RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0008737-85.2020.4.03.6332
RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECORRIDO: VITORIO GONCALVES DE OLIVEIRA FILHO
Advogado do(a) RECORRIDO: MAIKEL WILLIAN GONCALVES - SP328770-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0008737-85.2020.4.03.6332 RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: VITORIO GONCALVES DE OLIVEIRA FILHO Advogado do(a) RECORRIDO: MAIKEL WILLIAN GONCALVES - SP328770-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993. O juízo singular proferiu sentença e julgou procedente o pedido. Inconformada, a autarquia ré apresentou o presente recurso. Postulou a ampla reforma da sentença. Sem contrarrazões. É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0008737-85.2020.4.03.6332 RELATOR: 45º Juiz Federal da 15ª TR SP RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS RECORRIDO: VITORIO GONCALVES DE OLIVEIRA FILHO Advogado do(a) RECORRIDO: MAIKEL WILLIAN GONCALVES - SP328770-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Passo à análise do recurso. O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição Federal nos seguintes termos: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado sob a sistemática da repercussão geral, o benefício em questão também pode ser concedido a estrangeiros residentes no Brasil: “Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais” (STF, Plenário, RE 587.970/SP, rel. min. Marco Aurélio, j. 20/4/2017, DJe 21/9/2017, Tema 173). A Lei n° 8.742, de 07.12.93, adotada pela Autarquia previdenciária na análise da concessão da prestação na esfera administrativa, define o portador de deficiência nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. ... § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Comparando-se a definição atual com a anterior, percebe-se que, atualmente, não mais é necessária a interação do impedimento de longo prazo com diversas barreiras, bastando apenas uma, desde que obstrua a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de condições (AMADO, Frederico. “Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 65 e 66). A lei define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos: § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” (NR) O Critério de aferição do lapso de dois anos foi objeto de uniformização pela TNU que a respeito do ponto editou a Tese 173, com o seguinte teor: “Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).” A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira holística, analisando-se fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais, ou seja, o indivíduo inserido na realidade, e não à parte dela. Para tanto, o art. 20, § 6º, da Lei 8.742/1993 determina: “§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)”. A esse respeito, em 15/4/2015, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a Súmula 80, in verbis: “Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei 12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”. No caso em análise, a perícia médica, realizada no dia 04/03/2021, por especialista, concluiu que o demandante, nascido em 13/04/1963 (57 anos na data do exame), possui quadro de cegueira em olho direito (classificação da OMS) por uveite, desde 2019, o que lhe acarreta incapacidade total e permanente para suas atividades habituais. Eis a conclusão do perito judicial: “(...) LAUDO MÉDICO Análise e discussão de resultados: Tendo em vista os exames realizados e documentação apresentada, o autor apresenta cegueira em olho direito (classificação da OMS) por uveite. Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se: O autor possui cegueira em olho direito, havendo incapacidade total e permanente para função habitual. Pode ser reabilitado em outra função que demande visão monocular apenas e que não demande treinamento especifico, como porteiro, ajudante, ajudante geral, auxiliar de limpeza entre outros. (...)” Levando-se em conta a data de início da incapacidade e o prognóstico da demandante, considero que o impedimento da requerente deve ser reputado de longo prazo, nos termos do § 10 do art. 20 da Lei 8.742/1993 e do Tema 173 da TNU. Assim, considero que estão presentes todos os requisitos do § 2º para se considerar a autora pessoa com deficiência. Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo, considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou idosa pertencente à família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o critério supracitado (ADI 1.232, j. 27/8/1998). O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial repetitivo, fixou a seguinte tese: “A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185). Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min. Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27). Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original): “Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”. Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102, § 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade. Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não foi alcançado o quórum de 2/3. A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis: “§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula 79 da TNU, aprovada em 15/4/2015: “Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal”. A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese: “O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122). Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e diferenciados para a concessão do benefício. Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21) que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93 O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiarper capitaprevisto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. .....................................................................................................................” (NR) “Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensalper capitade que trata o § 11-A do referido artigo: I – o grau da deficiência; II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. § 1º A ampliação de que trata ocaputdeste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. § 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III docaputdeste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III docaputdeste artigo. § 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I docaputdeste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei. § 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III docaputdeste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.” Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo familiar. Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal: STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no cálculo da renda per capita. No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são incapazes de resolver determinado problema. Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos analisados de forma sistemática. Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput). O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber assistência social. Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo estado de miserabilidade. Observadas essas premissas, no caso concreto, o laudo social indicou que, nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é composto pelo demandante, sua esposa e um filho de 37 anos, atualmente desempregado. Os outros filhos do demandante, residem em outro local. A renda mensal do autor provém do trabalho informal da cônjuge com o cargo de Diarista, através do valor de R$ 600,00 (Seiscentos reais), mensais e da ajuda do benefício assistencial emergencial através do valor de R$ 250,00 (Duzentos e cinquenta reais) mensais, juntamente com o benefício assistencial emergencial através do valor de R$ 150,00 (Cento e cinquenta reais), mensais do filho que é domiciliado no mesmo endereço. Informou não receber nenhum outro tipo de assistência. Todas as despesas com alimentação, aluguel, gás e luz são custeadas com essa renda. O autor vive com a esposa e o filho em imóvel próprio. Por conseguinte, a renda per capita do autor é inferior à metade do salário mínimo vigente na data da perícia socioeconômica (06/05/2021), estipulado nos termos do Decreto nº 9661/2019. Observo que a demandante não tem suas necessidades básicas plenamente atendidas, uma vez que não possui renda sequer para custear a própria alimentação, considerando o valor do aluguel e as demais despesas essenciais. Além de se enquadrar no critério legal de miserabilidade (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993), a situação econômica da autora é corroborada pelo laudo social e pelo acervo fotográfico anexo, que revelam imóvel alugado simples, guarnecido apenas com móveis e eletrodomésticos essenciais, que não destoam da alegada condição de miserabilidade. Embora a renda per capita não seja o único critério para se aferir a necessidade da postulante, no caso, o aspecto geral do ambiente doméstico e o contexto familiar indicam que a parte autora não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não obstante, diante das despesas mensais declaradas à assistente social, observo que a renda do grupo familiar tem se mostrado insuficiente para cobri-las. Portanto, os argumentos do recorrente devem ser rechaçados. No ponto, assim restou fundamentada a sentença: “(...) No caso concreto, no que se refere à deficiência, fora realizada prova pericial com o fim de apuração da incapacidade invocada pela parte demandante. Por oportuno, importante considerar que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (RESP 360.202/AL, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006). Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros. Para o atendimento desse requisito, afigura-se suficiente que a pessoa não tenha condições de buscar no mercado de trabalho meios de prover a sua própria subsistência. Tal análise, que deve sempre ser realizada à luz do caso concreto, deve cogitar, ainda, a possibilidade de readaptação da pessoa em outra atividade laboral, tendo em vista as suas condições pessoais (espécie de deficiência ou enfermidade, idade, profissão, grau de instrução). Ademais disso, a ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual fora incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (Artigo 1º, da referida Convenção). Assim é que a Lei nº 12.470, de 2011, que alterou o § 2º do artigo 20, da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1º, da aludida Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido. Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social. Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20 da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula, de forma plena e justa. In casu, conforme se depreende do laudo produzido (ID 105963146), a parte autora acha-se em situação de evidente desigualdade de condições em relação às demais pessoas, em razão de seu impedimento de longo prazo (de natureza física, mental, intelectual ou sensorial). Disse o expert: “Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se: O autor possui cegueira em olho direito, havendo incapacidade total e permanente para função habitual. Pode ser reabilitado em outra função que demande visão monocular apenas e que não demande treinamento especifico, como porteiro, ajudante, ajudante geral, auxiliar de limpeza entre outros.”. Convém destacar que a Lei 14.126/2021 - ratificando a percepção acolhida pela jurisprudência majoritária - estabeleceu que a visão monocular é classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais. Sendo esse o cenário, entendo que a prevalência do laudo pericial afigura-se inafastável, posto que, além de não impugná-lo, a parte ré nenhum elemento técnico trouxe aos autos capaz de infirmar a conclusão do perito. Em relação à miserabilidade, o relatório social (ID 106161794) informa que parte autora não detém renda própria, mora com sua esposa e seu filho, ambos desempregados. As condições de moradia revelaram-se precárias. Vê-se que a parte postulante reside de favor em imóvel antigo, mal-acabado e visivelmente sem manutenção, carecendo de reparos imediatos e pintura (ID 105963713). Os poucos móveis que guarnecem a residência, além de antigos, estão em mal estado de conservação. Aliás, constata-se que a subsistência da parte autora e de seu grupo familiar depende do auxílio emergencial de caráter temporário da esposa e da renda incerta e eventual do seu filho. Com isso, no caso concreto, a renda per capita da família, observado o disposto pelo art. 20, §1º, da Lei nº 8.742/93 e o conceito do art. 16 da Lei nº 8.213/91, não exorbita o limite de 1/4 do salário mínimo. Diante desse cenário, a hipossuficiência financeira é incontroversa. Preenchidos os requisitos legais, a procedência é medida de rigor. Tratando-se de benefício de caráter alimentar, e considerando o tempo decorrido desde o indeferimento do requerimento administrativo, é caso de se conceder a antecipação dos efeitos da tutela na própria sentença, para se determinar ao INSS que proceda à imediata implantação do benefício da parte autora, independentemente do trânsito em julgado. No que toca aos requisitos autorizadores previstos agora no art. 300 do Código de Processo Civil, vislumbra-se, de um lado, mais que a plausibilidade do direito afirmado, a própria certeza de sua existência, diante do julgamento da causa em sede de cognição exauriente. De outra parte, no que toca ao risco de dano irreparável, não se pode perder de perspectiva que a nota de urgência é característica que marca a generalidade das demandas previdenciárias que buscam a concessão de benefício, sendo a imprescindibilidade do amparo pela previdência social inerente à situação de todos que, incorrendo nos riscos sociais previstos no art. 201 da Constituição Federal, perdem a capacidade de se sustentar. Imperiosa, pois, a antecipação dos efeitos da tutela. 3. Dispositivo Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO e condeno o INSS à concessão do benefício de benefício assistencial ao deficiente (LOAS) em favor da parte autora, com renda mensal de um salário mínimo. Fixo a DIB em 04/11/2019 (DER) e início do pagamento na data da intimação desta sentença. (...)” A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a parte autora é pessoa com deficiência e não tem condições de prover seu sustento. Ademais, não há outros familiares que possam ajudá-lo sem prejuízo de sua subsistência ou de seus dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do Poder Público por meio do pagamento do BPC-LOAS. Preenchidos os requisitos legais, o benefício assistencial deve ser deferido. Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso do réu, nos termos da fundamentação acima. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15. Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei. É o voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CEGUEIRA EM OLHO DIREITO. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA FAMILIAR INFERIOR A ½ DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. AUTOR RESIDE COM ESPOSA E UM FILHO EM IMÓVEL PRÓPRIO. NECESSIDADES BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO.