Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO


Nº 

RELATOR: 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000427-32.2019.4.03.6201

RELATOR: 2º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

 

RECORRIDO: ODAIR DAMILTON RAMIRO

Advogados do(a) RECORRIDO: FELIPE COSTA GASPARINI - MS11809-A, DANIEL LEONARDO LOBO DOS SANTOS - MS17370-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré contra a seguinte sentença de procedência:

SENTENÇA. I. RELATÓRIO. Trata-se de ação ajuizada por ODAIR DAMILTON RAMIRO em face da FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL – FUFMS, pela qual buscam a condenação da ré no pagamento de Adicional de Plantão Hospitalar nas competências de 1 a 3/2014. Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95, aplicável por força do art. 1º da Lei 10.259/01. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. Questões prévias Justiça gratuita Indefiro o pedido de justiça gratuita, uma vez que a parte autor tem renda superior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS, nos termos do art. 790, §3º, da CLT (evento 02, fls. 21-22), critério que venho adotando para análise do direito à gratuidade de justiça. II.2. Mérito A parte autora é servidora pública integrante dos quadros da ré junto à farmácia do Hospital Universitário. Afirma fazer jus à concessão do adicional de plantão hospitalar nas competências de 1 a 3/2014. A ré pagou referido adicional até 11/2013 (folha de 01/2014). Aduz que realizou seu trabalho cumprindo as escalas de plantões (APH’s), fazendo o respectivo controle de frequência com autorização da FUFMS, mas sem contraprestação dessa verba naqueles períodos (fls. 11-19, evento 2). A ré, em contestação (evento 9), sustenta que o autor não faz jus ao benefício, porquanto desempenha atividade eminentemente administrativa (auxiliar em administração). Recebe somente horas extras nos horários adicionais. O Adicional de Plantão Hospitalar (APH) foi instituído pela Lei nº 11.907, de 2/2/09, resultado da conversão da Medida Provisória 441/08 (art. 298, caput), sendo devido aos servidores em efetivo exercício de atividades hospitalares desempenhadas em regime de plantão em hospitais universitários vinculados ao Ministério da Educação e demais hospitais listados no caput do art. 298 da referida lei, a saber: Art. 298. Fica instituído o Adicional por Plantão Hospitalar - APH devido aos servidores em efetivo exercício de atividades hospitalares, desempenhadas em regime de plantão nas áreas indispensáveis ao funcionamento ininterrupto dos hospitais universitários vinculados ao Ministério da Educação, do Hospital das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, e do Hospital Geral de Bonsucesso - HGB, do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia - INTO, do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras - INCL, do Hospital dos Servidores do Estado - HSE, do Hospital Geral de Jacarepaguá - HGJ, do Hospital do Andaraí - HGA, do Hospital de Ipanema - HGI, do Hospital da Lagoa - HGL e do Instituto Nacional de Câncer - INCA, vinculados ao Ministério da Saúde. Parágrafo único. Farão jus ao APH os servidores em exercício nas unidades hospitalares de que trata o caput deste artigo quando trabalharem em regime de plantão: I - integrantes do Plano de Carreiras dos Cargos Técnico -Administrativos em Educação, de que trata a Lei n. 11.091, de 12 de janeiro de 2005, titulares de cargos de provimento efetivo da área de saúde; II - integrantes da Carreira de Magistério Superior, de que trata a Lei n. 7.596 de 10 de abril de 1987, que desenvolvam atividades acadêmicas nas unidades hospitalares; III - ocupantes dos cargos de provimento efetivo regidos pela Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em exercício nas unidades hospitalares do Ministério da Saúde referidas no caput deste artigo. IV - integrantes da Carreira da Previdência, da Saúde e do Trabalho, estruturada pela Lei n. 11.355 de 19 de outubro de 2006, titulares de cargos de provimento efetivo da área de saúde em exercício nas unidades hospitalares. (...) Art. 300. Para os efeitos deste Capítulo, considera-se: I - Plantão Hospitalar aquele em que o servidor estiver no exercício das atividades hospitalares, além da carga horária semanal de trabalho do seu cargo efetivo, durante 12 (doze) horas ininterruptas ou mais; e II - Plantão de Sobreaviso aquele em que o servidor titular de cargo de nível superior estiver, além da carga horária semanal de trabalho do seu cargo efetivo, fora da instituição hospitalar e disponível ao pronto atendimento das necessidades essenciais de serviço, de acordo com a escala previamente aprovada pela direção do hospital ou unidade hospitalar. (...) Art. 305. O APH não será devido no caso de pagamento de adicional pela prestação de serviço extraordinário ou adicional noturno referente à mesma hora de trabalho. Art. 306. Para efeito de concessão do APH, as entidades do sistema federal de ensino superior que possuam hospital universitário e as unidades hospitalares do Ministério da Saúde apresentarão demonstrativo histórico do quadro de pessoal necessário ao desenvolvimento ininterrupto das atividades hospitalares, que será sistematizado, acompanhado e avaliado por Comissão de Verificação e encaminhado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por intermédio do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde e do Ministério da Defesa, respectivamente. Parágrafo único. Atos dos Ministros de Estado da Educação, da Saúde e da Defesa em conjunto com o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão disporão, em cada caso, sobre a composição e funcionamento da Comissão de Verificação referida no caput deste artigo. (Grifei) A Lei confere o direito ao adicional a todos os que trabalham em unidades indispensáveis ao funcionamento ininterrupto das atividades hospitalares. A ré não contestou o mérito propriamente dito. Saliento, por oportuno, não haver qualquer previsão legal vinculando o adicional de plantão hospitalar a atividades indispensáveis ao funcionamento hospitalar. O art. 298, parágrafo único, III, da Lei 11.907/09 é expresso ao dispor que os servidores, em plantão, lotados em unidades hospitalares farão jus ao referido adicional. Atos administrativos secundários não podem se sobrepor à lei, mas, ao contrário, estão vinculados a ela, sobremodo a Administração Pública pelo princípio da estrita legalidade, regente de toda a sua atuação. A parte autora ocupa o cargo de auxiliar em administração, ocupando cargo efetivo junto à unidade hospitalar (seção de farmácia bioquímica, fls. 6, evento 10), preenchendo, pois, os requisitos previstos no referido dispositivo legal. Ademais, a ré não provou que o autor se enquadrava na única hipótese legal de exclusão desse pagamento - art. 305 do aludido instrumento normativo. Nos documentos em anexo à inicial (fls. 11-19, evento 2), é possível aferir que aferir que a parte autora estava escala para o plantão nos meses de 1, 2 e 3/ 2014, tendo apresentado os respectivos controles de frequência. O pleito autoral é procedente. Considerando recente julgamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 870947, os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E e os juros de mora segundo a remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.960/09. <#III. DISPOSITIVO Ante o exposto, rejeito a questão prévia e, no mérito, JULGO PROCEDENTE o pleito autoral, resolvendo o mérito nos termos do artigo 487, I do CPC, para condenar a ré a pagar à parte autora os valores correspondentes ao adicional de plantão hospitalar realizado nos meses de 1, 2 e 3/2014, compensandose eventuais valores já pagos a tal título. Os valores serão corrigidos monetariamente pelo IPCA-E e os juros de mora segundo a remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º -F da Lei 9.494/97, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.960/09. Indefiro o pedido de gratuidade de justiça, observado o art. 99, § 2º, do CPC. Sem custas e sem honorários nesta instância judicial, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01. IV. Após o trânsito em julgado, intime-se a parte ré para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias, em sede de execução espontânea do julgado, apresentar os cálculos correspondentes. Em seguida, intime-se a parte autora para, no prazo de 10 (dez) dias, se manifestar. Advirta-se que eventual impugnação aos cálculos deverá vir acompanhada de memorial respectivo, apresentando fundamentadamente as razões das divergências. V. Caso a parte ré deixe de apresentar os cálculos, deverá a parte autora, no prazo para sua manifestação, promover o cumprimento do julgado, apresentando os cálculos e valores que entende devidos, intimando-se, em seguida a parte ré para manifestar-se, no prazo de 10 (dez) dias. Havendo impugnação aos cálculos pela parte ré, vista à parte autora por 10 (dez) dias. VI - Silente uma das partes quanto ao cálculo da outra, ou havendo concordância com o cálculo apresentado, e caso o valor apurado não exceda o equivalente a 60 (sessenta) salários-mínimos, expeça-se ofício requisitório. Caso haja divergência fundamentada, à Contadoria para conferência. Sem custas e honorários advocatícios nesta instância judiciária, a teor do artigo 55, da Lei nº 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.´´

 

 

Alega a Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul que a sentença de procedência do pedido autoral não deve prevalecer porque, “por não desenvolver atividades relacionadas ao atendimento e a continuidade dos serviços hospitalares, a autora (auxiliar em Administração), foi remunerada mediante o pagamento de horas-extras, conforme comprovam as fichas financeiras já anexa aos autos”.

Em contrarrazões recursais, a parte autora pugnou pela manutenção da sentença.

O feito foi a mim distribuído para exame e julgamento.

É o relatório. Passo ao voto

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000427-32.2019.4.03.6201

RELATOR: 2º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

 

RECORRIDO: ODAIR DAMILTON RAMIRO

Advogados do(a) RECORRIDO: FELIPE COSTA GASPARINI - MS11809-A, DANIEL LEONARDO LOBO DOS SANTOS - MS17370-A

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V O T O

 

 

 

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, de modo que, conheço da presente irresignação recursal.

O MM Juiz Federal prolator da sentença recorrida fundamentou a sua decisão com base na Lei n. 11.907/09 que, dentre outras disposições, regulamenta o pagamento de Adicional por Plantões Hospitalares - APH.

Nesse sentido, quanto à finalidade do APH, se revela pertinente ressaltar o que dispõe a Exposição de Motivos nº 224, de 27 de agosto de 2008, verbis:

“(...) 72.A medida cria, ainda, o Adicional por Plantão Hospitalar – APH, que será devido a servidores em efetivo exercício de atividades hospitalares, desempenhadas em regime de plantão, nas áreas indispensáveis ao funcionamento ininterrupto dos hospitais universitários, vinculados ao Ministério da Educação, do Hospital das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa e do Hospital Geral de Bonsucesso - HGB, Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia - INTO, Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras - INCL e Hospital dos Servidores do Estado – HSE, vinculados ao Ministério da Saúde. A percepção do APH exclui o pagamento cumulativo de adicional noturno e do adicional de prestação de serviço extraordinário em relação à mesma hora trabalhada, ademais o APH não se incorpora aos vencimentos, remuneração, nem aos proventos de inatividade ou pensão por falecimento e não servirá como base de cálculo de qualquer benefício, adicional ou vantagem, coletiva ou individual. A instituição do APH tem por objetivos a redução do comprometimento da receita do SUS com terceirizações; e a motivação do corpo docente e técnicos administrativos de nível superior e médio do quadro permanente dos Hospitais Universitários, que constituem referências únicas em atendimento à população na área de assistência médica pública, em algumas regiões, e garantem assistência médico-hospitalar à sociedade em geral. (...)”destaquei.

O art. 298, caput, da referida lei dispõe ser devido o APH somente aos servidores que atuem nas áreas indispensáveis ao funcionamento dos Hospitais Universitários ali discriminados.

Confira-se a redação do indigitado dispositivo legal:

Art. 298.  Fica instituído o Adicional por Plantão Hospitalar - APH devido aos servidores em efetivo exercício de atividades hospitalares, desempenhadas em regime de plantão nas áreas indispensáveis ao funcionamento ininterrupto dos hospitais universitários vinculados ao Ministério da Educação, do Hospital das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, e do Hospital Geral de Bonsucesso - HGB, do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia - INTO, do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras - INCL, do Hospital dos Servidores do Estado - HSE, do Hospital Geral de Jacarepaguá - HGJ, do Hospital do Andaraí - HGA, do Hospital de Ipanema - HGI, do Hospital da Lagoa - HGL e do Instituto Nacional de Câncer - INCA, vinculados ao Ministério da Saúde.                         (Redação dada pela Lei nº 12.155, de 2009)     

A lei em exame foi regulamentada pelo Decreto n° 7.186 de 27/05/10 que em seu artigo 2º., caput, dispõe que “O APH é devido aos servidores em efetivo exercício de atividades hospitalares, desempenhadas em regime de plantão, nas áreas indispensáveis ao funcionamento ininterrupto dos hospitais”.

Por sua vez, a Portaria do Ministério da Saúde n. 1.429, DE 12 DE JULHO DE 2013, definiu, para fins de pagamento do APH, o que se pode entender, a princípio, por “áreas indispensáveis”, verbis:

Art. 3º No âmbito do Ministério da Saúde a finalidade da concessão de APH é garantir a cobertura de serviços considerados essenciais à assistência hospitalar dos pacientes que ingressarem nas unidades hospitalares e institutos de que trata o art. 4º, preferencialmente das áreas de atendimento de urgência e emergência, das unidades de terapia intensiva, dos centros cirúrgicos e obstétricos, das centrais de esterilização, dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e das demais unidades especializadas envolvidas na assistência hospitalar direta dos referidos pacientes.

Resta claro, portanto, que tanto a lei de regência quanto os atos normativos infralegais regulamentadores os quais ressalte-se, em nada desbordaram da diretriz política do legislador, que tencionou criar um adicional (mens legislatoris), aparentemente de caráter remuneratório, como contraprestação ao labor prestado por aqueles servidores que realizam atividades hospitalares indispensáveis à prestação do serviço público fim daqueles Hospitais Públicos, e mais, somente nas áreas indispensáveis ao funcionamento ininterrupto destes nosocômios.

A parte autora, ora recorrida, conforme consignado em sentença e não impugnado por esta, labora em setores administrativos do hospital gerido pela ré, ora recorrente.

É o que se lê na seguinte passagem do decisum:

“(...) A parte autora é servidora pública integrante dos quadros da ré junto à farmácia do Hospital Universitário. Afirma fazer jus à concessão do adicional de plantão hospitalar nas competências de 1 a 3/2014. A ré pagou referido adicional até 11/2013 (folha de 01/2014).

Aduz que realizou seu trabalho cumprindo as escalas de plantões (APH’s), fazendo o respectivo controle de frequência com autorização da FUFMS, mas sem contraprestação dessa verba naqueles períodos (fls. 11-19, evento 2).

A ré, em contestação (evento 9), sustenta que o autor não faz jus ao benefício, porquanto desempenha atividade eminentemente administrativa (auxiliar em administração). Recebe somente horas extras nos horários adicionais.(...)” grifei

Mais precisamente, a parte autora-recorrida está lotado no setor SEFB/DITC/NHU - SEÇÃO DE FARMÁCIA BIOQUÍMICA.

Assim, à luz da regra da legalidade estrita que deve, em princípio, reger a relação dos administrados/servidores para com a administração pública a parte autora não faria jus ao referido Adicional por Plantões Hospitalares – APH conforme discriminado na indigitada Lei n. 11.907/09.

Ocorre, porém, que num exame minudente da petição inicial não se constata que a parte autora tenha embasado sua pretensão na referida lei regulamentadora dos plantões hospitalares, vale dizer, não apresentou como fundamento jurídico (causa de pedir próxima) de seu pedido eventual descumprimento desta lei por parte da Administração Pública.

A base fática da pretensão autoral, pode ser resumida no seguinte trecho da petição inicial, verbis:

“(...) De posse de seus controles de frequência (emitidos pela própria FUFMS) a Requerente apurou que deveriam lhe ter sido pagas as seguintes quantias (nos meses em destaque):

MARÇO/2014 (escala de Janeiro/2014):R$8.033,04

ABRIL/2014 (escala de Fevereiro/2014):R$5.046,42

MAIO/2014 (escala de Março/2014):R$1.853,76

Total:R$14.933,22 (quatorze mil novecentos e trinta e três reais e vinte e dois centavos).

Entretanto, após inúmeras queixas e greve por parte dos servidores, meses depois, em outubro/2014, a FUFMS realizou pagamento da quantia que considerava devida, sob a rubricaADIC. P/ SERV. EXTRAORDINÁRIO. Veja Excelência, que, conforme relatório financeiro anexo, a quantia paga pela FUFMS em benefício do Requerente, foi de R$3.711,80 (três mil setecentos e onze reais e oitenta centavos), quando na verdade o valor a ser pago seria de R$14.933,22 (quatorze mil novecentos e trinta e três reais e vinte e dois centavos).

Há, portanto, uma diferença de aproximadamente R$11.221,42 (onze mil duzentos e vinte e um reais e quarenta e dois centavos), não paga até a presente data.

Sendo assim, a presente ação de cobrança visa essencialmente o recebimento da complementação da remuneração pelas horas trabalhadas pelo Requerente durante os plantões hospitalares (PH’s), que deveriam ter sido pagas em MARÇO, ABRIL E MAIO/2014, os quais estão devidamente comprovadas nos controles de frequência anexos, devendo o montante a ser apurado e pago com as correções e atualizações na forma da Lei. (...)”

E seu pedido, no que pertine ao deslinde da questão, foi lavrado nos seguintes termos, verbis:

“(...) b) ao final, contestados ou não os pedidos, condenar a FUFMS a pagar ao Requerente a diferença devida no tocante aos pagamentos que deveriam ter sido realizados em MARÇO, ABRIL E MAIO/2014, de acordo com o controle de frequência e valores informados nesta peça, acrescidos de juros e correção legal até a data do efetivo pagamento, abatido o pagamento parcial informado de R$3.711,80 (três mil setecentos e onze reais e oitenta centavos), no mês de outubro/2014;(...)”

Assim, resta patente que o magistrado a quo proferiu, a meu sentir, sentença extra petita na medida em que apreciou e acolheu causa de pedir (fundamento jurídico do pedido – Lei n. 11.907/09) não deduzido pela parte autora na petição inicial, em que pese tenha sido trazido à demanda pela ré, ora recorrente, FUFMS, o que delimita a lide são os elementos objetivos e subjetivos da petição inicial consistentes nas partes, causas de pedir (próxima e remota) e pedido, naquilo que se convencionou chamar de tríade da ação.

Todavia, e atento à teoria da causa madura que densifica o principio do aproveitamento dos atos processuais, a fundamentação extravagante utilizada pelo magistrado a quo não induz, de per si, à nulidade do decisório sobretudo porque o direito à correspondente remuneração pelo serviço extraordinário prestado, além de reconhecido administrativamente pela ré FUFMS, decorre de um princípio basilar do direito administrativo que rege a relação dos servidores públicos, nomeadamente os estatutários, para com o seu empregador, no caso, a Administração Pública que consiste vedação, em regra, de trabalho gratuito no âmbito do serviço público stritu sensu, consoante dispõe o art. 4º. da Lei n. 8.112/90, verbis:

Art. 4o  É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em lei.

Tanto isto é verdade que a Administração da FUFMS com o fito de corrigir esta grave falha administrativa consistente na determinação de que servidores, como a parte autora, realizassem plantões e, posteriormente, não encontrando fundamento legal, solicitou providências administrativas internas junto aos órgãos superiores para viabilizar os pagamentos, consoante se infere na leitura do MEMORANDO n. 00062/2019/ADM/PFFUFMS/PGF/AGU e documentos que o acompanham (proc. Elet. Id 219846200) anexados ao feito eletrônico pela parte ré, ora recorrente, verbis:

“(...) 1. Em resposta ao Despacho 1267718, temos a informar o que segue.

2. Na folha de pagamento de outubro/2014, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP (atual Ministério da Economia), registrou os valores devidos a título de Plantão Hospitalar (PH), que eram pagos na rubrica "00602 - VANTAGEM INDIVIDUAL ART. 9 L 8460/92", da seguinte forma:

2.1. Para os servidores da área da saúde, cujos cargos a legislação autoriza o pagamento de Adicional por Plantão Hospitalar - APH, foi quitada a dívida na rubrica "82692 - ADIC. PLANTAO HOSPITALAR - APH", situação na qual NÃO se enquadra o servidor Odair Damilton Ramiro.

2.2. Para os servidores cujos cargos a legislação NÃO autoriza o pagamento de Adicional por Plantão Hospitalar - APH, foi efetuado o pagamento na rubrica "00080 - ADIC.P/SERV.EXTRAORDINARIO-EST", situação na qual se enquadram o servidor Odair Damilton Ramiro.

3. Na situação apresentada no item "2.2", foi pago valor teto de 134 horas a título de adicional por serviço extraordinário (hora extra), sendo as 90 horas previstas em Lei com o acréscimo legal das 44 horas já autorizados pelo MP. Ainda assim, restou pendente o valor de R$ 10.706,50 (dez mil setecentos e seis reais e cinquenta centavos) em favor de Odair Damilton Ramiro.

4. Por fim, anexamos fichas financeiras referente à 2014 do servidor Odair Damilton Ramiro (1268212), histórico de lotação ( 1268217) e dossiê da chefia imediata à época (1268245).(...)” destaquei.

Neste memorando resta patente, chega a ser gritante mesmo o reconhecimento administrativo da ré FUFMS, ora recorrente, da dívida não saldada para com o servidor Odair Damilton Ramiro, autor desta ação, ora recorrido.

Portanto, o caso se enquadra no dever de pagamento de dívida de valor decorrente de ato ilícito praticado pela administração pública, no caso a ré FUFMS, que compeliu seu servidor a prestar horas de labor extraordinário acima do permitido em lei e, com isso, gerou uma responsabilidade de pagamento pelos serviços prestados.

Assim, o fundamento legal legitimador da dívida de valor deflagrada está presente tanto no indigitado art. 4º. da Lei n. 8.112/90 (estatuto que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais), quanto no que decorre da regra constitucional que consagra a responsabilidade do Estado pelos atos praticados em seu nome e benefício (art. 37, § 6º., da CF/88).

Não se pode perder de vista a assertiva impactante e de elevado grau de correção feita pelo eminente Min. Alexandre de Moraes (pg. 05 de seu voto), quando do julgamento do Tema n. 377 (RE 612975, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203  DIVULG 06-09-2017  PUBLIC 08-09-2017) que tratava da possibilidade de percepção de remuneração acima do teto constitucional em caso de cumulação de cargos, onde disse sua Excelência que “(...) o trabalho sem remuneração é trabalho escravo. E o trabalho escravo foi abolido pela Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel declarou extinta a escravidão no Brasil: (...)”.

Esta compreensão que veda que alguém se beneficie do próprio ilícito cometido (Venire contra factum proprium), notadamente no âmbito do direito administrativo nas relações travadas pela administração pública, sempre teve respaldo da doutrina e, em especial, da jurisprudência bastando a tanto lembrar que é de antanho a jurisprudência do STF sobre o direito à remuneração pelos serviços prestados para o assim descrito “funcionário de fato” (STF - RMS 9757, Relator(a): PEDRO CHAVES, Tribunal Pleno, julgado em 17/04/1963, DJ 14-06-1963 PP-01729  EMENT VOL-00540-01 PP-00235 RTJ  VOL-00028-01  PP-00173).

Nesta senda, o não pagamento pelo labor prestado pela parte autora configuraria verdadeiro enriquecimento sem causa da administração pública o que é defeso pelos princípios que orientam a atividade estatal nomeadamente o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF/88).

Não se diga aqui que está havendo uma atuação ultra vires deste relator e, consequentemente, deste colegiado julgador, na medida em que a própria parte autora discorreu, ainda que sob outras vestes teoréticas, em seu arrozado na petição inicial sobre o tema, verbis:

“(...) Ao tratar do salário do trabalhador a Constituição Federal prevê como crime a retenção dolosa:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

X- proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

Com a devida vênia, o Requerente encontra-se amparada juridicamente para promover a presente ação de cobrança. Os holerites anteriores ao mês de fevereiro/2014 (mês em que foi interrompido o pagamento) demonstram que a Requerente recebia pelos plantões por via da rubrica VANTAGEMINDIVIDUAL ART. 9 L 8.460/92.

O fato preponderante para a procedência dos pedidos é que sempre houve a necessidade de realização dos plantões; sempre houve autorização por parte do hierárquico superior; sempre houve a realização das escalas; sempre houve autorização e disponibilidade do sistema de controle de frequências para registro das horas trabalhadas e mais, sempre houve o correto pagamento dos plantões por parte da FUFMS.

Em suma, a FUFMS utilizou os serviços prestados pelo Requerente, que laborou dias inteiros e madrugadas adentro, valeu-se do benefício que foi proporcionado pela mão de obra desses profissionais e não honrou com os costumeiros pagamentos.

A atitude da FUFMS é dotada de manifesta ilegalidade, pois implica em supressão da remuneração que por anos foi paga, o que configura no mínimo um enriquecimento sem causa por parte da Requerida, pois utilizou dos serviços que são necessários e essenciais e não pagou corretamente por isso. (...)destaquei.

Com efeito, a irresignação recursal não merece prosperar.

DO EXPOSTO, satisfeitos os pressupostos legais de recorribilidade CONHEÇO do recurso inominado interposto pela ré FUFMS e, no mérito, ex officio, substituo os fundamentos exarados na sentença extra petita, e, estando a causa madura paga julgamento, por fundamentos diversos acima expostos e circunscritos àqueles deduzidos na petição inicial, NEGO PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação supra.

Por ter sucumbido em sua pretensão recursal CONDENO a ré FUFMS ao pagamento da verba honorária de sucumbência que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com fulcro no art. 55, in fine, da lei n. 9.099/95 c/c art. 85, caput e §§ 2º. e 3º., inc. I, todos do CPC.

Custas ex lege.

 

É O VOTO.  



E M E N T A

 

DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - SISTEMA REMUNERATÓRIO - PLANTÕES REALIZADOS E NÃO REMUNERADOS - ATO ILICITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM - RECURSO INOMINADO INTERPOSTO PELA RÉ FUFMS CONHECIDO E IMPROVIDO


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.