Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020484-25.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: AMARILDO GONCALVES, JOAO ANTONIO VALERIO, MARCELO JOSE CHUEIRI, JOSE RICARDO GONCALVES DE OLIVEIRA, AGENCIA DE DESENVOLVIMENTO, INOVACAO E SUSTENTABILIDADE - AGENDIS

Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUIS DA SILVA - SP256431, JEFFERSON RENOSTO LOPES - SP269887-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020484-25.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: AMARILDO GONCALVES, JOAO ANTONIO VALERIO, MARCELO JOSE CHUEIRI, JOSE RICARDO GONCALVES DE OLIVEIRA, AGENCIA DE DESENVOLVIMENTO, INOVACAO E SUSTENTABILIDADE - AGENDIS

Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
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Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUIS DA SILVA - SP256431, JEFFERSON RENOSTO LOPES - SP269887-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

MBV 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

Apelação interposta por AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECIRICA DA SERRA E REGIÃO - AGENDIS (Id. 144526049 – fls. 135/165 e Id. 144525050 – fls. 01/45) e por JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA (Id. 144525050 – fls. 78/87) contra sentença que, em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, julgou procedente o pedido, nos seguintes termos (Id. 144526049– fls. 119/126):

“(...) Diante do exposto JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida pelo MPF e:

CONDENO AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI, JOSÉ RICARDO GONÇALVE DE OLIVEIRA e AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECIRICA DA SERRA E REGIÃO - AGENDIS, solidariamente, nas seguintes penas: ressarcimento de eventual dano, com acréscimos legais até a data do efetivo pagamento; pagamento de multa civil correspondente a uma vez o valor do dano; proibição de contratar com a Poder Público ou receber beneficies ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 05 (cinco) anos.

CONDENO AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, na perda da função pública que eventualmente estejam ocupando na data da prolação desta sentença.

CONDENO AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA na suspensão dos direito políticos pelo prazo de cinco anos.

DECLARO NULO o contrato nº 4047/2013. Tendo em vista, porém, o exaurimento de seus efeitos, e sendo certo que houve a prestação de serviços, fica a questão restrita à apuração de prejuízo ao erário, prejuízo esse pelo qual a AGENDIS responde de forma solidária, nos termos da condenação.

Custas ex lege.

Condeno os réus no pagamento dos honorários, que fixo em 10% do valor atribuído à causa”.

 

Os embargos de declaração opostos por JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA (Id. 144525050 – fls. 71/73) foram rejeitados (144525050 – fl. 75).

 

Os apelantes AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e a AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECIRICA DA SERRA E REGIÃO - AGENDIS sustentam, em síntese, que (Id. 144526049 – fls. 135/165 e Id. 144525050 – fls. 01/45):

1) arguem a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido com relação à nulidade do contrato e o ressarcimento ao erário, posto que:

1.1) não foi apresentado nenhum elemento que desabonasse as justificativas de dispensa apresentadas por João Antonio Valério, concernentes ao prazo exíguo e a possibilidade de contratar organizações sociais.

1.2) Amarildo Gonçalves autorizou a contratação, de acordo com as providências tomadas pelas secretarias e Marcelo José Chueiri e José Ricardo Gonçalves de Oliveira limitaram-se a apresentar suas propostas, após solicitação e não causaram qualquer prejuízo moral ou patrimonial, uma vez que todos os valores pagos decorreram de serviços educacionais efetivamente prestados.

1.3) a sentença é contraditória, pois condena as partes ao ressarcimento ao erário, mas reconhece, em sua parte dispositiva, o exaurimento dos efeitos do contrato e a prestação dos serviços.

1.4) ainda que a lei mencione dano presumido, a condenação ao ressarcimento somente teria fundamento em caso de inexistência dos serviços prestados.

1.5) a contratação teve início, meio e fim, ocorreu a efetiva prestação e serviços e foi concluída com perfeição até a sua rescisão, motivo pelo qual a decretação de anulação é inócua e acarreta insegurança jurídica, pois ataca diretamente o ato jurídico perfeito.

1.6) de acordo com o artigo 167 do Código Civil, o contrato subsistiria, ainda que existisse irregularidade na contratação, pois é válido na sua substância e forma.

2) alegam, em preliminar, que o objeto está prejudicado, com relação à perda da função pública, em razão do término de mandato, pois Amarildo Gonçalves e João Antonio Valério não mais exercem os cargos de Prefeito e Secretário de Educação, respectivamente.

3) a condenação dos apelantes ao pagamento de eventual dano ao erário e de multa civil, correspondente a uma vez o valor do prejuízo, configura bis in idem, uma vez que condena, por mais de uma vez, o mesmo fato.

4) a verba alocada respeitou a Resolução CD FNDE nº 54/2012, especialmente o artigo 5º, § 1º, inciso II e, nos primeiros quinze dias de execução (de 16/10 a 15/11/2013), foram atendidos pela AGENDIS 93 alunos e, posteriormente, nos período de 16/11 a 15/12/2013, 16/12 a 15/01/2014, 16/01 a 15/02/2014 e 16/02 a 15/03/2014 foram atendidos 110, 111, 121 e 129 jovens, respectivamente, uma média de 110 estudantes, o que corresponde a mais da metade da meta prevista pelo projeto, o que denota a experiência e competência da contratada na execução de programas educacionais voltados à juventude...  

5) do total de R$ 594.000,00 foi repassado R$ 126.693,09, devidamente empregado para o fim ao qual foi destinado, como comprovam os documentos.

6) a ação de improbidade teve como principal fundamento a identidade entre os valores das propostas apresentadas pelos apelantes Marcelo Chueri, José Ricardo e Iraci de Jesus. Contudo, a acusação, nos memoriais apresentados na ação penal, observou que as planilhas e preços foram fornecidos e os valores estipulados previamente pelo Ministério da Educação, descartou a suspeita de conluio na formulação das propostas e concluiu que inexistiu qualquer irregularidade ou afronta à Resolução 54/2012 CD-FNDE.

7) com relação à contratação, foi levada em consideração a proposta de administração do projeto mais vantajosa para o Município.

8) a sentença não apontou como ocorreu o suposto conluio entre os acusados ou o dispositivo legal que configura como ato de improbidade o simples fato de os acusados se conhecerem. Fico demonstrado que Marcelo Chueri e José Ricardo participaram da constituição da AGENDIS, justamente pela expertise de ambos na área e que o primeiro atuou na fundação de inúmeras agências de desenvolvimento, uma vez que seu trabalho é referência no assunto.

9) os requeridos afirmaram nos depoimentos que inexistiu contato direto entre os participantes e não é ilegal a relação de parentesco entre João Antonio Valério e Iraci de Jesus Alves Valério.

10) O TCU e FNDE atestaram a inexistência de prejuízo ao erário, pois toda a verba disponibilizada pelo fundo foi empregada na execução do projeto.

11) o fato de a contratada não ter experiência anterior com o PROJOVEM, por si só, não a desqualifica, uma vez que a lei objetivava assegurar a atuação na área educacional e ofereceu estrutura e suporte administrativo para a execução do programa e a contratação de profissionais específicos para executá-lo.

12) a capacidade técnica e experiência da contratada está demonstrada, dado que executou o projeto de forma satisfatória, atendeu uma média superior a cem alunos, empregou a verba repassada com lisura e não causou prejuízo ao erário. Ademais, suportou o prejuízo com relação à taxa de administração, o que descarta a alegação de existência de suposta vantagem indevida.

13) as agências que apresentaram cotação tinham capacidade técnica e experiência na área educacional, pois sua principal atribuição é disponibilizar estrutura física e administrar, entre outros, projetos educacionais.

14) as testemunhas da acusação não desqualificaram as declarações da defesa e corroboraram com as alegações de fato e direito aduzidas pelos recorrentes.

15) com relação ao réu João Antônio Valério e suas atribuições, nenhum elemento mínimo de convicção que desabone suas justificativas foi apresentado. Amarildo Gonçalves autorizou a contratação em concordância com as providências tomadas pelas suas respectivas secretarias e equipes técnicas envolvidas. Marcelo José, José Rícardo e AGENDIS limitaram-se a apresentar suas propostas conforme solicitado e não tiveram qualquer ingerência na contratação e sua forma.

16) o FNDE emitiu parecer pela aprovação das contas e a análise técnica do TCU concluiu que a prestação de contas do Projovem Urbano/2013 não evidenciou prejuízo ao erário.

17) os acusados Amarildo Gonçalves e João Antônio Valério não tinham vínculo societário ou de gestão com a contratada e o fato de serem membros do conselho consultivo não implica irregularidades ou ilegalidades, pois o órgão não detinha poder de deliberação.

18) o Município de Itapecerica não tinha em seus quadros de funcionários equipe apta a prestar os serviços educacionais exigidos pelo termo de adesão e, considerado o curto prazo para implementação do projeto, foi sugerida a contratação de instituição do terceiro setor mediante dispensa de licitação.

19) inexistiu dolo, má-fé ou prejuízo ao erário, porque toda a execução do projeto foi acompanhada de maneira exemplar, com a apresentação dos relatórios mensais exigidos.

20) a dispensa de licitação foi fundamentada e acolhida, considerado o caráter emergencial da contratação realizada, visto que o termo de adesão foi assinado em 04/06/2013, o plano de implementação aprovado em 13/08/2013 e o início das aulas previsto para o dia 23/09/2013.

21) não foram declinados na inicial quais princípios da administração pública foram supostamente violados, não ocorreu qualquer ofensa ao principio da impessoalidade e, considerada efetiva prestação do serviço contratado, o interesse público foi satisfeito.

22) o município não é obrigado a realizar licitação para selecionar e contratar organizações sociais da sociedade civil de interesse público, como estabelece o artigo 24 da Lei nº 8.666/93, e o artigo 5º do Decreto nº 6.629/2008 prevê a participação de entidades da sociedade civil no âmbito do PROJOVEM URBANO.

23) os valores disponibilizados pelo FNDE foram efetivamente empregados no projeto, salvo a importância de R$ 28.957,81, que não foi aplicada em razão da rescisão contratual, mas devolvida ao fundo.

24) a decisão decretou a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, entretanto, ainda que acolhida a tese de contratação irregular, a gravidade do ato não permite a aplicação de sanção tão penosa.

25) contrariamente ao que foi reconhecido pelo juiz a quo, a autorização da contratação mediante dispensa de licitação foi precedida de pareceres jurídicos emitidos pela Secretaria de Assuntos Jurídicos da Comarca. O primeiro tratou da viabilidade jurídica da contratação e o segundo, emitido somente após a autorização expedida em 17/09/2013, sobre a minuta do contrato.

Requerem o acolhimento das preliminares para a extinção da ação, sem julgamento do mérito, ou o provimento do recurso para que seja julgada improcedente. Subsidiariamente, pleiteia o afastamento da decretação da sanção de suspensão dos direitos políticos imposta.

 

Nas razões recursais (Id. 144525050 – fls. 78/86), JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA afirma, resumidamente, que:

1) o autor sugere, com o intuito de criminalizar ato ordinariamente legal praticado pelo apelante, consistente na emissão de orçamento para execução de serviços legítimos, existirem indícios de improbidade o fato de ter trabalhado na Agência de Desenvolvimento de Itapecerica da Serra e Região e de Monte Alto, cidade sede da agência que representava na ocasião, distar aproximadamente 368 quilômetros do município.

2) não se pode admitir que lhe seja atribuído ato de improbidade pelo simples fato de ter trabalhado na agência contratada e ter sido consultado e apresentado proposta de preço a um cliente que se encontrava a quilômetros de distância.

3) a alegação de identidade das propostas, à exceção da taxa de administração, não se sustenta, posto que todos os réus afirmaram e demonstraram que a proposta era padronizada pela prefeitura, com base em um formulário modelo do MEC, e o que estava em disputa era justamente o valor da taxa, que sofreu variação de uma oferta para outra.

4) o autor faz crer que o recorrente teria agido em conluio fraudulento, para seleção da proposta apresentada pela AGENDIS, pelo simples e corriqueiro fato de ter trabalhado na agência de Itapecerica, conhecer alguns dos réus e estar a quilômetros de distância de Itapecerica da Serra, o que é inaceitável e deve ser reformado.

5) a sentença menciona como precedente jurisprudência que indica justamente a impossibilidade de responsabilização objetiva do agente, porquanto deve ser demonstrado o dolo ou ao menos a culpa do infrator.

6) de acordo com a decisão, a prova dos autos é de que houve dispensa irregular de licitação, o que tipificaria a conduta de improbidade, mas é incontroverso que não teve participação no ato, que é exclusivo da administração pública.

7) nada lhe foi atribuído, a não ser o fato de ter atendido a um pedido de orçamento da Prefeitura de Itapecerica da Serra e apresentado a proposta, o que não sustenta a condenação que lhe foi imposta.

8) não está configurado e não foi demonstrado o tipificado no artigo 3º da Lei nº 8.429/92, que exige, para a configuração do ato ímprobo, que o terceiro induza ou concorra para a prática do ilícito.

9) os atos praticados pelo apelante, consistentes na oferta de proposta de preço prévia à contratação, não caracterizam atos de improbidade nos termos da LIA e revelam o abuso na interpretação e aplicação da lei por parte do Ministério Público e do juízo de primeiro grau.

Pede a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita por não ter condições financeiras de arcar com as custas processuais, sem prejuízo do próprio sustento e o de sua família, bem como seja dado provimento ao recurso.

 

Em contrarrazões (Id. 144525057), o Ministério Público Federal requer seja negado provimento aos recursos.

 

O Procurador Regional manifestou-se pelo desprovimento dos recursos e manutenção da sentença (Id. 148322152).

 

A apelação foi recebida apenas no efeito devolutivo, nos termos do artigo 14 da Lei nº 7.347/85 (Id. 151115293).

 

À vista das alterações substanciais da Lei nº 8.429/1992, promovidas pela Lei nº 14.230, publicada no DOU em 26/10/2021, as partes foram notificadas a apresentar eventual manifestação (Id. 216414644). O Ministério Público ratificou a manifestação anteriormente apresentada (Id. 221097285). O requerido JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA requer a aplicação da nova lei, com base no princípio da retroatividade da lei mais benéfica, amparado no artigo 1º, § 4º, da lei, para que seja absolvido, dada a ausência de dolo de sua parte (Id. 227776115). AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e AGENDIS afirmam que, a partir da publicação da norma, está vedada a condenação pela prática de ato de improbidade, sem a demonstração de desígnio específico de atingir algum dos resultados ilícitos previstos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 e requerem seja o recurso julgado de acordo com esse entendimento (Id. 251869033).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0020484-25.2015.4.03.6100

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: AMARILDO GONCALVES, JOAO ANTONIO VALERIO, MARCELO JOSE CHUEIRI, JOSE RICARDO GONCALVES DE OLIVEIRA, AGENCIA DE DESENVOLVIMENTO, INOVACAO E SUSTENTABILIDADE - AGENDIS

Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A
Advogados do(a) APELANTE: JOAO LUIS DA SILVA - SP256431, JEFFERSON RENOSTO LOPES - SP269887-A
Advogados do(a) APELANTE: IRAILDES SANTOS BOMFIM DO CARMO - SP80106-A, ANDRE NASCIMENTO COLIN - SP288665-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

I) DA JUSTIÇA GRATUITA

Inicialmente, à vista da declaração (Id. 144525050 – fl. 88), defiro os benefício da justiça gratuita no âmbito deste recurso ao requerido JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA.

 

II) DAS PRELIMINARES

AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e a AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECIRICA DA SERRA E REGIÃO - AGENDIS arguem a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido com relação à nulidade do contrato e ressarcimento ao erário ao argumento de que a sentença reconheceu o exaurimento dos efeitos do contrato e a prestação de serviços, mas condenou as partes ao ressarcimento do prejuízo. A questão relativa à efetiva prestação dos serviços, nulidade do contrato e ressarcimento ao erário se confunde com o mérito e com ele será decidido.

A alegação de que o objeto está prejudicado, relativamente à perda da função pública, uma vez que Amarildo Gonçalves e João Antonio Valério não mais exercem os cargos de Prefeito e Secretário de Educação, respectivamente, não merece prosperar. O § 1º do artigo 12 da LIA estabelece que a sanção de perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente politico detinha com o poder público à época do cometimento da infração. Contudo, o dispositivo prevê que magistrado poderá, em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.

Os recorrentes afirmam que a condenação ao pagamento de eventual dano ao erário e de multa civil, correspondente a uma vez o valor do prejuízo, configura bis in idem, uma vez que condena, por mais de uma vez, o mesmo fato. Sem razão os apelantes. O artigo 12, caput, da LIA estabelece que o responsável por ato de improbidade está sujeito às sanções concernentes à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, penalidades que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial. Desse modo, é plenamente cabível a condenação dos apelantes ao ressarcimento ao erário e pagamento de multa correspondente a uma vez o valor do prejuízo.

 

III) DOS FATOS E PROCESSAMENTO

Ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI, JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA e AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTODEITAPECERICA DA SERRA E REGIÃO (AGENDIS), com o objetivo de obter a responsabilização dos acusados pela prática de atos de improbidade que causaram prejuízo ao erário e atentaram contra os princípios da administração pública e os deveres funcionais da honestidade e lealdade, consistentes na contratação de entidade sem fins lucrativos, mediante dispensa irregular de licitação e sem observar as formalidades previstas na Lei nº 8.666/93, para a execução do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem Urbano no Município de Itapecerica da Serra/SP, direcionamento da contratação e conluio fraudulento na seleção da proposta (Id. 144524331 – fls. 07/94).

Extrai-se da exordial que foi instaurado o Inquérito Civil nº 1.34.001.001984/2014-14 para apuração de lesão ao patrimônio público e da prática de atos de improbidade administrativa no âmbito do “ProJovem Urbano” desenvolvido no Município de Itapecerica da Serra. O projeto é uma das quatro modalidades do Programa Nacional de Inclusão de Jovens, instituído pela Lei nº 11.129/2005 e disciplinado pela Lei nº 11.692/2008 e Decreto nº 6.629/2008, estabelecido pelo governo federal e destinado a jovens com idade entre quinze e vinte e nove anos, com o objetivo de promover a sua reintegração ao processo educacional, qualificação profissional e desenvolvimento humano e visava à promoção de ações para a elevação da escolaridade, qualificação profissional em nível inicial e participação cidadã dos jovens beneficiários. Para a execução, a União, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ficou autorizada a transferir recursos diretamente aos Estados, Distrito Federal e Municípios que aderiram ao programa, sem a necessidade de convênio, acordo, contrato, ajuste ou instrumento congênere (art. 4º, caput e § 4º, da Lei nº 11.692/2008).

Segundo o Parquet, a filiação do Município de Itapecerica da Serra ao “Projovem Urbano” foi formalizada em 04/06/2013 por meio do termo de adesão, ocasião em que o município se comprometeu a atingir a meta de atendimento de duzentos jovens no exercício de 2013, circunstância em que a verba federal transferida alcançaria o montante de R$ 594.000,00. Diz que, nos termos do artigo 11 da Resolução nº 54/2012 do CD/FNDE, deveriam ser observados os procedimentos previstos nas Leis nº 8.666/93 e nº 10.520/2002 e legislação correlata, bem como nos Decretos nº 5.450/2005 e nº 7.507/2011, e que era admitida a celebração de convênio com entidade de direito privado apenas para a modalidade “Projovem Trabalhador”, o que não era o caso dos autos.

O MPF menciona que, de acordo com a delação que originou o inquérito civil, para a execução do programa o município contratou a AGÊNCIA DEDESENVOLVIMENTO DE ITAPECERICA DA SERRA E REGIÃO (AGENDIS), associação sem fins lucrativos, que tem como presidente o próprio Secretário de Educação João Valério. Instado a se manifestar, o município informou que a agência havia sido contratada em 20/09/2013, para execução do programa, mediante dispensa de licitação (nº 806/2013), autorizada pelo então Prefeito AMARILDO GONÇALVES. Segundo o autor, o Secretário de Educação JOAO ANTONIO VALERIO, ao solicitar a contratação da AGENDIS mediante dispensa de licitação, apresentou as seguintes justificativas: “Considerando que a Secretaria de Educação não possui recursos humanos suficientes para executar na íntegra o referido projeto (ProJovem Urbano), será necessário contratar empresa com capacidade suficiente para realizar todas as etapas do projeto, arcando com todos os custos para instrução dos jovens e responsabilizando pelo pagamento de instrutor e encargos; fornecimento de material pedagógico, lanche e transporte; pela coordenação de equipe; custo com instrutores; kit estudantil; realização de eventos; material de expediente; diárias e viagens da equipe técnica; bem como demais despesas previstas no Termo de Adesão (Plano de Implementação). Essas despesas correrão por conta de recursos vinculados no valor de R$ 594.000,00 (quinhentos e noventa e quatro mil reais). Considerando que o prazo para início dos trabalhos será no próximo dia 23 de setembro de 2013, encaminhamos três orçamentos colhidos com organizações sem fins lucrativos, compatíveis com os valores constantes do plano de trabalho; Considerando ainda, que a Lei Federal n" 8.666/93 em seu Artigo 24, inciso XXIV, prevê a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas, governo, para atividades contempladas no contrato de gestão; E diante da inquestionável importância na realização deste projeto para o Município e da urgência que o caso requer, solicito a contratação por dispensa de licitação, da Agência de Desenvolvimento de Itapecerica da Serra e Região - na condição de OSCIP, conforme Certidão emitida pelo Ministério da Justiça anexa. Dentre as finalidades constantes do art. 4º do estatuto social da referida organização, o inciso IV, prevê: a promoção de cursos de oferta de educação profissional de níveis básicos, técnicos e tecnológicos, seminários, simpósios, estudos, debates e troca de experiências sobre formação educacional, e outros assuntos correlatos”.

Narra o Parquet que a apresentação de propostas pelas agências ocorreu nos dias 06 e 09 de setembro de 2013, o pedido de dispensa de licitação, formulada por JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, foi encaminhado ao departamento de suprimentos, no dia 10/09/2013, o Prefeito AMARILDO GONÇALVES autorizou a contratação direta, em 17/09/2013, e somente no dia 19/09/2013 a Secretaria de Assuntos Jurídicos foi instada a se manifestar sobre a possibilidade de dispensa do certame, o que indica que o parecer foi solicitado apenas para conferir aparência de legitimidade à contratação. Menciona que a solicitação do Secretário de Educação provocou a celebração de contrato entre o município e a AGENDIS (Contrato nº 4047/13), em 20/09/2013.

Diz o autor que o município comunicou no inquérito civil que havia feito cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato e que a servidora Cristina Aparecida Lopes de Moraes informou que as solicitações de orçamentos foram feitas por telefone, o que foi confirmado pelos subscritores das propostas. As ofertas foram apresentadas por Iraci de Jesus Alves Valério, Diretora Geral da AGENDIS, em 06/09/2013, no valor de R$ 623.558,45, Marcelo José Chueiri, Coordenador Técnico da Agência de Desenvolvimento e Inovação de Guarulhos (AGENDE), no dia 09/09/2013, no valor de R$ 635.435,75, e JOSÉ RICARDO GONÇALVES, Coordenador de Projetos da Agência de Desenvolvimento de Monte Alto e Região, no valor de R$ 653.251,71. Destaca que as duas primeiras propostas apresentavam datas anteriores à da solicitação de contratação (10/09/2013), que o objeto social das entidades era incompatível com a execução do programa e que a entidade selecionada não tinha em seus quadros de funcionários professores de ensino fundamental, o que era exigido para a execução do projeto. Narra que a Agência de Desenvolvimento de Monte e Alto e Região atuava com a temática de meio ambiente e óleo de cozinha, objeto incompatível com a execução do programa, e que a distância entre a sua sede e a prefeitura era de 368 km, o que dificultaria a prestação dos serviços.

O Parquet salienta que, antes da solicitação dos orçamentos, sequer foi verificado o preenchimento dos requisitos para contratação direta, mediante dispensa de licitação, nos moldes do artigo 24, inciso XXIV, da Lei nº 8.666/199 e tampouco observadas as regras do artigo 23, caput e § 1º, do Decreto nº 3.100/1999 e da publicidade, pois não foi assegurada a participação de todos os interessados na execução do projeto para a escolha da melhor proposta. Acrescenta que não foi designada comissão julgadora do concurso de ofertas apresentadas pelas OSCIP, como estabelece o artigo 30 do decreto, e que não ocorreu apenas a inobservância das regras de escolha da organização para celebração do termo de parceria, mas direcionamento da contratação para pessoa jurídica da qual o Secretário de Educação e o Prefeito eram membros do conselho consultivo, em afronta ao artigo 9º, inciso III, da Lei nº 8.666/93. O autor acentua que a discrepância verificada na oferta da AGENDIS, em relação aos itens "formação de educadores" e "demais ações", acarretou um aumento de despesa para a execução do projeto pelo município, pois o total de gastos mencionados no plano de implementação somava a quantia de R$ 580.745,20 e o valor previsto na proposta era de R$ 593.865,20.

De acordo com a inicial, em virtude de a contratada ser qualificada como organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), foi requisitado à Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos o envio de: “1) Termo de Parceria firmado com a Agência de Desenvolvimento de Itapecerica da Serra (AGENDIS) em razão da Dispensa de Licitação nº 1170/13 (art. 24, XX1V da Lei nº 8.666/93 c.c art. 9º da Lei nº 9.790/99); 2) de documento comprobatório de ter a celebração do Termo de Parceria sido precedida de consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes (art. 10, § V, da Lei nº 9.790/99); e 3) comprovante de publicação, na imprensa oficial do Município, de extrato de Termo de Parceria firmado com a AGENDIS (OSCIP), bem como dos demonstrativos de sua execução física e financeira (art. 10, §2º,. VI, da Lei nº 9.790/99)” e, em resposta, foi informado que não constava do processo de Dispensa de Licitação nº 1170/2013 a documentação requerida.

O Parquet ressalta que o valor do contrato nº 4047/2013 (R$ 623.558,45) era superior ao que seria repassado pelo Ministério da Educação (R$ 594.000,00), caso atingida a meta de duzentos alunos, que as três propostas apresentadas pela AGENDIS, AGENDE e Agência de Desenvolvimento de Monte Alto e Região previam como despesa, para a execução do projeto, a mesma quantia de R$ 593.865,19 e que a única distinção residia no valor da taxa de administração, o que seria estaticamente improvável e demonstraria a intelecção da prática de atos de improbidade administrativa. Diz que, não obstante a identidade numérica entre os itens e os valores das ofertas apresentadas, todas tinham extrema semelhança na formatação e as respectivas petições de apresentação continham o mesmo erro de ortografia no endereçamento, qual seja, a utilização do termo “Á” em lugar de “À”. Salienta que os subscritores das propostas confessaram a inexperiência da AGENDE e Agência de Desenvolvimento de Monte e Alto e Região na execução do programa, o que evidencia o conluio fraudulento, e que causou estranheza o fato de que o município, que não tinha em seus quadros professores aptos a participar do projeto, tenha optado contratar entidade inexperiente em educação fundamental.

O MPF cita que a contratada, durante o biênio 2010/2012, foi presidida por JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, Secretário de Educação responsável pela adesão do município ao “Projovem Urbano” e que, nos dois anos de vigência do contrato (2012/2014), figurou como membro do conselho consultivo da AGENDIS. Menciona que o Prefeito AMARILDO GONÇALVES, que autorizou a dispensa de licitação para contratação da agência, foi membro do conselho consultivo da contratada nos anos de 2010/2012 e 2012/2014. Destaca que JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA, autor da proposta apresentada pela Agência de Desenvolvimento de Monte Alto e Região, residia em Itapecerica da Serra, trabalhou na AGENDIS e conhecia AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, fato que corrobora o conluio fraudulento para a seleção da oferta apresentada pela AGENDIS. Salienta que IRACI DE JESUS ALVES VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e JOSÉ RICARDO GONÇALVES, autores das propostas da AGENDIS, AGENDE e Agência de Desenvolvimento de Monte e Alto e Região, respectivamente, se conheciam e que IRACI DE JESUS ALVES VALÉRIO era cunhada de JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO. Diz que o último admitiu ter solicitado à sua equipe de trabalho da Secretaria de Educação a pesquisa de orçamentos com as autoras das propostas.

Afirma o autor que o Secretário da Educação solicitou, em 21/02/2014, à Secretaria de Assuntos Jurídicos a rescisão do contrato com a entidade, uma vez que, a partir de 20/03/2014, o projeto seria tocado com recursos humanos contratados pela municipalidade e o termo foi assinado pelo Prefeito AMARILDO GONÇALVES, em 28/03/2014, cerca de seis meses após a sua celebração (20/09/2013). Relata que foi repassada à AGENDIS a quantia de R$ 126.693,09, valor que coincide com o informado pelo departamento de despesas do município, que apresentou as notas fiscais emitidas em razão do contrato.   

Para o MPF, é inexorável a responsabilidade dos envolvidos na adesão ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM UURBANO, edição 2013, pela desonestidade, desvio e aplicação irregular. Afirma que a AGENDIS, JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA e MARCELO JOSÉ CHUEIRI, embora destituídos da qualificação de agente público, são alcançados pela amplitude do artigo 3º da LIA por ter concorrido com a prática do ato de improbidade que causou prejuízo ao erário, decorrente da contratação com dispensa de licitação, visto que participaram da fraude para seleção da contratada, beneficiária de recursos públicos federais, mediante apresentação de propostas com valores e aspectos formais idênticos à da instituição selecionada, com exceção da taxa de administração. Diz que ex-Secretário de Educação JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, ao assinar o termo de adesão, concordou integralmente com os termos da Resolução nº 54/2012 do CD/FNDE, que exigia a observância da Lei nº 8.666/93, mas solicitou ao departamento de suprimentos a contratação direta da AGENDIS, mediante dispensa da licitação, fundamentado na ausência de professores especializados e falta de tempo hábil para a realização do processo seletivo. O então Prefeito AMARILDO GONÇALVES autorizou, em 17/09/2013, a contratação direta da selecionada e dois dias depois a Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos opinou fossem aprovadas as minutas de dispensa de certame, ocasião em que a contratação já estava autorizada. Diz que, posteriormente, o prefeito ratificou, em 19/09/2013, a contratação direta da AGENDIS e no dia seguinte (20/09/2013) o contrato foi assinado, o que indicaria que o parecer foi solicitado apenas para conferir aparência de legalidade à dispensa de licitação e demonstraria a existência de irregularidades na solicitação das propostas, contratação e dispensa de licitação.

O autor conclui que o conjunto probatório demonstra que AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, previamente acordados e em comunidade de desígnios com MARCELO JOSÉ CHUERI e JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA, causaram dolosamente prejuízo ao erário, uma vez que não observaram as regras para celebração do termo de parceria e direcionaram o processo de escolha e contratação da AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECERICADA SERRA E REGIÃO (AGENDIS), pessoa jurídica na qual exerciam a função de conselheiros consultivos e da qual JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO já tinha exercido a presidência. Assevera que os atos de improbidade relatados violaram o artigo 10, caput e inciso VIII, da LIA e os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e isonomia e os deveres funcionais de honestidade e lealdade, previstos no artigo 11, caput e inciso I. Requer a procedência da ação para que os demandados sejam condenados às sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92 e ao pagamento dos ônus de sucumbência, nos seguintes termos:

“d.1.1) ressarcimento integral do dano pelos réus (solidariamente), tudo devidamente corrigido;

d.1.2) perda da função pública (AMARILDOGONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO);

d.1.3) suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos (pessoas físicas);

d. 1.4) o pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano (solidariamente);

d. 1.5) o pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelos agentes públicos (fl. 301);

d.16) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos (todos os réus)”.

 

A peça acusatória foi instruída com cópia do Inquérito Civil – IC nº 1.34.001.00198412014-14 (Id. 144524331 – fls. 96/162, Id. 144525032, Id. 144525033, Id. 144525034 e Id. 144525035 – fl. 01/114).

O pedido liminar foi deferido para: “decretar a indisponibilidade dos bens dos corréus AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO e da AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECERICA DA SERRA EREGIÃO (AGENDIS), quanto bastem para assegurar o integral ressarcimento dos danos, limitados, por ora, ao montante de R$ 126.693,09 (cento e vinte e seis mil, seiscentos e noventa e três reais e nove centavos), que corresponde à soma dos valores pagos à AGENDIS” (Id. 144525035 – fls. 139/159). Contra referida decisão foram interpostos os Agravos de Instrumento nº 0015899-57.2016.4.03.0000/SP e nº 0015898-72.2016.4.03.0000/SP e o pedido de efeito suspensivo foi deferido no primeiro (Id. 144525041 – fls. 176/189). Na sessão realizada, no dia 07/06/2017, a Quarta Turma deu provimento ao primeiro recurso, para determinar o desbloqueio das contas correntes e de poupança do agravante JOÃO ANTONIO VALERIO e negou provimento ao agravo de instrumento de AMARILDO GONÇALVES.

Notificados, os acusados AMARILDO GONÇALVES (Id. 144525036 – fls. 01/21), AGENDIS- AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECERICA DA SERRA E REGIÃO (Id. 144525037 – fls. 03/15), JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO (Id. 144525041 – fls. 03/29), MARCELO JOSÉ CHUEIRI (Id. 144525041 – fls. 112/120) e JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA (Id. 144525041 – fls. 129/138) apresentaram defesa prévia e documentos.

O juiz de primeiro grau afastou as alegações de ilegitimidade passiva dos requeridos, impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da inicial, recebeu a inicial, determinou a citação dos réus para contestar e designou audiência de conciliação (Id. 144525041 – fls. 191/198).

A audiência de conciliação foi realizada no dia 22/02/2017 e o magistrado concedeu o prazo de dez dias para apresentação das propostas e suspendeu o prazo para contestação (Id. 144525042 – fls. 53/54). Os réus apresentaram oferta de acordo (Id. 144525043 - fls. 03/10). O MPF manifestou-se contrariamente à proposta de composição (Id. 144525043 - fls. 55/59).

Os acusados AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI, JOSÉ RICARDO DE OLIVEIRA e AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DE ITAPECERICA DA SERRA E REGIÃO apresentaram contestação e documentos (Id. 144525043 – fls. 61/90).

O juiz a quo deferiu a produção de prova oral e designou data para a audiência de instrução e julgamento (Id. 144525048 – fl. 52), que foi realizada, no dia 21/08/2018, em que foram interrogados os requeridos e inquiridas as testemunhas Iraci de Jesus Alves Valério, Cristina Aparecida Lopes de Moraes e Aarão Ruben de Oliveira (Id. 144525049 – fls. 14/23).

O Ministério Público Federal (Id. 144525049 – fls. 26/48) e os acusados AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALERIO, MARCELO JOSE CHUEIRI e AGENDIS (Id. 144525049 – fls. 50/117) apresentaram alegações finais.

Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido, para condenar os requeridos, solidariamente, ao ressarcimento do eventual dano, devidamente corrigido, pagamento de multa civil correspondente a uma vez o valor do prejuízo, à proibição de contratar com o pode público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 05 (cinco) anos e pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atribuído à causa. AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO foram condenados à perda da função pública, ocupada na data da prolação da sentença, e AMARILDO GONÇALVES, JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, MARCELO JOSÉ CHUEIRI e JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos (Id. 144525049 – fls. 119/126).

 

IV) DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A improbidade administrativa constitui: “uma violação ao princípio constitucional da moralidade, princípio basilar da Administração Pública, estabelecido no caput do art. 37 da CF (...) na qualidade de “corolário da moralidade administrativa, temos a probidade administrativa (art. 37, § 4.º, da CF). Dever do agente público de servir à ‘coisa pública’, à Administração, com honestidade, com boa-fé, exercendo suas funções de modo lícito, sem aproveitar-se do Estado, ou das facilidades do cargo, quer para si, quer para terceiros” (...) é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, que exige, portanto, esforço de sistematização e concreção por parte do intérprete. Reveste-se de ilicitude acentuadamente grave e exige – o ato ímprobo – requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva, acentuadamente o dolo (nos casos de enriquecimento ilícito e prática atentatória aos princípios) e a culpa grave (nos casos de lesão ao erário)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à lei de improbidade administrativa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Capítulo I, Artigo 1º, p. RL-1.2. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/100959444/v4/page/RL-1.2).

Marçal Justen Filho define improbidade como: "uma ação ou omissão dolosa, violadora do dever constitucional de probidade no exercício da função pública ou na gestão de recursos públicos, que acarreta a imposição pelo Poder Judiciário de sanções políticas diferenciadas, tal como definido em lei" (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 250-251).

caput do artigo 37 da Carta Magna estabelece que: "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]". O §4º do dispositivo constitucional prevê a punição por atos de improbidade administrativa a serem especificados em lei (no caso, a Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da ação penal, verbis:

"§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

 

A Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV).

As penas pela prática do ato ímprobo, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, estão discriminadas no artigo 12, entre a quais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º). O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dad pela lei em comento, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”.

O artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 dependem da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Nesse sentido, jurisprudência já reconhecia, antes do advento das alterações legislativas, que para a tipificação do ato de improbidade administrativa, que importasse prejuízo ao erário, era imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. AUSÊNCIA. DANO AO ERÁRIO. DEMONSTRAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PREMISSAS FÁTICAS. DESCONSTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo 2 do STJ).

2. De acordo com a jurisprudência de ambas as Turmas que integram a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, o enquadramento da conduta do réu como ato ímprobo a que se refere a Lei n. 8.429/1992 exige a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, na culpa grave, nas hipóteses descritas no art. 10.

3. Hipótese em que, segundo o Tribunal de origem, não ficou demonstrada a presença do elemento subjetivo, assim como o dano patrimonial.

4. A Corte a quo não se afastou da orientação jurisprudencial das turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte no sentido de que o dano ao erário previsto no art. 10 da LIA (com exceção da hipótese prevista no inciso VIII) exige a presença do dano efetivo ao patrimônio público, critério não verificado no presente caso, nas instâncias ordinárias.

5. A desconstituição de premissas fáticas estabelecidas pela instância a quo, à luz do material cognitivo produzido nos autos, esbarra no óbice estampado na Súmula 7 desta Corte, visto que demanda reexame de provas, desiderato incompatível com a via especial. Precedentes.

6. Agravo interno desprovido”.

(STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.589.375/RN, j. 16/11/2020, DJe 27/11/2020, Rel. Min. GURGEL DE FARIA,). [ressaltado]

 

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IRREGULARIDADES NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIO. ACÓRDÃO QUE AFASTA A OCORRÊNCIA DE LESÃO AO ERÁRIO. ALEGADA VIOLAÇÃO ART. 10 DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAÇÃO DO DANO PRESUMIDO.

1. A jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a atuação do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (EREsp 479.812/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 25.8.2010, DJe 27.9.2010).

2. Nos termos da jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, as condutas descritas no art. 10 da LIA demandam a comprovação de dano efetivo ao erário público, não sendo possível caracterizá-lo por mera presunção.

3. Na hipótese em exame, o Tribunal de origem consignou expressamente a ausência de demonstração da efetiva lesão ao patrimônio público, de modo que a alteração das conclusões adotadas, para o fim de verificar a existência de dano aos cofres públicos, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.

4. Agravo interno a que se nega provimento”.

(STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.585.939/PB, j. 26/06/2018, DJe 02/08/2018, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA). [ressaltado]

 

Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

A nova redação do artigo 23 da LIA, dada pela Lei nº 14.230/2021, além de alterar o prazo prescricional para ajuizamento da ação para 08 (oito) anos, contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessar a permanência, promoveu alterações substanciais com relação ao instituto para fins de aplicação das sanções previstas no artigo 12 da LIA. Equiparou a prescrição para o ajuizamento da ação dos detentores de mandato, cargo, função, cargo efetivo ou emprego público e passou a prever a prescrição intercorrente da pretensão sancionatória, que deve ser decretada pelo juiz, de oficio ou a requerimento da parte, nos casos em que, por exemplo, entre o ajuizamento da ação e a publicação da sentença tiver transcorrido prazo superior a quatro anos.

A Lei nº 14.230/2021 eliminou o rol exemplificativo do artigo 11 e passou a estabelecer que o ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, é caracterizado pela ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade e por uma das condutas descritas nos incisos do dispositivo (rol taxativo):  

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

I - (revogado);

II - (revogado);

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado;

IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;

(...)

IX - (revogado);

X - (revogado);

XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;

XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos”.

 

Segundo Marçal Justen Filho: “o elenco dos incisos deixou de apresentar cunho exemplificativo. Há um conjunto exaustivo de situações tipificadas. Uma conduta que não se subsuma às hipóteses dos incisos é destituída de tipicidade” (Ibidem, p. 118). Nesse sentido, destacam-se:

"PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. REVOGAÇÃO. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO DO ACUSADO. PREJUDICIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. ART. 10, CAPUT, E XI DA LEI 8.429/92. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Os apelantes foram condenados pela prática do ato ímprobo previsto no art. 11, I da Lei 8.429/92, na redação anterior à Lei 14.230/2021.

2. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. O art. 11, I da Lei 8.429/92 foi revogado.

3. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar o réu.

4. Considerando que a partir da vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta pela qual os ora apelantes foram condenados deixou de ser típica, deve ser reformada a sentença.

(...) 8. Apelações parcialmente providas, para absolver os requeridos quanto à prática da conduta do art. 11, I da Lei 8.429/92, revogado, e reduzir a sanção de proibição para contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, para o prazo de três anos".

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 1001610-62.2017.4.01.3900, Rel. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), PJe 25/04/2022 PAG.)"

 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. FAVORECIMENTO DOLOSO DE TERCEIROS. ARTIGO 10, VII, DA LEI 8.942/1992. ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. COMUNICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PREJUÍZO PATRIMONIAL EFETIVAMENTE CAUSADO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.

(...) 6. O artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixou de conter, atualmente, tipo aberto, não mais admitindo, para tipificação, qualquer ação ou omissão que violasse princípios da administração pública, a exemplo das figuras elencadas nos respectivos incisos, que constituíam rol apenas exemplificativo. Na atual redação, mais benéfica aos réus, a caracterização da violação aos princípios administrativos deve decorrer necessariamente de condutas elencadas nos respectivos incisos, tornando, pois, exaustivo e taxativo o rol. Na espécie, a imputação do MPF fundada exclusivamente no caput do artigo 11 não mais se sustenta, sendo vedado ao julgador alterar o tipo indicado na inicial (v. artigo 17, “§ 10-F, da Lei 8.942/1992). Ainda que a alteração do tipo imputado não se confunda com a alteração da capitulação legal indicada (MS 17.151, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 11/03/2019), é inequívoco que as condutas imputadas à ré na inicial da presente ação não se subsomem em nenhuma daquelas taxativamente previstas na atual redação do artigo 11.

(...)

14. Decretação de ofício, nos termos do § 8º do artigo 23 da Lei 8.429/1992 com alterações da Lei 14.230/2021, da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário, julgando, assim, em relação a tais pontos, prejudicadas as apelações do MPF e INSS. Quanto ao ressarcimento do dano, apelação da parte ré parcialmente provida".

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000547-79.2018.4.03.6118, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 17/12/2021, Intimação via sistema DATA: 14/01/2022)

 

"PROCESSUAL CIVIL. ART. 11, VI, DA LEI 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. ATO ÍMPROBO NÃO DEMONSTRADO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.

1. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal.

2. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar a ré.

3. Não se verifica no caso em tela indícios de atos de improbidade administrativa, notadamente, porque não restou comprovado o repasse dos valores ao Caixa Escolar Manoel Queiroz Benjamim, pelo que não há que se falar na possibilidade jurídica de sua punição com base na Lei de Improbidade, pela prática do ato que lhe foi imputado.

4. "O tipo descrito no art. 11, VI, da Lei 8.429/92 diz respeito, expressamente, à falta de prestação de contas, e não à sua extemporaneidade, ou à sua rejeição por defeitos documentais, ou à aprovação com ressalvas, não se admitindo uma interpretação extensiva para impingir ao agente público sanção decorrente de conduta que o legislador não previu como ímproba" (TRF1. Numeração Única: 0000931-81.2009.4.01.3311; AC 2009.33.11. 000931-7/BA; Quarta Turma, Rel. Des. Federal Olindo Menezes, e-DJF1 de 20/01/2015).

5. Remessa oficial não conhecida e apelação desprovida".

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 1000930-18.2018.4.01.3100, Rel. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), PJe 25/03/2022 PAG.)

 

Luiz Manoel Gomes Junior e Rogerio Favreto, ao tecerem comentários sobre as alterações do artigo 11 da LIA, fazem a seguinte observação: “o legislador passa a ser mais preciso em dois aspectos: a-) exigência de dolo (ação ou omissão dolosa), na linha da doutrina e da jurisprudência; e b-) adota a tipificação que complementa o caput, de forma que apenas as condutas descritas nos incisos possam ser apenadas. [...] ao contrário das hipóteses dos arts. 9º e 10, pensamos que as situações descritas nos incisos do art. 11 da Lei de Improbidade são fechadas na leitura da alteração legislativa que deve ser respeitada, “(...) caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Somente as condutas previstas nos incisos podem ser punidas” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p.  150 e 157). Segundo os autores, a incidência das regras do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa: “será sempre residual frente aos demais tipos, somente incidindo quando não houver a possibilidade de aplicação das regras dos arts. 9º e 10” (Ibidem, p. 151). 

De acordo com o § 10-F do artigo 17 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021: “Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Segundo Marçal Justen Filho: “É nula a sentença que promova a condenação mediante o enquadramento da conduta em dispositivo diverso daquele que fora definido ao longo do processo” (Ibidem, p. 213). Portanto, a condenação deve estar necessariamente fundamentada no dispositivo indicado na exordial.

A Lei nº 14.230/2021 igualmente aboliu algumas condutas caracterizadoras do ato de improbidade, como as descritas no inciso XXI do artigo 10, artigo 10-A e nos incisos I, II, IX, X do artigo 11 e promoveu correções e alterações em outras previstas nos artigos 9º, 10 e 11.

De acordo com o artigo 17, § 6º, da LIA, a inicial da ação civil pública por ato de improbidade deve individualizar a conduta de cada réu e apontar as provas mínimas que demostram a prática dos atos ímprobos, bem como ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou exposição das razões fundamentadas da impossibilidade de sua apresentação. Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. COMPETÊNCIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL.

(...)

3. O patrimônio público é bem difuso por excelência. Sua proteção é simultaneamente dever e direito de todos e, por isso mesmo, apresenta-se como um dos pilares da ordem republicana instituída pela Constituição de 1988.

4. Condutas ímprobas podem ser deduzidas em juízo por meio de Ação Civil Pública, não havendo incompatibilidade, mas perfeita harmonia, entre a Lei 7.347/1985 e a Lei 8.429/1992, respeitados, os requisitos específicos desta última (como as exigências do art. 17, § 6°).

5. A Ação Civil Pública é instrumento processual ao qual é indiferente a natureza do ato ilícito imputado ao réu (no caso, improbidade administrativa) e a tipologia dos remédios judiciais pretendidos (preventivos, reparatórios ou sancionatórios).

6. Nas ações de improbidade, a petição inicial deve ser precisa acerca da narração dos fatos, para bem delimitar o perímetro da demanda e propiciar o pleno exercício do contraditório e do direito de defesa. Não se exige, contudo, que desça a minúcias das condutas dos réus, nem que individualize de maneira matemática a participação de cada agente, sob pena de esvaziar de utilidade a instrução e impossibilitar a apuração judicial dos ilícitos imputados.

7. In casu, o Tribunal de origem consignou que a descrição dos fatos contida na exordial é suficiente para indiciar atos de improbidade administrativa por dano ao Erário e que o Parquet a instruiu com documentos hábeis à comprovação das suas alegações. A alteração desse entendimento esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.

8. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido”.

(STJ, 2ª Turma, REsp 1.040.440/RN, j. 02/04/2009, DJe 23/04/2009, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN). [ressaltado]

 

4.1) DA EXIGÊNCIA DA CONDUTA DOLOSA

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os atos de improbidade descritos nos artigos 9 e 11 da LIA requeriam a comprovação da conduta dolosa do agente e nas hipóteses do artigo 10 o comportamento culposo. Confira-se:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. REVISÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.

1. Relativamente às condutas descritas na Lei n. 8.429/1992, esta Corte Superior possui firme entendimento segundo o qual a tipificação da improbidade administrativa para as hipóteses dos arts. 9º e 11 reclama a comprovação do dolo e, para as hipóteses do art. 10, ao menos culpa do agente.

2. Na espécie, o Tribunal de origem consignou que não houve ato de improbidade administrativa por parte do demandado e que não ficou demonstrado o elemento subjetivo em sua conduta ou ocorrência de dano ao erário.

3. A modificação do entendimento firmado pelas instâncias ordinárias demandaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, conforme teor da Súmula 7 do STJ.

4. Ressalto que esta Corte Superior tem a diretriz de que improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo, sendo indispensável para a caracterização de improbidade que a conduta do agente seja dolosa para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992, ou, pelo menos, eivada de culpa grave nas do art. 10 (AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28/9/2011). O que não ocorreu na hipótese.

5. Agravo interno a que se nega provimento”.

(STJ, 2ª Turma, AgInt no REsp 1.886.775/AC, j. 18/05/2021, DJe 09/06/2021, Rel. Min. OG FERNANDES).

 

A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º).

O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé:  

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. DOSIMETRIA. SANÇÃO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 7/STJ. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.

 (...)

7. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.

8. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, que se caracterize a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.

(...)

13. Recurso Especial de Ione Freire Bezerra parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. Recurso Especial de Josafá Augusto de Lima não conhecido”.

(STJ, 2ª Turma, REsp 1.605.125/RN, j. 02/02/2017, DJe 03/03/2017, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN).

 

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS, ESPECIALMENTE O DA LEGALIDADE. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO REALIZADO SEM A COMPLETA OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FALTA DE PLANILHA DE PREÇOS. PEDIDO INICIAL QUE SEQUER APONTA A OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO NEM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. MERA IRREGULARIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO NO MALFERIMENTO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. MERO DESATENDIMENTO A UM PRINCÍPIO (NO CASO, O DA LEGALIDADE), SEM QUALQUER DEMONSTRAÇÃO DO DOLO, MESMO NA SUA ACEPÇÃO DE DOLO GENÉRICO. PROVIMENTO DOS RECURSOS.

1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico.

2. O acórdão recorrido, embora repita que houve o cometimento de ato de improbidade, consigna, sem nenhum constrangimento, que não houve: a) má-fé; b) intenção (elemento subjetivo) de frustrar a competitividade do certame; c) malferimento ao princípio da isonomia; e d) dano ao erário (até porque esse não foi fundamento do pedido inicial). E, para concluir pelo alegado cometimento da improbidade administrativa, assenta, de forma literal, conforme acima já exposto, que tal ocorre pela mera afronta ao princípio da legalidade, porquanto o fato de não terem tido os recorrentes a intenção, "por si só, não tem o condão de afastar a responsabilidade dos recorridos por suas condutas omissivas conscientes de que não podiam dar cabo daquela Tomada de Preços, em face da ilegalidade nela existente".

3. Na esteira da lição deixada pelo eminente e saudoso Ministro Teori Albino Zavascki, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/9/2011).

4. Ora, a admitir-se a conclusão do aresto impugnado, somente não seria improbidade administrativa um mero fato descumpridor de determinado princípio constitucional, quando a conduta do agente estivesse acobertada por alguma excludente típica do Direito Penal. Dito de outro modo: apenas a atuação inconsciente e involuntária (hipótese mesmo de um não ato), em uma típica expressão do Direito Penal pátrio (tomada de empréstimo para o Direito Administrativo), é que não configuraria um ato de improbidade. Expandindo-se o argumento, poder-se-ia dizer que qualquer nomeação feita por determinado agente público que viesse a ser invalidada, no futuro, por descumprimento de um requisito legal, seria ipso facto, consoante a decisão recorrida, um ato de improbidade, visto que a nomeação somente poderia ter-se dado por um ato consciente e voluntário.

5. Ademais, é sabido que meras irregularidades não sujeitam o agente às sanções da Lei n. 8.429/1992. Precedente: REsp 1.512.831/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).

6. "Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).

7. Recursos especiais conhecidos e providos, para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau”.

(STJ, 2ª Turma, REsp 1.573.026/SE, j. 08/06/2021, DJe 17/12/2021, Rel. Min. OG FERNANDES).

 

Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, ao comentar sobre as alterações do artigo 1º da LIA, faz as seguintes observações: “Seguindo a proposta didática da Lei o § 1º, basicamente, define como sendo atos de improbidade as condutas dolosas descritas nos arts. 9º ao 11º da Lei. Os três primeiros parágrafos, assim, já “dão o recado”, passando a mensagem e a tônica da nova Lei, pois modificam substancialmente a caracterização do ato de improbidade, excluindo a possibilidade de ato de improbidade culposo, o que se revela como um dos pontos mais sensíveis e relevantes da Lei em comento, pois terá o condão de alterar de forma substancial a forma como se tutela a improbidade administrativa. (...)A alteração, conforme já falado, traz equilíbrio, a partir do momento que deixa de tratar da mesma forma aquele que pratica ato de forma negligente, desleixada, imprudente, daquele que intencionalmente lesa o erário” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 44-45).

A jurista, ao tratar do dolo específico como requisito para caracterização do ato de improbidade, faz a seguinte análise: “Há de se ter em mente que o dolo, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como não apenas a vontade livre e consciente, mas a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira, que vão além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com a ausência de cuidado deliberadas de lesarem o erário. Então dolo específico, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (...) Conforme dito, portanto, da mesma forma que a má-fé passa a ser elemento essencial para caracterização do ato de improbidade, a boa-fé também deverá ser levada em consideração para a excludente da caracterização” (Ibidem, p. 46)

Desse modo, o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Confira-se:

“APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.

1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.

2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.

3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.

4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.

5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.

6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.

7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.

8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido”.

(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]

 

“PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido”.

(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655, j. 17/12/2021, Rel. Des. Carlos Eduardo Pachi). [ressaltado]

 

O artigo 1º, § 8º, da LIA, acrescentado pela Lei nº 14.230/2021, exclui de responsabilização a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa legal, com base na jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que o entendimento não prevaleça posteriormente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

 

4.2) DA APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 14.230/2021

Relativamente à retroatividade da norma, parte da doutrina e jurisprudência tem se posicionado pela aplicação imediata e retroativa da Lei nº 14.230/2021 aos processos em andamento, desde que para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL, da CF), ao fundamento de que o artigo 1º, § 4º, da lei determina a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador ao sistema da improbidade, entre os quais se destaca o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. A retroação das normas sancionatórias mais benéficas tem sido reconhecida pelos Tribunais Superiores:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE.MULTA ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II - O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa. Precedente.

III - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.

IV - Honorários recursais. Não cabimento.

V - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VI - Agravo Interno improvido”.

(STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.602.122/RS, j. 07/08/2018, DJe 14/08/2018, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA). [ressaltado]

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. A sindicância investigativa não interrompe prescrição administrativa, mas sim a instauração do processo administrativo.

2. O processo administrativo disciplinar é uma espécie de direito sancionador. Por essa razão, a Primeira Turma do STJ declarou que o princípio da retroatividade mais benéfica deve ser aplicado também no âmbito dos processos administrativos disciplinares. À luz desse entendimento da Primeira Turma, o recorrente defende a prescrição da pretensão punitiva administrativa.

3. Contudo, o processo administrativo foi instaurado em 11 de abril de 2013 pela Portaria n. 247/2013. Independente da modificação do termo inicial para a instauração do processo administrativo disciplinar advinda pela LCE n. 744/2013, a instauração do PAD ocorreu oportunamente. Ou seja, os autos não revelam a ocorrência da prescrição durante o regular processamento do PAD.

4. Agravo interno não provido”.

(STJ, 2ª Turma, AgInt no RMS 65.486/RO, j. em 17/08/2021, DJe 26/08/2021, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES). [ressaltado]

 

Voto: “A ação civil de improbidade administrativa trata de um procedimento que pertence ao chamado direito administrativo sancionador, que, por sua vez, se aproxima muito do direito penal e deve ser compreendido como uma extensão do jus puniendi estatal e do sistema criminal. Nesse sentido, considera-se ‘a lei de improbidade administrativa uma importante manifestação do direito administrativo sancionador no Brasil’ (OLIVEIRA, Ana Carolina. Direito de Intervenção e Direito Administrativo Sancionador. 2012. p. 190)”.

(STF, 2ª Turma, Rcl 41.557, j. 15/12/2020, DJe 09/03/2021, Rel. Min. GILMAR MENDES). [ressaltado]

 

Voto-Vista: “Em exame acerca da natureza jurídica da norma constante do § 5º art. 54 da Lei n. 8.884/1994, observo tratar-se de penalidade administrativa, imposta em razão do cometimento de infração ali tipificada. O tema insere-se no âmbito do direito administrativo sancionador e, segundo doutrina e jurisprudência, em razão de sua proximidade com o direito penal, a ele se estende a norma do art. 5º, XVIII, da Constituição da República, qual seja, a retroatividade da lei mais benéfica. Nesse sentido a jurisprudência desta Corte (e.g. 1ª TURMA, REsp n. 1.402.893/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, j. em 11.04.2019, DJe 22.04.2019)”.

(STJ, 1ª Turma, REsp 1.353.274/DF, j. 23/02/2021, DJe 25/03/2021, Rel. p/ Acórdão Min. REGINA HELENA COSTA). [ressaltado]

 

Acerca da retroatividade da Lei nº 14.230/2021, Marçal Justen Filho faz a seguinte análise: "(...) para evitar qualquer controvérsia, o art. 5º, inc. XL., da CF/88 determina que ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Embora a redação se refira à ‘lei penal’, é evidente que essa garantia se aplica a qualquer norma de natureza punitiva. Não existe alguma característica diferenciada da lei penal que propiciasse a retroatividade da lei punitiva não penal. Assim se impõe em vista da própria garantia constitucional. Deve-se compreender que o legislador reputou que a solução prevista na lei pretérita era excessiva. O entendimento consagrado na legislação superveniente alcança as infrações pretéritas” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 250-251). Nesse sentido tem se posicionado a  jurisprudência:

"ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. FRAUDE AO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. GERENTE-GERAL. OMISSÃO. NEGLIGÊNCIA. PREJUÍZO AO ERÁRIO. LEI 14.230/2021. SUPERVENIÊNCIA. RETROATIVIDADE DA NORMA ADMINISTRATIVA DE CARÁTER SANCIONADOR. EXCLUSÃO DA OMISSÃO. PROVIMENTO.

1. A Lei de Improbidade Administrativa visa dar máxima proteção ao princípio da moralidade administrativa combatendo a corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas a expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade.

2. Tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678, de 1992, como a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CRFB/11988, em seu art. 5º, inciso XL, garantem a retroatividade da lei de natureza sancionatória punitiva como no caso dos atos que configuram improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário.

3 O Superior Tribunal de Justiça - STJ, no julgamento do REsp 1.153.083-MT, relatora Ministra Regina Helena Costa, de 06/11/2014, também afirma a retroatividade da lei de natureza sancionatória além do direito penal, enquanto princípio do direito sancionatório.

4. A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, ao alterar e dar nova redação ao caput do art. 10 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, expressamente excluiu a ação culposa do agente enquanto ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao erário, permanecendo apenas qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas

5. O apelante José Humberto Pereira foi condenado porque teria agido com omissão e negligência da função de gerente da agência bancária e, com isso, permitido ou contribuído para a prática dos reiterados atos de improbidade administrativa pelos quais seu subordinado teria lesado o erário com reiterados saques do Programa Bolsa Família com uso de senhas previamente cadastradas.

6. A imputação toda desde a investigação até a instrução processual foi única e exclusiva com fundamento na ação culposa do apelante, que se descuidou em seu dever de cuidar para evitar as fraudes, sem o seu conhecimento, em típica ação culposa que doravante, com a Lei 14.230/2021, não são mais passíveis de punição enquanto ato de improbidade administrativa.

7. Provimento da apelação de José Humberto Pereira para julgar improcedentes os pedidos em razão da retroatividade benéfica da Lei 14.230/2021, que excluiu a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa que causar prejuízo ao erário previsto no art. 10 da Lei 8.429/1992".

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 0002724-39.2006.4.01.3803, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO (CONV.), PJe 04/04/2022 PAG.)

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. LEI 8.429/1992. FATO NOVO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. FAVORECIMENTO DOLOSO DE TERCEIROS. ARTIGO 10, VII, DA LEI 8.942/1992. ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. COMUNICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REDUÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PREJUÍZO PATRIMONIAL EFETIVAMENTE CAUSADO À AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.

1. Consolidada a jurisprudência no sentido de que se aplica ao direito administrativo sancionador os princípios fundamentais do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu, previsto no artigo 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

2. Em decorrência de tal extensão de princípios reguladores, o advento da Lei 14.230/2021, no que instituiu novo regramento mais favorável ao réu imputado ímprobo, deve ser considerado no exame de pretensões formuladas em ações civis públicas de improbidade administrativa, ainda que ajuizadas anteriormente à vigência da nova legislação. 

(...)

14. Decretação de ofício, nos termos do § 8º do artigo 23 da Lei 8.429/1992 com alterações da Lei 14.230/2021, da prescrição intercorrente da pretensão sancionadora formulada na presente ação de improbidade administrativa quanto às sanções outras que não a de ressarcimento ao erário, julgando, assim, em relação a tais pontos, prejudicadas as apelações do MPF e INSS. Quanto ao ressarcimento do dano, apelação da parte ré parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000547-79.2018.4.03.6118, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 17/12/2021, Intimação via sistema DATA: 14/01/2022)

 

"PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992 ALTERADA PELA LEI 14.230/2021. NORMA PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. SUPERVENIÊNCIA DE LEI NOVA. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. PRESCRIÇÃO. ALTERAÇÃO DO ART. 23 DA LIA. DIREITO MATERIAL E DE ORDEM PÚBLICA. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DIREITO PROCESSUAL. APLICAÇÃO DO ART.14 DO CPC. EX-PREFEITO. AUSÊNCIA DE DOLO E MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO.

1. As alterações na Lei 8.429/1992 feitas pela Lei 14.230/2021 passaram a vigorar a partir de 26/10/2021, na data da sua publicação.

2. A aplicação imediata da nova lei deve ser analisada em relação às questões de natureza processual e material.

3. Nas normas de natureza processual são aplicáveis as leis que estavam em vigor no momento em que o decisum foi prolatado na instância a quo, em obediência ao princÍpio do tempus regit actum (art. 14 do CPC, e, por analogia, o art. 2º do CPP).

4. No que tange à natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

5. As novas regras de prescrição sancionadora do Estado na LIA, quando benéficas, devem retroagir imediatamente para alcançar fatos praticados antes de sua entrada em vigor. No entanto, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação antes era de cinco anos, mas com as alterações no art. 23, caput, promovidas pela Lei 14.230/2021, o prazo passou a ser de oito anos, o que acarreta o agravamento para o réu, e, portanto, não poderá retroagir..

6. No que tange à prescrição intercorrente, a nova lei estabeleceu um limite temporal para o julgamento das ações, em atenção ao princípio da duração razoável do processo, e tendo em vista sua natureza processual, aplica-se aos atos processuais não concluídos, nos termos do art. 14 do CPC.

7. É inviável sua aplicação aos processos em andamento na vigência da lei (26/10/2021). Porém, é lícito que sejam julgados em até 4 (quatro) anos desde 26 de outubro, o que acarreta a prescrição prospectiva e não retroativa. Preliminar de prescrição afastada.

8. O art. 10, caput, da LIA com a nova redação dada pela Lei 14.230/2021 pressupõe a existência da consciência e da intencionalidade quanto à lesividade da prática adotada na conduta, e tal ato se aperfeiçoa mediante a ocorrência de um prejuízo ao patrimônio público e exige-se a consumação do resultado danoso, no caso, a lesão ao erário.

9. Com a nova redação, não mais configura improbidade as hipóteses de lesão erário por conduta culposa do agente público.

10. No caso, não ficou comprovado o prejuízo ao erário pelos relatórios de auditoria do Ministério da Saúde e CGU, nem houve qualquer prova peculiar que permita induzir sobre a participação dos agentes públicos municipais no conluio com a organização criminosa.

11. Sob a ótica da Lei 14.230/2021, fica afastado o dano presumido ao erário pelo simples frustrar da licitude de processo licitatório - o que não impede, contudo, a configuração de improbidade por violação dos princípios da Administração Pública, desde que demonstrado o intuito do agente de obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros, nos termos do art. 11, V, LIA.

12. Da análise da conduta do gestor, não se detecta a presença de dolo, má-fé, prejuízos ou danos ao erário aptos a ensejar a configuração da prática de ato de improbidade administrativa.

13. Apelação do réu a que se dá provimento.

14. Apelações do MPF e da União Federal a que nega provimento".

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 0005351-58.2011.4.01.3506, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, PJe 03/04/2022 PAG.)

 

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. LEI 14.230/2021. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. AGRAVO PROVIDO.

1. A Lei 14.230/2021 trouxe diversas inovações à Lei 8.429/92, inovações essas que se aplicam aos processos pendentes, conforme entendimento que vem se consolidando no âmbito dos tribunais pátrios e que pode ser observado nos julgados proferidos nesta Corte a partir da edição desse novo diploma legal.

2. O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput do artigo 16 do novo diploma legal, será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.

3. No caso, constatado que o periculum in mora foi presumido e que a indisponibilidade de bens foi concedida sem prévia oitiva da parte e ainda teve por objetivo de assegurar o pagamento de multa civil, a revogação desta é medida que se impõe.

4. Agravo de instrumento provido".

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AG 1043008-10.2021.4.01.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES, PJe 29/03/2022 PAG.)

 

PROCESSUAL CIVIL. ART. 11, VI, DA LEI 8.429/92. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. ATO ÍMPROBO NÃO DEMONSTRADO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA.

1. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal.

2. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar o réu.

3. Não se verifica no caso em tela indícios de atos de improbidade administrativa, notadamente, porque restou comprovado nos autos que foi negado ao requerido, e à sua respectiva equipe de governo, o acesso aos documentos e as informações pertinentes à transição de governo, sendo possível concluir, consequentemente, que não foram repassadas as informações e documentos necessários para a prestação de contas dos recursos, em epígrafe, uma vez que estes foram liberados, em sua integralidade, na gestão do ex-Prefeito Municipal.

4. Verifica-se no caderno processual, a existência de documentos aptos a embasar a afirmação de que não houve omissão no tocante à prestação de contas relativas recursos recebidos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), na modalidade fundo a fundo, referente aos Programas de Proteção Social Básica (PSB) e ao Programa de Proteção Social Especial (PSE), no exercício do ano de 2008, ao ente municipal.

5. Os equívocos que não comprometem a moralidade ou que não atinjam o erário não se enquadram no raio de abrangência do art. 11, caso contrário restaria para o administrador público o risco constante de que qualquer ato que viesse a ser considerado nulo fosse ímprobo, e não é esta a finalidade da lei.

6. "A prática de atos que importem em insignificante lesão aos deveres do cargo, ou à consecução dos fins visados, é inapta a delinear o perfil do ímprobo, isto porque, afora a insignificância do ato, a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92 ao agente acarretaria lesão maior do que aquela que ele causara ao ente estatal, culminando em violar a relação de segurança que deve existir entre o Estado e os cidadãos" (in: Garcia, Emerson e Alves, Rogério Pacheco, Improbidade Administrativa, 2ª. ed. Lúmen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2004, p. 115).

7. Remessa oficial não conhecida e apelação da União desprovida.

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 1001205-87.2017.4.01.4300, Rel. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), PJe 25/03/2022 PAG.)

 

Assim, considerada a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo e do contexto sancionador, as inovações legislativas trazidas pela Lei nº 14.230/2021 aplicam-se de forma retroativa, naquilo que forem mais benéficas aos acusados.  

 

V) DO CASO CONCRETO

 

5.1) DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 10, CAPUT E INCISO VIII, DA LIA

Segundo o autor, os acusados violaram dolosamente o artigo 10, caput e inciso VIII, da Lei nº 8.429/92 por ter contratado diretamente entidade sem fins lucrativos para a execução do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – “Projovem Urbano”, mediante dispensa irregular de licitação, em desacordo com o previsto na Lei nº 8.666/93, e sem observar as regras para celebração do termo de parceria, direcionado o processo de escolha e contratação da AGENDIS, pessoa jurídica na qual os acusados AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO exerciam a função de conselheiros consultivos e o último havia sido presidente e agido em conluio fraudulento na seleção da proposta juntamente com a Agência de Desenvolvimento de Itapecerica da Serra e Região (AGENDIS), Marcelo José Chueiri, autor da proposta oferecida pela Agência de Desenvolvimento e Inovação de Guarulhos (AGENDE), e José Ricardo Gonçalves de Oliveira, responsável pela oferta apresentada pela Agência de Desenvolvimento de Monte Alto e Região.

Relativamente ao valor do prejuízo ao erário, o Parquet discorre que: “Na espécie, a identificação do dano não é adstrita à necessidade de demonstração de prejuízo patrimonial, sendo que a legislação permite, em hipóteses como a presente, a presunção da lesão ao erário” e que: “a dispensa e/ou a frustração da licitude do processo de seleção das entidades sem fins lucrativos para celebração de parceria -instituto jurídico que prima pela igualdade de condições a todos os concorrentes e pela melhor contratação para o Poder Público (art. 37, caput e inciso XI. Da Constituição Federal e Lei n' 8.666/1993) - basta(m) para caracterizar a lesão ao patrimônio público, cujo prejuízo, excepcionalmente, fica presumido” (Id. 144525331 – fls. 62/63). Indica que o valor do prejuízo presumido corresponde a R$ 126.693,09, quantia relativa à soma de todos os valores pagos à AGENDIS.

O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo.

Segundo Luiz Manoel Gomes Junior e Rogerio Favreto: “Com a utilização dos termos efetiva e comprovadamente passa a lei a afastar a possibilidade da lesividade presumida defendida por parte da doutrina e dotada pela jurisprudência, como no caso de dispensa ou inexigibilidade de licitação considerada ilegal. Reiteramos assim a posição de que incabível a denominada lesividade presumida, ou seja, o dano in re ipsa. Não há mais o que se falar em tal possibilidade já que a norma do art. 10, caput, passa a exigir que a lesão seja efetiva e comprovada. (...) Assim, a pena de ressarcimento só é aplicável ao agente se o prejuízo ao erário for real, isto é, tiver conteúdo econômico ou patrimonial, não sendo possível a aplicação da pena se a lesão for considerada do ponto de vista moral ou social (como ocorre nos casos em que é realizada tomada de preços quando o correto seria concorrência)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 115-116).

Marçal Justen Filho ao tratar das alterações do artigo 10 da LIA, pela Lei nº 14.230/2021, leciona que: “Outra exigência contemplada formalmente pela Lei nº 14.230/2021 é a comprovação de efetiva lesão ao erário. A alteração da redação do caput do art. 10, que foi reiterada em diversos outros dispositivos, destina-se a eliminar a solução de sancionamento por improbidade, nas hipóteses referidas no art. 10, sem a ocorrência de dano efetivo e comprovado ao patrimônio público” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 92). Desse modo, o prejuízo ao erário deve ser efetivo e comprovado e não mais se admite a alegação de dano presumido.

Quanto à alegação de dispensa irregular de licitação, o ato está enquadrado no inciso VIII do artigo 10, segundo o qual constitui improbidade o ato que causa lesão efetiva e comprovada ao erário que: “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”. O dispositivo também exige que o prejuízo ao erário seja efetivo, assim como o artigo 12, caput, e artigo 21, inciso I, da LIA:

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

(...) I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e às condutas previstas no art. 10 desta Lei;          (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Assim, a dispensa irregular de certame efetuada sem dolo e que não acarretar prejuízo à administração não autoriza a aplicação do artigo 10 da Lei nº 8.429/92. Nessa acepção: “cumpre ressaltar que eventual contratação de serviços promovida por dispensa ou adoção de procedimento diverso, mas que não resultar em prejuízo à Administração e nem houver comprovação da intenção de fraudar a lei pelo agente público, afasta a incidência das penalidades do art. 10 em comento, por se caracterizar mera irregularidade ou ilegalidade, mas não ato de improbidade” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 131). “Todas as hipóteses de improbidade contempladas no art. 10 da LIA apenas se aperfeiçoam mediante a ocorrência de um prejuízo ao patrimônio público. Sem a consumação de um prejuízo patrimonial, não se aperfeiçoa nenhuma das hipóteses de improbidade previstas noa rt. 10 da LIA. Exige-se a consumação de resultado danoso, consistente em “lesão ao erário”. Essa exigência consta expressamente do inc. VIII do art. 10, com redação adotada pela Lei 14.230/2021” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 97-98). Destaca-se:

EMENTA: administrativo. PROCESSUAL CIVIL. ação civil pública. parada do sistema e-proc. PRAZO RECURSAL. conhecimento dos apelos. tempestividade. mpf legitimidade ativa. adequação da via eleita. dispensa indevida de licitação. EFETIVA EXECUÇÃO DO CONTRATO. ilegalidade. improbidade administrativa. distinção. DANO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA. contrato. VALIDADE. irregularidades. terceirização indevida. violação a princípios da administração pública. ART. 11 DA LEI 8.429/92. caracterização. dosimetria. recurso do município. sentença extra petita. reconhecimento. exclusão da penalidade.

(...) 3. Relevante é a distinção entre mera falha funcional/ilegalidade e atos de improbidade administrativa, em que as irregularidades no proceder do agente são somadas à imoralidade no trato da coisa pública. Um erro pode configurar mera irregularidade caso o agente público não tenha agido, dolosamente, com imoralidade, nos moldes em que doutrina e jurisprudência afirmam ser exigível para fins de aplicação da Lei 8.429/92.

4. Para haver a responsabilização do agente é necessário que se demonstre o elemento subjetivo, sem embasar-se apenas presunções de que os réus tenham agido com intenção de enriquecimento ilícito à custa do erário. É indispensável a intenção de fraudar a lei, pois trata-se de condição subjetiva para que haja o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa, que não pode ser confundido como qualquer conduta omissiva que revele descumprimento do dever funcional, a qual poderá ser punida administrativamente.

5. Considerar como lesão aos cofres públicos o montante total do contrato implicaria a chancela do enriquecimento ilícito do Estado, uma vez que a empresa contratada nitidamente despendeu muitos recursos para realizar com presteza os objetivos do acordado.

6. Em hipótese em que comprovado o cumprimento adequado e total do objeto do contrato, ainda que tenham ocorrido irregularidades ao longo da execução, de forma que não houve dano causado ao Erário, afastando a condenação nos termos do art. 10 da LIA.

7. Afastada a configuração de ato de improbidade por dano ao Erário, nos termos do art. 10, da Lei n. 8.429/92, tendo em vista que a dispensa de licitação, no caso concreto, constituiu mera ilegalidade, tendo os serviços sido plenamente prestados aos munícipes.

8. Muito embora não seja caracterizado o enriquecimento ilícito ou dano ao Erário, há ofensa aos princípios da Administração Pública quando dolosamente infringido, pelos particulares, o contrato que vedava subcontratações totais ou parciais de seu objeto, e também pelo prefeito ao omitir-se, com conivência, na fiscalização da execução do contrato.

(...)

(TRF4, AC 5001181-68.2012.4.04.7214, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 13/12/2017)

 

“Claro que nos atos indicados no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa o que se verifica é a necessidade de punição de condutas estritamente dolosas, jamais culposas (destacamos como culpa grave, resvalando no dolo nas edições anteriores, agora afastadas por expressa previsão legal), que sejam originárias de má-fé, da intenção de causar ao dano. (...) Agora a diretriz normativa é bem clara e precisa: ausente ato de improbidade sem dolo. Ao contrário do que se afirma, isso não impede outras formas de responsabilização do agente, mas não pela via da ação de improbidade que exige mesmo uma conduta dolosa do agente” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 117 e 119). “A Lei 14.230/2021 estabeleceu que o elemento subjetivo do tipo do art. 10 é o dolo, não se configurando improbidade em hipótese de lesão ao erário por conduta culposa do agente público. As condutas especificadas nos diversos incisos do art. 10 pressupõem a existência da consciência e da intencionalidade quanto à lesividade da prática adotada (...) Portanto, toda e qualquer conduta elencada em qualquer dos incisos do art. 10 apenas se submete à disciplina do diploma quando presentes os elementos da improbidade, que compreendem o dolo e o dano patrimonial ao erário” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 92 e 96).

O parágrafo 1º do artigo 10 estabelece que o agente não será condenado ao ressarcimento, nos casos em que ocorrer a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não acarretarem perda patrimonial. Segundo Marçal Justen Filho: “o agente público tem o dever de examinar a presença dos requisitos exigidos por lei para a contratação direta. Isso significa que somente se configura a improbidade do inc. VIII quando o agente público adotar interpretação infringente da disciplina da contratação sem licitação. O tema envolve tanto erro de direito quanto erro de fato. Pode haver situação em que o agente público adotou interpretação equivocada, mas razoável. Em outros casos, o sujeito pode ter reputado que estavam presentes, no caso concreto, os requisitos para a contratação direta, sem que tal efetivamente ocorresse. Em todas essas hipóteses, inexistirá a improbidade se não for comprovado o dolo” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 102).

No caso em discussão, o autor assevera que a dispensa e/ou a frustração da licitude do processo de seleção das entidades sem fins lucrativos para celebração de parceria é o bastante para caracterizar a lesão ao patrimônio público, bem como que o prejuízo é presumido e decorre dos valores pagos à contratada.

A prestação de contas do exercício de 2013 foi aprovada com ressalvas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, em virtude da ocorrência apontada no Inquérito Civil nº 1.34.001.001984/2014-14 do Ministério Público Federal – MPF, concernente à infringência das normas que regem o programa e da Lei nº 8.666/93, bem como o descumprimento de princípios gerais da administração, mas constatada a inexistência de prejuízo ao erário, nos seguintes termos (Id. 144525043 – fls. 94/96). O parecer pode ser consultado no link: https://www.fnde.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=0379025&codigo_crc=1899F7E4&hash_download=a0854d099a56ed7f36d84dee3323ecd261e4a18102b2855412a816e5237334058182d0f624e83e81efd2a288fb7e13feec7003143753f6002a692b5fcfa2e9b4&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0):

“1. Identificação e Motivação da Análise:

ENTIDADE: Prefeitura Municipal de Itapecerica da Serra
CNPJ Nº: 46.523.130/0001-00 UF: SP
PROGRAMA: Programa Projovem Urbano
PROCESSO nº: 23034.002205/2017-94 EXERCÍCIO 2013
RESPONSÁVEL: Amarildo Gonçalves (Gestão 2013 – 2016) CPF: 015.754.588-10
ATUAL GESTOR: Jorge José da Costa (Gestão 2017 - atual) CPF 060.114.398-10
RECURSOS TRANSFERIDOS NO EXERCÍCIO (R$)*: 222.660,00

*Fonte: Sistema de Gestão de Prestação de Contas – SiGPC e Sistema Integrado de Gestão Financeira – SIGEF

1.1. A análise da prestação de contas foi realizada sob o aspecto financeiro e técnico, conforme dispõe a Resolução CD/FNDE nº 20, de 22 de maio de 2013 e alterações posteriores, observando-se o disposto nas regras definidas na Portaria FNDE nº 413, de 02 de outubro de 2015.

1.2. O Tribunal de Contas da União – TCU, mediante Ofício nº 1477/2016-TCU/SECEX-SP (SEI 0277867), encaminhou o processo TC 030.008/2015-8, que trata de Representação do MPF (Inquérito Civil n° 1.34.001.001984/2014-14) em face de possível prática de atos de improbidade administrativa em execução do Programa Projovem Urbano no município de Itapecerica da Serra/SP. Nesse expediente, o Ministério Público apresentou a ocorrência discriminada no item 3 deste Parecer.

1.3. Posteriormente, em 30/09/2016, foi publicado o Acórdão nº 6187/2016 - TCU - 1ª Câmara, o qual determinou que o FNDE apresentasse, no prazo de 120 dias, a análise conclusiva do programa em comento.

(...)

2.2. Após análise dos autos do Projovem Urbano - 2013, verificamos que não existem ocorrências além das apontadas no Inquérito Civil n° 1.34.001.001984/2014-14.

3. Consideração quanto à ocorrência apontada pelo órgão de controle:

3.1. O Inquérito Civil n° 1.34.001.001984/2014-14, do Ministério Público Federal – MPF apontou o que segue:

Subitem Constatação R$
   Fraude na seleção de proposta em processo licitatório 126.693,09
Total 126.693,09

(...)

3.6. No entanto, no processo TC 030.008/2015-8 do TCU, que analisou o Inquérito Civil produzido pelo MPF, o Tribunal de Contas assim se posicionou em relação ao débito apurado:

"46. Quanto ao posicionamento do Ministério Público, favorável à condenação em débito dos responsáveis arrolados, independentemente da comprovação da malversação dos recursos, com espeque em jurisprudência do STJ e do TRF 2" Região (peça 1, p. 60-64), entende-se que previamente à adoção de tal medida, novos elementos devem ser coletados a fim de permitir uma melhor análise acerca da utilização dos recursos repassados. Caso persistam as irregularidades, a condenação será cabível, após a abertura do contraditório.

47. Vale destacar que as irregularidades apresentadas pelo MPF não configuram, a principio, débito, mas referem-se a descumprimentos de princípios gerais da administração pública com possível ofensa à lei 8.666/93 e conluio entre a Administração Pública e agentes privados.

O direcionamento de contratação pela Prefeitura Municipal de Itapecerica da Serra, com frustração do caráter competitivo, representa descumprimento de normas legais e regulamentares, sendo passiveis de aplicação de multa. O débito só estará configurado se caracterizado que o serviço não foi prestado, que houve sobrepreço ou superfaturamento, ou pagamento a maior, por exemplo.”(grifo nosso)

3.7. Dessa forma, tendo em vista que a análise da prestação de contas não trouxe novos elementos que indicassem a ocorrência de dano ao erário, acatamos o entendimento do Tribunal de Contas da União. Assim, não é possível estipular ou quantificar qualquer prejuízo ao erário.

4. Considerações acerca dos fatos

4.1. Por meio da Informação nº 38/2017 (0281234) – DAESP/COPRA/CGCAP/DIFIN/FNDE, os autos foram encaminhados à SECADI/MEC, para pronunciamento quanto ao alcance do objeto e dos objetivos pactuados com base nos termos dos §§2 e 3 do art. 20 da Resolução CD/FNDE nº 54, de 21 de novembro de 2012, com posterior devolução a esta Autarquia.

4.2. Após análise sob o aspecto técnico da prestação de contas, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC – SECADI/MEC, emitiu o Parecer nº5/2017/CGAPJUV/DPEJUV/SECADI/SECADI, e o enviou à CGCAP, por meio do Ofício nº15/2017/CONV/ASS-TAAG/SECADI/SECADI-MEC, manifestando-se pela aprovação com ressalvas da prestação de contas, com o pronunciamento a seguir:

“Cabe ressaltar que a Resolução CD/FNDE nº 08/2013 (Artigos nº 6, 12 e 18) permite a contratação de instituição formadora ou formador(es) para o desenvolvimento da formação continuada dos professores ou educadores, quando necessário, ou pagamento de complementação dos formadores do quadro efetivo da secretaria de educação para adequação da carga horária exigida pelo Programa, de acordo com as orientações do Projeto Pedagógico Integrado e do Plano Nacional de Formação, desde que informe à SECADI/MEC a situação de adimplência da(s) entidade(s) junto ao Governo Federal, enviando a documentação descrita no Art. 18 e no Anexo IV da Resolução CD/FNDE nº 08/2013.”

“Considerando a documentação apresentada à Secadi/MEC e ao FNDE ao longo do desenvolvimento do Projovem e na prestação de contas, o processo TC 030.008/2015-8, a quantidade de estudantes atendidos, os recursos repassados e os utilizados no exercício de 2013, consideramos que o objeto foi cumprido, logo propomos uma aprovação com ressalvas do atingimento de objeto, uma vez que é necessário apurar os problemas apresentados neste Parecer Técnico e que sejam tomadas as providências cabíveis pelos órgãos competentes.”

4.3. Dessa forma, tendo em vista o posicionamento do Tribunal de Contas da União e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do MEC e, ainda, a inexistência de ocorrência após a análise da prestação de contas, a mesma será aprovada com ressalvas.

4.4. Destaca-se, diante do exposto, que não se evidenciou prejuízo ao Erário, a partir da análise da prestação de contas do Projovem Urbano/2013.

4.5. Por fim, destacamos haver ressalvas em relação à aprovação da prestação de contas, conforme subitem 3.1 deste Parecer.

5. Conclusão e registro da situação das contas da transferência.

5.1. Considerando o exposto nos itens 2 a 4 deste Parecer, haja vista que não foi constatado prejuízo ao erário, sugiro as seguintes providências:

5.1.1. Aprovar com ressalva as contas, conforme demonstrado na tabela abaixo:

(...)

5.1.2. Alterar a situação da Prestação de Contas no SiGPC para “aprovada com ressalvas” e alterar a situação da Obrigação de Prestar Contas – OPC para “concluída”;

5.1.3. Encaminhar os autos para arquivamento, sem prejuízo do disposto no art. 53 da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e informar o fato na Prestação de Contas anual do FNDE, de forma a viabilizar ao Tribunal de Contas da União o julgamento da conduta do agente infrator;

5.2. Esclareça-se que houve inspeção in loco e que as contas poderão ser reanalisadas a qualquer momento antes da adoção das medidas de exceção em face de fatos supervenientes.

5.3. Salientamos, por fim, que os responsáveis serão cientificados dos resultados conclusivos desta análise.

À consideração superior”.

[ressaltado]

 

No ofício de encaminhamento do parecer pelo FNDE consta a seguinte observação (Id. 144525043 – fl. 92/93): "Ressaltamos que, mediante análise realizada no âmbito desta Autarquia, foi constatada ocorrência que não caracteriza prejuízo ao erário, porém, mereceu ressalva por infringência aos normativos que regem o Programa. Dessa forma, o resultado do parecer de aprovação com ressalva deverá ser relacionado na prestação de contas anual desta Autarquia a ser informada ao Tribunal de Contas da União – TCU”.

Portanto, está demonstrado que os serviços contratados foram efetivamente prestados, como alegam os requeridos, o objeto da parceria foi cumprido, que a única irregularidade residia no descumprimento de princípios gerais da administração pública, das normas que regem o programa e da Lei nº 8.666/93 e não foi apurado prejuízo ao erário. Desse modo, reconhecida a efetiva prestação dos serviços, que o objeto do contrato foi cumprido e o seu exaurimento, há de se reconhecer a validade do contrato e a produção de seus efeitos, motivo pelo qual não há falar em nulidade, como reconhecido pelo juiz a quo.

Cabe destacar que na Ação Penal nº 0009419-63.2016.403.0000, embora os acusados tenham sido condenados na figura típica prevista no artigo 89 da Lei 8.666/93, foi reconhecida a inexistência de dano ao erário e salientado que a consumação do tipo penal prescindia de ocorrência de prejuízo concreto à administração pública: “O tipo penal acima descrito não exige para a sua consumação a ocorrência de dano à Administração Pública. Para aperfeiçoar-se, não se faz necessário que a Administração Pública venha a padecer algum prejuízo concreto. Nem poderia ser de forma distinta, dado que o crime de dispensa ilegal de licitação objetiva tutelar, especialmente, a moralidade administrativa, razão pela qual sua configuração dispensa a prova de dano patrimonial à Administração Pública. Assim, a alegação de que não houve prejuízo ao patrimônio público não convence. Muito embora não tenha ocorrido imediato dispêndio do dinheiro público, a dispensa de licitação, além de afrontar o princípio da impessoalidade, não possibilitou que outras entidades propostas mais vantajosas ao interesse público” (Id. 152659567 – fls. 174/181 do feito mencionado).

O MPF afirma, nas contrarrazões, que está comprovado o prejuízo ao erário com base no trecho extraído do parecer do FNDE, juntado aos autos pela defesa, segundo o qual: “Destaca-se, diante do exposto, que se evidenciou prejuízo ao Erário, a partir da análise da prestação de contas do Projovem Urbano/2014 […]. Por fim, destacamos haver ressalvas em relação à parcela aprovada da prestação de contas […].” (g.n. - fl. 1377 dos autos)”. Menciona que: “a prestação de contas do Projovem Urbano referente ao ano de 2014 foi aprovada parcialmente com ressalvas, indicando o prejuízo de R$ 28.957,91 por valores não comprovados, em razão de despesas verificadas no extrato bancário da conta de responsabilidade de AMARILDO, porém não declaradas no demonstrativo correspondente. Observa-se, ademais, que a prestação de contas do Projovem/2013 foi aprovada com ressalva”. Entretanto, o objeto dos presentes autos são as contas relativas ao exercício de 2013, concernentes ao Processo de Compra nº 183/2013 e Contrato nº 4.047/13, que foram aprovadas com ressalvas, mas sem a constatação de prejuízo ao erário, como já tratado. Ademais, o prejuízo ao erário federal, no valor de R$ 28.957,91, apurado na prestação de contas do exercício de 2014, está relacionado às despesas não comprovadas/declaradas, realizadas no intervalo de 12/09/2014 a 01/12/2014, período em que o programa foi executado diretamente pela municipalidade, considerado que o contrato com a AGENDIS foi extinto em 28/03/2014 (Id. 144525033 – fl. 30). Confira-se (Id. 144525043 – fls. 99/102):

 

Valores não comprovados, em razão de despesas verificadas no extrato bancário, porém não declaradas no demonstrativo correspondente (ver subitem 2.1.3) Valor principal do débito Data inicial do débito
4.124,81 12/09/2014
2.612,63 12/09/2014
4.016,36 12/09/2014
3.551,03 16/09/2014
1.386,37 16/10/2014
350,09 16/10/2014
350,09 16/10/2014
35,00 28/10/2014
35,00 28/10/2014
427,52 28/10/2014
427,52 28/10/2014
1.145,76 06/11/2014
1.145,76 06/11/2014
3.278,37 19/11/2014
3.291,85 19/11/2014
2.779,75 01/12/2014
Total R$  28.957,91 -

 

O artigo 24, inciso XXIV, da Lei nº 8.666/93 prevê que a celebração de contratos com organizações sociais, incluídas as OSCIP, dispensa a licitação:

Art. 24.  É dispensável a licitação: 

(...)

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.   

(...)

 

Extrai-se do inquérito civil que a contratada AGENDIS é entidade reconhecida pelo Ministério da Justiça e titulada como OSCIP (Id. 144525032 – fls. 90/91). Como mencionado pelo autor na exordial: “A doutrina tem entendido que a dispensa de licitação prevista no art. 24, inciso XXIV, da Lei nº 8.666/93 alcança também as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCPIS), uma vez que aplica-se o provérbio ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio [onde há a mesma razão da lei, aí (deve-se aplicar) a mesma disposição legal] (...)” e “o Plenário do Tribunal de Contas da União, por seu tuno também se posicionou pela desnecessidade da instauração de licitação para seleção de OSCIP”. Afirma, contudo, que o artigo 23 do Decreto nº 3.100/1999 exige a realização de concurso de projetos para a seleção da OSCIP parceira (Id. 144524331 – fl. 42).  

Verifica-se que a solicitação de contratação, com dispensa de licitação, formulada pelo Secretário de Educação João Antonio Valério, em 10/09/2013, foi fundamentada na inexistência de recursos humanos para a execução do “ProJovern Urbano”, proximidade do prazo para o início dos trabalhos (23/09/2013) e importância e urgência na realização do projeto para o município (Id. 144525032 – fls. 128/130). A solicitação foi aprovada pelo procurador municipal por se encontrar de acordo com os preceitos determinados pela Lei nº 8.666/93 e alterações posteriores, especialmente o artigo 24, inciso XXIV e artigo 55 (Id. 144525034 – fls. 36/37).

A servidora da Secretaria de Educação CRISTINA APARECIDA LOPES DE MORAES declarou, no inquérito civil, que o projeto tinha prazo para início da efetivação e era necessária a contratação de professores, pois o município não tinha em seus quadros profissionais para a execução direta. Disse que pressionou bastante para que professores fossem contratados, caso contrário não ocorreria a implantação do projeto, foram pesquisadas seis OSCIP, os orçamentos foram encaminhados pelas que atendiam minimamente o necessário e cada pessoa da equipe ficou responsável pela indicação de uma entidade. Afirmou que o município não tinha experiência na execução do Projovem, entraram em contato com as instituições por telefone porque o tempo era curto e que a ideia inicial era que a prefeitura executasse diretamente o programa, mas como não havia outra alternativa, e o prazo era exíguo, foi buscada uma solução para que o projeto fosse concretizado. Por fim, relatou que o programa era muito importante para o município, toda a atividade foi orientada para o atendimento do interesse da cidade e a AGENDIS deu respaldo ao programa, ao passo que a prefeitura procedeu à contratação de professores por processo seletivo (Id. 144525035 – fls. 73/75):

"(...) Eu me lembro que o Projovem tinha um prazo determinado para o início da execução e que havia necessidade da contratação dos professores. Dada a exiguidade dos prazos, foi realizada visita em outros municípios (Barueri, Osasco e Monte Alto) e constatou-se que eles se valiam da contratação de OSCIPS para a execução do Projovem. O município não tinha professores para execução direta porque só tínhamos professores do ensino fundamental e eram necessários professores generalistas, concurso específico de Português, Matemática, História (...)Eu pressionava bastante para que os profissionais fossem contratados logo. Do contrário, não aconteceria a execução do projeto (...) Fui comunicada pelo Secretario de Educação que o caso dispensava licitação. (...) Lembro que foram pesquisadas 6 (seis) OSCIPS. Com algumas sequer foi conseguido o contato. Os orçamentos e propostas foram encaminhados pelas mais disponíveis e que atendiam, minimamente, o que achávamos que era necessário. Cada um da equipe ficou responsável pela indicação de uma OSCIP. (...) Nós não tínhamos experiência com a execução do Projovem. Pelo que eu me foi a única vez que recorremos ao telefone para entrar em contato com as OSCIPS, até mesmo porque o tempo estava apertado. (...) Gostaria de ressaltar que o projeto era muito importante para o município e que toda a atividade foi orientada pelo interesse de melhorar a nossa cidade. (...) A AGENDIS só deu respaldo enquanto a prefeitura buscava a contratação de professores via processo seletivo. A ideia, desde o início, era de que a prefeitura executasse diretamente o projeto, mas, como não havia alternativa naquele momento e o próprio prazo era exíguo, buscou-se essa saída para que o projeto fosse executado. (...)”

 

O Decreto nº 3.100/1999, citado pelo Parquet, prevê no inciso I do § 2º do artigo 23 que a realização de concurso de projetos poderia ser excepcionada nos casos emergenciais. No caso, a adesão ao programa ocorreu em 04/06/2013, o início das matrículas estava previsto para o dia 30/07/2013 e o início das aulas para 23/09/2013 (Id. 144525033 – fls. 36/58). Ademais, como mencionado no parecer do FNDE, que aprovou as contas do projeto (Id. 144525043 – fls. 94/96 e https://www.fnde.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=0379025&codigo_crc=1899F7E4&hash_download=a0854d099a56ed7f36d84dee3323ecd261e4a18102b2855412a816e5237334058182d0f624e83e81efd2a288fb7e13feec7003143753f6002a692b5fcfa2e9b4&visualizacao=1&id_orgao_acesso_externo=0):

“Cabe ressaltar que a Resolução CD/FNDE nº 08/2013 (Artigos nº 6, 12 e 18) permite a contratação de instituição formadora ou formador(es) para o desenvolvimento da formação continuada dos professores ou educadores, quando necessário, ou pagamento de complementação dos formadores do quadro efetivo da secretaria de educação para adequação da carga horária exigida pelo Programa, de acordo com as orientações do Projeto Pedagógico Integrado e do Plano Nacional de Formação, desde que informe à SECADI/MEC a situação de adimplência da(s) entidade(s) junto ao Governo Federal, enviando a documentação descrita no Art. 18 e no Anexo IV da ResoluçãoCD/FNDE nº 08/2013.”

 

Assim, está demonstrada a situação emergencial da contratação e a possibilidade de dispensa da licitação.

Cabe destacar que o contrato com a AGENDIS teve início em 20/09/2013 (Id. 144525032 – fls. 63/66) e término em 28/03/2014 (Id. 144525033 – fl. 30), ou seja, duração de seis meses, período em que o município efetuou o processo seletivo para contratação de professores para execução direta do programa, como afirmado pela testemunha CRISTINA APARECIDA LOPES DE MORAES e demonstrado pelos documentos anexados ao inquérito civil, especialmente os editais do processo de seleção (Id. 144525032 – fls. 90/91, 124/125, 128/130 e 138 e Id. 144525041 – fls. 54/70).

Constata-se, outrossim, que foi realizada a cotação prévia de preços antes da celebração do contrato com a AGENDIS, como informado pela Secretaria de Educação (Id. 144525032 – fl. 62). Foram apresentadas propostas pela AGENDIS, no valor de R$ 623.558,45 (Id. 144525032 – fls. 67/68), AGENDE, valor de R$ 635.436.76 (Id. 144525032 – fls. 69/71), e Agência de Desenvolvimento de Monte Alto e Região, valor de R$ 653.251,71 (Id. 144525032 – fls. 72/73), e foi selecionada a proposta de menor preço, como exigido pelo artigo 45, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93. Ressalta-se que a modalidade de licitação “a de menor preço” tem como critério de seleção a proposta mais vantajosa para a administração em que o vencedor é o licitante que apresentar a oferta de acordo com as especificações do edital ou convite e oferecer o menor preço. Assim, o julgamento deve levar em conta o valor das propostas apresentadas pelos licitantes e não os mencionados no plano de implementação, como afirma o MPF na exordial. Desse modo, não se constata a ocorrência de prejuízo na seleção da oferta.

Além da ausência de dano ao erário, também não está comprovado o dolo dos acusados. Como mencionado, o dolo específico, para fins de caracterização de ato de improbidade, é o eivado de má-fé e praticado com o intuito de cometer conscientemente a ilicitude. Assim, o erro não intencional, a falta de zelo e a ausência de diligência não configuram ato ímprobo.

Como mencionado, o § 2º da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, exige a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. A jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a lei de improbidade não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé:  

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO. DOSIMETRIA. SANÇÃO. REVISÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. SÚMULA 7/STJ. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA.

 (...)

7. O entendimento do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10.

8. Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, que se caracterize a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé.

(...)

13. Recurso Especial de Ione Freire Bezerra parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. Recurso Especial de Josafá Augusto de Lima não conhecido.

(STJ, REsp 1605125/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 03/03/2017)

 

O requerido MARCELO JOSÉ CHUEIRI declarou, no inquérito civil, que não conhecia pessoalmente Amarildo Gonçalves e não se recordava do nome de José Antonio Valério (Id. 144525034 – fls. 157/158): “Reconheço como de minha autoria a proposta da AGENDE encartada aos autos (fl. 149). Pelo que me recordo, a entidade foi procurada, por telefone, pelo Município de Itapecerica da Serra, que estava interessado na elaboração de proposta do Projovem Urbano. A partir daí, busquei informações sobre. o Programa e outras propostas já realizadas pela AGENDE, computando custos com salário de professores, materiais, refeições, supervisão técnica, deslocamento (o município de Itapecerica da Serra rica a aproximadamente 70km de Guarulhos) e demais custos relacionados ao projeto. (...)Não me recordo com quem da Prefeitura de Itapecerica da Serra conversei por telefone. Provavelmente, foi alguém da área técnica. Não conheço pessoalmente Amarildo Gonçalves, prefeito do Município de Itapecerica da Serra. Não me lembro especificamente do nome José Antônio Valério".

O acusado JOSE RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA afirmou ao Procurador da República que: “(...) Conheço Amarildo Gonçalves, Prefeito de Itapecerica da Serra. Até 2005, morei nesse município e conhecia Amarildo Gonçalves que, na época, era Vereador. Não tenho contato com ele desde 2006. Não me recordo do nome José Antônio Valério. Só me lembro do nome João Antônio Valério, que era Presidente da Associação Comercial. (...) Não tinha conhecimento da proposta elaborada pela AGENDIS. Tampouco tinha conhecimento de que havia correspondência parcial dos valores das propostas apresentadas pela AGENDIS e pela Agência de Desenvolvimento de Monte e Alto e Região. Inclusive, não tive nenhum contato com o pessoal da AGENDIS, nem retorno da proposta pela Prefeitura do Município de Itapecerica da Serra (...)”(Id. 144525034 – fls. 161/162).

A inicial não menciona que os requeridos foram beneficiados com os atos praticados ou que receberam vantagens indevidas. Não está configurada a prática de ato de improbidade doloso, uma vez que os acusados Amarildo Gonçalves e João Antonio Valério, na qualidade de Prefeito e Secretário de Educação, respectivamente, dado o prazo exíguo para o início da execução do projeto e com base na possibilidade de contratação direta de organizações sociais, incluídas as OSCIP, com dispensa de licitação (artigo 24, inciso XXIV, da Lei nº 8.666/93), formalizaram o contrato com a AGENDIS, que apresentou a proposta com menor valor. As contas foram aprovadas pelo FNDE e a única ressalva referia-se exatamente ao apontado no inquérito civil, objeto dos autos. Os outros requeridos e proponentes José Ricardo Gonçalves de Oliveira e Marcelo José Chueiri apenas apresentaram as ofertas solicitadas e o fato de conhecerem os demais acusados não presume a sua participação na suposta fraude para seleção da contratada, como faz crer o Parquet. Da mesma forma, o fato de a representante da selecionada ser cunhada do réu João Antônio Valério, não implica afirmar tenha participado de conluio fraudulento para seleção da proposta e redirecionamento da contratação, ainda mais por se tratar de entidade sem finalidade lucrativa. Portanto, não está comprovada a má-fé, elemento essencial para a caracterização do ato ímprobo, ou a intenção da prática de ato ilegal, motivo pela qual os requeridos não podem ser responsabilizados.

Acrescenta-se que, ainda que tivessem sido constatadas ilegalidades ou irregularidades regulamentares na dispensa de licitação, seleção da entidade e contratação, o dolo e a má-fé dos acusados não foram comprovados, que, aliado à inexistência de prejuízos, afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa dos requeridos e evidenciar a existência de irregularidades administrativas, mas não autorizariam a aplicação da LIA. Nessa acepção, destaca-se:

Voto: “Observe-se, por fim, que não há prova de dolo, elemento subjetivo essencial para a configuração da improbidade administrativa, conforme dispõe a Lei 8.429/92, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, que comporta aplicação retroativa por seu caráter sancionatório e por beneficiar o réu”

(TJSP;  Apelação Cível 1009601-46.2019.8.26.0099; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro de Bragança Paulista - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/11/2021; Data de Registro: 16/11/2021).

 

APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.

1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.

2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.

3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.

4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.

5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.

6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.

7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.

8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido.

(TJSP;  Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Monte Aprazível - 2ª Vara; Data do Julgamento: 10/11/2021; Data de Registro: 10/11/2021) [ressaltado]

 

PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido

(TJSP;  Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)

 

5.2) DA VIOLAÇÃO DO CAPUT E INCISO I DO ARTIGO 11 DA LIA

Na inicial, o MPF relata que os requeridos, ao desobedecerem o artigo 5º, inciso LXXIII, e artigo 37, caput, da Constituição Federal, Lei nº 8.666/1993, artigo 116, incisos II e IX, da Lei nº 8.112/1990, artigo 2º, caput, parágrafo único e inciso IV, da Lei nº 9.784/1999 e artigo 11, caput, da Resolução nº 54/2012 CD/FNDE, violaram dolosamente os princípios da administração pública da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, além dos deveres funcionais da honestidade e lealdade, condutas previstas no artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92.

O artigo 11, inciso I, da LIA, na redação anterior, estabelecia como ato de improbidade, que atentava contra os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Entretanto, o dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021.

Para Marçal Justen Filho: “O inc. I do at. 11 referia-se ao desvio de finalidade. A tipificação do desvio de finalidade como hipótese de improbidade administrativa implicava desnaturação do instituto. Não significa admitir a validade ou o descabimento de punição a condutas eivadas de desvio de finalidade. Atos praticados com desvio de finalidade comportam sancionamento severo, em diversas órbitas. Mas não se enquadram no instituto da improbidade, ressalvadas hipóteses diferenciadas, em que estejam presentes elementos peculiares à referida figura. A revogação do dispositivo foi orientada pela preocupação de evitar a banalização da improbidade administrativa” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118-119).

A abolição do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato. Assim, a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Nessa acepção, destaco:

“APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.

1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.

2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.

3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.

4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.

5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.

6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.

7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.

8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido”.

(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]

 

O MPF tipificou as condutas dos réus no artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92, nos seguintes termos (Id. 144524331– fl. 70):

“Outrossim, não bastasse a prática de atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário (art. 10, caput, da Lei n' 8.429/1992), AMARILDO GONÇALVES e JOÃO ANTÔNIO VALÉRIO, com a concorrência de MARCELO JOSÉ CHUEIRI, JOSÉ RICARDOGONÇALVES DE OLIVEIRA e da AGENDIS (própria beneficiada), dolosamente atentaram contra os princípios da Administração Pública, violando os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade, além dos deveres funcionais da honestidade e lealdade (art. 11, caput e inciso 1. da Lei nº 8.429/19 92).

Neste ponto, o art. 11, caput e incisos I, da Lei nº 8.429/92 define:

Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;”

 

O autor requereu a condenação dos réus com base artigo 10, caput, e artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92. Os requeridos foram condenados por terem afrontado o artigo 10, especialmente o inciso VIII, e artigo 11 da LIA. Contudo, de acordo com o § 10-D do artigo 17 da LIA: "Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei". Cabe reafirmar que o artigo 17, § 10-F, inciso I, da LIA prevê a nulidade da decisão proferida que condenar o acusado por tipo diverso do definido na petição inicial.

Há que se ressaltar que, à vista da revogação do inciso I do artigo 11 da LIA pela Lei nº 14.230/2021 e da aplicação retroativa da norma, os atos cometidos tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Destaca-se, nesse sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11, I, DA LEI 8.429/92. REVOGAÇÃO. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. NÃO CONHECIMENTO DA APELAÇÃO DO ACUSADO. PREJUDICIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. ART. 10, CAPUT, E XI DA LEI 8.429/92. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Os apelantes foram condenados pela prática do ato ímprobo previsto no art. 11, I da Lei 8.429/92, na redação anterior à Lei 14.230/2021.

2. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. O art. 11, I da Lei 8.429/92 foi revogado.

3. A referida norma se aplica ao caso concreto, eis que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa por beneficiar o réu.

4. Considerando que a partir da vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta pela qual os ora apelantes foram condenados deixou de ser típica, deve ser reformada a sentença.

(...) 8. Apelações parcialmente providas, para absolver os requeridos quanto à prática da conduta do art. 11, I da Lei 8.429/92, revogado, e reduzir a sanção de proibição para contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, para o prazo de três anos.

(TRF 1ª Região, TERCEIRA TURMA, AC 1001610-62.2017.4.01.3900, Rel. JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), PJe 25/04/2022 PAG.)"

 

VI) DA NÃO INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA

Dispõe o artigo 18 da Lei nº 7.347/1985, que cuida da ação civil pública: "Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)".

Destarte, nesse tipo de ação somente pode haver condenação do Ministério Público Federal ao pagamento de honorários advocatícios se comprovada sua inequívoca má-fé. Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. RAZÕES DO AGRAVO QUE NÃO IMPUGNAM, ESPECIFICAMENTE, O ALUDIDO FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI 7.347/85. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO.

I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II. Na origem, trata-se de Ação ajuizada pela parte ora recorrente, na qualidade de substituto processual, com o objetivo de obter o reajuste de proventos de aposentadoria de seus substituídos.

III. Interposto Agravo interno com razões que não impugnam, especificamente, o fundamento da decisão agravada, mormente em relação à decadência da Administração rever seus atos, não prospera o inconformismo, quanto ao ponto, em face da Súmula 182 desta Corte.

IV. A jurisprudência dominante nesta Corte orienta-se no sentido de que, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85, não há condenação em honorários advocatícios na Ação Civil Pública, salvo em caso de comprovada má-fé. Referido entendimento deve ser aplicado tanto para o autor - Ministério Público, entes públicos e demais legitimados para a propositura da Ação Civil Pública -, quanto para o réu, em obediência ao princípio da simetria. Nesse sentido: STJ, EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, DJe de 21/08/2018; AgInt nos EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 317.587/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 01/04/2019; AgInt no AREsp 1.329.807/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 15/03/2019; EDcl nos EDcl no AgInt no REsp 1.736.894/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/03/2019.

V. No caso, o Tribunal de origem, em harmonia com a jurisprudência desta Corte, afastou a condenação em honorários de advogado, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Sindicato, ao fundamento de que "indevida a condenação em honorários em ações coletivas, em razão do disposto na Lei nº 7.347/85. Na forma da jurisprudência da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, descabe a condenação na verba honorária, por simetria, quando o autor é vencedor na ação civil pública". Estando o acórdão recorrido em consonância com o entendimento atual e dominante desta Corte, deve ser mantida a decisão ora agravada, por seus próprios fundamentos.

VI. Agravo interno parcialmente conhecido, e, nessa extensão, improvido.

(AgInt no REsp 1367400/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2020, DJe 18/12/2020)

 

In casu, a despeito do provimento dos recursos dos requeridos, não é o caso de inversão do ônus de sucumbência, porquanto não evidenciada a má-fé do autor.

 

VII) DA INDISPONIBILIDADE DE BENS 

À vista da improcedência da demanda, devem ser liberados os bens tornados indisponíveis dos requeridos.

 

VIII) DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas nos recursos dos acusados e, no mérito, dou-lhes provimento para reformar a sentença, a fim de julgar improcedente a ação e determinar a liberação dos bens tornados indisponíveis, nos termos da fundamentação.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES. REJEITADAS. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021. EXIGÊNCIA DA CONDUTA DOLOSA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA NORMA. REGRAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 10, CAPUT E INCISO viii, DA LEI Nº 8.429/92. DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA E DANO AO ERÁRIO EFETIVO. INOCORRÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES LEGAIS OU REGULAMENTARES. AUSÊNCIA DE DOLO E DE PREJUÍZO. ARTIGO 11, CAPUT E INCISO I, DA LIA. REVOGAÇÃO DO INCISO I PELA LEI Nº 14.230/2021. ATOS ATÍPICOS. PRETENSÃO SANCIONATÓRIA INVIABILIZADA. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. NÃO CABIMENTO. RECURSOS DOS ACUSADOS PROVIDOS.

- O § 1º do artigo 12 da LIA estabelece que a sanção de perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente politico detinha com o poder público à época do cometimento da infração. Contudo, o dispositivo prevê que magistrado poderá, em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração.

- O artigo 12, caput, da LIA estabelece que o responsável por ato de improbidade está sujeito às sanções concernentes à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, penalidades que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial. Desse modo, é plenamente cabível a condenação dos apelantes ao ressarcimento ao erário e pagamento de multa correspondente a uma vez o valor do prejuízo.

- A improbidade administrativa constitui: “uma violação ao princípio constitucional da moralidade, princípio basilar da Administração Pública, estabelecido no caput do art. 37 da CF (...) na qualidade de “corolário da moralidade administrativa, temos a probidade administrativa (art. 37, § 4.º, da CF). Dever do agente público de servir à ‘coisa pública’, à Administração, com honestidade, com boa-fé, exercendo suas funções de modo lícito, sem aproveitar-se do Estado, ou das facilidades do cargo, quer para si, quer para terceiros” (...) é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, que exige, portanto, esforço de sistematização e concreção por parte do intérprete. Reveste-se de ilicitude acentuadamente grave e exige – o ato ímprobo – requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva, acentuadamente o dolo (nos casos de enriquecimento ilícito e prática atentatória aos princípios) e a culpa grave (nos casos de lesão ao erário)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à lei de improbidade administrativa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Capítulo I, Artigo 1º, p. RL-1.2. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/100959444/v4/page/RL-1.2).

- O caput do artigo 37 da Carta Magna estabelece que: "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]". O §4º do dispositivo constitucional prevê a punição por atos de improbidade administrativa a serem especificados em lei (no caso, a Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da ação penal.

- A Lei nº 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, na esteira do disposto no artigo 37 e seu §4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, §1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11). Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV).

- As penas pela prática do ato ímprobo, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, estão discriminadas no artigo 12, entre a quais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

- A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º). O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela lei em comento, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”.

- O artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que a aplicação da pena de ressarcimento e das condutas previstas no artigo 10 dependem da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Nesse sentido, jurisprudência já reconhecia, antes do advento das alterações legislativas, que para a tipificação do ato de improbidade administrativa, que importasse prejuízo ao erário, era imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público. Precedentes.

- Segundo o artigo 10, § 1º, da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não implicar perda patrimonial efetiva não acarretará a imposição da pena de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades mencionadas no artigo 1º. Por sua vez, o § 4º do artigo 11, introduzido pela mesma norma, estabelece que os atos de improbidade de que trata o dispositivo, passíveis de sancionamento, exigem a comprovação de lesividade relevante ao bem jurídico tutelado e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.

- A nova redação do artigo 23 da LIA, dada pela Lei nº 14.230/2021, além de alterar o prazo prescricional para ajuizamento da ação para 08 (oito) anos, contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessar a permanência, promoveu alterações substanciais com relação ao instituto para fins de aplicação das sanções previstas no artigo 12 da LIA. Equiparou a prescrição para o ajuizamento da ação dos detentores de mandato, cargo, função, cargo efetivo ou emprego público e passou a prever a prescrição intercorrente da pretensão sancionatória, que deve ser decretada pelo juiz, de oficio ou a requerimento da parte, nos casos em que, por exemplo, entre o ajuizamento da ação e a publicação da sentença tiver transcorrido prazo superior a quatro anos.

- A Lei nº 14.230/2021 eliminou o rol exemplificativo do artigo 11 e passou a estabelecer que o ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, é caracterizado pela ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade e por uma das condutas descritas nos incisos do dispositivo (rol taxativo). Segundo Marçal Justen Filho: “o elenco dos incisos deixou de apresentar cunho exemplificativo. Há um conjunto exaustivo de situações tipificadas. Uma conduta que não se subsuma às hipóteses dos incisos é destituída de tipicidade” ((Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118). Precedentes.

- De acordo com o § 10-F do artigo 17 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021: “Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. Segundo Marçal Justen Filho: “É nula a sentença que promova a condenação mediante o enquadramento da conduta em dispositivo diverso daquele que fora definido ao longo do processo” (Ibidem, p. 213). Portanto, a condenação deve estar necessariamente fundamentada no dispositivo indicado na exordial.

- A Lei nº 14.230/2021 igualmente aboliu algumas condutas caracterizadoras do ato de improbidade, como as descritas no inciso XXI do artigo 10, artigo 10-A e nos incisos I, II, IX, X do artigo 11 e promoveu correções e alterações em outras previstas nos artigos 9º, 10 e 11.

- De acordo com o artigo 17, § 6º, da LIA, a inicial da ação civil pública por ato de improbidade deve individualizar a conduta de cada réu e apontar as provas mínimas que demostram a prática dos atos ímprobos, bem como ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou exposição das razões fundamentadas da impossibilidade de sua apresentação. Precedente.

- A Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º).

- O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Precedentes.

- o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Precedentes.

- O artigo 1º, § 8º, da LIA, acrescentado pela Lei nº 14.230/2021, exclui de responsabilização a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa legal, com base na jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que o entendimento não prevaleça posteriormente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

- Relativamente à retroatividade da norma, parte da doutrina e jurisprudência tem se posicionado pela aplicação imediata e retroativa da Lei nº 14.230/2021 aos processos em andamento, desde que para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL, da CF), ao fundamento de que o artigo 1º, § 4º, da lei determina a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador ao sistema da improbidade, entre os quais se destaca o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. A retroação das normas sancionatórias mais benéficas tem sido reconhecida pelos Tribunais Superiores. Precedentes.

- Acerca da retroatividade da Lei nº 14.230/2021, Marçal Justen Filho faz a seguinte análise: "(...) para evitar qualquer controvérsia, o art. 5º, inc. XL., da CF/88 determina que ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Embora a redação se refira à ‘lei penal’, é evidente que essa garantia se aplica a qualquer norma de natureza punitiva. Não existe alguma característica diferenciada da lei penal que propiciasse a retroatividade da lei punitiva não penal. Assim se impõe em vista da própria garantia constitucional. Deve-se compreender que o legislador reputou que a solução prevista na lei pretérita era excessiva. O entendimento consagrado na legislação superveniente alcança as infrações pretéritas” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 250-251). Precedentes.

- O artigo 10, caput, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, estabelece, verbis: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente”. Nota-se que o dispositivo exige, além da demonstração da conduta dolosa do agente, que o dano ao erário seja efetivo.

- Quanto à alegação de dispensa irregular de licitação, o ato está enquadrado no inciso VIII do artigo 10, segundo o qual constitui improbidade o ato que causa lesão efetiva e comprovada ao erário que: “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”. O dispositivo também exige que o prejuízo ao erário seja efetivo, assim como o artigo 12, caput, e artigo 21, inciso I, da LIA.

- dispensa irregular de certame efetuada sem dolo e que não acarretar prejuízo à administração não autoriza a aplicação do artigo 10 da Lei nº 8.429/92. Nessa acepção: “cumpre ressaltar que eventual contratação de serviços promovida por dispensa ou adoção de procedimento diverso, mas que não resultar em prejuízo à Administração e nem houver comprovação da intenção de fraudar a lei pelo agente público, afasta a incidência das penalidades do art. 10 em comento, por se caracterizar mera irregularidade ou ilegalidade, mas não ato de improbidade” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 131). “Todas as hipóteses de improbidade contempladas no art. 10 da LIA apenas se aperfeiçoam mediante a ocorrência de um prejuízo ao patrimônio público. Sem a consumação de um prejuízo patrimonial, não se aperfeiçoa nenhuma das hipóteses de improbidade previstas noa rt. 10 da LIA. Exige-se a consumação de resultado danoso, consistente em “lesão ao erário”. Essa exigência consta expressamente do inc. VIII do art. 10, com redação adotada pela Lei 14.230/2021” (Justen Filho, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 97-98). Precedente.

- O parágrafo 1º do artigo 10 estabelece que o agente não será condenado ao ressarcimento, nos casos que que ocorrer a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não acarretarem perda patrimonial. Segundo Marçal Justen Filho: “o agente público tem o dever de examinar a presença dos requisitos exigidos por lei para a contratação direta. Isso significa que somente se configura a improbidade do inc. VIII quando o agente público adotar interpretação infringente da disciplina da contratação sem licitação. O tema envolve tanto erro de direito quanto erro de fato. Pode haver situação em que o agente público adotou interpretação equivocada, mas razoável. Em outros casos, o sujeito pode ter reputado que estavam presentes, no caso concreto, os requisitos para a contratação direta, sem que tal efetivamente ocorresse. Em todas essas hipóteses, inexistirá a improbidade se não for comprovado o dolo” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 102).

- Ainda que tivessem sido constatadas ilegalidades ou irregularidades regulamentares na dispensa de licitação, seleção da entidade e contratação, o dolo e a má-fé dos acusados não foram comprovados, que, aliado à inexistência de prejuízos, afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa dos requeridos e evidenciar a existência de irregularidades administrativas, mas não autorizariam a aplicação da LIA. Precedentes.

- O artigo 11, inciso I, da LIA, na redação anterior, estabelecia como ato de improbidade, que atentava contra os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Entretanto, o dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. A abolição do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato. Assim, a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Precedente.

- À vista da revogação do inciso I do artigo 11 da LIA pela Lei nº 14.230/2021 e da aplicação retroativa da norma, os atos cometidos tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Precedente.

- Dispõe o artigo 18 da Lei nº 7.347/1985, que cuida da ação civil pública: "Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)". Destarte, nesse tipo de ação somente pode haver condenação do Ministério Público Federal ao pagamento de honorários advocatícios se comprovada sua inequívoca má-fé. Precedente.

- Apelações providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares arguidas nos recursos dos acusados e, no mérito, dar-lhes provimento para reformar a sentença, a fim de julgar improcedente a ação e determinar a liberação dos bens tornados indisponíveis, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA. Ausente, justificadamente, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, por motivo de férias , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.