Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
7ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000031-29.2019.4.03.6339

RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP

RECORRENTE: GERALDO CORREA

Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO DE LIRIO ESPINACO - SP205914-N

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000031-29.2019.4.03.6339

RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP

RECORRENTE: GERALDO CORREA

Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO DE LIRIO ESPINACO - SP205914-N

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso interposto pela parte autora, em face da r. sentença que julgou parcial procedente pedido de reconhecimento de tempo rural e de período exercido em condições especiais, para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

É o relatório.

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000031-29.2019.4.03.6339

RELATOR: 20º Juiz Federal da 7ª TR SP

RECORRENTE: GERALDO CORREA

Advogado do(a) RECORRENTE: MAURICIO DE LIRIO ESPINACO - SP205914-N

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua fundamentação.

Acerca da comprovação do tempo rural, há dois entendimentos sedimentados nos Juizados Especiais Federais, veiculados pelas Súmulas 14 e 34 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:

 

Súmula 14/TNU: Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.

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Súmula 34/TNU: Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.

O E. Superior Tribunal de Justiça também sedimentou entendimento sobre a questão, mediante sua Súmula nº 577:

 

Súmula 577/STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.

Do cotejo dos enunciados acima reproduzidos, conclui-se que, em caso de reconhecimento de tempo de serviço em atividade rural, os documentos (início de prova material) devem ser contemporâneos aos fatos que se quer comprovar, mas não se exige que a prova material corresponda a todo o período que se quer reconhecer, podendo haver ampliação do período constante da documentação, desde que corroborado por prova testemunhal idônea.

 

No presente caso, o conjunto probatório constante dos autos não permite ampliar o período de labor campesino além daquele já reconhecido, ante a ausência da prova testemunhal.

Quanto aos agentes biológicos, a legislação previdenciária assim prevê, do que interessa:

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DECRETO Nº 53.831/64 – Quadro ANEXO

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Código 1.3.2 - GERMES INFECCIOSOS OU PARASITÁRIOS HUMANOS – ANIMAIS Serviços de Assistência Médica, Odontológica e Hospitalar em que haja contato obrigatório com organismos doentes ou com materiais infecto-contagiantes. - Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes - assistência médico, odontológica, hospitalar e outras atividades afins.

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DECRETO Nº 83.080/79 - ANEXO II

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MEDICINA-ODONTOLOGIA-FARMÁCIA E BIOQUÍMICA-ENFERMAGEM-VETERINÁRIA

Médicos (expostos aos agentes nocivos

- Código 1.3.0 do Anexo I).

Médicos-anatomopatologistas ou histopatologistas.

Médicos-toxicologistas.

Médicos-laboratoristas (patologistas).

Médicos-radiologistas ou radioterapeutas.

Técnicos de raio x.

Técnicos de laboratório de anatomopatologia ou histopatologia.

Farmacêuticos-toxicologistas e bioquímicos.

Técnicos de laboratório de gabinete de necropsia.

Técnicos de anatomia.

Dentistas (expostos aos agentes nocivos – código 1.3.0 do Anexo I).

Enfermeiros (expostos aos agentes nocivos – código 1.3.0 do Anexo I).

Médicos-veterinários (expostos aos agentes nocivos – código 1.3.0 do Anexo I).

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DECRETO Nº 3048/99 - ANEXO IV

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3.0.0 - BIOLÓGICOS

Exposição aos agentes citados unicamente nas atividades relacionadas.

3.0.1 - MICROORGANISMOS E PARASITAS INFECTO-CONTAGIOSOS VIVOS E SUAS TOXINAS  (Redação dada pelo Decreto nº 4.882, de 2003)

a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;

b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;

c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia;

d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;

e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto;

f) esvaziamento de biodigestores;

g) coleta e industrialização do lixo.

A Turma Nacional de Uniformização firmou a seguinte tese, no julgamento do Tema 211:

 

Questão submetida a julgamento: Saber se, para o reconhecimento de tempo especial pela exposição nociva aos agentes biológicos mencionados na legislação previdenciária, há necessidade de comprovar a habitualidade e a permanência.

 

Tese firmada: Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.

 

O artigo 46 combinadamente com o § 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença.

Ademais a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a adoção dos fundamentos contidos na sentença pela Turma Recursal não contraria o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, vejamos, por exemplo, o seguinte julgado:

 

EMENTA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA. JUIZADO ESPECIAL. REMISSÃO AOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA.

1. Controvérsia decidida à luz de legislações infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.

2. O artigo 46 da Lei nº 9.099/95 faculta ao Colégio Recursal do Juizado Especial a remissão aos fundamentos adotados na sentença, sem que isso implique afronta ao artigo 93, IX ,da Constituição do Brasil.

Agravo Regimental a que se nega provimento. ( AI 726.283-7-AgR, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe nº 227, Publicação 28/11/2008).

O parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”

O dispositivo legal prevê, expressamente, a possibilidade de o órgão revisor adotar como razão de decidir os fundamentos do ato impugnado, o que não implica violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal.

Colaciono o r. julgado recorrido, que bem elucidam a questão:

 

“(...)

Trata-se de ação ajuizada por GERALDO CORREA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), na qual requer a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, desde requerimento administrativo (06.07.2016), com o cômputo de lapsos de trabalho de natureza campesina sem registro em CTPS, bem como com o reconhecimento de tempo de serviço submetido a agentes nocivos.

Foram concedidos os benefícios da gratuidade de justiça ao demandante.

É a síntese do necessário.

Decido.

QUESTÕES PRELIMINARES

Em preliminar de contestação, pugna a autarquia federal pela intimação da autora para, de forma expressa, renunciar à parcela do valor da causa que ultrapasse o limite legal de 60 salários mínimos, sob pena de declínio da competência do JEF, o que tenho por dispensável, tomando-se o valor dado à causa (R$ 12.500,00), inferior ao de alçada.

Consigne-se que, embora cópia do processo administrativo carreada aos autos demonstre a inocorrência de prévia postulação administrativa com vistas ao reconhecimento dos lapsos de labor especial aqui pleiteados, entendo superada a questão, ante a apresentação de contestação pela autarquia federal (Id. 59336303), onde argumenta não ter apresentado o autor provas do referido trabalho, configurando, portanto, pretensão resistida.

Sendo dispensável a produção de outras provas além daquelas que constam dos autos – uma vez que a prova pericial só é devida em situações excepcionalíssimas, e carreada aos autos documentação que permite verificação da alegada especialidade de períodos de trabalho -, passo à análise do mérito, nos termos do art. 355, inciso I do Código de Processo Civil.

MÉRITO

aposentadoria por tempo de contribuição, que substituiu a aposentadoria por tempo de serviço a partir da Emenda Constitucional 20/1998, era devida ao segurado que, cumprida a carência exigida na Lei 8.213/91 (180 contribuições), comprovasse 35 (trinta e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, ou 30 (trinta) anos, se mulher, sem estabelecer a exigência de idade mínima. Somente se exigia idade mínima para a aplicação das regras de transição para a aposentadoria proporcional, implementadas no corpo da EC 20/1998, que impunha a idade mínima de 48 anos de idade para mulheres e 53 anos para homens, com o cumprimento de pedágio de 40% do tempo faltante em 16.12.1998, de forma a alcançar apenas determinados segurados. 

Com o advento da EC 20/1998, o tempo de serviço deixou de ser considerado para a concessão da aposentadoria, tornando-se necessário o tempo de contribuição efetivo, bem como foi extirpada, enquanto regra permanente, a aposentadoria proporcional para quem se filiou ao RGPS após 16.12.1998, data de entrada em vigor da EC 20/1998.

A inexistência de previsão de idade mínima na regra permanente deu azo à criação de mecanismos destinados à mitigação dos impactos de aposentadorias precoces, como o fator previdenciário (Lei 9.876/1999) e a fórmula 85/95 (Lei 13.183/2015).

Era esse o cenário até o advento da Emenda Constitucional 103/2019. A Emenda Constitucional 103/2019, de 12 de novembro de 2019, alterou o sistema da previdência social e estabeleceu regras de transição e disposições transitórias.

Pois bem. Passa-se à análise de cada um dos pleitos para verificar o direito à aposentação pretendida.

Do Tempo de Serviço Rural sem Registro em CTPS

Aduz o autor ter desenvolvido labor campesino de 19.02.1981 a 30.09.1985 e entre vínculos de emprego.

Segundo preconiza o art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, a comprovação do trabalho rural é possível mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser complementada por prova testemunhal. Nesse sentido, a Súmula 149 do E. STJ.

Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não significa que o segurado deva demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.

Início de prova material, conforme a própria expressão revela, não indica completude, mas sim começo de prova, princípio de prova, ou seja, elemento indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios. Em outras palavras, na intelecção tomada pela jurisprudência, início de prova material jamais correspondeu a marco, razão pela qual não deve o documento mais antigo demarcar os limites do reconhecimento, desprezando-se o valor da prova testemunhal.

E para comprovar o exercício da atividade rural, enumera o art. 106 da Lei 8.213/91, alterado pelas Leis 8.870/94 e 9.063/95, de forma meramente exemplificativa, documentos de que pode fazer uso o segurado, em nome próprio ou de familiares.

Consigne-se ser possível considerar, como início de prova material, documentos em nome de familiares, não sendo despiciendo observar que, no regime de economia familiar, geralmente a documentação era/é expedida em nome do chefe da família e/ou de determinado membro dela (usualmente o mais velho), mas a atividade laboral era/é desenvolvida por todos do grupo.

No caso, para fazer prova do propalado período de trabalho rural, o autor carreou aos utos:

a) em nome próprio: a1) CTPS, emitida em 08.10.1985, constando diversos vínculos empregatícios de natureza rural a partir de 01.10.1985a2) Certidão de seu casamento, celebrado em 02.05.1987, e Assentos de nascimentos dos filhos Fernando e Bruna, ocorridos, respectivamente, em 14.09.1992 e  29.09.1995, qualificando-o como lavrador;  a3) Declaração emitida pela Granja Yabuta, em 17.09.2018, assinalando que o demandante labora e reside na propriedade rural Fazenda São Bento, situada no Bairro Águas Claras, em Queiroz/SP, desde 03.03.2008;

b) em nome do genitor (Luiz Correa): b1) Certidão de casamento, celebrado na década de 40, constando sua ocupação como lavradorb2) Certidão emitida pela Delegacia Regional Tributária de Presidente Prudente, comprovando sua inscrição estadual como produtor rural (parceiro) - Sítio Nossa Senhora Aparecida, Bairro Barreirinho, em Rinópolis/SP -, com início das atividades em 23.05.1977.

Observe-se desmerecerem consideração: certidão de óbito e certificado de isenção de serviço militar por estarem ilegíveis.

c) outros documentos:  c1) Certidão de casamento dos pais da esposa do autor, na qual consta que o genitor (João Perez Senno) era lavrador; c2) CTPS do genitor da mulher do demandante, sem aparentes vínculos empregatícios.

Em depoimento pessoal, o autor narrou que começou a laborar desde cedo com seus genitores, uma vez que era porcenteiros no café. Fez referência à propriedade no Bairro Barreirinho, em Rinópolis/SP, onde residiu de 1974 até 1982. De lá se mudou para Salmourão, onde trabalhou como diarista/boia-fria (citou a Fazenda Bom Sucesso, sem se recordar nome do empreiteiro/”gato” ou do proprietário), até ser contratado para trabalhar na Fazenda Santa Terezinha de Luiz Baptista Neto. Negou ter trabalhado na cidade.

Questionado sobre os períodos intercalados com vínculos anotados, afirmou genericamente que “sempre tinha serviço” com vizinhos e conhecidos.

A testemunha Adriano Aparecido Soares da Silva residiu e trabalhou, como o demandante e sua família, na propriedade de João Félix do Nascimento, no Bairro Barreirinho, na condição de parceiros na lavoura de café. Afirmou que conheceu o requerente no ano de 1975, quando chegou para residir no local, sendo cada família responsável por sua tabela. Narrou que saiu da região antes da família do autor e não voltaram a trabalhar juntos. Questionado sobre atividades sem registro profissional do demandante, asseverou desconhecer.

Já a testemunha Joirso Ferreira de Lima aduziu ser cunhado do requerente e que o conheceu no ano de 1985, pouco antes de casar com a irmã deste (o que aconteceu em 1986). Afirmou ter conhecimento de que a família trabalhou no Bairro Barreirinho com arrendatários do Sr. João, bem como que chegou a trabalhar juntamente com o autor na Fazenda Boa Vista e nas Fazenda São Manoel e Santa Terezinha, pertencentes a Luiz Batista Neto. Acerca do labor sem registro, apontou que o demandante “não ficava muito tempo parado”.

Em vista da prova oral produzida e do início de prova material acostado aos autos tenho que passível de reconhecimento apenas o período compreendido de 19.02.1981 (em atenção ao pedido inicial – data em que o autor completou 12 anos – Súmula 5 da TNU) até 31.12.1982 (ano apontado pelo demandante como o último em que trabalhou na propriedade Nossa Senhora Aparecida).

Nessa época, o requerente detinha a condição de segurado especial, posto que em regime de economia familiar, juntamente com seus genitores e irmãos, atuavam como parceiros de café do proprietário do imóvel.

No período posterior, não há início de prova material e também não houve a descrição por testemunhas que permitissem a extensão do labor.

A testemunha Adriano apenas declarou o tempo em que foram vizinhos no Bairro Barreirinho (período reconhecido), já a testemunha Joirso, apontou diversas propriedades a partir do ano de 1985, quando já dispunha o autor de registro em CTPS.

Anote-se não se desconsiderar a dificuldade probatória relacionada ao trabalho rural na informalidade, contudo, como contrapartida, a prova oral deve ser robusta, justamente para suprir a inexistência de prova documental nesses interregnos intercalados por registros, em relação aos quais o início de prova material é inexistente ou quase.

O fato de o demandante se dedicar ao trabalho rural na época dos períodos pretendidos, conforme demonstram as anotações lançadas na CTPS, não autoriza a presunção de trabalho nos interstícios não contemplados por registros, se a prova oral robusta não corroborar isso.

Embora seja verossímil que o requerente realmente tenha trabalhado em alguns dos períodos não objeto de registro em CTPS (afinal isso é o que ordinariamente ocorre), isso, por si só, não autorizar presumir o exercício de atividade rurícola na informalidade de forma continuada em todos esses intervalos (especialmente naquelas extremamente curtos – de menos de um mês).

A legislação previdenciária admitiu, sim, o cômputo do tempo de serviço rurícola devidamente comprovado, mas nem de longe autorizou a contagem de tempo de serviço/contribuição ficto, “por presunção”.

Ademais, em se tratando de trabalho como diarista rural/boia-fria, marcado pela informalidade, a ausência de início de prova material específica relativa aos curtos períodos decorrentes da informalidade faz surgir um ônus probatório maior no tocante à prova oral, que deve deixar claríssima a atuação na informalidade. E aí não bastam declarações de dedicação do autor às lides rurais por “toda a vida”.

E isso, frise-se, decorre justamente do caráter não contributivo (e excepcional) do tempo de serviço pretendido, o que representa a excepcionalidade - e não a regra - no sistema previdenciário. Mas não há aí qualquer espaço para se relevar o comando legal previsto no art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, que exige a corroboração do início de prova material por prova testemunhal para a declaração do tempo de serviço rural pretendida.

Como visto, a prova oral coletada foi demasiadamente imprecisa e bastante modesta, em nível injustificado, incompatível com aquilo que se exigia.

Nesse contexto, por mais que os diversos e registros realizados na CTPS possam indicar o exercício de atividade rural na informalidade nas intercalações, isso não dispensa a produção de prova oral para comprovar que o autor exerceu atividade rural nos períodos não contemplados pelos registros. E, conforme visto, a prova oral coletada abrangeu período bastante incerto e nem sequer delimitável, sem segurança mínima.

Conclui-se, então, que o requerente não se desincumbiu do ônus da prova relativo aos períodos de atividade rural não anotados em CTPS (art. 373, I, CPC), na condição de trabalhador avulso (boia-fria).

Do Tempo Especial

No que diz respeito ao assunto, a interpretação/aplicação deve tomar a lei previdenciária em vigor à época em que exercido o trabalho, que passa a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do segurado. De outro modo, prestado o serviço sob a égide de determinada legislação previdenciária, adquire o segurado direito à sua consideração, a disciplinar todos os efeitos do exercício da atividade especial, inclusive a forma de prová-la, não lhe sendo aplicável a lei nova restritiva.

Colocado isso, é de se ver que desde o antigo Decreto 89.312/84 e, depois, a Lei 8.213/91 (art. 57), redação original, era permitida a conversão do trabalho caracterizado como especial em comum e comum em especial.

Até então, o enquadramento do trabalho como especial seguia dupla metodologia: por exercício de atividade profissional ou por sujeição a agentes nocivos, potencialmente ou concretamente prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado. Assim, para fins de enquadramento como especial, bastava o mero exercício da atividade profissional prevista nos Decretos 53.831/64 e/ou 83.080/79, ou legislação esparsa, porquanto presumida a sujeição a agente nocivo. Na hipótese de submissão a agente nocivo, o enquadramento reclamava preenchimento de formulário (SB40 ou DSS8030), com indicação do fator agressivo, sendo desnecessário laudo, salvo na hipótese de ruído calor, que sempre reclamaram avaliação pericial a fim de quantificação.    

Com a sobrevinda da Lei 9.032, de 28 de abril de 1995, passou a ser vedada a conversão do tempo de serviço comum em especial (§ 5º do art. 57 da Lei 8.213/91).

E quanto ao  direito à conversão do tempo de serviço comum em especial até 28 de abril de 1995 o Colendo STJ, no julgamento do recurso representativo de controvérsia 1310034/PR, pacificou a questão, no sentido de sua inviabilidade, quando o requerimento da aposentadoria for posterior à Lei 9.032/95.

Em 28 de maio de 1998, a Medida Provisória 1.663, na sua décima reedição, expressamente revogou o § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, circunstância que levaria à vedação de conversão de tempo de serviço especial em comum. Todavia, a Lei 9.711/98, resultante da conversão da Medida Provisória 1.663-15, não previu a revogação expressa do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.032/95, razão pela qual permanece em pleno vigor a possibilidade de conversão de tempo trabalhado sob condições especiais em tempo comum, nos termos do § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.032/95, até a entrada em vigor da Emenda Constitucional 103/2019 (art. 25).

A respeito da possibilidade de conversão do trabalho sob condições especiais, independentemente da época em que prestado, tem-se o Decreto 3.048/99, alterado pelo Decreto 4.827/03. No mesmo sentido é a súmula 50/TNU: É possível a conversão do tempo de serviço especial em comum do trabalho prestado em qualquer período.

No entanto, para fins de enquadramento, a partir da Lei 9.032, de 28 de abril de 1995, deixou de haver a previsão alusiva ao simples exercício de atividade profissional, remanescendo somente a afeta a agentes nocivos, cuja comprovação seguiu a anterior metodologia, sendo necessário a apresentação de laudo técnico ou pericial somente após o Decreto 2.172, de 5 de março de 1997, que regulamentou a Medida Provisória 1.523, de 11 de outubro de 1996, convertida na Lei 9.528/97.

E mais, a nova lei fez abandonar a antiga disciplina do mero enquadramento ficto da atividade ou do agente agressivo, a fim de exigir a efetiva prova da sujeição aos agentes prejudiciais à saúde ou à integridade do segurado. Bem por isso, havendo prova de que o uso de equipamento de proteção atenuareduzneutraliza ou confere proteção eficaz ao segurado em relação à nocividade do agente, conduzindo os seus efeitos a limites legais de tolerância, não faz jus ao enquadramento do período para fins de aposentadoria especial – STF, ARE 664.335, dezembro de 2014, em repercussão geral.

Em resumo, tendo em conta o que se expôs, para compatibilizar a transição das regras com o princípio de que as normas legais não devem retroagir, salvo expressa previsão, o enquadramento em atividade especial, deve ser feito da seguinte forma:

Por fim, impende destacar que a extemporaneidade do formulário ou mesmo do laudo pericial que o embasou não retira a força probatória do documento, pois, uma vez constatada a presença de agentes nocivos no ambiente de labor em data posterior à de sua prestação, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho advindas com o passar do tempo, é plenamente possível se presumir que, na época da atividade, a agressão dos agentes era igual ou mesmo maior.

Fixadas essas premissas, passo a analisar o caso concreto.

Pede o autor o reconhecimento como especial dos trabalhos desenvolvidos para:

a) OSAMU YABUTA – intervalo de 05.12.2005 a 31.05.2007 e a partir de 17.05.2014;

b) NORIMOTO YABUTA – lapso de 03.03.2008 a 27.02.2014.

PPPs carreados aos autos (Id. 59335960, páginas 10-13), expedidos em 22.08.2016 e assinados por médico do trabalho (o que lhes confere força probante de laudo técnico – LTCAT), assinalam que no interregno de 05.12.2005 a 31.05.2007 e a partir de 17.05.2014, o demandante desenvolveu/desenvolve a função de trabalhador da avicultura, no setor postura de ovos, submetido a agentes biológicos (aves mortas)de modo ocasional e intermitentecom eficácia do EPI.

Assim, seja pela ausência de exposição habitual e permanente ao agente agressor, seja pela previsão de eficácia do EPI, não há como se reconhecer a especialidade dos aludidos períodos.

Mesma sorte segue o lapso de 03.03.2008 a 27.02.2014, uma vez que como trabalhador na agropecuária, no setor agropecuário, esteve submetido o requerente, segundo PPP, a secreção animal, de modo habitual e permanente; porém, prevista a eficácia do EPI.

Consigne-se que o simples fato de referir à submissão a agentes biológicos, por si só, não denota eventual contaminação no ambiente de trabalho do autor, não podendo ser considerado especial para fins previdenciários. Especialmente no trato de animais, necessária a indicação de que estejam infectados (código 1.3.1 do Anexo I do Decreto nº. 83.080/1979 e item 1.3.1 do Decreto nº. 53.831/1964). Nesse sentido, precedentes em casos similares: Recurso Inominado nº 0001286-67.2020.4.03.6345, Relator(a) Juiz Federal Ciro Brandani Fonseca, 6ª Turma Recursal de São Paulo, Data do Julgamento 15/12/2020; Recurso Inominado nº 0001003-62.2020.4.03.6339, Relator(a) Juiz Federal Leandro Gonsalves Ferreira, 3ª Turma Recursal de São Paulo, Data do Julgamento 09/06/2021. 

Por fim, não vem em socorro do autor o LTCAT apresentado (Id. 59335960, página 9), pois atesta insalubridade apenas da atividade de mecânico de manutenção, sequer fazendo menção aos setores em que o demandante trabalhou/trabalha.

Soma dos Tempos

Os intervalos de trabalhos insertos em CTPS e no sistema informações sociais (CNIS) relativos ao requerente são incontestes, neles não recaindo discussão, valendo ressaltar que, conforme deflui do artigo 19 do Decreto 3.048/99, com redação dada pelo Decreto 6.722/2008, estes valem para todos os efeitos como prova da filiação à Previdência Social, relação de emprego, tempo de serviço e salário de contribuição.

Conforme tabela anexa a este julgado, somados o período de atividade rural sem registro em CTPS reconhecido por esta sentença, o qual dispensa indenização, com os vínculos empregatícios que possui o autor (CTPS e CNIS), tem-se tempo de contribuição inferior a 35 (trinta e cinco) anos.

Vê-se, portanto, que o demandante não atende aos requisitos necessários para a aposentação pleiteada em nenhuma de suas formas.

DISPOSITIVO

Isto posto, consubstanciada nos argumentos jurídicos aduzidos na fundamentação, REJEITO O PEDIDO de aposentadoria por tempo de contribuição e ACOLHO PARCIALMENTE O PLEITO subsidiário, extinguindo o processo com resolução do mérito (art. 487, inciso I, do CPC), para a fim de declarar ter o autor exercido atividade rural, na condição de segurado especial, no lapso de 19.02.1981 a 31.12.1982 e condenar o INSS a averbá-lo. Prejudicado pedido de tutela de urgência.

Como efeitos da averbação, o período declarado será aproveitado somente para os benefícios previstos no art. 39, I, da Lei 8.213/91, não se prestando como tempo de serviço/contribuição no Regime Geral de Previdência Social.

Sem custas e honorários advocatícios nesta instância (art. 55, da Lei 9.099/95).

Publique-se. Intimem-se.”

É de ser mantida, portanto, a r. sentença recorrida, pelos fundamentos ora expostos.

Posto isso, nego provimento ao recurso.

Condeno o recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, que somente poderão ser exigidos em caso de cessação do estado de necessitado, nos termos do artigo 98, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL E DE PERÍODO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS, PARA FINS DE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA PARCIAL PROCEDENTE. EM VISTA DA PROVA ORAL PRODUZIDA E DO INÍCIO DE PROVA MATERIAL ACOSTADO AOS AUTOS TENHO QUE PASSÍVEL DE RECONHECIMENTO APENAS O PERÍODO COMPREENDIDO DE 19.02.1981 (EM ATENÇÃO AO PEDIDO INICIAL – DATA EM QUE O AUTOR COMPLETOU 12 ANOS – SÚMULA 5 DA TNU) ATÉ 31.12.1982 (ANO APONTADO PELO DEMANDANTE COMO O ÚLTIMO EM QUE TRABALHOU NA PROPRIEDADE NOSSA SENHORA APARECIDA). - PPPS CARREADOS AOS AUTOS (ID. 59335960, PÁGINAS 10-13), EXPEDIDOS EM 22.08.2016 E ASSINADOS POR MÉDICO DO TRABALHO (O QUE LHES CONFERE FORÇA PROBANTE DE LAUDO TÉCNICO – LTCAT), ASSINALAM QUE NO INTERREGNO DE 05.12.2005 A 31.05.2007 E A PARTIR DE 17.05.2014, O DEMANDANTE DESENVOLVEU/DESENVOLVE A FUNÇÃO DE TRABALHADOR DA AVICULTURA, NO SETOR POSTURA DE OVOS, SUBMETIDO A AGENTES BIOLÓGICOS (AVES MORTAS), DE MODO OCASIONAL E INTERMITENTE, COM EFICÁCIA DO EPI.ASSIM, SEJA PELA AUSÊNCIA DE EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE AO AGENTE AGRESSOR, SEJA PELA PREVISÃO DE EFICÁCIA DO EPI, NÃO HÁ COMO SE RECONHECER A ESPECIALIDADE DOS ALUDIDOS PERÍODOS. SENTENÇA MANTIDA POR SEU PRÓPRIO FUNDAMENTO. RECURSO DA  PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.