APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A
APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, à sentença de procedência parcial de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, com posterior aditamento da inicial pelo Ministério Público Federal, contra CLERMONT SILVEIRA CASTOR, ex-Prefeito do Município de Cubatão, para, reconhecendo a prática de ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11, caput e VI, da Lei 8.429/1992, condená-lo a “a) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 03 (três) anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão; b) pagamento de multa civil no montante de três vezes o valor da última remuneração percebida pelo agente público em seu mandato cumprido na época dos fatos, devidamente atualizada pelos índices oficiais (Resolução nº 134, de 21 de dezembro de 2010, do Conselho da Justiça Federal, ou outra que venha a substituí-la), acrescida de juros de mora à taxa de 1% (um por cento) ao mês, a contar do trânsito em julgado, devendo o montante ser revertido em favor do fundo previsto no artigo 13 da Lei n 7.347/85; c) proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 03 (três) anos”. Não houve fixação de honorários advocatícios, tendo sido, ainda, revogada a liminar, com determinação de liberação de bens e valores, após o trânsito em julgado (ID 55143878, f. 40/50 e ID 55143884, f. 1/6). Apelou o réu, alegando, sem suma, que: (1) a ação é improcedente, pois ausente dolo, ainda que genérico, na conduta praticada, sendo vedada a responsabilização objetiva para configuração de improbidade administrativa; (2) não pode ser responsabilizado por, somente, não ter respondido ofício relativo à prestação de contas do convênio federal, recebido por terceira pessoa e não encaminhado para ciência pessoal, pelo que inexistente o dolo; (3) não recebeu pessoalmente nenhum documento da Tomada de Contas Especial, até porque muitos foram expedidos após o término do mandato, tendo sido “todas, rigorosamente todas, recebidas por terceiros, estranhos, inclusive, aos quadros do Gabinete do Prefeito Municipal”, logo, “como o ex-Prefeito Municipal poderia ter sido notificado, no âmbito administrativo, em 2010, como constou taxativamente da r. sentença, se o seu mandato foi concluído em dezembro/2008”; (4) meras irregularidades burocráticas ou ilegalidades do ato administrativo não se confundem com ato ímprobo, com “imputações generalizadas, presumidas e notadamente imprecisas”; (5) ausência de prestação de contas, sem má-fé e prejuízo ao erário, não equivale à ilegalidade na prestação de contas de repasse federal; (6) os recursos federais não foram utilizados na mesma gestão, permanecendo aplicados em conta específica e oficial do município, sem despesa e movimentação até 2014, o que afasta a responsabilização por dano ao erário, não podendo responder pela gestão posterior, sob outra administração; (7) não houve irregularidade insanável em tal convênio federal, já que o município continua recebendo repasses federias, o que revela inexistir prejuízo ao interesse público primário, afastando a consumação de improbidade administrativa; e (8) a cumulação automática de sanções, sem qualquer dosimetria e fundamentação, ofende razoabilidade e proporcionalidade, revelando-se “excessiva e extremamente rigorosa” em face do caso concreto (ID 55143884, f. 9/31). Houve contrarrazões (ID 258931557, f. 5/40). Ainda na instância de origem, houve pedido de seguradora de automóvel para desbloqueio de veículo atingido por indisponibilidade, determinando o Juízo manifestação dos autores e, em seguida, a remessa dos autos a esta Corte (IDs 55143952 e 55143953). Recebidos os autos nesta instância, o réu requereu o afastamento de restrição para licenciamento de veículo (IDs 89889416 e 89890062), sendo determinada a manifestação ministerial a respeito (ID 149177186). Em razão do advento da Lei 14.230/2021, foi dada vista às partes para manifestação, sobrevindo peticionamentos: o FNDE postulou a intimação do MPF para manifestar interesse no prosseguimento da ação; e o corréu sustentou a retroatividade da nova legislação, prescrição e inexistência de dolo específico. O Ministério Público Federal manifestou ciência do processado (ID 258938225). É o relatório.
APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007118-11.2018.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: CLERMONT SILVEIRA CASTOR Advogados do(a) APELANTE: ANDRE FIGUEIRAS NOSCHESE GUERATO - SP147963, SORAIA SILVIA FERNANDEZ PRADO - SP198868, TEREZA FERREIRA ALVES NOVAES - SP332333-A V O T O Senhores Desembargadores, inicialmente, não se conhece do agravo retido interposto ao indeferimento da produção de prova oral (ID 55143927, f. 18/29), vez que não houve a reiteração exigida pelo artigo 523, §1º, CPC/1973, tampouco foi devolvida a questão nas razões de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC/2015). Trata-se de ação civil pública ajuizada em 09/12/2013 pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE para condenar CLERMONT SILVEIRA CASTOR, ex-Prefeito do Município de Cubatão, por ato de improbidade administrativa, por deixar de prestar contas sobre os recursos federais recebidos em 2006 por força do Programa “Fazendo Escola”, “Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (PEJA)”, com violação a princípios da administração pública. Em primeira instância os autos tramitaram em meio físico sob o número 0012336-81.2013.403.610 (ID 55143935). Segundo a inicial (ID 55143861, f. 4/27), tal programa de assistência suplementar a municípios era voltado ao custeio de professores, aquisição de livro didático, merenda e material escolar, e desenvolvido em todo o território nacional, com repasse automático de recursos, independentemente de convênio. Narrou o FNDE que, em auditoria interna, foi constatada ausência de prestação de contas pelo ex-gestor municipal, referente ao programa no exercício de 2006, o que deveria ter ocorrido até 10/02/2007, ensejando a instauração de Tomada de Contas Especial 23034.004641/2012-93, na qual, mantendo-se inerte o réu apesar de instado a manifestar-se e a sanar irregularidades (apresentar a prestação de contas ou restituir o valor recebido), “concluiu-se pela existência de irregularidade, ante a ausência de prestação de contas referente ao repasse de recursos que, juntos totalizam R$ 127.074,79 (valor original)” – cinco repasses de R$ 25.414,94 entre outubro e dezembro de 2006 – atualizados para R$ 283.657,20 até 30/06/2012, donde o interesse da autarquia federal em buscar o ressarcimento dos recursos públicos não aplicados. Sustentou o autor que “a prestação de contas é elemento indispensável à verificação da boa e regular aplicação dos recursos públicos repassados e da sua gestão à luz dos princípios da legalidade, moralidade e honestidade”, encontrando respaldo nos artigos 70, parágrafo único, CF; 93 do DL 200/1967; 6º da Lei 10.880/2004; e 10 a 13 da Resolução FNDE 25/2005. Defendeu que “a omissão do réu vai além da mera inobservância de formalidades”, já que “não se sabe se o objeto do programa foi realizado ou não”, se a população foi ou não beneficiada com tais valores, podendo, inclusive, “implicar o mascaramento de desvios perpetrados”, surgindo daí a consequência jurídica de ressarcir o erário, já que não houve comprovação da regular execução do objeto do programa e, pois, da licitude da despesa (artigos 84 do DL 200/1967, 8º da Lei 8.443/1992, e 197 da Resolução TCU 155/2002). Em tal contexto, aduziu a autarquia que o réu encontra-se inadimplente há aproximadamente dois anos, “sem que haja até o momento comprovação da devida utilização desses recursos públicos, especialmente na aplicação do desenvolvimento da educação no Município de Cubatão/SP”, estando, pois, “caracterizada a irregularidade administrativa que embasa a presente ação de improbidade, consubstanciada na omissão do dever legal de prestar contas dos recursos federais recebidos da entidade federal e geridos pelo então Prefeito municipal”, nos termos do artigo 11, II e VI, da Lei 8.429/1992, com ofensa aos deveres da honestidade, imparcialidade e lealdade. Argumentou que “a conduta omissiva [...] ainda que derivasse de culpa, individualizada pela negligência do gestor público” não afasta a tipificação do ato ímprobo, pelo que postulou, in limine, a indisponibilidade de bens do réu e, ao final, sua condenação ao ressarcimento integral e atualizado do dano. O Ministério Público Federal aditou a exordial para, em complementação ao pedido do autor, requerer a condenação do réu também à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos (ID 55143831, f. 25). A liminar foi deferida e determinado o ingresso do Ministério Público Federal no polo ativo da ação (ID 55143831, f. 26/37). O Município de Cubatão manifestou desinteresse de atuar no feito, requerendo, porém, intimação de todos os atos do processo, na qualidade de interessado (ID 55143843, f. 13/14). Após regular processamento da ação, a sentença baixou à secretaria em 26/07/2017 e foi publicada no Diário Eletrônico em 09/08/2017 (ID 55143884, f. 7/8). Com interposição de recurso e juntada de contrarrazões, os autos subiram a esta Corte em 25/04/2019. Como se observa, a ação foi regularmente processada na vigência da redação da Lei 8.429/1992 antes das alterações promovidas pela Lei 14.230, de 25/10/2021. Incluído o feito em pauta para julgamento por duas oportunidades, houve conversão em diligência para regularização da virtualização do feito, com documentos não digitalizados. A digitalização foi concluída em 10/06/2022, com juntada de documentos e peças processuais até então faltantes. Nesse ínterim, sobreveio a Lei 14.230/2021, publicada em 26/10/2021, promovendo numerosas alterações na Lei 8.429/1992, que rege a presente ação de improbidade administrativa, sobre as quais as partes foram ouvidas e houve manifestações. Destaque-se, primeiramente, que no § 4º do artigo 1º incluído à Lei 8.429/1992 pela recente Lei 14.230/2021 foi inserida expressamente a seguinte disposição: “Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. A despeito da nova previsão legal expressa, assente a jurisprudência, desde antes de tal inovação, em reconhecer a aplicação dos postulados do direito penal ao âmbito do direito administrativo sancionador, a teor do que revelam, entre outros, os seguintes julgados: MS 23.262, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJE 30/10/2014: “Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança concedida. 1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo prescricional da infração, que volta a correr depois de ultrapassados 140 (cento e quarenta) dias sem que haja decisão definitiva. 2. O princípio da presunção de inocência consiste em pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios de ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado. 3. É inconstitucional, por afronta ao art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta do servidor, a título de maus antecedentes, sem a formação definitiva da culpa. 4. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório condenatório ou de formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no período abrangido pelo PAD. 5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação definitiva de culpabilidade. 6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990.” RMS 37.031, Rel. Min. REGINA COSTA, DJe 20/02/2018: “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - As condutas atribuídas ao Recorrente, apuradas no PAD que culminou na imposição da pena de demissão, ocorreram entre 03.11.2000 e 29.04.2003, ainda sob a vigência da Lei Municipal n. 8.979/79. Por outro lado, a sanção foi aplicada em 04.03.2008 (fls. 40/41e), quando já vigente a Lei Municipal n. 13.530/03, a qual prevê causas atenuantes de pena, não observadas na punição. III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. IV - Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais. V - A pretensão relativa à percepção de vencimentos e vantagens funcionais em período anterior ao manejo deste mandado de segurança, deve ser postulada na via ordinária, consoante inteligência dos enunciados das Súmulas n. 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” AgInt no AREsp 80.466, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 22/03/2018: “DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO EM RESP. ALEGADA CONDUTA ÍMPROBA OFENSIVA A PRINCÍPIOS, IMPUTADA AO ENTÃO DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE FAZENDA DO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS/SP, POR TER, SEGUNDO O ACÓRDÃO, PRESTADO MAL AS CONTAS DE RECURSOS DO FUNDO DE CAIXA PEQUENO. ABSOLVIÇÃO ADVENIENTE DA DECISÃO AGRAVADA. EVENTUAIS DEFICIÊNCIAS EM PRESTAÇÃO DE CONTAS NÃO RESULTAM EM IDENTIFICAÇÃO DA OMISSÃO DOLOSA TIPIFICADA NO ART. 11, VI DA LEI 8.429/1992. ADEMAIS, O DOLO DE OFENDER A PROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO FOI IDENTIFICADO NA ESPÉCIE, AO CONTRÁRIO DO QUE ARGUMENTA O INSURGENTE. AGRAVO INTERNO DO ÓRGÃO ACUSADOR DESPROVIDO. [...] 2. Eventual deficiência em prestação de contas não consubstancia a conduta do art. 11, VI da Lei 8.429/92, que assinala o ato doloso e malévolo de deixar de prestar contas de recursos públicos. Em matéria de Direito Sancionador, que recolhe do Direito Penal os postulados da taxatividade e da fragmentariedade, inexiste alicerce jurídico-legal para a afirmação do acórdão de que prestar mal as contas equivale a não o fazer (fls. 566), fundamentação esta censurável. [...]” REsp 1.536.895, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 08/03/2016: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONSTRUÇÃO DA IGREJA DE SÃO JORGE, EM SANTA CRUZ, BAIRRO DA PERIFERIA DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO/RJ. INDISPENSABILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO DO AGENTE, PARA CONFIGURAR-SE IMPROBIDADE, NOS CASOS DO ART. 11 DA LEI 8.429/92. CARÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO PROBATÓRIA CONSISTENTE, DE MODO A SUPORTAR JUÍZO CONDENATÓRIO QUANTO ÀS IMPUTAÇÕES DE ENRIQUECIMENTO LÍCITO, DANO AO ERÁRIO E CONDUTA DOLOSA DO AGENTE. RECURSOS ESPECIAIS AOS QUAIS SE DÁ PROVIMENTO. [...] 3. Ademais, o ato havido por ímprobo deve ser administrativamente relevante, sendo de se aplicar, na sua compreensão, o conhecido princípio da insignificância, de notável préstimo no Direito Penal moderno, a indicar a inaplicação de sanção criminal punitiva ao agente, quando o efeito do ato agressor é de importância mínima ou irrelevante, constituindo a chamada bagatela penal: de minimis non curat Praetor, neste caso, trata-se de contribuição do Município do Rio de Janeiro para construção de uma pequena igreja dedicada à devoção de São Jorge, na periferia da Cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$ 150.000,00. [...]” REsp 1.216.190, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 14/12/2010: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARACTERIZAÇÃO. CARGO OCUPADO SEM REMUNERAÇÃO. BASE DE CÁLCULO PARA FIXAÇÃO DA MULTA. SALÁRIO MÍNIMO. CABIMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. ANALOGIA IN MALAM PARTEM. IMPOSSIBILIDADE. [...] 5. Como se trata de aplicação de penalidades, é se utilizar de um princípio geral de direito, que cuida da vedação da analogia em desfavor do sancionado. No Direito Penal, ramo em que esta norma foi melhor trabalhada, distinguem-se dois subtipos de analogia: a analogia in malan partem e a analogia in bonan partem. A primeira agrava a pena em pressupostas hipóteses não abrangidas pela lei. Já a segunda utiliza-se de situações semelhantes para solucionar o caso sem agravar a pena. 6. Ora, diante da lacuna da Lei de Improbidade Administrativa frente ao caso apresentado, pode-se utilizar da analogia para a determinação da base da pena de multa. No entanto, a analogia não pode ser aplicada in malam partem, porque no âmbito do Direito Administrativo sancionador. 7. O acórdão, de forma coerente com os princípios regentes do direito, estabeleceu como base da pena de multa a menor remuneração do país, o que se coaduna com a função honorífica realizada pelo recorrido. Neste raciocínio, não há como prosperar a alegação do recorrente segundo a qual deve ser aplicada multa com base no vencimento mais elevado dos cargos de nível superior da estrutura remuneratória de autarquia, pois estar-se-ia operando analogia desabonadora. [...]” REsp 926.772, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe 11/05/2009: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. CONCESSÃO FRAUDULENTA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ART. 12 DA LEI 8.429/92. PERDA DE FUNÇÃO PÚBLICA. SANÇÃO QUE TAMBÉM ABRANGE O AGENTE DETENTOR DE CARGO PÚBLICO, EMPREGO PÚBLICO OU MANDATO ELETIVO. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENAS. PRESCINDIBILIDADE. [...] 4. Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as consequências da infração, individualizando-as, se for o caso, de acordo com os princípios do direito penal. [...]” RMS 12.539, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ: 01/07/2004: “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSUAL. EFEITO DEVOLUTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENALIDADE DE SUSPENSÃO. SUCESSÃO DE LEIS. LEGALIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. O efeito devolutivo do recurso ordinário não alcança questão de mérito estranha aos autos, que não foi apreciada pela decisão recorrida nem alegada na inicial. Constitui regra a aplicação da norma vigente à época dos fatos que regula. A retroatividade da lei que prevê penalidades só tem lugar quando beneficia, necessariamente, a condição do acusado. No caso, a lei nova que prevê pena máxima de trinta dias de suspensão à exemplo da lei revogada e pena mínima mais elevada que a norma antiga. Recurso a que se nega provimento.” Na linha jurisprudencial consolidada, em decisão recente, inclusive, especificamente sobre a lei de improbidade administrativa (aplicação da sanção de suspensão de direitos políticos), o relator da ADI 6.678, Ministro GILMAR MENDES, estabeleceu expresso paralelo entre o direito penal e o direito administrativo sancionador: “[...] Assim, o Constituinte, ao condicionar a sanção de suspensão de direitos políticos em decorrência da prática de atos de improbidade à implementação de gradação legal, exigiu não só a ponderação temporal, mas também o cotejo da gravidade da própria conduta repreendida. Em outros termos, a gradação apenas quantitativa não é suficiente, considerada a baliza constitucional, quando são inseridos no mesmo contexto sancionatório condutas qualitativamente diversas. A ressaltar essa óptica, anoto que as condenações criminais transitadas em julgado não são condicionadas à gradação legal do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, mas ainda assim são ponderadas quantitativamente pela pena abstrata cominada do legislador ordinário. Por conseguinte, ao equivaler o tratamento conferido a crimes e a atos de improbidade, a gradação baseada apenas no tempo da penalidade não observa a determinação do Constituinte, porquanto não implementada a diferenciação qualitativa imposta pelo art. 15, inciso III, da Constituição Federal. [...] As penalidades de suspensão de direitos políticos objeto desta ação direta variam de 3 a 8 anos, a depender da conduta. Isso significa que esses atos de improbidade implicam a supressão temporária do direito de participação política em patamar superior, por exemplo, aos condenados pelos crimes de lesão corporal grave e gravíssima (Código Penal, artigo 129, §§ 1º e 2º). Ao adentrar o campo dos crimes contra a Administração Pública, cuja afinidade temática com os atos de improbidade é inegável, a incoerência permanece. Tendo em vista que a dosimetria da pena inicia-se no mínimo legal, é possível verificar que a suspensão de direitos políticos das condutas ímprobas em tela é superior aos crimes de peculato (Código Penal, artigo 312), concussão (Código Penal, artigo 316) e corrupção passiva (Código Penal, artigo 317). Isso significa que o agente público que “celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei” (art. 10, inciso XV, da Lei 8.429/1992), ainda que culposamente, poderá ter os direitos políticos suspensos por período superior ao cidadão condenado pelo desvio de verbas públicas. Ademais, quando se considera apenas tipos penais que admitem a modalidade culposa, é flagrante a exorbitância da suspensão de direitos políticos por ato de improbidade culposo que gere prejuízo ao erário, superior até mesmo ao homicídio culposo (Código Penal, artigo 121, § 3º), sem falar no envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal (Código Penal, artigo 270) ou na falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (Código Penal, artigo 273, § 2º). [...]” (ADI 6.678 MC, Min. GILMAR MENDES, DJE 04/10/2021) Assim, a edição da Lei 14.230/2021, alterando a Lei 8.429/1992, com introdução de normas mais benéficas ao réu imputado ímprobo, deve ser aplicada, ainda que de forma retroativa, às ações de improbidade administrativa em curso, mesmo que ajuizadas antes da vigência da nova lei, em decorrência e por imposição da extensão ao direito administrativo sancionador de princípios do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Com efeito, conforme decidiu a Suprema Corte em outro julgado, “por se tratar de novatio legis in mellius, nada impede que, em razão do princípio da retroatividade da lei penal menos gravosa, ela alcance a situação pretérita do paciente, beneficiando-o” (HC 114.149, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 04/12/2012). A contrario sensu, recente e especificamente quanto à norma prescricional: AgRg no REsp 1.882.610, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS, DJe 16/06/2021: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. DELITOS OCORRIDOS ANTES DA ALTERAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 117 DO ESTATUTO REPRESSOR LEVADA A EFEITO COM A EDIÇÃO DA LEI N. 11.596/2007. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. APLICAÇÃO À HIPÓTESE DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. RECONHECIDO, POIS ULTRAPASSADO, DESDE A PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA, O PRAZO PREVISTO NO INCISO V DO ART. 109 DO CÓDIGO PENAL. 1. Levando em consideração que os fatos imputados ao agravante ocorreram antes da entrada em vigor da Lei n. 11.596/2007, não há que se falar em incidência do referido édito normativo sob pena de novatio legis in pejus. 2. A Lei n. 11.596/2007, por ter criado novo marco interruptivo do prazo prescricional, trouxe modificação que agrava a situação do Réu (novatio legis in pejus). O comando normativo não pode retroagir para alcançar crimes cometidos em datas anteriores à entrada em vigor da norma, como ocorre no caso, sob pena de afronta ao princípio da irretroatividade da lei penal maléfica (AgRg no AREsp 1678771/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 31/08/2020) (AgRg no REsp n. 1.834.219/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 2/12/2020). 3. Agravo regimental provido para reconsiderar a decisão agravada, negando provimento ao recurso especial.” Acrescente-se, especificamente sobre a imediata incidência da Lei 14.230/2021 em ações de improbidade administrativa já em curso, o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, nos RESP’s 1.553.124, 1.605.586, 1.502.635 e 1.601.804, afetos ao Tema 1.042/STJ (aplicação ou não do reexame necessário nas ações de improbidade administrativa), determinou, em 24/02/2022, “o retorno do recurso especial ao Sr. Ministro Manoel Erhardt, tornando sem efeito o julgamento iniciado e, consequentemente, o pedido de vista formulado, para proporcionar ao relator originário o exame da potencial incidência da alteração apresentada pela Lei nº 14.230/2021 no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa julgada no presente recurso especial repetitivo”. Também na recente fixação da Tese 1.108 (“A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública”), a Corte Superior considerou, na fundamentação do julgamento dos paradigmas já em curso (RESP’s 1.926.832, 1.930.054 e 1.913.638, julgados em 11/05/2022), as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, como se observa da ementa de um dos respectivos acórdãos: RESP 1.926.832, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 24/05/2022: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. IMPROBIDADE. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR TEMPORÁRIO. AUTORIZAÇÃO. LEI LOCAL. DOLO. AFASTAMENTO. 1. Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e tendo em vista a supremacia deles, sendo representantes daquela os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador ordinário quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento. 2. A questão central objeto deste recurso, submetido ao regime dos recursos repetitivos, é saber se a contratação de servidores temporários sem concurso público, baseada em legislação municipal, configura ato de improbidade administrativa, em razão de eventual dificuldade de identificar o elemento subjetivo necessário à caracterização do ilícito administrativo. 3. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, desde há muito, a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público baseada em legislação local afasta a caracterização do dolo genérico para a configuração de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública. 4. O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei n. 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso para o reconhecimento da improbidade, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.429/1992, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado. 5. Para os fins do art. 1.039 do CPC/2015, firma-se a seguinte tese: "A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública."6. In casu, o Tribunal de origem manteve a sentença que condenou os demandados, mesmo levando em conta a existência de leis municipais que possibilitavam a contratação temporária dos servidores apontados nos autos, sem a prévia aprovação em concurso público, motivo pelo qual o acórdão deve ser reformado. 7. Recurso especial provido.” Registre-se, porém, de logo, que, embora a questão constitucional afeta à retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021 tenha sido objeto de decisão reconhecendo repercussão geral (ARE 843.989, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES: Tema 1.199), somente houve sobrestamento nacional dos recursos excepcionais, com suspensão do respectivo prazo prescricional, sem atingir, pois, os processos ainda em curso nas instâncias ordinárias, como é o caso do presente feito, razão pela qual nada obsta prosseguir no julgamento, face à legislação vigente, inclusive com eventual reconhecimento de prescrição, em sendo o caso, já que a decisão de suspensão do prazo prescricional somente abrange feitos sobrestados nas instâncias excepcionais e, por outro lado, não tem o condão de alterar a situação jurídica dos casos em que já consumada a prescrição. Neste contexto jurídico e, considerando alterações derivadas da nova legislação e a firme jurisprudência quanto à aplicabilidade das inovações a feitos em curso, tem relevo no caso dos autos a exigência de que a ação de improbidade seja proposta exclusivamente pelo Ministério Público Federal (artigo 17, caput, da Lei 8.429/1992), que deve, no prazo de um ano a partir da publicação da Lei 14.230/2021, manifestar interesse no prosseguimento das ações em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso (artigo 3º da Lei 14.230/2021). Na espécie, a ação foi ajuizada pelo FNDE, parte ativa legítima à luz da redação anterior da Lei 8.429/1992, sobrevindo aditamento da inicial pelo Ministério Público Federal que, portanto, passou a integrar o polo ativo da ação como litisconsorte (ID ID 55143831, f. 25 e 37). Em 17/02/2022, contudo, sobreveio deferimento de liminar nas ADI’s 7.042 e 7.043 para suspender efeitos do artigo 3º da Lei 14.230/2021 e conceder interpretação conforme ao caput e parágrafos do artigo 17 da Lei 8.429/1992, “no sentido da existência de legitimidade ativa concorrente entre o ministério público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa”. Independente do resultado final de tais ações diretas de inconstitucionalidade, resta, pois, evidenciado que na presente ação encontra-se regular a legitimação ativa para efeito de julgamento da causa, pois o FNDE ajuizou a ação e o Ministério Público Federal nela ingressou posteriormente. Prosseguindo-se, pois, no exame das alterações legislativas produzidas pela Lei 14.230/2021, tem-se que a atual redação da Lei 8.429/1992 excluiu a caracterização de improbidade administrativa pela prática de ato culposo, como antes previa o respectivo artigo 10, o que, no caso dos autos, de qualquer forma, se afigura irrelevante, já que o ato ímprobo imputado encontra tipificação no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa. O artigo 11 da Lei 8.429/1992, na redação atual mais benéfica aos réus, assim dispõe: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: I - (revogado); II - (revogado); III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado; IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei; V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas. IX - (revogado); X - (revogado); XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas; XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.” Observa-se, prontamente, que o artigo 11 da atual redação da LIA deixou de conter, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam rol apenas exemplificativo, permitindo imputação de ato ímprobo com fundamento apenas no caput do artigo. Na atual redação, mais benéfica aos réus, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas elencadas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o rol, além de não mais permitir imputação com fundamento apenas no caput. No caso dos autos, segundo a inicial, a conduta praticada estava enquadrada nas figuras ímprobas previstas no artigo 11, II e VI, da Lei 8.429/1992 que, na redação original, assim dispunha: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; [...] VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;” Na redação atual, o inciso II do artigo 11 encontra-se revogado - enquanto o inciso VI foi alterado pela Lei 14.230/2021-, gerando, assim, efeito no âmbito do direito administrativo sancionador equivalente ao da abolitio criminis no direito penal. Aduza-se, ainda, que a nova legislação veio com previsão específica, inserida no artigo 17 da LIA, de que: “§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Ainda que a alteração do tipo imputado não se confunda com mera alteração da capitulação legal indicada, como tem decidido a Corte Superior (MS 14.045, Rel. Min. NAPOLEÃO MAIA, DJe 29/04/2010: “É pacífico, no âmbito desta Corte, o entendimento de que "o indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa."), é relevante considerar que a conduta imputada ao réu na inicial da presente ação não se enquadra, porém, em quaisquer outras das previsões contidas nos incisos taxativos da nova redação do artigo 11 da LIA, senão naquela prevista no já indicado inciso VI: “VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;” (grifamos). Dentre outras alterações e inclusões, promovidas para beneficiar réus no âmbito da Lei 14.230/2021, consta, por igual, a seguinte contida na atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992: “§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. [...] § 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.” Tal previsão encontra-se em consonância com as atuais disposições gerais da Lei de Improbidade Administrativa, previstas nos parágrafos do respectivo artigo 1º, nos seguintes termos: “§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.” No mesmo sentido, o § 1º do artigo 17-C da LIA, na atual redação: “§ 1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Neste aspecto subjetivo, igualmente não se ajusta à nova tipicidade legal a imputação de dolo genérico, dissociado do especial intento do agente de ocultar irregularidades para obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem com a prática da infração. Com efeito, o próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, no exame de outra imputação fundamentada no artigo 11 da LIA, que “O afastamento do elemento subjetivo de tal conduta dá-se em razão da dificuldade de identificar o dolo genérico, situação que foi alterada com a edição da Lei n. 14.230/2021, que conferiu tratamento mais rigoroso para o reconhecimento da improbidade, ao estabelecer não mais o dolo genérico, mas o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, ex vi do art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.429/1992, em que é necessário aferir a especial intenção desonesta do agente de violar o bem jurídico tutelado” (RESP 1.926.832, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 24/05/2022, supracitado). No presente caso, a inicial e respectivo aditamento nada discorreram acerca de tal intenção específica do réu, limitando-se a aduzir que o ex-Prefeito manteve-se inerte mesmo após notificado a sanar a irregularidade e que a ausência de comprovação da regular execução do objeto do programa, mediante prestação de contas, poderia mascarar eventual malversação dos recursos públicos, sem, porém, afirmar e, sobretudo, comprovar que esta teria sido a hipótese dos autos. Pelo contrário, sustentou, inclusive, que “a conduta omissiva de não apresentação da prestação de contas, ainda que derivasse de culpa, individualizada pela negligência do gestor público, não afasta a tipificação da improbidade” (ID 55143861, f. 14), o que, à luz da legislação específica e jurisprudência consolidada, conforme realçado, não procede. Ainda que, eventualmente, se alegasse que não houve tal imputação na inicial porque assim não exigia a Lei 8.429/1992, na redação anterior, vigente à época do ajuizamento da ação, tem-se que, na espécie, não restou comprovado, conforme atual exigência legal, que o réu tenha deixado de prestar contas com a intenção específica de ocultar irregularidades, objetivando proveito ou benefício indevido próprio ou de outrem. Realmente, conforme consulta ao inteiro teor do Acórdão 185/2019, do Tribunal de Contas da União, no julgamento da Tomada de Contas Especial 025.058/2014-2, a partir de documentos apresentados pela Prefeitura Municipal de Cubatão (ID 55143871, f. 94/187, e IDs 55143950 e 107310042), restou apurado que, até o final da gestão do réu, os repasses federais do PEJA - Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, relativos ao exercício de 2006, não foram objeto de saques ou utilização, permanecendo integralmente aplicados em fundos de investimento. Somente na gestão posterior, sob outra titularidade, é que houve o débito de cheques na conta específica do programa, em 19/08/2009 e 02/10/2009, além de transferência de 29/12/2014. Não há nos autos qualquer indício mínimo de que o réu tenha, de qualquer forma, participado ou colaborado para a aplicação, em tese, indevida dos recursos federais pela prefeita que lhe sucedeu, o que afasta o dolo específico exigido para a configuração da conduta imputada na improbidade administrativa prevista no artigo 11, VI, da Lei 8.429/1992, na atual redação. Logo, diante do contexto fático e probatório dos autos, e das inovações produzidas pela Lei 14.230/2021, associada à jurisprudência em torno dos efeitos da lei nova mais favorável aos réus, tanto no direito penal, como no direito administrativo sancionador, resta evidenciada a improcedência da imputação de improbidade administrativa com base no artigo 11 da LIA, a impedir, pois, seja aplicada qualquer penalidade, na espécie. Ademais, sequer se cogita, na espécie, de situação ensejadora de ressarcimento de dano ao erário, pois restou expressamente consignado no respectivo voto do Tribunal de Contas da União que, em 23/04/2017, a Prefeitura de Cubatão devolveu ao FNDE valores repassados para o município, por meio do PEJA, devidamente corrigidos, pelo que foi “afastado o débito originalmente imputado aos ex-gestores e ao Município de Cubatão (SP)”, persistindo, “contudo, duas irregularidades graves, quais sejam, a omissão no dever de prestar e a retirada dos recursos da conta específica”, irregularidades estas que redundaram na rejeição das contas do réu e da gestora posterior, respectivamente, com imposição de multas individuais, somente. Não cabe cogitar, portanto, de ressarcimento ao erário, pois já operada, ainda que supervenientemente ao ajuizamento desta ação, a restituição dos valores ora postulados. Destaca-se, a propósito, a atual e expressa previsão contida no § 6º do artigo 12 da LIA no sentido de que, “Se ocorrer lesão ao patrimônio público, a reparação do dano a que se refere esta Lei deverá deduzir o ressarcimento ocorrido nas instâncias criminal, civil e administrativa que tiver por objeto os mesmos fatos”. Por todo o exposto, pois, afigura-se improcedente a imputação de improbidade administrativa com base no artigo 11 da LIA, para efeito de aplicação de quaisquer das sanções previstas na legislação, inclusive a de ressarcimento de dano ao erário. Reforça-se, ainda, por outro lado, a inviabilidade do acolhimento da pretensão ministerial, dado que, ao lado das alterações acima destacadas, também houve inovação legal, a favor dos acusados, no que tange ao regime de prescrição a ser observado com aplicação retroativa, em conformidade com a mesma jurisprudência anteriormente citada. Com efeito, houve alteração do prazo prescricional da ação, com previsão de novos marcos interruptivos, bem como de prazo específico para prescrição intercorrente, conforme atual redação do artigo 23 da Lei 8.429/1992, nos seguintes termos: “Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. I - (revogado); II - (revogado); III - (revogado). § 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão. § 2º O inquérito civil para apuração do ato de improbidade será concluído no prazo de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias corridos, prorrogável uma única vez por igual período, mediante ato fundamentado submetido à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. § 3º Encerrado o prazo previsto no § 2º deste artigo, a ação deverá ser proposta no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de arquivamento do inquérito civil. § 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se: I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa; II - pela publicação da sentença condenatória; III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência; V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência. § 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo. § 6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade. § 7º Nos atos de improbidade conexos que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a qualquer deles estendem-se aos demais. § 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo. ” (grifamos) Segundo a novel legislação, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração. A propósito, ainda que tenha sido mais gravoso o prazo prescricional inicial previsto na nova redação da Lei 8.429/1992, as alterações e inclusões promovidas pela Lei 14.230/2021 são, de modo geral, mais benéficas ao réu em ação de improbidade administrativa, de modo a permitir a sua incidência aos processos em curso, a teor, analogicamente, do previsto na Súmula 501/STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis” (grifamos). Prosseguindo no exame da nova legislação, é causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência. A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos. Conforme consta dos autos o ato de improbidade administrativa imputado ao réu ocorreu em 10/02/2007 (“data limite prevista na citada norma regulamentar” para apresentação da prestação de contas – ID 55143861, f. 13), sendo instaurado processo administrativo para apuração do ilícito em 08/05/2008, seguido de Tomada de Contas Especial em 09/07/2012, concluído ainda em 2012 e ajuizada a ação de improbidade administrativa em 09/12/2013. Percebe-se que, entre os fatos e o ajuizamento da ação, considerada a suspensão da prescrição por 180 dias (artigo 23, § 1º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021), não permite cogitar do decurso do prazo de oito anos previsto no caput do artigo 23 da lei de regência, antes da primeira causa interruptiva. Todavia, interrompida a prescrição a partir da data do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, passa a correr, desde então, nova prescrição, mas pelo prazo reduzido à metade, cuja interrupção eficaz exige seja publicada sentença condenatória em até quatro anos contados do ajuizamento da ação. No caso concreto, a sentença foi proferida em 25/07/2017 (ID 55143884, f. 6) e publicada no diário oficial em 09/08/2017 (f. 8 de mesmo ID), também em prazo inferior a quatro anos da interrupção anterior (ajuizamento da ação de improbidade administrativa, em 09/12/2013). Porém, a partir de tal marco interruptivo, ainda que fosse o caso de manter a condenação no presente julgamento da apelação e remessa oficial, tida por submetida - o que, como acima visto, não procede -, a confirmação da sentença condenatória já não se afiguraria mais possível, em tese, em razão do advento da prescrição, pois o acórdão dataria de mais de quatro anos da interrupção anterior (publicação da sentença em 09/08/2017). Constatado de ofício decurso do prazo, e aplicando a jurisprudência quanto à retroação de normas de prescrição a processos em curso, quando em benefício do acusado ou réu, foi determinada a manifestação das partes, não ofertando o polo ativo da ação (MPF ou FNDE) razões capazes de elidir a conclusão acima exposta, razão pela qual, nos termos e com fundamento no artigo 23, caput, §§ 4º, II e III, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, cabe, ainda, em acréscimo às razões de mérito, reconhecer a consumação da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora. Ressalte-se que, embora o ressarcimento ao erário seja imprescritível, nos termos do artigo 37, § 5º, CF (Tese 897/STF, RE 852.475), o fundamento específico para afastar tal penalidade é a improcedência do pedido, pelo mérito, à luz da motivação anteriormente externada. Logo, concorrem, em face da legislação nova a ser aplicada retroativamente, conforme jurisprudência consolidada tanto da Suprema Corte como do Superior Tribunal de Justiça, não apenas razões de mérito para a improcedência da ação de improbidade administrativa, inviabilizando sancionamento por quaisquer das penalidades, como ainda em virtude de prazo prescricional consumado intercorrentemente, nos termos da fundamentação. Em suma, o conjunto de alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, associada à jurisprudência em torno dos efeitos da lei nova mais favorável aos réus, tanto no direito penal, como no direito administrativo sancionador, revela, no caso concreto, enorme impacto sobre a pretensão autoral, fulminando-a na prática, conforme acima descrito. Afastada a sucumbência, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/1985 e jurisprudência neste sentido consolidada. Ante o exposto, não conheço do agravo retido e, de ofício, apreciando questão de ordem pública, relacionada à aplicação retroativa da legislação mais favorável aos réus, consubstanciada na Lei 14.230/2021, julgo improcedente, pelo mérito, a pretensão autoral, dada a atipicidade da conduta frente ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, acrescida do reconhecimento da prescrição intercorrente para as sanções sujeitas a tal cominação, a teor do artigo 23 da Lei 8.429/1992 na redação dada pela Lei 14.230/2021, restando, assim, prejudicada a apelação do réu e desprovida a remessa oficial, tida por submetida. Em consequência, defiro pedidos de desbloqueio dos veículos atingidos pelo decreto de indisponibilidade (IDs 55143952, 89889416, 89890032 e 89890062), até porque não restaram atendidos na liminar os requisitos exigidos pela atual redação do artigo 16 da Lei 8.429/1992 (ID 55143831, f. 26/37), vez que, em se tratando de medida processual de caráter incidente, admite-se respectivo reexame quando alterado o contexto fático ou jurídico que a respaldou, como ocorrido na presente hipótese, com modificações substanciais pela Lei 14.230/2021. Inclua-se o Município de Cubatão na autuação, na condição de terceiro interessado (ID 55143843, f. 13/14). É como voto.
APELADO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO NO DEVER DE PRESTAR CONTAS. RECURSOS FEDERAIS. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. ATIPICIDADE E PRESCRIÇÃO. EXAME DE OFÍCIO DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA.
1. Não se conhece do agravo retido interposto ao indeferimento da produção de prova oral, vez que não houve a reiteração exigida pelo artigo 523, §1º, CPC/1973, tampouco foi devolvida a questão nas razões de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC/2015).
2. Consolidada a jurisprudência no sentido de que se aplica ao direito administrativo sancionador os princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
3. Em decorrência de tal extensão de princípios reguladores, o advento da Lei 14.230/2021, no que instituiu novo regramento mais favorável ao réu imputado ímprobo, deve ser considerado no exame de pretensões formuladas em ações civis públicas de improbidade administrativa, ainda que ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação.
4. Neste sentido, verifica-se, primeiramente, que o artigo 11 da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, não mais contempla tipos abertos, passando a descrever condutas específicas, em rol exaustivo, como ímprobas, exigindo, ainda, não apenas dolo genérico, mas o específico de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem com a conduta perpetrada, o que, na espécie, inviabiliza o enquadramento da imputação no novo tipo legal de improbidade administrativa.
5. Ademais, já operada, ainda que supervenientemente ao ajuizamento desta ação, a restituição dos valores ora postulados, não se cogita de ressarcimento ao erário (artigo 12, § 6º, da Lei 8.429/1992).
6. Concorrrentemente, o artigo 23 da Lei 8.429/1992, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, fixou novo regime de prescrição. Segundo a nova disciplina instituída pela Lei 14.230/2021, a prescrição da ação de improbidade administrativa é de oito anos, contados do fato ou da cessação dos fatos, quando permanente a infração. É causa de suspensão da prescrição, pelo prazo de até 180 dias, a instauração de inquérito civil ou processo administrativo para apuração de responsabilidade, findos os quais recomeça a correr o prazo de oito anos. São causas interruptivas da prescrição de oito anos: ajuizamento da ação de improbidade administrativa, publicação de sentença condenatória, publicação de decisão ou acórdão de segundo grau que confirma condenação ou reforma sentença de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência, publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou reforma acórdão de improcedência. A interrupção da prescrição gera a contagem, a partir da mesma data, de novo prazo de prescrição, porém pela metade do prazo originário, ou seja, por quatro anos.
7. No caso, ocorridos os fatos em 10/02/2007, instaurado processo administrativo para apurar o ilícito em 08/05/2008 e proposta a ação civil pública de improbidade administrativa em 09/12/2013, resta evidenciado que, entre tais datas, não houve decurso do prazo prescricional de oito anos. Proferida sentença em 25/07/2017 e publicada no diário oficial em 09/08/2017, ainda que fosse eventualmente mantida a condenação no presente julgamento da apelação e remessa oficial, tida por submetida - o que, como acima visto, não procede -, a confirmação da sentença condenatória já não se afiguraria mais possível, em tese, em razão do advento da prescrição, pois o acórdão dataria de mais de quatro anos do último marco interruptivo, acarretando, nos termos e com esteio no artigo 23, caput, §§ 4º, II e III, 5º e 8º, da Lei 8.429/1992, com alterações da Lei 14.230/2021, a consumação da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora.
8. Reconhecimento, de ofício, em virtude da superveniência da Lei 14.230/2021, da atipicidade da conduta imputada quanto à ofensa ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, além da prescrição intercorrente face à nova redação do artigo 23 da Lei 8.429/1992.
9. Agravo retido não conhecido, apelação prejudicada e remessa oficial, tida por submetida, desprovida.