um Estado e ser concluído sob a competência de outro.

Por óbvio, tal prática delituosa provoca o interesse de agir de ambos os Estados afetados, mas nem por isso acolher-se-ia o pensamento de que o indivíduo deva, ou mesmo que juridicamente possa, ser punido duas vezes. Este ponto, todavia, desenvolverei mais adiante.

Assim, é imperioso admitir que o crime teve por lugar, também, o Brasil, como se extrai da redação do art. 6º do Código Penal, que adota a teoria da ubiquidade: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou a omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.

2. Das teses assentadas nos juízos inferiores brasileiros

Logo, o cerne deste processo não está em identificar o lugar do crime, visto que este, pela própria regra do Código Penal, foi praticado no Brasil. Precisamos deixar claro que os princípios que estão em debate aqui superam a mera análise dicotômica territorialidade/extraterritorialidade. Trata-se de definir o conteúdo e as consequências da proibição de dupla persecução em matéria penal.

Sendo assim, em não se tratando mais de discutir se o fato delituoso objeto das duas ações penais ocorreu ou não no Brasil, é relevante questionar se existe possibilidade de se instaurar nova persecutio criminis tendo por objeto fatos já julgados.

Inicialmente, deve-se analisar os argumentos assentados nas instâncias inferiores no sentido da viabilidade da dupla persecução penal. Como foi fixado pelo acórdão do TRF3:

“4. Não existe qualquer óbice legal para a eventual duplicidade de julgamento pelas autoridades judiciárias brasileira e suíça, tendo em vista a regra constante do art. 8° do Código Penal, a saber:

(…)

8. Crime para o qual é também competente a jurisdição nacional, segundo as regras de territorialidade, podendo da eventual condenação ser descontada a pena cumprida no exterior, segundo o art. 8° do Código Penal”. (eDOC 13, p. 9-10)

E também no Superior Tribunal de Justiça, por maioria (vencidos os Ministros Ribeiro Dantas e Reynaldo Soares da Fonseca):

“1. O crime também foi cometido no Brasil, tendo o acórdão reconhecido que a execução e os efeitos da lavagem de dinheiro ocorreram no território nacional, assim admite-se a persecução penal pela justiça brasileira, independentemente de outra condenação no exterior.

2. Desta forma, adota-se o princípio da territorialidade previsto no art. 5º do Código Penal – CP, segundo o qual aplica-se a lei brasileira a qualquer crime cometido no Brasil. Todavia, segundo a previsão do art. 8º CP, a pena cumprida no estrangeiro vai atenuar a reprimenda imposta aqui”. (eDOC 20, p. 1)

Basicamente, a partir de interpretação dos artigos 5º e 8º do Código Penal brasileiro assentou-se que julgamento realizado sobre idênticos fatos em jurisdição estrangeira não impede nova persecução penal no Brasil. Os referidos dispositivos de natureza legal definem:

“Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

(...)

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”.

Entretanto, no Superior Tribunal de Justiça, houve divergência apresentada pelo Min. Ribeiro Dantas, acompanhada pelo Min. Reynaldo Soares da Fonseca, em que se afirmou: “à luz da jurisprudência do STF acerca do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – a que acresço os termos da Convenção Americana de Direitos Humanos –, que me parece ser mais consentânea com a garantia da vedação do bis in idem, ou double jeopardy, entendo pela existência de insuperável obstáculo à instauração da persecutio criminis, no Brasil, contra o recorrente pelos mesmos fatos que ensejaram a sua condenação trânsita em julgado na Suíça”.

O presente caso revela-se excelente oportunidade para assentar a melhor interpretação sobre o conteúdo dessas normas do Código Penal, a partir da leitura sistemática do próprio Código e, especialmente, em conformidade com os direitos assegurados pela Constituição brasileira e, em âmbito convencional, pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

3. A regulação infraconstitucional sobre a temática

Inicialmente, a própria redação do citado art. 5º do Código Penal prevê que se aplica a lei brasileira a crimes praticados no território nacional, mas ressalta que isso deve se dar “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional”.

Além disso, devemos cotejar a interpretação que se veio fazendo dos artigos 5º, 6º e 8º do Código Penal com aquilo que dispõe a Lei 13.445/2017, conhecida como a Lei de Migração.

Sabe-se que o rol do art. 82 dessa lei federal elenca os casos em que o Estado brasileiro não concede extradição. Veja-se a redação do inciso V: “o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido”.

O legislador teve preocupação similar mais à frente, na mesma lei, ao tratar da transferência da execução da pena de um Estado a outro, como observado no art. 100, caput: “Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem”.

A proteção ao indivíduo selada por esses dispositivos é muito cara ao direito brasileiro. Revela-se evidente garantia contra nova persecução penal pelos mesmos fatos, de modo a se consagrar a proibição de dupla persecução penal também entre países, no âmbito internacional.

4. A proibição de dupla persecução penal em âmbito convencional

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 72.131/RJ, entendeu que a Constituição, em seu art. 5º, §2º, não assegurava diretamente a hierarquia constitucional aos tratados internacionais. O entendimento foi reiterado por esta Corte nos seguintes julgados: HC 76.561/SP e RE 206.482/SP, ambos de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 5.9.2003; RE 243.613/SP, Rel. Min.

Carlos Velloso, DJ 10.9.1999; e ADI 1.480 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 18.5.2001.

A partir de desenvolvimento da jurisprudência deste Tribunal, assentou-se o status normativo supralegal aos tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais. (RE 466.343/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 5.6.2009)

Portanto, consagrou-se que o controle de convencionalidade pode ser realizado sobre as leis infraconstitucionais. Assim, resta claro que o Código Penal deve ser aplicado em conformidade com os direitos assegurados na Convenção Americana de Direitos Humanos e com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Em relação à proibição de dupla persecução penal, tais diplomas assentam:

CADH, art. 8.4. “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

PIDCP, art. 14.7. “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país”.

Ao aplicar o direito assegurado no art. 8.4 da CADH, no caso Loayza Tamayo vs. Perú de 1997, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que “o princípio de non bis in idem está contemplado no art. 8.4. da Convenção” de modo a “proteger os direitos dos cidadãos que tenham sido processados por determinados fatos para que não voltem a ser julgados pelos mesmos fatos”. Tal interpretação foi reiterada nos casos Mohamed vs. Argentina de 2012 e J. vs. Perú de 2013. Além disso, a Corte Interamericana assentou que a redação da CADH garante proteção mais ampla, pois proíbe a dupla persecução por “mesmos fatos” e não apenas por “mesmos crimes”.

Este Tribunal, em outra oportunidade, debruçou-se sobre a matéria, quando o Min. Celso de Mello, relator do Pedido de Extradição 1.223/DF, asseverou que a cláusula 7 do Artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos obsta o prosseguimento de processo penal quanto a fatos já julgados por jurisdição diversa. Veja-se um fragmento da ementa do julgado:

“A QUESTÃO DO DOUBLE JEOPARDY COMO INSUPERÁVEL OBSTÁCULO À INSTAURAÇÃO DA       PERSECUTIO               CRIMINIS,                   NO                  BRASIL, CONTRA SENTENCIADO (CONDENADO OU ABSOLVIDO) NO EXTERIOR PELO MESMO FATO - PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS - OBSERVÂNCIA DO POSTULADO QUE VEDA O BIS IN IDEM. - Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade individual, a situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de hipótese configuradora de double jeopardy atua como insuperável obstáculo à instauração, em nosso País, de procedimento penal contra o agente que tenha sido condenado ou absolvido, no Brasil ou no exterior, pelo mesmo fato delituoso. - A cláusula do Artigo 14, n. 7, inscrita no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, qualquer que seja a natureza jurídica que se lhe atribua (a de instrumento normativo impregnado de caráter supralegal ou a de ato revestido de índole constitucional), inibe, em decorrência de sua própria superioridade hierárquiconormativa, a possibilidade de o Brasil instaurar, contra quem já foi absolvido ou condenado no exterior, com trânsito em julgado, nova persecução penal motivada pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira”. (Ext 1.223/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 28.2.2014)

É forçoso concluir, portanto, que o exercício do controle de convencionalidade, tendo por paradigmas os dispositivos do art. 14, n. 7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o art. 8, n. 4, da Convenção Americana de Direitos Humanos, determina a vedação à dupla persecução penal, ainda que em jurisdições de países distintos.

Assim, o art. 8º do Código Penal deve ser lido em conformidade com os preceitos convencionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vedando-se a dupla persecução penal por idênticos fatos.

Destaco, por fim, que a vedação à dupla persecução penal em âmbito internacional deve ser ponderada com a soberania dos Estados e com as obrigações processuais positivas impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. (FISCHER, Douglas; PEREIRA, Frederico Valdez. As obrigações processuais penais positivas. 2ª ed. Livraria do Advogado, 2019. p. 117 e seguintes).

Em casos de violação de tais deveres de investigação e persecução efetiva, o julgamento em país estrangeiro pode ser considerado ilegítimo, como em precedentes em que a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou a reabertura de investigações em processos de Estados que não verificaram devidamente situações de violações de direitos humanos.

Portanto, se houver a devida comprovação de que o julgamento em outro país sobre os mesmos fatos não se realizou de modo justo e legítimo, desrespeitando obrigações processuais positivas, a vedação de dupla persecução pode ser eventualmente ponderada para complementação em persecução interna.

Contudo, neste caso concreto não há qualquer elemento que indique dúvida sobre a legitimidade da persecução penal e da punição imposta em processo penal na Suíça por idênticos fatos ao agora denunciados no Brasil. Portanto, a proibição de dupla persecução deve ser respeitada de modo integral, nos termos constitucionais e convencionais.

5. Dispositivo

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para trancar o Processo Penal 0003112-82.2013.403.6181 em relação ao paciente, porque reconhecida a ocorrência de dupla persecução penal.

É como voto”.

 

Portanto, forte nas razões expostas, divirjo do Desembargador Fausto de Sanctis, para negar provimento ao Recurso em Sentido Estrito do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

É o Voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ITER CRIMINIS OCORRIDO NO BRASIL. DROGA APREENDIDA NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE SÃO PAULO. PROCESSO E JULGAMENTO POR ESTE DELITO NA HOLANDA. AÇÃO PENAL PROPOSTA TAMBÉM NA JUSTIÇA BRASILEIRA. VIABILIDADE. RECURSO AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO.

- A recorrida respondeu a procedimento judicial perante o Tribunal Penal Holandês pelo crime de tentativa de importação de Cocaína para o território dos Países Baixos, sendo certo que foi absolvida por falta de provas em sede de decisão que se tornou imutável em 09 de julho de 2019. Assim, há identidade entre o objeto de ambos os procedimentos judiciais realizados no Brasil e na Suíça.

- Apesar de o delito ter sido praticado também na Holanda, onde ocorreria o seu resultado acaso a mala tivesse desembarcado em Amsterdã com a droga (Teoria da Ubiquidade), sua execução e seus efeitos se deram, principalmente, no nosso país (Brasil), onde a mala com drogas foi interceptada e apreendida pela Polícia Federal, o que faz incidir, in casu, a regra da territorialidade, prevista nos artigos 5º, caput, e 6º, ambos do Código Penal. Precedentes do STJ.

- Não se desconhece que a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, bem como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, preveem efetivamente a proibição do bis in idem. Entretanto, fazem-no como norma internacional a limitar a jurisdição de cada país signatário, impedindo que o mesmo Estado soberano processe o indivíduo por mais de uma vez em seu próprio território, isto é, pelos mesmos fatos. Não se encontra nas normas a abrangência que se pretende lhe conferir, de que vedaria a incidência da jurisdição estatal quando o réu já tivesse sido processado em outro país.

- Recurso em sentido estrito provido para reformar-se a decisão e receber a r. denúncia.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Após o voto-vista do DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, a Décima Primeira Turma, por maioria, decidiu DAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para reformar a decisão e receber a r. denúncia, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito, nos termos do voto do Relator DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS, acompanhado pelo DES. FED. NINO TOLDO, vencido o DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI que negava provimento ao Recurso em Sentido Estrito do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.