APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001674-61.2018.4.03.6115
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: PRISCILA ANTONIO DE MELO
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS ROBERTO TAVONI - SP105173-A
APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001674-61.2018.4.03.6115 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: PRISCILA ANTONIO DE MELO Advogado do(a) APELANTE: MARCOS ROBERTO TAVONI - SP105173-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação ordinária ajuizada por Priscila Antonio de Melo em face Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando a exclusão de seu ex-companheiro, Denisson Jean de Souza Sette, de contrato de financiamento imobiliário com alienação fiduciária em garantia, em razão de dissolução da união estável. Após instrução processual, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC. A parte autora apelou, alegando, em síntese, que o art. 35-A, da Lei nº 11.977/2009, determina expressamente que, nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida será registrado em nome da mulher ou a ela transferido. Afirma, ainda, que não possui restrições em seu nome e, apesar de não ter renda comprovada, está em dias com as obrigações contratuais. Sem contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001674-61.2018.4.03.6115 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: PRISCILA ANTONIO DE MELO Advogado do(a) APELANTE: MARCOS ROBERTO TAVONI - SP105173-A APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Narra a parte autora que restou estipulado na dissolução de união estável e partilha de bens que a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 100.647, do Registro de Imóveis de São Carlos/SP, seria exclusivamente sua, tendo assumido o pagamento das parcelas do financiamento. Juntou aos autos cópia da sentença proferida nos autos do processo nº 1010193-52.2016.8.26.0566, que julgou procedente o pedido e homologou a partilha de bens. Restou consignado, na referida decisão, que o imóvel objeto da matrícula nº 100.647, do Registro de Imóveis de São Carlos/SP, será atribuído à parte autora (id 70098451, p. 24/27). Há, ainda, ofício da CEF, informando que é inviável a transferência da dívida à parte autora, por não ter como comprovar sua capacidade financeira, uma vez que trabalha informalmente (id 70098451, p. 34/35). No caso dos autos, a parte-autora, juntamente com seu ex-companheiro, Denisson Jean de Souza Sette, celebrou contrato por instrumento particular de compra e venda de terreno e construção e mútuo com obrigações e alienação fiduciária – Carta de crédito individual – FGTS – Programa Minha Casa Minha Vida, em 15/01/2010, tendo por objeto um terreno constituído pelo lote 223 da quadra 7, com frente para a Rua 3, sem numeração oficial, no loteamento denominado Jardim Embaré, no município de São Carlos/SP, devidamente descrito e caracterizado na matrícula nº 100.647, do Registro de Imóveis de São Carlos/SP (id 70098452). De acordo com o art. 29, da Lei nº 9.514/1997, “o fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”. Portanto, há expressa previsão legal no sentido de que a transferência de dívida depende de anuência da instituição financeira, o que não ocorreu no caso dos autos. Com relação ao art. 35-A, da Lei nº 11.977/2009, observa-se que referido dispositivo legal determina o seguinte: “nas hipóteses de dissolução de união estável, separação ou divórcio, o título de propriedade do imóvel adquirido no âmbito do PMCMV, na constância do casamento ou da união estável, com subvenções oriundas de recursos do orçamento geral da União, do FAR e do FDS, será registrado em nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, excetuados os casos que envolvam recursos do FGTS”. Portanto, trata-se de hipótese aplicável apenas aos contratos que contam com subvenção do orçamento geral da União, do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) ou do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), o que não é o caso dos autos. Ainda, há exceção expressa nos casos em que houver recursos do FGTS, como ocorre no contrato ora em debate. Ademais, a sentença homologatória da dissolução de união estável produz efeito apenas entre as partes, não possuindo eficácia em relação à CEF, que sequer integrou a demanda. Por fim, de se ressaltar que a CEF informou não ser possível efetuar a transferência da dívida para o nome da parte autora, pois esta não comprovou que possui renda para arcar com as prestações decorrentes do financiamento. Assim, não se justifica a pretensão da parte autora, para que seu ex-companheiro seja excluído do contrato de financiamento. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados do C. STJ e desta E. Corte: Mandado de segurança. Sistema Financeiro da Habitação. Contrato de financiamento. Mutuário. Separação judicial. Transferência do contrato à ex-cônjuge por determinação judicial. Anuência do agente financeiro. Necessidade. - Sentença que homologa acordo de separação consensual entre mutuário e ex-cônjuge, determinando a transferência do contrato de financiamento a esta, fere direito líquido e certo do agente financeiro do SFH consistente na sua obrigatória interveniência para anuência da novação subjetiva. - Recurso ordinário a que se dá provimento. (RMS 12.489/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2001, DJ 23/04/2001, p. 158). APELAÇÃO. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. DIVÓRCIO. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA POR APENAS UM DOS PACTUANTES. ANUÊNCIA DA CEF. NECESSIDADE. LIMITE DE COMPROMETIMENTO DA RENDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo o disposto no art. 29 da Lei 9.514/97 a transferência dos direitos e obrigações contratuais está condicionada à aquiescência do agente financeiro. 2. A retirada de um pactuante demanda o expresso consentimento da CEF, afinal o contrato celebrado tem força vinculante entre os seus participantes. 3. Conforme previsão na cláusula 15, "b", a cessão ou transferência a terceiros, no todo ou em parte, dos seus direitos e obrigações, sem autorização da CEF, pode causar o vencimento antecipado da dívida. 4. A partilha de bens, produzida em separação ou divórcio, não tem o condão de produzir a novação subjetiva do financiamento imobiliário, não podendo onerar a CEF, principalmente por não ter a instituição financeira participado do respectivo processo. Isto porque os efeitos da sentença homologatória de separação judicial alcançam somente as partes integrantes da lide. Precedentes. 5. Por seu turno, a jurisprudência tem entendido que desemprego, divórcio, separação, redução de renda, entre outras condições pessoais adversas que interferem na saúde financeira do devedor, não dão ensejo à revisão contratual com base na teoria da imprevisão, pois são fatos naturais da vida e, não, extraordinários, integrando o risco de qualquer contrato, especialmente financiamentos longos, como na hipótese dos autos (360 meses). 6. Vale ressaltar que as prestações não estão contratualmente submetidas a um limite máximo de comprometimento da renda, como pretende a apelante. 7. Apelação desprovida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000976-12.2019.4.03.6118, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 25/02/2021, DJEN DATA: 04/03/2021). De fato, só caberia a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, com adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor, por outro lado, excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos. Não comprovadas irregularidades no que inicialmente restou pactuado, não se mostra possível o acolhimento da pretensão da parte autora, devendo ser mantido o contrato em questão, bem como o pagamento das prestações, livremente entabulados pelas partes. Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO à apelação. Com fundamento no art. 85, §11, do CPC, majoro em 20% o percentual da verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). Observe-se o art. 98, § 3º, do CPC, em vista de a parte ser beneficiária de gratuidade. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXCLUSÃO DE MUTUÁRIO.
- Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.
- Há expressa previsão legal no sentido de que a transferência de dívida depende de anuência da instituição financeira, o que não ocorreu no caso dos autos.
- A sentença homologatória da dissolução de união estável produz efeito apenas entre as partes, não possuindo eficácia em relação à CEF, que sequer integrou a demanda. Assim, não se justifica a pretensão da parte autora, para que seu ex-companheiro seja excluído do contrato de financiamento.
- Não comprovadas irregularidades no que inicialmente restou pactuado, não se mostra possível o acolhimento da pretensão da parte autora, devendo ser mantido o contrato em questão, bem como o pagamento das prestações, livremente entabulados pelas partes.
- Apelação não provida.