Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003474-72.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: EMERSON LOPES PINHEIRO

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003474-72.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: EMERSON LOPES PINHEIRO

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação de EMERSON LOPES PINHEIRO em mandado de segurança impetrado em face do SUPERINTENDENTE REGIONAL DA POLICIA FEDERAL DE SÃO PAULO que em sentença denegou a segurança  de concessão de porte de  arma, por ausência de demonstração de efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.

Alega o apelante, em síntese, que o indeferimento administrativo impede o exercício da profissão, uma vez que é armeiro e realiza reparos e manutenções em armamentos, necessitando armazenar em seu galpão diversos tipos de revólveres, pistolas, carabinas, etc. Tal atividade desperta a atenção de criminosos e já ensejou a entrada para prática de furto de armamento, conforme boletim de ocorrência n. 12908/2015, juntado aos autos.

Sustenta a reforma da sentença, com a concessão da autorização do porte de arma.

Com contrarrazões, subiram os autos para julgamento.

O Ministério Público Federal em seu parecer, opinou pela manutenção da sentença.

Petição requerendo  o processamento do recurso com seu correto julgamento, à luz do decreto n. 9.785/2019.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003474-72.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: EMERSON LOPES PINHEIRO

Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO ANGELO VERDIANI - SP178729-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 A questão controvertida nos autos diz respeito ao direito do apelado em obter porte de arma.

Aduz que é armeiro reconhecido pelo Exército, e Polícia Federal, assim, é o profissional que repara, modifica, projeta e fabrica armas de fogo.

Neste sentido, ingressou com pedido de porte de arma de fogo, o qual fora indeferido pelo Delegado responsável da Polícia Federal, cuja negativa se deu afirmando que não vislumbrava a efetiva necessidade da concessão da medida pois a profissão não acarreta risco à integridade física do Apelante.

No entanto, em razão do exercício da profissão, o Apelante em seu poder armas de clientes para consertos, manutenção e customização, e necessita de entrar e sair de seu estabelecimento comercial onde ficam armazenadas, tendo ocorrido furto, registrado no Boletim de Ocorrência 12908/2015, o que justificaria o porte de arma.

Aduz ainda, que deve ser observado o disposto no decreto 9.785/2019, vigente à época do seu pedido.

O artigo 10 da Lei n. 10.826/03 expressamente trata do porte de armas de fogo como autorização, in verbis:

“Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.”

Desse modo, vale lembrar que o porte de arma de fogo tem natureza jurídica de autorização que, nas lições da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, consiste em um "ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos".

Ainda, seguindo as palavras da Ilustre professora: "Para o exercício de atividades ou para a prática de atos sujeitos ao poder de polícia do Estado, a lei exige alvará de licença ou de autorização. No primeiro caso, o ato é vinculado, porque a lei prevê os requisitos diante dos quais a Administração é obrigada a conceder o alvará; é o que ocorre na licença para dirigir veículos automotores, para exercer determinadas profissões, para construir. No segundo caso, o ato é discricionário, porque a lei consente que a Administração aprecie a situação concreta e decida se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público em jogo; é o que ocorre com a autorização para porte de arma de fogo, com a autorização para circulação de veículos com peso ou altura excessivos, com a autorização para produção ou distribuição de material bélico"

Portanto, tendo sido revogados os Decretos  9.785, 9.797 e 9.844/2019 que consideravam como atividade profissional de risco o instrutor de tiro ou armeiro credenciado pela Polícia Federal e/ou o advogado, não há falar em preenchimento dos requisitos e invocar direito adquirido ou o princípio do tempus regis actum pois, ainda que houvesse sido concedida, a autorização poderia ser revogada a qualquer tempo a critério da administração com base na nova legislação em vigor.

Isso porque, repito, trata-se de mera autorização administrativa.

Não se trata de licença, e portanto, ato vinculado, como quer fazer crer o apelante, notadamente por se tratar do porte amplo e não daquele destinado às atividades desportivas. Destarte, ainda que a autoridade policial conceda uma autorização, ela pode revoga-la a qualquer tempo, porquanto não existe direito subjetivo ao porte de arma. É o que dispõe, inclusive, o artigo 17 do Decreto nº 9.847/2019, atualmente em vigor. A respeito, entendimento que se refere ao decreto anterior, que tratava do tema nos mesmos moldes:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. PORTE DE ARMA DE FOGO. ATO DISCRICIONÁRIO. INEXISTENCIA DAS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS ESTAMPADAS NA LEI Nº 10.826/2003. RENOVAÇÃO. CRITÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO.

1. Apelação de Advogado Criminal, em face de sentença que indeferiu pretensão autoral no sentido de autorização para renovação de porte de arma de fogo em defesa pessoal, cujo prazo venceu em 14 de fevereiro de 2009.

2. O Superior Tribunal de Justiça entende que "O art. 10, da Lei n. 10.826/2003 dispõe que a autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm (...). À míngua de normatização estadual e de autorização da autoridade competente, o Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo nem ingressar na seara do mérito administrativo, seja para autorizar agente penitenciáirio a portar sua arma no ambiente de trabalho, seja para determinar ao Secretário de Justiça do Estado a emissão da autorização do porte de arma" (STJ - RMS 32402, Primeira Turma, Relator Ministro Benedito Gonçalves, j. 19.10.2010 DJe, 26.10.2010.

3. Não obstante ser colecionador, além de afirmar possuir diversas armas de grosso calibre, todas licenciadas, não se desincumbiu o apelante de demonstrar estar em situação de risco ou apresentou comprovação de ameaça à sua integridade física, ou mesmo de seus familiares, na forma das exigências excepcionais constantes do art. 10, parágrafo 1º e incisos, da Lei nº 10.826/2003. Precedentes desta Corte.

4. "O art. 24, do Decreto nº 5.123/2004, que tratou da aquisição e do registro de arma de fogo de uso permitido, prevê que dito porte é "pessoal, intransferível e revogável a qualquer tempo", podendo, pois, a Administração, de acordo com o seu critério e em face da precariedade do ato, revogar o porte de arma concedido ao portador, de acordo com a sua conveniência e oportunidade". AC 454193-AL, Terceira Turma, Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano, j. 16.06.2010, DJe, 22.07.2010".

5. Apelação improvida".(AC - Apelação Civel - 526331 0000527-38.2010.4.05.8305, Desembargadora Federal Cíntia Menezes Brunetta, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::10/08/2012 - Página::163.)

Ressalte-se que o Estatuto do Desarmamento, objetiva, como o próprio nome sugere, aumentar o controle estatal sobre as aquisições, registro, posse, porte e o comércio de armas de fogo e munição em território nacional, de forma que a sua interpretação deve ser restritiva e consentânea com a mens legis, que é a diminuição da circulação de armas de fogo em território nacional. Ausente o risco inerente à atividade ou a ameaça física, exige-se do requerente a demonstração de perigo concreto e das circunstâncias que indicam que se encontra submetido a condições de insegurança mais severas e diversas das que afetam os demais cidadãos cotidianamente.

Cumpre observar, também, que os decretos expedidos com o objetivo de regulamentar o Estatuto do Desarmamento não podem ir além do que a lei preceitua. Assim, à vista de que a “efetiva necessidade” para fins de autorização para porte de arma de fogo é um conceito legal indeterminado cuja caracterização cabe à administração pública avaliar discricionariamente, descabe considera-la presumida, sob pena de se retirar da autoridade policial competente o poder/dever de aferir a razoabilidade dos motivos apresentados pelos requerentes, o que não se coaduna com o dever estatal de proteção da coletividade. Sobre o tema já se manifestou o TRF da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE PORTE DE ARMA DE FOGO PARA USO PESSOAL.  REQUISITOS. NÃO PREENCHIMENTO.  DIREITO ADQUIRIDO NÃO CONFIGURADO. SUSPENSÃO DA APLICAÇÃO DE LEI EM TESE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 266 DO STF.

1. Para obtenção de autorização de porte de arma de fogo, é exigível a comprovação do preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 10.826/2003. Nessa análise - que está afeta à autoridade pública -, não cabe intervenção judicial, exceto se configurado ilegalidade, abuso ou desvio de poder.

2. Na dicção da Lei, os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades demandem o uso de armas de fogo (art. 6º, inciso IX, da Lei n.º 10.826/2003), fazem jus à autorização para o porte de trânsito (guia de tráfego), a ser expedida pelo Comando do Exército, nos termos do § 1º do art. 30 do Decreto n.º 5.123/2004.

3. A circunstância de o impetrante ter protocolado requerimento administrativo na vigência do Decreto n.º 9.785, de 07/05/2019, revogado pelo Decreto n.º 9.847, de 25/06/2019, não lhe confere o direito alegado, porque, ainda que argumente que (1) o ato normativo infralegal afastava a exigência de demonstração da 'necessidade', quer efetiva, quer presumida, condicionando a concessão do porte de arma à simples comprovação da condição de atirador e do implemento dos requisitos do art. 4º da Lei n.º 10.826/2003, e (2) as alterações legislativas no curso do processo administrativo não afetam o direito já adquirido sob a égide da legislação revogada, um ato normativo infralegal - que não pode inovar o ordenamento jurídico - não tem o condão de conferir direitos, à revelia da própria lei que visa a regulamentar.

4. Consoante a orientação sumulada sob n.º 266 pelo e. Supremo Tribunal Federal, não cabe mandado de segurança contra lei em tese, incluídos atos normativos infralegais de caráter geral e abstrato. Isso porque o mandado de segurança pressupõe uma lesão ou ameaça concreta de lesão a direito líquido e certo do impetrante. Por essa razão, a via mandamental não se afigura adequada para suspender a aplicação de norma geral e abstrata, em face de fato futuro e incerto. (TRF4, AC 5072065-41.2019.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 31/12/2020)

Por fim, ante a natureza discricionária da autorização para porte de armas de fogo, o controle judicial não pode imiscuir-se em seu mérito. A respeito:

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PORTE DE ARMA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO QUE DEMONSTRASSE O MOTIVO DA NECESSIDADE DO PORTE. ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido é ato sujeito ao preenchimento de requisitos legais e ao juízo favorável de conveniência e oportunidade da Administração Pública.

2. O apelante não comprovou minimamente acerca da sua alega necessidade, apenas informou ser atirador desportivo e que recebeu uma ameaça no ano de 1996, conforme Boletim de Ocorrência carreado às fls. 16, o que por si só não o autoriza a portar uma arma de fogo.

3. Em razão da ausência de demonstração da efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou ameaça da integridade física do impetrante, não há qualquer justificativa para que lhe seja concedido o porte de ama, à luz do Estatuto do Desarmamento.

4. Apelo desprovido”. (Ap. 0011430-06.2013.4.03.6100, Rel. Des.Fed. Marcelo Saraiva, 4ª Turma, j. 22/11/2017, e-DJF3 Judicial 108/02/2018).

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. LEI N. 10.826/2003, ART. 10, § 1º, I. INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 23/2005-DG, DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA EFETIVA NECESSIDADE POR EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL DE RISCO OU DE AMEAÇA À SUA INTEGRIDADE FÍSICA. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.

1. O recorrente, ao requerer a renovação de autorização para porte de arma de fogo, argumenta que é atirador desportivo, enquadrando-se dentre os permissivos legais, previsto no art. 6º, inc. IX, da Lei 10.826/03.

2. O porte de arma de fogo tem natureza jurídica de autorização, que é um ato administrativo discricionário, permitindo a lei que a Administração aprecie a situação concreta, para então decidir pela concessão ou não da autorização.

3 "A concessão de porte de arma insere-se no poder discricionário da administração, traduzindo-se em mera autorização, revestida de precariedade, inexistindo, por isso, direito líquido e certo ao seu deferimento, em função de suposta situação especial de risco" (AC 0003385-76.2015.4.01.3811/AC, Relator, Desembargador Federal DANIEL PAES RIBEIRO, Sexta Turma, e-DJF1 09/02/2018).

4. Manutenção da sentença denegatória da ordem, considerando que não restou demonstrada a efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à integridade física do apelante. 5. Apelação a que se nega provimento.” (AMS 0025207-19.2013.4.01.3900, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 12/06/2018)

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. LEI N. 10.826/2003, ARMEIRO. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DO REQUISITO DA "EFETIVA NECESSIDADE". PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO. SENTENÇA MANTIDA.

- O apelante, armeiro, apresentou o requerimento de autorização de porte de arma de fogo alegando a necessidade diante do manuseio e acondicionamento de armas.

- O Estatuto do Desarmamento, objetiva, como o próprio nome sugere, aumentar o controle estatal sobre as aquisições, registro, posse, porte e o comércio de armas de fogo e munição em território nacional, de forma que a sua interpretação deve ser restritiva e consentânea com a mens legis, que é a diminuição da circulação de armas de fogo em território nacional. Ausente o risco inerente à atividade de armeiro, exige-se do requerente a demonstração de perigo concreto e das circunstâncias que indicam que se encontra submetido a condições de insegurança mais severas e diversas das que afetam os demais profissionais cotidianamente.

- A aplicação do princípio “tempus regit actum” é incompatível com a natureza do ato que permite o porte de arma de fogo: trata-se de uma autorização e, como tal, configura ato discricionário sujeito ao juízo favorável de conveniência e oportunidade da administração pública. Não se trata de licença, e portanto, ato vinculado, como quer fazer crer o impetrante, notadamente por se tratar do porte amplo. Destarte, ainda que a autoridade policial conceda uma autorização, ela pode revoga-la a qualquer tempo, porquanto não existe direito subjetivo ao porte de arma. É o que dispõe, inclusive, o artigo 17 do Decreto nº 9.847/2019, atualmente em vigor.

- Ante a natureza discricionária da autorização para porte de armas de fogo, o controle judicial não pode imiscuir-se em seu mérito.

- Apelação desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Ausente, justificadamente, a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, por motivo de férias. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.