Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007230-41.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: LUMA CAP INTERMEDIACAO DE SERVICOS E NEGOCIOS MOBILIARIOS LTDA., LIGA NACIONAL DE FUTEBOL, RIO'S CAPITALIZACAO S.A.

Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO MANESCO - SP61471-A
Advogado do(a) APELANTE: PAULO AUGUSTO BERNARDI - SP95941-A
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO BORIS CARLOS CROCE - SP208459-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS

Advogado do(a) APELADO: MONICA BARONTI MONTEIRO BORGES - SP125429-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007230-41.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: LUMA CAP INTERMEDIACAO DE SERVICOS E NEGOCIOS MOBILIARIOS LTDA., LIGA NACIONAL DE FUTEBOL, SUL AMERICA CAPITALIZACAO S/A - SULACAP

Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO MANESCO - SP61471-A
Advogado do(a) APELANTE: PAULO AUGUSTO BERNARDI - SP95941-A
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO BORIS CARLOS CROCE - SP208459-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS

Advogado do(a) APELADO: MONICA BARONTI MONTEIRO BORGES - SP125429-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de SULACAP - Sul América Capitalização S.A, LUMA CAP Administração e Participação Ltda, LINAF - Liga Nacional de Futebol e SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, objetivando i) a condenação das corrés SULACAP e LUMA CAP em obrigação de não fazer, consistente no encerramento definitivo das atividades desenvolvidas, tanto na comercialização como na realização de sorteios do LITORAL CAP, na forma como tem sido implementada, qual seja, ter o sorteio de prêmios como atividade principal e destinar automaticamente, sem expressa cientificação e anuência do adquirente, o direito de resgate dos títulos de capitalização à corré LINAF - Liga Nacional de Futebol ou qualquer outra entidade; ii) a condenação da corré LINAF na obrigação de não fazer consistente em não mais receber qualquer valor, resultante de transferência automática, sem expressa e voluntária anuência do adquirente, do direito de resgate de títulos de capitalização LITORAL CAP, comercializados pela SULACAP - Sul América Capitalização S.A. ou de qualquer outro título de capitalização, comercializado nas mesmas condições por outras companhias ou sociedades que desempenhem a mesma atividade; iii) a condenação das corrés SULACAP, LUMA CAP e LINAF a restituir/indenizar os valores despendidos pelos consumidores para aquisição de títulos de capitalização em relação aos quais tenha sido suspensa a realização de sorteio de bens, em razão de decisão proferida nesta ação civil pública, bem como em relação aos quais a SUSEP venha a considerar irregular a comercialização, inclusive recolhendo-se o valor da condenação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, na hipótese de impossibilidade de identificação dos consumidores; iv) a condenação da SUSEP - Superintendência de Seguros Privados à obrigação de fazer, consistente em não mais permitir, autorizar ou aprovar a comercialização de títulos de capitalização da forma como tem sido implementada, qual seja, ter o sorteio de prêmios como atividade principal verificada quando o adquirente sem anuir expressamente, tem o direito de resgate de títulos de capitalização transferido a terceiros, ficando apenas com o direito de participar de sorteios de prêmios; v) a condenação da SUSEP à obrigação de fazer consistente em fiscalizar as sociedades de capitalização, bem como comunicar o Juízo acerca do descumprimento do quanto vier a ser determinado em razão dos pedidos formulados e deferidos nesta demanda.

A tutela antecipada foi deferida para i) determinar que as corrés SULACAP e LUMA CAP se abstenham de comercializar o título de capitalização denominado LITORAL CAP, determinando, ainda, a suspensão de todos os sorteios futuros, sob pena de muita diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); ii) determinar que a corré LINAF se abstenha de perceber os valores alusivos ao resgate dos títulos de capitalização LITORAL CAP, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); iii) determinar que as corrés SULACAP, LUMACAP e LINAF providenciem a transmissão, nos mesmos canais televisivos e de rádio onde vinculam a realização do sorteio, de mensagem informando que este foi cancelado por ordem deste juízo, em virtude da tutela antecipada concedida nos autos da presente ação civil pública, deixando de emitir qualquer juízo valorativo sobre a decisão proferida e a iniciativa do Ministério Público Federal, tudo sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Oficiou-se, também, a TVB Band, localizada em São Vicente, informando o deferimento da tutela antecipada, com determinação de que os sorteios do "LITORAL CAP" não mais poderão ser realizados (ID 90180147 - Pág. 11-16).

Dessa decisão as corrés LUMA CAP Administração e Participação Ltda, SULACAP - Sul América Capitalização S.A e LINAF - Liga Nacional de Futebol interpuseram agravos de instrumento, tendo o primeiro e o último sido julgados prejudicados (ID 90180160 - Pág. 21-22 e 24-25) e o segundo julgado desprovido (ID 90180159 - Pág. 11-17)

As corrés Sul América Capitalização S/A – SULACAP e LUMA CAP Administração e Participação Ltda interpuseram agravos retidos da decisão que indeferiu os pedidos de produção de prova testemunhal, por configurar, segundo elas, cerceamento do direito de defesa (ID 90180158 - Pág. 6-11)

O MM. Juiz a quo, ao final, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, no tocante ao pedido de condenação da SUSEP à obrigação de fazer consistente em fiscalizar as sociedades de capitalização, bem como comunicar o Juízo acerca do descumprimento do quanto vier a ser

determinado em razão dos pedidos formulados e deferidos nesta demanda, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, bem como julgou parcialmente procedentes os demais pedidos para: i) condenar as corrés SULACAP e LUMA CAP ao encerramento definitivo das atividades desenvolvidas, tanto na comercialização como na realização de sorteios do LITORAL CAP, na forma como tem sido implementada, qual seja, ter o sorteio de prêmios como atividade principal e destinar automaticamente, sem expressa cientificação e anuência do adquirente, o direito de resgate dos títulos de capitalização à corré LINAF – Liga Nacional de Futebol ou qualquer outra entidade; ii) condenar a corré LINAF na obrigação de não fazer consistente em não mais receber qualquer valor, resultante de transferência automática, sem expressa e voluntária anuência do adquirente, do direito de resgate de títulos de capitalização LITORAL CAP, comercializados pela SULACAP - Sul América Capitalização S.A.; iii) condenar as corrés SULACAP, LUMA CAP e LINAF a restituir/indenizar os valores despendidos pelos consumidores para aquisição de títulos de capitalização em relação aos quais tenha sido suspensa a realização de sorteio de bens, em razão de decisão proferida nesta ação civil pública, recolhendo-se o valor da condenação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, na hipótese de impossibilidade de identificação dos consumidores (ID’s 90180159 - Pág. 29 e 90180160 - Pág. 1-14).

A LUMA CAP Administração e Participação Ltda apelou, sustentando, em síntese, que:

a) seja conhecido o agravo retido e, consequentemente, deferido o pedido de produção de prova testemunhal para melhor esclarecimento dos fatos, sob pena de configurar cerceamento de defesa;

b) há carência da ação pela falta de interesse de agir, pois a presente ação civil pública foi embasada nos elementos constantes dos autos do Inquérito Civil que acompanha a petição inicial, o qual, por sua vez, foi arquivado pelo próprio Ministério Público Federal ao reconhecer que o título de capitalização emitido pela SULACAP foi aprovado pela SUSEP, inexistindo, portanto, ofensa a direito transindividual que justifique a atuação do Ministério Público Federal;

c) não há que se falar que a cessão feita pelo consumidor à LINAF e que a distribuição de prêmios de forma não gratuita contenham qualquer ilicitude, pois tais procedimentos têm previsão na legislação infraconstitucional atinente à matéria, sendo que o título de capitalização na modalidade popular, tal como a Tele Sena, emitido pela SULACAP e distribuído pela ora apelante, tem por objetivo propiciar a participação do titular em sorteios, com a cessão do direito de resgate à LINAF, instituição sem fins lucrativos;

d) a legislação que o MPF alega ter sido violada pela comercialização do produto em comento (Lei nº 5.768/71 e Decreto nº 6.388/2008) e que a r. sentença se baseou para julgar procedente a ação, não se aplica ao título de capitalização distribuído pela apelante (modalidade popular), haja vista que trata da "distribuição gratuita de prêmios, a título de propaganda" (modalidade incentivo), pois há diversas modalidades de título de capitalização disponíveis no mercado e cada uma delas possui características e legislações próprias.

e) em nenhum momento da inicial o MPF menciona que as corrés teriam violado as normas previstas na Circular nº 460/2012 (publicada em 15.01.2013), e nem poderia, visto que a ação civil pública se refere a fatos ocorridos em janeiro de 2012;

f) a ação civil pública está fundada em suposta exploração de jogo de azar acobertada pela SUSEP, sendo que a questão da comercialização do produto de forma desvirtuada, em afronta às normas expedidas pela SUSEP, não foi abordada na defesa apresentada pela apelante, havendo nítida ofensa às garantias constitucionais de ampla defesa e contraditório, constantes no artigo 5º, LV da Carta Magna, na medida em que a alteração da lide de forma diversa à posta em juízo trouxe matéria nova em relação à qual não teve a apelante oportunidade de se defender;

g) o consumidor, durante toda a transmissão dos sorteios que são realizados, é informado sobre a cessão do direito de resgate à LINAF, por meio de texto apresentado durante a transmissão e comunicado pelos apresentadores, não sendo necessário que o adquirente manifeste expressamente a sua vontade em ceder o direito de resgate, bastando que no título esteja claro que, ao adquiri-lo, o subscritor cede a provisão matemática à entidade em questão, procedimento este adotado pela ora apelante, nos termos dos §§ 5º e 6º da Circular SUSEP 460/2012, de modo que o fato de a cessão de direito de resgate ser automática não revela qualquer ilicitude do produto, mesmo porque o consumidor não é obrigado a ceder o direito de resgate a determinada instituição e, caso não concorde com a cessão do direito de resgate à LINAF, poderá optar por adquirir diversas outras modalidades de títulos de capitalização disponíveis no mercado e que não contenham cessão de direitos de resgate;

h) a divulgação, nos moldes praticados no Litoral Cap, está prevista nas próprias normas da SUSEP (§ 2º do artigo 17 da Circular SUSEP nº 365/2008), de forma que, tendo as atividades das requeridas se mostrado dentro dos ditames e permissivos legais e, portanto, configurando atividade lícita, nada há que justifique a não divulgação dos sorteios nos meios de comunicação.

A LINAF - Liga Nacional de Futebol interpôs recurso de apelação, aduzindo, em suma, que:

a) embora não tenha relação direta com a emissão e comercialização do título Litoral Cap, a apelante, antes da celebração da parceria com a SULACAP, verificou que o título impugnado estava dentro dos ditames legais e das normas da SUSEP, não sendo concebível que tal autarquia chancelasse atividades relacionadas a jogos de azar;

b) não há qualquer alegação na inicial de que a comercialização do produto denominado Litoral Cap estaria sendo comercializado em desconformidade com as normas expedidas pela SUSEP, fato este que inviabiliza qualquer discussão nesse sentido, de modo que, ao julgar procedente a ação com base em tal argumento, o MM. Juiz a quo foi de encontro ao disposto no artigo 141 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que o "juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte";

c) ainda que assim não fosse, o simples fato de haver ampla divulgação dos sorteios, com a devida informação ao consumidor da cessão do direito de resgate à entidade indicada no produto, não descaracteriza o título de capitalização e nem tem o condão de torná-lo lesivo ou prejudicial aos direitos dos consumidores, pois há previsão para tanto nas normas editadas pela própria SUSEP (Circular 416/2010);

d) ainda que o produto fosse comercializado em desacordo com as normas da SUSEP - as quais nem foram questionadas pelo MPF - caberia à autarquia aplicar as sanções administrativas cabíveis, inclusive, cassando a autorização anteriormente concedida às sociedades de capitalização (artigo 96 do Decreto Lei nº 73/661 e Circular SUSEP n° 376/2008), mas não simplesmente caracterizá-lo como jogo de azar;

e) a comercialização do produto na modalidade popular, nos moldes praticados pelas corrés da presente ação, afasta a incidência da legislação mencionada pela sentença recorrida (Lei n° 5.768/71 e Decreto 6.388/2008), uma vez tratar-se da distribuição gratuita de prêmios - modalidade incentivo.

A SULACAP - Sul América Capitalização S.A também apelou, alegando que:

a) o agravo retido deve ser conhecido para que se dê oportunidade de oitiva de técnico da SUSEP e do mercado de capitalização, permitindo, assim, a constatação de adimplemento das regras matemáticas e legais emanadas pela SUSEP, sendo necessária a declaração de nulidade do protesto e retorno dos autos à instância ordinária para a devida dilação probatória;

b) apesar de a própria SUSEP orientar que os títulos de capitalização da modalidade popular são direcionados aos interessados em participar dos sorteios, consignou-se na sentença que o adquirente do título não pode optar em “não ceder” o ato de resgate à instituição de relevância social, ignorando que existem outros tipos de capitalização em que há a possibilidade de resgate integral do valor capitalizado, como ocorre no título de capitalização da modalidade tradicional, regulamentado pela SUSEP na Circular nº 365/2008;

c) durante todo o transcurso do processo ficou provado que o material publicitário informa ao adquirente sobre a cessão de direitos à entidade LINAF, o que se trata de regra procedimental da própria modalidade popular;

d) é necessário o reconhecimento da perda do objeto desta ação, porque a apelante, atualmente, não comercializa qualquer produto de capitalização da modalidade popular;

e) outro equívoco cometido pelo Juízo a quo refere-se ao fato de aplicar de forma indevida a Lei nº 5.768/1971 ao título de capitalização da modalidade popular, debatido nos autos, pois referida legislação, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, trata da modalidade incentivo, ou seja, quando o subscritor assume o custo de aquisição do título, diferente das regras aplicadas à modalidade popular, que necessita de valores estimados atuarialmente (quota sorteio) a fim de arcar com referidos custos;

f) a sentença declara, equivocadamente, que as corrés não lograram demonstrar enquadramento em quaisquer das hipóteses do artigo 41 do Decreto-Lei nº 6.259/44, notadamente na alínea “e”, haja vista não haver demonstração de que os sorteios tenham sido realizados exclusivamente para amortização do capital garantido, mas o processo administrativo SUSEP nº 15414.001139/2010-66 comprova o respeito às regras e a não caracterização de jogo de azar, ressaltando que essa legislação sequer foi mencionada na petição inicial, razão pela qual o fundamento da sentença é extra petita.

Com contrarrazões, vieram os autos para este Tribunal.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. Sérgio Lauria Ferreira, opinou pelo não acolhimento das preliminares e desprovimento dos agravos retidos e, quanto ao mérito, pelo desprovimento das apelações (ID’s 90180207 - Pág. 24-28 e 90180208 - Pág. 1-19).

É o relatório.

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007230-41.2013.4.03.6104

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. NELTON DOS SANTOS

APELANTE: LUMA CAP INTERMEDIACAO DE SERVICOS E NEGOCIOS MOBILIARIOS LTDA., LIGA NACIONAL DE FUTEBOL, SUL AMERICA CAPITALIZACAO S/A - SULACAP

Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO MANESCO - SP61471-A
Advogado do(a) APELANTE: PAULO AUGUSTO BERNARDI - SP95941-A
Advogado do(a) APELANTE: BRUNO BORIS CARLOS CROCE - SP208459-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS

Advogado do(a) APELADO: MONICA BARONTI MONTEIRO BORGES - SP125429-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da SULACAP - Sul América Capitalização S.A, LUMA CAP Administração e Participação Ltda, LINAF - Liga Nacional de Futebol e SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, objetivando i) a condenação das corrés SULACAP e LUMA CAP em obrigação de não fazer, consistente no encerramento definitivo das atividades desenvolvidas, tanto na comercialização como na realização de sorteios do LITORAL CAP, na forma como tem sido implementada, qual seja, ter o sorteio de prêmios como atividade principal e destinar automaticamente, sem expressa cientificação e anuência do adquirente, o direito de resgate dos títulos de capitalização à corré LINAF - Liga Nacional de Futebol ou qualquer outra entidade; ii) a condenação da corré LINAF na obrigação de não fazer consistente em não mais receber qualquer valor, resultante de transferência automática, sem expressa e voluntária anuência do adquirente, do direito de resgate de títulos de capitalização LITORAL CAP, comercializados pela SULACAP - Sul América Capitalização S.A. ou de qualquer outro título de capitalização, comercializado nas mesmas condições por outras companhias ou sociedades que desempenhem a mesma atividade; iii) a condenação das corrés SULACAP, LUMA CAP e LINAF a restituir/indenizar os valores despendidos pelos consumidores para aquisição de títulos de capitalização em relação aos quais tenha sido suspensa a realização de sorteio de bens, em razão de decisão proferida nesta ação civil pública, bem como em relação aos quais a SUSEP venha a considerar irregular a comercialização, inclusive recolhendo-se o valor da condenação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei da Ação Civil Pública, na hipótese de impossibilidade de identificação dos consumidores; iv) a condenação da SUSEP - Superintendência de Seguros Privados à obrigação de fazer, consistente em não mais permitir, autorizar ou aprovar a comercialização de títulos de capitalização da forma como tem sido implementada, qual seja, ter o sorteio de prêmios como atividade principal verificada quando o adquirente sem anuir expressamente, tem o direito de resgate de títulos de capitalização transferido a terceiros, ficando apenas com o direito de participar de sorteios de prêmios; v) a condenação da SUSEP à obrigação de fazer consistente em fiscalizar as sociedades de capitalização, bem como comunicar o Juízo acerca do descumprimento do quanto vier a ser determinado em razão dos pedidos formulados e deferidos nesta demanda.

De início, destaque-se que a ação de improbidade administrativa, a ação civil pública e a ação popular compõem o microssistema de tutela dos direitos difusos e coletivos.

Desse modo, com fundamento na Lei nº 7.347/1985, aplica-se à sentença de improcedência ou que reconheça a carência da ação o disposto no artigo 19 da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular), por analogia. Prevê o artigo 19 da Lei 4.717/65 que:


"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição".


Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido". (STJ, AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 25/04/2011) (grifei)

À vista disso, é de rigor submeter o provimento jurisdicional ao reexame necessário.

Por conseguinte, cabe reconhecer a “legitimidade do Ministério Público para a demanda, pois os interesses são federais e envolve atividade regulamentada e controlada pela SUSEP (autarquia federal), interessando não apenas a esfera individual de eventuais lesados, mas também a própria confiança pública e o funcionamento do serviço público federal que envolve a autorização da comercialização da modalidade do título (...)” (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1363191 2018.02.37147-0, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:04/06/2019).

Indo adiante, as corrés LUMA CAP e SULACAP requerem sejam conhecidos os agravos retidos e, consequentemente, deferido o pedido de produção de prova testemunhal de técnico da SUSEP e do mercado de capitalização para melhor esclarecimento dos fatos, sob pena de configurar cerceamento de defesa.

Não se pode olvidar, contudo, que cumpre ao magistrado, destinatário da prova, valorar a necessidade de produção de provas, conforme o princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 131 do CPC. Logo, não há cerceamento de defesa quando, em decisão fundamentada, o juiz indefere a produção de prova testemunhal, pericial ou documental. A propósito, a prova testemunhal, in casu, é dispensável para o desfecho da demanda, por se tratar de matéria sujeita à prova documental.

A respeito do tema, colhem-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165 E 458 DO CPC/73. NÃO CONFIGURADA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. DECISÃO RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA Nº 568 DO STJ. REEXAME QUANTO A SUFICIÊNCIA DAS PROVAS APRESENTADAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento. 3. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos. 4. Em virtude do não provimento do presente recurso, e da anterior advertência em relação a aplicabilidade do NCPC, incide ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei. 5. Agravo interno não provido, com imposição de multa” (AgInt no REsp 1653868, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2019, DJe 20/03/2019) (grifei)

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. CONTRATO BANCÁRIO. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. PERÍCIA TÉCNICA. DESNECESSIDADE. 2. LIMITAÇÃO DO VALOR. 30% DO SALÁRIO E COMPENSAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA. INOVAÇÃO RECURSAL. INVIABILIDADE.PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento da demanda sem a realização de prova pericial, quando o seu destinatário entender que o feito está adequadamente instruído, com provas suficientes para seu convencimento. 2. O intuito de debater novos temas por meio de agravo regimental, não trazidos inicialmente no recurso especial, se reveste de indevida inovação recursal, não sendo viável, portanto, a sua análise, porquanto imprescindível a prévia irresignação no momento oportuno e o efetivo debate sobre os temas. 3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 566.307/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 26/09/2014)

Dessa forma, é o caso de se julgar improcedentes os agravos retidos.

Com relação à alegação de falta de interesse de agir, arguida pela LINAF, cabe destacar que o arquivamento mencionado diz respeito às Peças Informativas de nº 1.34.012.000341/2011-73 (ID 90180156 - Pág. 11-12), cuja investigação representava apenas uma parte de tudo o que posteriormente veio a ser objeto de apuração no Inquérito Civil Público nº 1.34.2012.000054/2012.44 - instaurado pela Procuradoria da República do Município de Santos -, o qual, de fato, embasou a presente ação civil pública.

E ainda que assim não fosse, o inquérito civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações afetas ao Ministério Público, por se tratar de procedimento administrativo de colheita de elementos de convicção, para eventual propositura de ação civil pública, bem como diante da total independência entre as instâncias administrativa e judicial.

Nesse sentido é a jurisprudência:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROCESSO ADMINISTRATIVO E INQUÉRITO POLICIAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. ACORDO CELEBRADO. RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO. PERDA DE OBJETO. INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA INICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS. ATO DE IMPROBIDADE. INDÍCIOS DE OCORRÊNCIA. 1. As alegações do agravante no sentido de que a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar concluiu pela ausência de ato de improbidade por ele praticado e não houve indiciamento em inquérito policial, tais situações por si só não tem o condão de afastar o interesse em se processar e julgar atos de improbidade e de prejuízo ao erário. 2. A prévia instauração de processo administrativo, ou mesmo de inquérito civil constitui mera faculdade, não sendo condição de procedibilidade para o ajuizamento da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, quando este entender que os elementos de que dispõe são suficientes para a propositura da ação, haja vista a total independência entre as instâncias administrativa e judicial. Precedentes deste Tribunal. 3. Inocorrência de perda de objeto em relação ao ressarcimento do dano ao erário, sob a alegação de ter sido celebrado acordo da FUNDASP com o Ministério Público Federal, resultando no ressarcimento integral do suposto dano e extinção do processo em relação à referida instituição. (...) 6. Existindo indícios de ato de improbidade não há como se afirmar que o mesmo não se encontra configurado no caso, sem oportunizar ao Autor provar o alegado na inicial durante a instrução do feito. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. 7. Agravo não provido”. (AG 0016203-47.2015.4.01.0000, JUÍZA FEDERAL ROGÉRIA MARIA CASTRO DEBELLI (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 31/05/2017) (grifei)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INICIAL. NÃO RECEBIMENTO. PREJUÍZO INEXISTENTE. INQUÉRITO CIVIL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ATO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA 1. A sentença condenou os réus pela prática de atos de improbidade a eventual perda da função pública; a pagar multa civil no valor de três vezes o dano causado; à suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; e à proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente pelo prazo de 10 (dez) anos, visto a inclusão, pela 1ª apelante, servidora aposentada do INSS, de dados falsos no sistema de informações da Previdência, relativos a vínculo empregatício supostamente mantido pelo 2º apelante com a empresa Conservadora Nacional LTDA, entre 1/7/1971 e 12/8/1975. 2. Embora suprimida a fase de recebimento da inicial, de cognição sumária, a sentença exauriu o conhecimento de mérito, não se revelando útil anular o julgado para retroceder o curso processual, visto o princípio pas de nullité sans grief, art. 244 do CPC, que autoriza a declaração de nulidade apenas quando resultar prejuízo, aqui não antevisto. 3. O inquérito civil, preparatório e inquisitorial, não comporta contraditório e ampla defesa, e mesmo a ausência de Portaria de instauração e relatório final o tornam nulo, pois o procedimento não é condição de procedibilidade para o ajuizamento de ações de titularidade do Ministério Público. Fosse pouco, eventual irregularidade na fase pré-processual, tampouco enseja nulidade da ação civil pública, se garantidos o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório no âmbito judicial. 4. Demais disso, não conduz à nulidade a falta de publicação dos nomes dos patronos, art. 236, §1º, do CPC, que mesmo não intimados tiveram ciência da sentença apelando tempestivamente. (...) 12. Apelações providas”. (AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho 0006109-41.2012.4.02.5101, NIZETE LOBATO CARMO, TRF2 - 6ª TURMA, julgado em 07/12/2015) (grifei)

Igualmente não há se falar em perda do objeto da demanda, pois o fato de a corré SULACAP não mais comercializar qualquer produto de capitalização da modalidade popular não invalida os atos por ela praticados no passado.

No que tange, por sua vez, às alegações das corrés, ora apelantes, de que o MM. Juiz a quo decidiu com base em fundamento a respeito do qual não deu oportunidade às partes de se manifestar e nem sequer foi arguido na petição inicial, melhor sorte não lhes assiste.

Com efeito, ao fundamentar seus pedidos na suposta exploração de jogo de azar acobertada pela SUSEP, o Parquet, de forma implícita, pretendia comprovar a comercialização do título de capitalização de forma desvirtuada, em afronta à legislação, visto que a exploração de jogo de azar é vedada pelo ordenamento jurídico.

Deste modo, a discussão em juízo da legislação que trata sobre o tema, mesmo que não tenha sido expressamente indicada na inicial, não configura julgamento extra petita ou resulta na nulidade do decisum.

Superadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

O título de capitalização é um título financeiro do tipo mobiliário nominativo que possibilita uma poupança programada com prazo definido, no qual o consumidor participa de sorteios e, ao final, recebe parte ou a totalidade do valor aportado, encontrando previsão normativa no Decreto-Lei n° 261/67, na Resolução CNSP n° 15/1991 e posteriores alterações, bem como nas Circulares SUSEP nº 365/08, n° 376/08 e n° 460/12.

Existem cinco modalidades de título de capitalização, quais sejam, tradicional, compra-programada, popular, incentivo e filantropia premiável, sendo que todas elas têm sorteio. A modalidade tradicional é aquela em que o titular resgata a totalidade dos pagamentos efetuados pelo subscritor do título - desde que os pagamentos tenham sido efetuados na data devida - sem a possibilidade de vinculação da provisão matemática para resgate à aquisição de bem ou serviço. Na modalidade compra-programada o direito de resgate pode ser substituído, pelo titular, pelo recebimento de bem ou serviço referenciado na ficha de cadastro, subsidiado por acordos comerciais celebrados com indústrias, atacadistas ou empresas comerciais. A modalidade popular se caracteriza pela restituição de valor inferior ao que foi pago pelo subscritor, valorizando a participação em sorteios. Já a modalidade incentivo está vinculada a evento promocional de caráter comercial instituído pelo subscritor (empresa interessada em promover o evento), que adquire títulos de capitalização junto a uma sociedade de capitalização e faz a cessão dos direitos do título aos seus consumidores, para que eles participem de uma determinada promoção comercial a ser realizada através dos sorteios constantes do título. Por fim, a modalidade filantropia premiável, instituída em 2018, é destinada ao subscritor interessado em contribuir com entidades beneficentes de assistência social, certificadas nos termos da legislação vigente, e na participação de sorteio, de modo que, quem compra o título, cede, no ato da compra, o direito de resgate a uma organização da sociedade civil.

De acordo o artigo 3º, § 2º do Decreto-Lei nº 261/67, compete à SUSEP funcionar como executora da política de capitalização definida pelo CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, cabendo-lhe fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operações das sociedades do ramo, relativamente às quais exercerá atribuições idênticas às estabelecidas para as sociedades de seguros.

No caso em apreço, o LITORAL CAP é um título de capitalização da modalidade popular em que o subscritor é quem adquire o título, que se confunde com a figura do próprio titular, que é o proprietário do título, a quem devem ser pagos todos os valores originados do produto. Na hipótese dos autos, o subscritor/titular cede o direito de resgate do título à associação esportiva, que, no caso, é a LINAF.

O subscritor/titular, por sua vez, concorre aos sorteios do Giro da Sorte - realizado aos domingos, com transmissão pela TVB (afiliada da TV Bandeirantes na Baixada Santista) -, que ocorre eletronicamente por meio de um programa de computador, que buscará aleatoriamente uma combinação de seis algarismos.

Verifica-se, então, que a SULACAP emite o título de capitalização no Município de Santos e região, e a LUMA CAP promove o sorteio, com a cessão automática do direito de resgate do título à LINAF.

Ocorre que, embora o sorteio seja permitido pela legislação (Decreto-Lei nº 6.259/1944) e configure o atrativo do título de capitalização, a forma como o produto tem sido comercializado, com a cessão automática do direito de resgate para terceiros, sem expressa cientificação e anuência pelo adquirente, retiram do título uma de suas características inerentes, que é a formação de um montante pecuniário.

O MM. Juiz a quo, a propósito, consignou corretamente que “não há venda dos títulos de capitalização como títulos financeiros propriamente ditos, com vistas a uma poupança programada em fundo de capitalização, com prazo determinado, consoante os seus traços conceituais fundamentais” (ID 90180160 - Pág. 12).

Inclusive, a Circular SUSEP nº 460/2012 (art. 16) passou a exigir das sociedades de capitalização que a cessão do direito de resgate constasse do próprio título, bem como a Resolução SUSEP nº 384/2020 (art. 16) dispõe ser vedado à sociedade de capitalização estabelecer a cessão automática de qualquer direito relativo ao título de capitalização.

Conquanto sejam normas que entraram em vigor posteriormente à comercialização do título em questão, depreende-se que os consumidores estavam adquirindo tal produto sem direito a qualquer resgate, o que consiste na comercialização de números de sorteio e não títulos de capitalização.

Ademais, não foi dado o destaque exigido pelo art. 3º, § 1º da Circular SUSEP nº 365/2008, na medida em que o título foca, sobretudo, nos prêmios que serão sorteados (veículos, imóveis e quantia em dinheiro), deixando a informação da cessão de direitos em segundo plano, utilizando-se de texto em fonte bem menor do que a relativa ao sorteio (ID’s 90180189 - Pág. 35, 90180190 - Pág. 2 e 90180201 - Pág. 26).

Com efeito, a autorização para a emissão e a venda de títulos de capitalização reclama a observância das normas legais que disciplinam a matéria, sendo que a realização de sorteios, no âmbito dos títulos de capitalização, possui caráter acessório, funcionando como estímulo à aquisição dessa espécie de produto, porém, in casu, a distribuição de prêmios, mediante sorteios, se tornou a essência do título de capitalização LITORAL CAP.

Ainda que a Lei n° 5.768/71 seja aplicável somente aos títulos de capitalização na modalidade incentivo, que têm por objeto as promoções comerciais e são fornecidos gratuitamente aos consumidores, não se confundindo com os títulos comercializados pela parte autora (modalidade popular), verifica-se que este não foi o único fundamento da sentença ao reconhecer o desvirtuamento na comercialização do LITORAL CAP.

E mais, a SUSEP efetuou diversas fiscalizações nas sociedades de capitalização, inclusive na SULACAP, tendo constatado a prática de diversas irregularidades, especialmente a comercialização do produto em desacordo com o que foi aprovado pela SUSEP e em desrespeito à legislação de regência, com participação de terceiros - LUMA CAP - que não foram autorizados pela autarquia. Diante disso, a SUSEP recomendou à CGPRO (Coordenação-Geral de Produtos) que os títulos de capitalização da modalidade popular da SULACAP, com cessão integral dos direitos de resgate, fossem imediatamente suspensos.

Registre-se que a SUSEP não autoriza a comercialização de títulos de capitalização que tenham o sorteio como atividade principal, sendo que tal conduta configura desvirtuamento do produto, razão pela qual a autarquia não pode figurar no polo passivo da presente ação civil pública, já que a fiscalização das empresas do ramo decorre do seu dever legal e não houve omissão no cumprimento das suas atribuições.

A respeito do tema, colhem-se os seguintes precedentes:

“APELAÇÕES. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. INEXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM A SUSEP. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. COMERCIALIZAÇÃO DE TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO. SORTEIO DE PRÊMIOS COMO ATIVIDADE PREPONDERANTE. INADMISSIBILIDADE. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nas ações em que se discute desvirtuamento na comercialização de títulos de capitalização já autorizados, não há obrigatoriedade de integração da SUSEP no respectivo polo passivo. 2. Não há falar-se em cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova testemunhal requerida de forma genérica, mormente se a natureza da demanda reclama a análise de prova documental. 3. Mérito: cinge-se a controvérsia em analisar se os produtos comercializados pelos apelantes - "Hipercap Rio Preto Vida Estimável", posteriormente denominado "Hipercap Rio Preto", apesar de se apresentarem, formalmente, como títulos de capitalização, representariam, na verdade, atividades de jogos de azar, dada a preponderância dos sorteios de prêmios neles verificados. 4. Título de capitalização, nos termos do Decreto-lei nº 261/67, consubstancia produto em que parte dos pagamentos realizados pelo subscritor é usado para formar um capital, segundo cláusulas e regras aprovadas e mencionadas no próprio título (Condições Gerais do Título) e que será pago em moeda corrente, dentro de prazo máximo estabelecido, sendo o resgate total ou parcial, a depender da modalidade do título. O restante dos valores dos pagamentos, por sua vez, pode ser usado para custear os sorteios, comumente previstos neste tipo de produto, bem como despesas administrativas das sociedades de capitalização. 5. Consoante a Lei 5.768/71 e o Decreto 6.388/2008, a realização de sorteios, no âmbito dos títulos de capitalização, possui caráter acessório, promocional, funcionando como estímulo à aquisição dessa espécie de produto financeiro. 6. O que se verifica nos autos, todavia, é que as características dos produtos não deixam claro se o consumidor, ao adquiri-los, tem o direito de resgatar o valor pago, eis que a cessão é compulsória, em evidente violação ao art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, que erige a informação exauriente como direito básico do consumidor, bem como ao que dispõe o art. 3º da Circular SUSEP 365/2008. 7. A prova coligida aponta que a distribuição de prêmios, mediante sorteios, longe de assumir caráter secundário, ou de propaganda, se tornou a essência do título de capitalização "Hipercap Rio Preto Vida Premiável", e assim era vista pelos consumidores. 8. E se os consumidores passam a adquirir tais produtos sem direito a qualquer resgate, o que se tem, em realidade, é a comercialização de números de sorteio, e não títulos de capitalização. 9. Esse cenário de irregularidade já havia sido identificado pela E. Sexta Turma, ao desprover o AI 0016482-52.2010.4.03.0000/SP, em 16.12.2010, interposto contra a decisão de primeiro grau que, nestes autos, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, para que cessada a comercialização dos produtos impugnados. 10. No mais, a jurisprudência do C. STJ e das Turmas que compõem a 2ª Seção deste E. TRF-3 considera que, por critério de simetria em relação ao disposto nos artigos 17 e 18 da Lei 7.347/85, não cabe condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios, custas e despesas processuais no âmbito da ação civil pública, haja vista que essa condenação não seria exigível dos autores em caso de derrota nas ações dessa natureza. 11. Rejeitada a matéria preliminar, nega-se provimento às apelações”. (TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2167018 - 0003983-51.2010.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, julgado em 13/12/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/01/2019) (grifei)

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DO CASO CONCRETO. SORTEIO DE DINHEIRO E PRÊMIOS. CESSÃO AUTOMÁTICA DO DIREITO DE RESGATE. EXPLORAÇÃO DE JOGO DE AZAR. ILEGALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. 1. A autorização para a emissão e a venda de títulos de capitalização reclama a observância das normas legais que disciplinam a matéria, não devendo servir de instrumento para a exploração de jogos de azar. 2. No caso concreto, o foco de atuação do grupo empresarial formado pelas rés consiste na realização de sorteio de bens e dinheiro, ainda que sob a aparência de venda de títulos de capitalização, com a informação de que o adquirente dos títulos estaria contribuindo para a preservação da floresta amazônica. 3. Na verdade, as rés não laboraram com a transparência necessária para que os consumidores tivessem plena consciência do produto que estavam adquirindo e apenas uma parte do montante arrecadado era destinado à dita preservação, mais precisamente, mediante a aquisição de área pertencente a outra empresa do mesmo grupo. 4. A cessão automática do direito de resgate a outra empresa, também do grupo, além de vulnerar regra específica inserida em Circular da SUSEP, somente evidencia, ainda mais, o desvirtuamento do título de capitalização, já que, mesmo que, em tese, seja possível que o adquirente abra mão do referido direito, deveria lhe ser oferecida a oportunidade de optar pelo resgate. 5. Impõe-se a cessação dos sorteios, que são realizados com ampla divulgação em emissora de televisão, semanalmente, ao vivo, e não têm a natureza acessória admitida pela legislação, mas constituem, na realidade, o objetivo principal da atuação das rés, configurando a exploração indevida de jogos de azar. O custeio dos sorteios é suportado pelos adquirentes do produto. 6. Devem ser condenadas, solidariamente, as demandadas ao ressarcimento, aos consumidores lesados, dos valores por eles aportados, admitidas as deduções cabíveis quando se cuida de resgate de um título de capitalização propriamente dito, e ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, a ser destinada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 7. Apelação provida”. (AC - Apelação Civel - 543633 0003515-92.2011.4.05.8500, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::18/10/2012) (grifei)

À vista disso, a r. sentença deve ser mantida tal como lançada.

Ante o exposto, voto por NÃO ACOLHER as preliminares e NEGAR PROVIMENTO aos agravos retidos e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO às apelações e à remessa necessária, tida por submetida.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CERCEAMENTO DA ATIVIDADE PROBATÓRIA. NÃO CONFIGURADO. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. DESVIRTUAMENTO NA VENDA. CESSÃO AUTOMÁTICA DO DIREITO DE RESGATE. SORTEIO DE PRÊMIOS COMO ATIVIDADE PREPONDERANTE. INADMISSIBILIDADE. AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS. APELAÇÕES E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS.

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em razão de suposto desvirtuamento na comercialização de títulos de capitalização autorizados pela SUSEP - Superintendência de Seguros Privados.

2. Cumpre ao magistrado, destinatário da prova, valorar a necessidade de produção de provas, conforme o princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 131 do CPC. Logo, não há cerceamento de defesa quando, em decisão fundamentada, o juiz indefere a produção de prova testemunhal, pericial ou documental. A propósito, a prova testemunhal, in casu, é dispensável para o desfecho da demanda, por se tratar de matéria sujeita à prova documental.

3. O inquérito civil não é condição de procedibilidade para o ajuizamento das ações afetas ao Ministério Público, por se tratar de procedimento administrativo de colheita de elementos de convicção, para eventual propositura de ação civil pública, bem como diante da total independência entre as instâncias administrativa e judicial.

4. No que tange, por sua vez, às alegações das apelantes de que o MM. Juiz a quo decidiu com base em fundamento a respeito do qual não deu oportunidade às partes de se manifestar e nem sequer foi arguido na petição inicial, melhor sorte não lhes assiste. A discussão em juízo da legislação que trata sobre o tema, mesmo que não tenha sido expressamente indicada na inicial, não configura julgamento extra petita ou resulta na nulidade do decisum.

5. A autorização para a emissão e a venda de títulos de capitalização reclama a observância das normas legais que disciplinam a matéria, sendo que a realização de sorteios, no âmbito dos títulos de capitalização, possui caráter acessório, funcionando como estímulo à aquisição dessa espécie de produto, porém, in casu, a distribuição de prêmios, mediante sorteios, se tornou a essência do título de capitalização LITORAL CAP.

6. Embora o sorteio seja permitido pela legislação (Decreto-Lei nº 6.259/1944) e configure o atrativo do título de capitalização, a forma como o produto tem sido comercializado, com a cessão automática do direito de resgate para terceiros, sem expressa cientificação e anuência pelo adquirente, retiram do título uma de suas características inerentes, que é a formação de um montante pecuniário. Os consumidores, de fato, estavam adquirindo tal produto sem direito a qualquer resgate, o que consiste na comercialização de números de sorteio e não títulos de capitalização.

7. Ademais, não foi dado o destaque exigido pelo art. 3º, § 1º da Circular SUSEP nº 365/2008, na medida em que o título foca, sobretudo, nos prêmios que serão sorteados (veículos, imóveis e quantia em dinheiro), deixando a informação da cessão de direitos em segundo plano, utilizando-se de texto em fonte bem menor do que a relativa ao sorteio.

8. A SUSEP efetuou diversas fiscalizações nas sociedades de capitalização, inclusive na SULACAP - Sul América Capitalização S.A, tendo constatado a prática de diversas irregularidades, especialmente a comercialização do produto em desacordo com o que foi aprovado pela SUSEP e em desrespeito à legislação de regência.

9. A SUSEP não autoriza a comercialização de títulos de capitalização que tenham o sorteio como atividade principal, sendo que tal conduta configura desvirtuamento do produto, razão pela qual a autarquia não pode figurar no polo passivo da presente ação civil pública, já que a fiscalização das empresas do ramo decorre do seu dever legal e não houve omissão no cumprimento das suas atribuições.

10. Preliminares não acolhidas. Agravos retidos desprovidos. Apelações e remessa necessária desprovidas.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, NÃO ACOLHEU as preliminares e NEGOU PROVIMENTO aos agravos retidos e, no mérito, NEGOU PROVIMENTO às apelações e à remessa necessária, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.