Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000439-03.2020.4.03.6204

RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR MS

RECORRENTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, EMPRESA DE TECNOLOGIA E INFORMACOES DA PREVIDENCIA SOCIAL

RECORRIDO: TATIANE MARINA FERREIRA

Advogado do(a) RECORRIDO: TACIO DO VALE CAMELO TALAO DOMINGUES - MS18675-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RELATÓRIO

 

Trata-se de embargos de declaração opostos pela União em que alega existência de omissão e contradição no julgado.

Trago, para registro, o teor do acórdão embargado:

RELATÓRIO

Dispensado o relatório (art. 81, § 3º, da Lei nº 9.099/95 c.c. art. 1º da Lei nº 10.259/2001).

VOTO

Tempestividade

O recurso é próprio e tempestivo, devendo ser conhecido.

Mérito.

Pretende a ré a reforma da sentença de procedência do pedido inicial de concessão de auxílio-emergencial. Entende indevida a condenação de danos morais.

A sentença foi proferida nos seguintes termos:

Trata-se de ação para concessão de auxílio emergencial, proposta por TATIANE MARINA FERREIRA em face da UNIÃO FEDERAL.

Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95.

-FUNDAMENTAÇÃO-

O auxílio emergencial se trata de benefício assistencial criado de forma temporária para prover renda a pessoas de baixa renda atingidos pelos efeitos econômicos decorrentes da pandemia de COVID-19.

A Lei 13.982/2020 estabelece em seu artigo 2º os requisitos para a concessão do auxílio emergencial. In verbis:

Art. 2º Durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, será concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

I - seja maior de 18 (dezoito) anos de idade; II - não tenha emprego formal ativo;

III - não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado, nos termos dos §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;

IV - cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;

V - que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); e

VI - que exerça atividade na condição de:

a) microempreendedor individual (MEI);

b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua na forma do caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; ou

c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos de autodeclaração, cumpra o requisito do inciso IV.

§ 1º O recebimento do auxílio emergencial está limitado a 2 (dois) membros da mesma família. (…)

§ 3º A mulher provedora de família monoparental receberá 2 (duas) cotas do auxílio. (...)

Segundo a petição inicial, a autora obteve a concessão do benefício por meio do aplicativo próprio, porém os valores não foram liberados para saque.

Citada, a União deixou transcorrer “in albis” o prazo para contestação. Pois bem.

De logo, decreto a revelia da União. Nada obstante, em razão do interesse público ser indisponível, deixo de reconhecer a incidência dos efeitos da revelia.

No caso em tela, o pedido de auxílio emergencial foi aprovado, tendo sido, inclusive, cancelados os recebimentos a título de benefício “bolsa família” de abril a julho de 2020 (anexo nº 02, pág. 21/22).

Como visto acima, a legislação pátria admite que até duas pessoas da mesma família sejam beneficiárias do auxílio emergencial. Lado outro, admite que a mulher provedora de família monoparental receba duas cotas do auxílio emergencial.

A parte autora comprovou a aprovação do benefício e que é a provedora de família monoparental, possuindo três filhos (anexo nº 07, pág. 03), fazendo jus, assim, a duas cotas de auxílio emergencial. Porém, tais valores nunca lhe foram pagos. Instada, a União Federal nem mesmo pronunciou-se sobre o fato.

Dito isto, deve se reconhecer o direito da autora de perceber o pagamento do benefício aprovado, não tendo sido demonstrado pela ré nenhum motivo impeditivo para tanto.

Faz jus a autora ao pagamento de auxílio emergencial no valor de duas cotas, a ser paga pelo período de vigência do mencionado benefício ou enquanto preencher os requisitos previstos em lei.

Passo a análise do pedido de indenização por danos morais.

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, V e X, o direito à indenização por danos materiais e morais.

Ademais, Carta Magna estabelece, ainda, em seu artigo 37, §6º, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão objetivamente pelos danos que seus agentes, agindo nesta qualidade, causem a terceiros.

De outro giro, Código Civil tratou do tema em seus artigos 186 e 927. In verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(…)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo.

Desse modo, tem-se que os requisitos para a responsabilidade civil do Estado exigem, para sua configuração: a) dano; b) conduta do Estado; e c) nexo causal.

A doutrina não é unívoca em definir o dano moral, encontrando -se desde definições simplistas, como a de Wilson de Melo Silva, que o refere como "o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico" (O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.13), até intrincados conceitos como o de Yussef Said Cahali, para quem dano moral "é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)"    (Dano moral. 2ª ed. São Paulo: RT, 1998, p.20).

Preferimos, pela simplicidade e, principalmente, pela operacionalidade no processo, o conceito trazido por Maria Helena Diniz: "Dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo" (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1998, p.81).

Em regra, o indeferimento de benefício pleiteado, na esfera administrativa, por si só não é capaz de gerar danos morais, quando embasado em dados e fatos que podem ser interpretados de maneiras diferentes, dentro dos limites da razoabilidade.

Nada obstante, no presente caso, de maneira excepcional, entendo configurados danos morais. É que a Administração Pública aprovou o pagamento do benefício auxílio emergencial, no valor de duas cotas, para provedora de família monoparental, tendo inclusive suspendido o pagamento do benefício “bolsa família”, porém, sem apresentar qualquer justificativa, ainda que embasada na inconsistência de dados, não realizou os pagamentos devidos, deixando a família sem nenhuma renda, nem mesmo a que já fazia jus. Inegável, portanto, existência de dano moral in re ipsa.

Dito isto, entendo que a parte autora faz jus ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), o qual se demonstra razoável diante dos fatos acima ponderados.

No caso em tela, estão presentes os requisitos previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil, notadamente a probabilidade do direito, haja vista que demonstrado o equívoco no indeferimento do benefício, e a urgência, caracterizada pela própria natureza do benefício pretendido, que possui caráter alimentar. Assim, DEFIRO o pedido de tutela antecipada, para determinar à União Federal que conceda ao autor o benefício auxílio emergencial, no valor de duas cotas.

-DISPOSITIVO-

Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora, para condenar a UNIÃO FEDERAL ao pagamento de duas cotas do benefício auxílio emergencial em favor de TATIANE MARINA FERREIRA, CPF nº 004.769.131-01, além do pagamento de danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Quanto aos danos morais, deverão incidir juros de mora desde a data em que deveria ter ocorrido o primeiro pagamento do benefício, de acordo com os juros aplicáveis à caderneta de poupança, além de correção monetária a partir da data dessa sentença, pelo índice IPCA-E.

Deixo de fixar correção monetária ao benefício, haja vista que o benefício deverá ser implementado e pago a partir do início do cumprimento da tutela de urgência, não havendo que se falar em valores em atraso.

Sem custas e honorários advocatícios em primeira instância (art. 54 e 55 da Lei 9.099/95).

Tendo em vista o preenchimento dos requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, concedo a tutela de urgência. Anoto, desde já, que este tópico é autônomo em relação ao restante da sentença, devendo ser imediatamente cumprido, não se suspendendo pela interposição de recurso de apelação ou em razão do reexame necessário.

À serventia, para que cumpra a decisão de anexo nº 09 e providencie a exclusão da CEF e DATAPREV do polo passivo da demanda.

Havendo recurso voluntário, dê-se vista à parte contrária para contrarrazões, remetendo-se os autos, após, à Turma Recursal. Na sua ausência, certifique-se o trânsito em julgado, observadas as formalidades legais.

Considerando a concessão da tutela provisória de urgência anteriormente concedida, oficie-se à UNIÃO FEDERAL para implantação do benefício concedido, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, servindo, para tanto, esta sentença como OFÍCIO.

Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.

O recurso não merece prosperar.

O dano moral é aquele extremo, gerador de sérias consequências para a paz, dignidade e a própria saúde mental das pessoas. Este ocorre quando há um sofrimento além do normal dissabor da vida em sociedade, não um mero aborrecimento.

Não basta, para a configuração dos danos morais, o aborrecimento ordinário, diuturnamente suportado por todas as pessoas. Impõe-se que o sofrimento infligido à vítima seja de tal forma grave, invulgar, justifique a obrigação de indenizar do causador do dano e lhe fira, intensamente, qualquer direito da personalidade.

Em relação à matéria debatida, é certo que o mero indeferimento do benefício do Auxílio Emergencial na via administrativa não configura, por si só, ato ilegal ou abusivo a ensejar a indenização por dano moral.

No caso dos autos, entretanto, o auxílio-emergencial da parte autora fora deferido, gerando uma expectativa do seu recebimento pela beneficiária, que restou frustrada com a não efetivação dos pagamentos e, mais, a Administração Pública ainda lhe cortou o Bolsa Família, por se tratar de benefício inacumulável, deixando a parte autora complemente desamparada em plena pandemia do Covid-19.

Inegável, pois, que a conduta ilícita da Administração Pública lesionou a esfera de direitos da administrada, inclusive a dignidade da pessoa humana. Isso porque, ante a situação excepcional vivenciada pela pandemia do Coronavírus, a autora ainda teve o transtorno de ter sua única fonte de renda cancelada sob o pretexto de receber o benefício que lhe fora deferido administrativamente, porém não pago. E ao procurar os canais de atendimento para resolução da questão, não obteve êxito, somente vindo a obter seu direito pela via judicial.

Trata-se de caso, portanto, de caso de deferimento do pedido de indenização por danos morais, consoante corrobora o julgado abaixo, mutatis mutandi:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELA UNIÃO. RESPONSABILIDADECIIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. INDEFERIMENTO DE SEGURODESEMPREGO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. CULPA DE TERCEIRO. AFERIÇÃO DA CAUSA DIRETA E IMEDIATA. PRESTAÇÕES POSITIVAS E MATERIAIS DO ESTADO. UNIDADE E EFICIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PARA ASSEGURAR A PROTEÇÃO SOCIAL. INCIDENTE CONHECIDO EM PARTE E NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se de incidente de uniformização de interpretação de lei federal, interposto pela União, contra acórdão da Turma Recursal do Rio grande do Sul, que negou provimento aos recursos inominados da União e CEF, e deu provimento ao recurso da parte autora, elevando o valor da condenação das requeridas à indenização por danos morais, decorrentes de negligência da União quanto à fiscalização das empresas, e deficiência na prestação de serviço por parte da CEF, o que obstou a percepção pela parte autora das parcelas do seguro-desemprego que lhe cabia. Pretende a uniformização da interpretação de lei federal no sentido da exclusão da responsabilidade da União nas situações em que o indeferimento do Seguro Desemprego tenha como origem ato praticado por terceiro na alimentação equivocada dos sistemas gerenciadores do benefício (CNIS e CAGED), e quanto à indispensabilidade da prova do dano moral no indeferimento do seguro desemprego. 2. Sustenta que a decisão recorrida diverge dos acórdãos exarados pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais do Sergipe (autos nº 0502544-50.2011.4.05.8500) e do Estado do Rio de Janeiro (autos nº 2013.51.54.003265-0/01). 3. No que tange ao precedente da Turma Recursal do Rio de Janeiro, não resta demonstrada similitude fática e jurídica para com a decisão impugnada, uma vez que naquele caso o benefício foi concedido, e não havia nos autos comprovação do ato lesivo (motivo do indeferimento do benefício), conforme transcrevo: “No caso em tela, a parte autora recebeu o seguro-desemprego a que fazia jus, após a interposição de dois recursos no ministério do Trabalho e Emprego. Em momento algum comprovou o motivo pelo qual seu benefício teria sido indeferido, sendo assim, não é possível visualizar má prestação no serviço do MTE.” - grifei. Ao contrário, na decisão impugnada, houve comprovação do ato lesivo. Cito trechos da decisão: “Analisando a prova coletada, assim como os argumentos da contestação, em especial da União (doc. CONT1, evento 15), verifico que a razão para o indeferimento do benefício da autora foi 'Vínculo não encontrado ou divergente', após a triagem com o sistema CNIS da Previdência Social. A autora apresentou, então, dois recursos administrativos, os quais foram indeferidos pelo motivo 'falta recolhimento para FGTS ou Previdenciário relativo ao mês janeiro/2013'. Conforme informação do FGTAS, não havia possibilidade de liberação do benefício antes do recolhimento sobre o mês informado. Considerando os documentos trazidos aos autos, verifico que a parte demandante manteve vínculo empregatício regular desde 2011, sendo demitida sem justa causa, e encaminhado o requerimento do benefício devidamente, conforme comprovado nos autos (evento 1). Assim, estando o vínculo empregatício regular e havendo demissão sem justa causa, não há razão para o indeferimento do benefício, pois a segurada não pode ser prejudicada pela desídia do empregador, nem pela negligência da União em fiscalizar os recolhimentos pertinentes das empresas.” Portanto, não se identifica similitude fático-jurídica em relação a este segmento do pedido de uniformização. 4. De outra sorte, no que concerne ao precedente da Turma Recursal de Sergipe, exclui-se a responsabilidade da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (União), e se entende não comprovado o nexo de causalidade, em virtude de fato de terceiro (INSS), nos seguintes termos:

“Destarte, não se vislumbra, in casu, nexo causal direto e imediato entre a atuação dos servidores da SRTE/SE haja vista estes não serem responsáveis pelo lançamento das informações dos recolhimentos no sistema de controle previdenciário do INSS (CNIS).” Tem-se, pois, por demonstrada a existência de dissenso jurisprudencial a autorizar o exame do pedido de uniformização interposto, quanto à eventual causa excludente de responsabilidade da União, qual seja, fato provocado por terceiro. 5. Perquire-se se irregularidade no lançamento de informações cadastrais acerca dos recolhimentos das contribuições previdenciárias/vínculos empregatícios, no sistema informatizado do INSS (CNIS), configuraria excludente de responsabilidade civil por fato de terceiro (autarquia federal), e assim afastaria a existência de nexo de causalidade entre o ato da administração pública direta e o evento danoso, consistente este último no óbice à percepção das parcelas de segurodesemprego a que a parte autora faria jus. 6. Pretende a União valer-se da descentralização administrativa para imputar responsabilidade exclusiva de terceira pessoa – autarquia federal. 7. Em se considerando o ato administrativo destinado a fornecer a prestação positiva e material do Estado (segurodesemprego), concebido sob o aspecto do dever/função estatal de conferir efetividade aos direitos e garantias sociais, o agir ineficiente da Administração, que culminou na supressão do fornecimento da prestação estatal a quem de direito, configura dano por omissão do Estado. Em que pese se parta de ato comissivo de indeferimento de benefício social, este é absorvido pelo resultado final ou evento danoso, que consiste na omissão do dever estatal de fornecer adequadamente a prestação positiva material destinada a assegurar a subsistência da pessoa desempregada, assim também atenuando a desigualdade social advinda da situação de desemprego. 8. Constatada a existência de omissão no desempenho da função estatal e dano ao indivíduo que ficou privado dos recursos necessários à sua manutenção, impõe-se a aferição do nexo de causalidade entre estes dois elementos, visto que se atribui causa concorrente (ou concausa), atinente à utilização de bancos de dados incorretamente alimentados por ente da administração indireta (autarquia federal). 9. Neste ínterim, o cotejo da jurisprudência pátria permite considerar que, nem todo o fator que conflui para a verificação do dano consistirá causa necessária deste, impondo-se determinar quais fatores se sobrepõem para gerar o evento danoso, ou, dito de outro modo, sem quais fatores o dano não ocorreria. É o que se evidencia a partir da decisão proferida pela 1ª.Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 686208/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 01/07/2005, visualizando-se a utilização de nuances da Teoria do Dano Direto e Imediato para se identificar a relação de causalidade. 10. No que concerne à responsabilidade civil do Estado, por oportuno, cita-se decisão da 2ª. Seção do Eg. Superior Tribunal de Justiça, no representativo de controvérsia (tema 517), Resp. 1210064/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 31/08/2012, in litteris: “A responsabilidade civil do Estado ou de delegatário de serviço público, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa, a qual se origina, na espécie, do descumprimento do dever legal atribuído ao Poder Público de impedir a consumação do dano.” (grifei).

Igualmente, demonstra-se pertinente à espécie o excerto da decisão proferida pela 2ª. Turma daquela mesma Corte (AgRg no AREsp 585013 / RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 23/02/2016), quanto ao exame de excludentes legais de responsabilidade, no sentido de que “Se a Administração não concorreu com ação ou omissão para a prática do ato ilícito, não responde pelos danos deste decorrentes” (grifei). 11. Extrai-se dos precedentes citados residir a conduta danosa da administração no dever legal atribuído ao Poder Público de obstar a consumação do dano, que, na espécie, ocorreria diante da ausência da prestação estatal positiva e material, negando-se irregularmente amparo social ao trabalhador em situação de desemprego. E, a responsabilidade por esta conduta somente pode ser afastada acaso não tenha a União para com ela concorrido. 12. Não obstante na decisão paradigmática faça-se menção à inexistência de nexo causal direto e imediato, remetendo, ao que parece, à Teoria do Dano Direto e Imediato, tem-se que o instituto da responsabilidade civil deve ser contemplado sob caráter dinâmico na proporção do substrato fático que maneja, o que exige avaliação dos respectivos elementos diante caso em concreto. Neste contexto, parte-se do fato de que o ato de concessão do benefício em tela (seguro-desemprego), dada a essencialidade própria da prestação, é realizado de forma centralizada pela União (administração direta), não suprimindo esta característica a realização de consultas pelo ente público em bancos cadastrais de entidade da administração indireta, para fins de aferição dos requisitos de concessão. No magistério de Yussef Said Cahali (in Responsabilidade Civil do Estado, São Paulo: Malheiros Ed., 1995), “o reconhecimento da responsabilidade do Estado como sendo direta perante o administrado lesado vincula-se, assim, por definição, à concepção organicista do ente público”. Portanto, a administração direta é o órgão incumbido no fornecimento da prestação material do Estado, encontrando-se inclusive sob a sua responsabilidade a forma como buscará subsídios e informações para desempenhar com eficiência o aludido mister. Cumpre referir que a feição organicista de Estado confere unidade à administração na consecução das funções estatais, não eximindo o ente público responsável pelo ato eventual inexatidão das informações insertas em cadastros de outras entidades da administração descentralizada. Por essa forma, a despeito de a administração valer-se de informações de outras entidades estatais, assim o faz com escopo a alcançar resultados com maior eficiência, e, por isso, torna-se igualmente responsável pela eleição dos meios para atingir a finalidade do ato administrativo. Daí advém a visão da administração em sua unidade, o que impede invocar a cooperação interna entre os respectivos órgãos e entidades no intento de justificar a ineficiência administrativa. 13. Por conseguinte e diante das ponderações retro, evidencia-se causa necessária e imprescindível para a ocorrência do dano o desempenho ineficiente da administração no fornecimento da prestação positiva material, para o que contribui, inclusive, o procedimento eleito para obtenção dos dados cadastrais relevantes destinados à aferição do preenchimento dos requisitos de concessão do benefício em comento. Conquanto a alimentação equivocada do sistema de dados cadastrais do INSS represente um dos fatores envolvidos no contexto fático que resultou no evento danoso, ao contrário do entendimento adotado no precedente invocado, não adquire a relevância de determinar a exclusão da responsabilidade civil da União. Isso porque a causa direta e imediata situa-se em momento anterior, relativo à responsabilidade da União em eleger os meios adequados para conferir efetividade às prestações positivas e materiais do Estado, bem como na unidade existente entre os entes da administração para garantir, de forma eficiente, a proteção social. 14. Outrossim, destaca-se precedente do Eg. STJ em que realizada similar análise no que concerne ao exame da existência de nexo causal entre a conduta da administração e o dano moral, conforme ementas que seguem: “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ERRO NO INDEFERIMENTO DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NEXO CAUSAL E RESULTADO LESIVO RECONHECIDOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVALORAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. 1. O indeferimento de benefício previdenciário imotivado acarreta injusta privação de verba alimentar, colocando em risco a subsistência do segurado, sobretudo em casos de pessoas de baixa renda, como é o caso dos autos. 2. A compensação por danos morais foi feita, pelo juízo sentenciante, com esteio em extensa e minuciosa análise dos elementos probatórios da dor e das dificuldades pessoais que afligiu o agravado, que mesmo comprovando a gravidade da moléstia que o acometia, teve seu benefício negado, sendo obrigado, por mais de quatro anos, a sacrificar sua saúde e bem estar trabalhando no mercado informal como vendedor ambulante, a despeito do câncer de laringe em estado avançado que apresentava. 3. Constatado o nexo de causalidade entre o ato da Autarquia e o resultado lesivo suportado pelo segurado, é devida a reparação dos danos morais. 4.Agravo Regimental do INSS desprovido.”(STJ-1ª.T, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 08/05/2014) – grifei. 15. Voto, então, por conhecer em parte, e, na parte conhecida, negar provimento ao incidente de uniformização. 

(PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL 50038438620134047111, JUÍZA FEDERAL SUSANA SBROGIO GALIA, DOU 12/08/2016.) 

Desse modo, por vislumbrar a coerência e correção do entendimento firmado na origem, deixo de declarar outros fundamentos, para adotar como razão de decidir a argumentação utilizada na decisão atacada.

No mais, consigno ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado, a título de prequestionamento. Assim, não vislumbro dos argumentos deduzidos no processo qualquer outro fundamento relevante capaz de, em tese, infirmar a conclusão ora adotada.

Posto isso, voto por negar provimento ao recurso, confirmando a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos, os quais dou por transcritos, com base no art. 46 da Lei nº 9.099/95, combinado com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001.

Condeno a recorrente ao pagamento de honorários advocatícios no importe de 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 55, segunda parte, da Lei n. 9.099/95.

Custas ex lege.

É o voto.

 ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso da ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

 

 


VOTO

 

Os embargos de declaração têm por finalidade completar a decisão omissa ou, se o caso, torná-la clara, evidente. Destarte, somente se prestam para atacar um dos vícios apontados pelo artigo 48 da Lei n. 9.099/1995 c.c. 1.022 do Código de Processo Civil (obscuridade, contradição, omissão e erro material), e, em alguns casos excepcionais, em caráter infringente, para correção de nulidade insanável, pois que são apelos de integração, e não de substituição.

No caso dos autos, o acórdão embargado analisou devidamente o recurso interposto pela parte autora, apresentando expressamente as razões de decidir deste Colegiado, com enfrentamento de todas as questões postas.

Em verdade, a União sequer opõe os embargos em face do acórdão em si, mas sim requer a nulidade do trânsito em julgado sob a alegação de não ter sido intimada acerca do decisum mencionado.

Ocorre que, em consulta aos autos eletrônicos, consta que a intimação da União foi realizada na pessoa da causídica que subscreve os presentes embargos, com registro de ciência em 07/03/2022. Houve a intimação, outrossim, da Procuradoria-Regional da União da 3ª Região, com registro de ciência do servidor ARTUR SOARES DE CASTRO, na data de 14/03/2022.

Desse modo, não há qualquer nulidade a ser declarada em relação à certificação do trânsito em julgado nos autos. 

Aliás, inexistindo omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão, os embargos não se mostram a via adequada para o enfrentamento da questão.

Saliente-se, para fins de prequestionamento, ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado. Não vislumbro dos argumentos deduzidos no processo qualquer outro fundamento relevante capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada.

Ante o exposto, conheço dos embargos opostos, porque tempestivos, mas rejeito-os, face à inexistência de erro, omissão, obscuridade ou contradição, nos termos da fundamentação.

Sem honorários. Custas na forma da lei.

É o voto.



EMENTA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO QUE ANALISA TODOS OS ARGUMENTOS DEDUZIDOS NO RECURSO CAPAZES DE, EM TESE, INFIRMAR A CONCLUSÃO ADOTADA PELO ÓRGÃO JULGADOR. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. EMBARGOS CONHECIDOS E REJEITADOS.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, rejeitar os embargos da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.