Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010771-89.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: FATIMA BIBIANA BISOGNIN MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARIO LUIZ DELGADO REGIS - SP266797-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RAFAEL OLIMPIO SILVA DE AZEVEDO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: MARIA LUCIA BUGNI CARRERO SOARES E SILVA - SP72208-A
Advogado do(a) APELADO: ANNA CRISTINA DE AZEVEDO TRAPP - SP122937-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010771-89.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: FATIMA BIBIANA BISOGNIN MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARIO LUIZ DELGADO REGIS - SP266797-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RAFAEL OLIMPIO SILVA DE AZEVEDO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: MARIA LUCIA BUGNI CARRERO SOARES E SILVA - SP72208-A
Advogado do(a) APELADO: ANNA CRISTINA DE AZEVEDO TRAPP - SP122937-A

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R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Cuida-se de ação ordinária ajuizada por Fatima Bibiana Bisognin Machado em face da Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando a anulação de procedimento de execução extrajudicial de imóvel objeto de contrato de financiamento com alienação fiduciária em garantia, com pedido de tutela antecipada.

Indeferido o pedido de tutela antecipada em primeiro grau de jurisdição, a parte autora interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento.

Noticiada a arrematação do imóvel, foi determinada a citação do arrematante, que foi incluído no polo passivo da demanda e apresentou contestação.

Determinada, ainda, a citação de Alexandre Monteiro Paranhos, ex-marido da parte autora, que celebrou, juntamente com esta, o contrato de financiamento discutido nos autos. Contudo, apesar de regularmente citado, este quedou-se inerte.

A parte autora e o arrematante noticiaram que se compuseram na ação de reintegração de posse, sendo que a autora reconheceu a inequívoca posse, titularidade e pleno domínio do arrematante em relação ao imóvel ora em debate, renunciando a qualquer direito, inclusive o direito de ação, impugnação ou recurso em face do arrematante e seus sucessores sobre o imóvel em questão.

Assim, a parte autora requereu o prosseguimento da ação apenas em relação à CEF e a conversão do pedido em perdas e danos, o que foi indeferido pelo magistrado singular. Em face de tal decisão, foi interposto agravo de instrumento, o qual não foi conhecido, por não se tratar de hipótese elencada no art. 1.015, do CPC.

A r. sentença reconheceu a perda de interesse de agir superveniente da parte autora e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

A parte autora apelou com os seguintes argumentos: a arrematação do imóvel por terceiro tornou impossível o restabelecimento das partes ao estado em que anteriormente se encontravam, razão pela qual sua pretensão deve ser convertida em perdas e danos, pois o prejuízo remanesce e deve ser reparado civilmente; o fato de ter realizado acordo com o arrematante, na ação de reintegração de posse, não implica na perda de interesse em relação à CEF; o procedimento é nulo, pois não houve intimação pessoal para purgar a mora ou notificação acerca dos leilões. Requer, subsidiariamente, seja afastada a condenação ao pagamento de honorários, pois não deu causa ao ajuizamento da demanda.

Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.

Consta a juntada de arquivo com sustentação oral pelo patrono da parte apelante.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010771-89.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: FATIMA BIBIANA BISOGNIN MACHADO

Advogado do(a) APELANTE: MARIO LUIZ DELGADO REGIS - SP266797-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, RAFAEL OLIMPIO SILVA DE AZEVEDO
PROCURADOR: DEPARTAMENTO JURÍDICO - CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: MARIA LUCIA BUGNI CARRERO SOARES E SILVA - SP72208-A
Advogado do(a) APELADO: ANNA CRISTINA DE AZEVEDO TRAPP - SP122937-A

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V O T O

 

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, observo que está caracterizado o interesse de agir, uma vez que, independentemente do acordo celebrado com o arrematante, a parte autora questiona o procedimento de execução extrajudicial levado a cabo pela CEF, o que pode, em tese, acarretar na condenação da instituição financeira em perdas e danos, caso sejam comprovadas as nulidades aventadas.

Destarte, deve ser afastada a extinção do processo sem resolução do mérito, sendo cabível, desde logo, seu exame, nos termos do estabelecido no art. 1.013, §3º, I, do CPC, porquanto a demanda se encontra em condições de imediata análise.

Nesse sentido:

 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR AFASTADA. ART. 1.013, § 3º, I, CPC. SFH. LEI 9.514/97. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DO IMÓVEL. DANOS MORAIS. OPORTUNIDADE DE PURGAR A MORA APÓS INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA. INTIMAÇÃO DOS LEILÕES. AUSÊNCIA DE PROVA.

1. Na hipótese de demanda objetivando anulação de execução extrajudicial, subsiste o interesse de agir do autor, mesmo após a consolidação da propriedade.

2. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 485, CPC), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento (art. 1.013, § 3º, I, do CPC).

(...)

14. Apelação provida. Parcial procedência do pedido para reformar a sentença terminativa e determinar a anulação do procedimento de execução extrajudicial do contrato em questão.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2182616, 0007040-83.2015.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 24/07/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/08/2018).

                                       

Passo, pois, à análise do mérito, aplicando-se o disposto no art. 1.013, §3º, I, do CPC, considerando que a causa se encontra em condições de imediato julgamento.

Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida.

Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

Contratos que envolvam operações de crédito (em regra mútuos) relacionadas a imóveis residenciais têm sido delimitados por atos legislativos, notadamente em favor da proteção à moradia (descrita como direito fundamental social no art. 6º da Constituição de 1988). Nesse contexto emergem contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, nos termos da Lei nº 9.514/1997.

A figura da alienação fiduciária é tradicional no direito brasileiro, sendo aceita amplamente como modalidade contratual, muito embora algumas de suas características tenham sido abrandadas pela interpretação constitucional (dentre elas, a impossibilidade de prisão civil, tal como assentado pelo E. STF na Súmula Vinculante 31, em razão da interação entre o Pacto de San José da Costa Rica e o sistema jurídico brasileiro).

Conforme o art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante.

Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá dar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997).

Inclino-me pela constitucionalidade e pela validade do contrato firmado com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, pois o teor da Lei nº 9.514/1997 se assenta em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de contratação, embora resulte em regime obrigacional diverso da tradicional garantia hipotecária. Isso porque, pela redação da Lei nº 9.514/1997 (com alterações), há equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com plena publicidade de atos e ampla possibilidade de as partes buscarem seus melhores interesses, inexistindo violação a primados constitucionais e legais (inclusive de defesa do consumidor). Para tanto, reafirmo que, na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para purgação da mora pelo devedor-fiduciante (no montante correspondente apenas às parcelas atrasadas, com acréscimos), há a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor-fiduciário, levando o bem a leilão pelo saldo devedor da operação de alienação fiduciária (ou seja, pelo valor total remanescente do contrato, em razão do vencimento antecipado das parcelas vincendas, mais encargos e despesas diversas da consolidação), no qual o devedor-fiduciante terá apenas direito de preferência. Observe-se que o contrato entre o devedor-fiduciante e o credor-fiduciário somente se extingue com a lavratura do auto de arrematação do imóvel em leilão público do bem, dada a necessidade de eventual acerto de contas em razão de eventual excedente.

Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante.

Esse procedimento ágil de execução do mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e ao Estado de Direito, de maneira que a inadimplência do compromisso de pagamento de prestações assumido conscientemente pelo devedor afronta os propósitos da Lei nº 9.514/1997 (expressão das mencionadas políticas públicas). Contudo, a retomada do imóvel pelo credor-fiduciário não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário.

A exemplo do procedimento de execução extrajudicial da dívida hipotecária previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, resta pacificado na jurisprudência a constitucionalidade do rito da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997, conforme se pode notar pelos seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região:

 

CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa.

3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário.

4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF.

5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária.

6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira.

7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório.

8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor.

9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.

10. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020).

                                    

APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - - AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO PREVISTO NA LEI 9.514/97 - SENTENÇA MANTIDA.

I - Não há que se confundir a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a alienação fiduciária de coisa imóvel, como contratado pelas partes, nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei nº 9514/97.

II - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. Precedentes desta E. Corte.

III - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.

IV - Recurso desprovido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002391-35.2016.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020).

 

No mesmo sentido da validade dos procedimentos da Lei nº 9.514/1997, já se manifestou o C. STJ:

 

SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI.

1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97.

2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel.

3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa.

4. Recurso especial não provido”.

(STJ, 3ª Turma, REsp 1155716/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/03/2012, DJe 22/03/2012 RB vol. 582 p. 48).

 

Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).

Alega a parte autora, em síntese, que o procedimento é nulo, pois não houve intimação pessoal para purgar a mora ou notificação acerca dos leilões.

No caso dos autos, a parte-autora celebrou, com a CEF, contrato por instrumento particular de venda e compra de imóvel, mútuo com alienação fiduciária em garantia – Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI – Carta de crédito Caixa, em 23/10/2006, no valor de R$ 800.000,00, a serem pagos em 240 prestações, atualizadas por meio do sistema SAC (id 107424179, p. 12/26).

Analisando os termos do contrato em litígio, observa-se que o imóvel objeto do financiamento imobiliário foi alienado em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Houve inadimplemento contratual a partir de 12/2014, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária, em 17/11/2015 (id 107424179, p. 42).

Foi enviada à parte autora intimação para purgação da mora, pelo Registro de Títulos e Documentos, com projeção detalhada do débito, referente às parcelas de 12/2014 a 03/2015 (id 107424179, p. 29/32).

Foram realizadas diversas tentativas de intimar a parte autora, conforme ser observa das certidões do Registro de Títulos e Documentos, a saber:

Em 02/07/2015, o escrevente compareceu no endereço do imóvel e foi atendido pelo porteiro, que interfonou no apartamento e informou que ninguém atendeu ao chamado, não sabendo dizer se o destinatário é morador do condomínio, motivo pelo qual foi deixado um aviso para que o comparecesse ao cartório; em 02/07/2015, dirigiu-se a outro endereço, sendo informado que o destinatário havia se mudado e possuía paradeiro desconhecido; em 14/07/2015, retornou ao primeiro endereço e foi atendido pelo porteiro, o qual interfonou e informou que ninguém atendeu ao chamado, não sabendo dizer se o destinatário é morador do condomínio, motivo pelo qual foi deixado novo aviso de comparecimento ao cartório; em 16/07/2015, novamente ninguém atendeu ao chamado e foi informado que o destinatário consta na lista de condôminos, porém não sabe confirmar se o mesmo é morador, motivo pelo qual foi deixado novo aviso de comparecimento ao cartório, sendo que nenhum dos avisos foi atendido (id 107424176, p. 69/70).

Ainda, conforme certidão do Registro de Imóveis, foram realizadas novas tentativas de intimação dos mutuários no endereço do imóvel nos dias 13/08/2015, 20/08/2015 e 26/08/2015; em virtude de não terem sido encontrados pessoalmente nas diligências, sendo sempre informado na portaria que eles não se encontravam e assim, suspeitando de que os devedores estivessem se ocultando para não receber a intimação, em 02/09/2015 foi informado ao porteiro que, no dia seguinte, às 18h00, retornaria para efetuar a intimação por hora certa dos requeridos. No dia 03/09/2015, no horário indicado, os destinatários não foram encontrados, sendo intimados por hora certa (id 107424177, p. 4/7).

Ressalte-se que o endereço do imóvel é o mesmo informado como residência da parte autora na procuração (id 107424176, p. 24), na declaração de insuficiência econômica (id 107424178, p. 15/16) e também o endereço em que a parte autora recebeu telegrama noticiando a realização dos leilões (id 107424176, p. 58).

Por fim, há certidão do Registro de Imóveis informando que, apesar de intimados, os devedores deixaram transcorrer in albis o prazo para liquidar sua dívida atrasada (id 107424179, p. 36).

Frise-se que a certidão de notificação feita pelo Oficial de Registro de Imóveis possui fé pública e, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu no presente caso.

Com relação à notificação acerca dos leilões, reconheço que a juntada de documentos comprovando a prévia ciência de leilão é exigência formal e material para que o devedor exerça suas prerrogativas (dentre elas a eventual purgação da mora ou o direito de preferência). Contudo, a necessidade dessa comprovação não pode ser um fim em si mesmo, de tal modo que a juntada aos autos de documentos nesse sentido pode ser dispensada se houver inequívoca demonstração de o devedor ter sido devidamente informado pela CEF em relação aos leilões designados, notadamente quando essa conclusão for extraída da própria narrativa do devedor.

Pelas dinâmicas naturais de tempo, o ajuizamento de ação dias antes da realização de leilão induz à clara conclusão de a parte ter tido plena ciência desse ato em tempo hábil ao exercício de seu eventual direito (de purgação da mora ou de preferência). Nesses casos, o propósito material da comunicação prévia resta devidamente comprovado, razão pela qual a juntada aos autos do documento correspondente pode ser dispensada em favor da coerente avaliação do conjunto argumentativo e probatório.

Essa é a orientação do E.STJ para casos nos quais os devedores demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, ingressando com ação para suspensão da praça, de modo a indicar a inexistência de prejuízo (brocardo pas de nullité sans grief):

 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL.CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. PURGA DA MORA. VALOR INSUFICIENTE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES.

1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ).

2. A Jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não se decreta a nulidade do leilão, por ausência de intimação pessoal, se ficar demonstrada a ciência inequívoca do agravante.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AgInt no AREsp 1463916/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019).

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. 1. NOTIFICAÇÕES DO ART. 31, IV, DO DECRETO-LEI N. 70/1966. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 2. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL ACERCA DA REALIZAÇÃO DO LEILÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SITUAÇÃO FÁTICA QUE NÃO AUTORIZA O PROVIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. 3. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O acolhimento da assertiva de não recebimento dos avisos de que trata o art. 31, IV, do Decreto-Lei 70/1966 enseja reexame de prova. Incidência da Súmula 7 do STJ.

2. A situação fática dos autos não autoriza o provimento do recurso, uma vez que os próprios agravantes demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, em razão de haverem ingressado com medida cautelar, da qual resultou a suspensão liminar da praça.

3. Não se decreta a nulidade, embora constatado o vício no ato processual, se não houver prejuízo, conforme brocardo pas de nullité sans grief, previsto em nosso ordenamento jurídico, especialmente nos arts. 249, § 1º, e 250, parágrafo único, do CPC/1973.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 606.517/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 28/03/2019).

 

No caso dos autos, a parte autora ajuizou a ação subjacente em 13/05/2016, um dia antes do 1º leilão extrajudicial. Já em sua inicial, a parte autora menciona a data do leilão, designado para 14/05/2016, juntando informações extraídas do sítio eletrônico da CEF a respeito do mencionado leilão (id 107424177, p. 17/21).

Ainda, a própria autora afirma que tomou ciência do leilão por meio de telegrama da Associação Nacional dos Mutuários, juntando o respectivo telegrama, enviado em 02/05/2016 (107424176, p. 58), demonstrando que possuía ciência inequívoca de tal data.

Conforme termo de arrematação, o imóvel foi arrematado no 1º leilão, realizado em 14/05/2016, por Rafael Olimpio Silva de Azevedo, pelo valor de R$ 2.360.000,00 (id 107424179, p. 72).

Enfim, apesar de ciente dos ônus contratuais livremente assumidos, o devedor-fiduciante não purgou a mora e nem exerceu o direito de preferência assegurado pela legislação, ao mesmo tempo em que não há irregularidade formal ou material no procedimento de execução extrajudicial noticiado nos autos.

Pelas razões expostas, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, para afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e, aplicando o disposto no art. 1.013, §3º, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.

Nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte sucumbente ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante da pretensão anulatória (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos, equivalente ao valor atribuído à causa). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. Observe-se o art. 98, §3º, do CPC, em vista de a parte ser beneficiária de gratuidade.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INTERESSE DE AGIR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.514/1997. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO. PRAZO PARA PURGAÇÃO DA MORA RESPEITADO.

- Presente o interesse de agir vez que, independentemente do acordo celebrado com o arrematante, a parte autora questiona o procedimento de execução extrajudicial levado a cabo pela CEF, o que pode, em tese, acarretar na condenação da instituição financeira em perdas e danos, caso sejam comprovadas as nulidades aventadas. Deve ser afastada a extinção do processo sem resolução do mérito, sendo cabível, desde logo, seu exame, nos termos do estabelecido no art. 1.013, §3º, inciso I, do CPC, porquanto a demanda acha-se em condições de imediata análise.

- São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor).

- Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõem sobre formalidades que asseguram informação do estágio contratual. Esse procedimento é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e do Estado de Direito, e não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário. Precedentes do E.STJ e deste C.TRF da 3ª Região.

- Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes.

- A parte autora foi intimada para purgar a mora, porém deixou transcorrer in albis o prazo para liquidar sua dívida atrasada. Frise-se que a certidão de notificação feita pelo Oficial de Registro de Imóveis possui fé pública e, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu no presente caso.

- Pelas dinâmicas naturais de tempo, o ajuizamento de ação dias antes da realização de leilão induz à clara conclusão de a parte ter tido plena ciência desse ato em tempo hábil ao exercício de seu eventual direito (de purgação da mora ou de preferência). Nesses casos, o propósito material da comunicação prévia resta devidamente comprovado, razão pela qual a juntada aos autos do documento correspondente pode ser dispensada em favor da coerente avaliação do conjunto argumentativo e probatório.

- Essa é a orientação do E.STJ para casos nos quais os devedores demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, ingressando com ação para suspensão da praça, de modo a indicar a inexistência de prejuízo (brocardo pas de nullité sans grief).

- Apelação parcialmente provida. Extinção sem resolução do mérito afastada. Julgamento nos termos do art. 1.013, §3º, I, do CPC. Improcedência do pedido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.