Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000395-86.2022.4.03.6119

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: CARTINT INDUSTRIA E COMERCIO DE TINTAS LTDA

Advogados do(a) APELANTE: LEANDRO DE ARAUJO FERREIRA - SP291814-A, AISLANE SARMENTO FERREIRA DE VUONO - SP195937-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000395-86.2022.4.03.6119

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: CARTINT INDUSTRIA E COMERCIO DE TINTAS LTDA

Advogados do(a) APELANTE: LEANDRO DE ARAUJO FERREIRA - SP291814-A, AISLANE SARMENTO FERREIRA DE VUONO - SP195937-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

 

Trata-se de apelação interposta por CARTINT INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE TINTAS LTDA contra sentença denegatória de seu pedido de segurança “a fim de que a Impetrante seja autorizada a afastar a aplicação do art. 167 da Instrução Normativa RFB nº 1.911/2019 quando do cálculo dos créditos de PIS/COFINS decorrentes da obtenção de insumos e consequente manutenção do ICMS como integrante do custo de aquisição dos bens e serviços, nos termos das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, sendo a D. Autoridade Coatora impedida de praticar qualquer ato de cobrança dos referidos valores, até julgamento final da presente demanda.” 

Deu-se à causa o valor de R$ 200.000,00.

O juízo denegou a segurança a partir da posição firmada pelo STF no sentido de que os valores destacados de ICMS não compõem a base de cálculo do PIS/COFINS. Como o regime não cumulativo pressupõe a incidência em cadeia, considerou indevida a inclusão do imposto estadual também na base de cálculo dos créditos derivados daquele regime.

A impetrante argui que os valores de ICMS compõem o custo de aquisição, que inexiste lei a sustentar a exclusão e que o julgamento do RE 574.706 em nenhum momento restringe o direito de crédito dos contribuintes.

Contrarrazões.

A Procuradoria Regional da República negou sua intervenção no feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000395-86.2022.4.03.6119

RELATOR: Gab. 21 - DES. FED. JOHONSOM DI SALVO

APELANTE: CARTINT INDUSTRIA E COMERCIO DE TINTAS LTDA

Advogados do(a) APELANTE: LEANDRO DE ARAUJO FERREIRA - SP291814-A, AISLANE SARMENTO FERREIRA DE VUONO - SP195937-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O pedido cinge-se a declarar o direito de o contribuinte apurar os créditos de PIS/COFINS decorrentes da aquisição de insumos com a manutenção do ICMS incidente nesta aquisição, nos termos dos arts. 3º, II, das Leis 10.637/02 e 10.833/03.

Não se nega que os valores de ICMS incidentes na operação são componentes de seu custo de aquisição, suportados pelo adquirente a partir do pagamento do preço pago pelo insumo. Inclusive, tomando por base o art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, a IN SRF 404/04 expressamente disciplinava a inclusão tanto do ICMS quanto do IPI – quando não recuperável - para fins de apuração dos créditos de PIS/COFINS (art. 8º, § 3º), integrados os impostos ao preço da mercadoria. In verbis:

Art. 8º Do valor apurado na forma do art. 7º, a pessoa jurídica pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:

I - das aquisições efetuadas no mês:

(...)

§ 3º Para efeitos do disposto no inciso I, deve ser observado que:

I - o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens; e

II - o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços.

Com a decisão proferida pelo STF e a consolidação da tese de inexigibilidade do PIS/COFINS sobre valores de ICMS, calcada no fato de não configurarem receita empresarial, mas mero ingresso transitório (RE 574.706), expurgou-se a incidência do imposto estadual do cálculo das contribuições para os contribuintes. Observada a cadeia econômica, tem-se que as respectivas receitas a serem ofertadas pelos agentes daquela cadeia não levarão em consideração o ICMS incidente nas diferentes operações.

Pleiteia a impetrante o reconhecimento de seu direito de calcular os créditos de PIS/COFINS sobre a aquisição de insumos com a inclusão do ICMS, dado que a Receita Federal editou a IN RFB 1.911/19, suprimindo textualmente a possibilidade de inclusão do ICMS como valor da aquisição de insumos. In verbis:

Art. 167. Para efeitos de cálculo dos créditos decorrentes da aquisição de insumos, bens para revenda ou bens destinados ao ativo imobilizado, integram o valor de aquisição (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, inciso I, com redação dada pela Lei nº 11.787, de 2008, art. 4º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 45, e inciso VII; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, incisos I, com redação dada pela Lei nº 11.787, art. 5º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21, inciso VI, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005, art. 43, e inciso VII):

I - o seguro e o frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador; e

II - o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável.

A princípio, a exclusão do ICMS no creditamento do PIS/COFINS tem sua lógica no decisum prolatado no RE 574.706. Explica-se.

Ainda que diversa do regime atribuído ao IPI e ao ICMS, a sistemática não cumulativa do PIS/COFINS tem sim por pressuposto evitar a incidência em cascata do tributo; procura neutralizar ou reduzir a tributação incidente sobre a receita de agente em posição anterior na cadeia econômica, por meio da assunção de créditos a partir de determinados custos de produção, como o custo de aquisição de insumos.

Excluídos os valores de ICMS da apuração das contribuições de PIS/COFINS suportadas por aqueles agentes, e se tendo em mente que a incidência múltipla é justamente o pilar que justifica o sistema não cumulativo, deduz que os mesmos valores não poderiam ser computados para fins de creditamento, preservando-se a harmonia do sistema. Inclusive, em sede sumária, já proferi decisão no mesmo sentido em causa diversa (AI 5032658-06.2019.4.03.0000).

Ocorre que o tratamento administrativo conferido aos valores de IPI incidentes na operação contrasta a aludida conclusão e a novel IN RFB 1.911/19.

Na forma da normativa administrativa citada, os valores de IPI não recuperáveis compõem o custo de aquisição para fins de creditamento do PIS/COFINS, pois “como o IPI relativo à aquisição de bens para revenda não é recuperável, uma vez que a consulente afirma não estar enquadrada no conceito de estabelecimento industrial e nem no conceito de estabelecimento equiparado a industrial, o valor a esse título destacado constituí custo do revendedor. Consequentemente, o IPI destacado pelos seus fornecedores nas notas fiscais de venda poderá ser computado no cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins” (Solução de Consulta COSIT 579/17).

Desde a disciplina da LC 70/91, o IPI incidente na operação de venda não integra a base de cálculo daquelas contribuições para os contribuintes de direito daqueles tributos (art. 2º, a), o que agora ganha esquadro nas Leis 9.718/98 e nas Leis 10.637/02 e 10.833/03, e, por referência, no art. 12, § 4º, do Decreto-Lei 1.598/77. A própria Administração Fazendária milita na mesma direção, conforme Solução de Consulta COSIT 03/19:

ESCRITURAÇÃO FISCAL DIGITAL DE RETENÇÕES E OUTRAS INFORMAÇÕES FISCAIS (EFD-REINF). CONCEITO DE FATURAMENTO. Para efeito de cumprimento da obrigação acessória prevista no art. 2º, § 1º, inciso I, da Instrução Normativa RFB nº 1701, de 2017, o conceito de faturamento corresponde à receita bruta definida no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014. RECEITA BRUTA. IPI E ICMS-SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. NÃO INCLUSÃO. O IPI e o ICMS-Substituição Tributária não integram a Receita Bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014. SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA PARCIALMENTE À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 164, DE 25/06/2014, E À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 488, DE 26/09/2017. Dispositivos Legais: art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014; Instrução Normativa RFB 1.701, de 2017, art. 2º, § 1º-A, Parecer Normativo CST nº 77, de 1986.

Ou seja. Ainda que o IPI não componha a base de cálculo do PIS/COFINS devido pelo contribuinte de direito ou pelo responsável tributário daquele imposto (o industrial, por exemplo), o adquirente daquele produto poderá considerar como custo de aquisição tanto o seu preço quanto o valor do IPI incidente na sua saída – até porque é efetivamente custo enfrentado pelo adquirente.

Não se tem aqui parametrização entre a base de cálculo das contribuições apurada pelo industrial, enquanto agente anterior da cadeia econômica (o preço do produto, excluído o IPI), e a base de cálculo para fins de crédito de PIS/COFINS pelo adquirente para revenda (o preço do produto mais os valores de IPI incidentes), sem que com isso se repute qualquer ilegalidade ou assimetria. Admitida a situação para o IPI, não se vê o porquê de, em sede exclusivamente administrativa, refutar igual tratamento para o ICMS, também um custo para o adquirente da mercadoria, dada a transferência do ônus financeiro e o caráter translativo enquanto tributo indireto.

Lembre-se que um dos fundamentos utilizados pelo STF para afastar a exigibilidade do PIS/COFINS sobre valores de ICMS foi justamente a não incidência daquelas contribuições sobre o IPI, na qualidade de ingresso contábil destinado ao tesouro federal. É o que se depreende do voto do Min. Marco Aurélio quando do julgamento do RE 240.785 (STF – Pleno / Min. Marco Aurélio / 08.10.2014):

“(M)uito embora com a transferência do ônus para o contribuinte, ter-se-á, a prevalecer o que decidido, a incidência da Cofins sobre o ICMS, ou seja, a incidência de contribuição sobre imposto, quando a própria Lei Complementar nº 70/91, fiel à dicção constitucional, afastou a possibilidade de incluir-se, na base de incidência da Cofins, o valor devido a título de IPI. Difícil é conceber a existência de tributo sem que se tenha uma vantagem, ainda que mediata, para o contribuinte, o que se dirá quanto a um ônus, como é o ônus fiscal atinente ao ICMS. O valor correspondente a este último não tem a natureza de faturamento”.

O referido julgado foi utilizado como referência para a tese fixada no RE 574.706, como se depreende do voto da E. Relatora Minª Carmen Lúcia, do próprio Min. Marco Aurélio, e da Minª Rosa Weber, assim transcrito:

“Nessa linha, Senhora Presidente, eu entendo, com todo respeito – e aqui estou invocando o parecer do Professor Humberto Ávila, brilhante que foi elaborado para este processo -, eu estou invocando o filtro constitucional para fazer a leitura da legislação infraconstitucional, inclusive no que diz respeito a esses tributos cobrados por fora e que levam a essa situação, em termos de direito infraconstitucional posto, essa distinção entre ICMS e IPI, dois impostos indiretos que estão levando a um equacionamento diferente, que eu entendo que não pode prevalecer, à luz do texto constitucional, como conteúdo que eu empresto a esses conceitos na linha da jurisprudência que se firmou nesta Corte, a qual já aderi no voto que acabei de relembrar”.

Dada a simetria do tratamento tributário conferido aos impostos mencionados quanto à base de cálculo do PIS/COFINS, firme na tese de que configuram transitório ingresso contábil, e admitida a qualidade de custo de aquisição ao IPI incidente na venda ainda que não componente da base de cálculo daquelas contribuições, não se vê justificativa para a diferenciação almejada pelo Fisco quanto ao ICMS que não, aparentemente, a tentativa de minimizar as perdas decorrentes da decisão proferida no RE 574.706.

Em suma, não pode a Administração Tributária, por si só, modificar seu posicionamento sobre o ICMS e a assunção de créditos de PIS/COFINS tomando por fundamento situação jurídica que se encontra e sempre se encontrou também presente para o IPI e sobre a qual nunca fez qualquer ressalva. Novidade nesse sentido somente poderia ser vinculada por lei, obediente o regime não cumulativo à legalidade tributária.

Nesse sentido (grifo nosso):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELA UNIÃO FEDERAL. INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES AO PIS E COFINS. RE Nº 574.706/PR. NEUTRALIZAÇÃO DOS EFEITOS DO ICMS NO SISTEMA NÃO CUMULATIVO. ACRÉSCIMO NA FUNDAMENTAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.  

1. Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil vigente, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento e corrigir erro material. Nos termos do parágrafo único do citado artigo, considera-se omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; ou incorra em qualquer das condutas descritas no artigo 489, § 1.º.

2. Ao contrário do que afirma a embargante, não há qualquer vínculo jurídico entre a forma de apuração de débito de PIS/COFINS com a eventual pretensão de incluir na sua base de cálculo o ICMS computado no cálculo dos créditos dessas contribuições. A relação jurídica do crédito é segregada da relação jurídica do débito. A discussão travada na presente ação diz respeito à formação da base de cálculo com as operações de saída.

3. A decisão proferida no RE nº 574.706/PR em nenhum momento trata da base de cálculo dos créditos do PIS/COFINS, muito menos em relação à inclusão do ICMS em tal base de cálculo. O julgamento pela Suprema Corte em nada alterou a forma de apuração dos créditos, permanecendo incólume a legislação que trata do tema. A tese definida no tema nº 69 foi de que o conceito constitucional de receita não comporta a parcela atinente ao ICMS e, por isso, não incidem as contribuições ao PIS e COFINS sobre aquela parcela. A conclusão, evidentemente, não tem o condão de modificar a base de cálculo dos créditos das contribuições em questão, que decorre de interpretação do princípio da não-cumulatividade e do custo de aquisição, definidos em lei. A discussão no RE nº 574.706/PR cingiu-se em torno do conceito de faturamento, como grandeza de natureza tributável pelo PIS/COFINS.

4. Embargos de declaração acolhidos apenas para acréscimo na fundamentação, sem alteração do resultado.

(ApelRemNec 5000918-07.2017.4.03.6109 / TRF3 – Terceira Turma / Des. Fed. ANTÔNIO CARLOS CEDENHO / 16.09.2021)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS. EXCLUSÃO E CREDITAMENTO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA SOBRE BASES DISTINTAS.

1. Preliminarmente cabe rejeitar a alegação de nulidade por julgamento extra petita, pois a decisão agravada, conforme entendimento do Juízo a quo a respeito da matéria, determinou, na perspectiva da neutralidade da tributação, e considerado o regime de não cumulatividade a que eventualmente sujeito a parte, a exclusão do ICMS tanto na apuração dos créditos como na apuração dos débitos atinentes ao PIS/COFINS, concedendo parcialmente a liminar requerida. Sendo certo que o Juízo pode reconhecer direito em menor extensão do que o pleiteado pelas partes, não se verifica mácula formal na decisão. 

2. No mérito, a questão da inclusão de imposto na base de cálculo do PIS/COFINS com vulneração da matriz constitucional que prevê a respectiva incidência sobre faturamento ou receita na dicção atualizado do artigo 195, I, b, da Constituição Federal, foi resolvida, pela Suprema Corte no RE 574.706, Tema 69 em repercussão geral, relativamente ao ICMS. 

3. O julgado não transmite, sequer indiretamente, o condicionamento identificado pela decisão agravada. De outro lado, não há porque se cogitar aprioristicamente de omissão da Corte Suprema em tratar da vinculação ventilada, que, se validada, produz relevante modulação do alcance da tese firmada. De fato, ressoa inverossímil que o julgamento de recurso extraordinário em regime de repercussão geral reconheça direito de grande impacto em favor dos contribuintes e deixe de enunciar (tampouco abordar diretamente) o igualmente impactante requisito condicionante de seu exercício,  tanto mais quando tal liame configura a revogação de outro direito até então legalmente assegurado.

4. Da perspectiva da agravante, o ICMS incidente na fase anterior da cadeia produtiva reflete custo de aquisição da mercadoria, na entrada, referente ao imposto estadual devido por outrem. O creditamento objetiva amortizar esta específica repercussão financeira no faturamento (segundo regras próprias, como, por exemplo, a impossibilidade de recuperação subsequente na escrituração fiscal). De outra parte, de maneira dissociada, a exclusão do ICMS da base de cálculo, na forma do julgamento da Corte Suprema, diz respeito ao ICMS devido pelo próprio contribuinte, na saída.

5. Não há incompatibilidade entre exclusão e creditamento, já que neutralizam incidências diversas do ICMS, sendo válida e necessária a cumulação. Nesta linha, antes de obstar o creditamento, o RE 574.706, em verdade, o ratifica: se o imposto estadual deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS devidos, por não representar faturamento, não se vê razão pela qual a parte do custo de mercadoria, que representa precisamente a incidência de tais exações na fase anterior (a ser excluída pelo fornecedor em sua própria apuração das exações em análise), deva ser mantida íntegra (com o que, naturalmente, deve ser refletida na saída, ou seja, na receita bruta) dentro da base de cálculo das contribuições devidas pelo recorrente, tanto mais quando há autorização legal para tanto e ausência de qualquer elemento que indique revogação tácita de tais previsões.

6. De toda a sorte, o que ora se expõe é que não há óbice ontológico ou contradição principiológica na cumulação de exclusão de ICMS devido pelo contribuinte e creditamento a partir da tributação a tal título ocorrida em fase anterior da cadeia produtiva. Cabe ao Fisco avaliar, caso a caso, a possibilidade material de escrituração de créditos, segundo regras, condições e exceções eventualmente aplicáveis a cada hipótese concreta.

7. Agravo de instrumento provido.

(AI 5001411-70.2020.4.03.0000  / TRF3 – Terceira Turma / Des. Fed. LUIS CARLOS HIROKI MUTA / 10.08.2020)                                 

Tem-se ainda: ApelRemNec 5003367-70.2019.4.03.6107 / TRF3 – Sexta Turma / Des. Fed. LUIS ANTÔNIO JOHONSOM DI SALVO / 05.02.2021 e ApCiv 0002216-49.2017.4.03.6100 / TRF3 – Sexta Turma / Des. Fed LUIS ANTÔNIO JOHONSOM DI SALVO / 08.09.2020.

Destaque-se jurisprudência em contrário: ApelRemNec 5002579-62.2020.4.03.6126 / TRF3 – Quarta Turma / Desª. Fed. Mônica Nobre / 20.06.2022.

Pelo exposto, dou provimento ao apelo para conceder a segurança.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. EXCLUSÃO DO ICMS DESTACADO DA BASE DE CÁLCULO DO PIS/COFINS. RE 574.706. DIREITO À ASSUNÇÃO DE CRÉDITOS DE PIS/COFINS COM A INCLUSÃO DO ICMS INCIDENTE COMO CUSTO DE AQUISIÇÃO. EFETIVO CUSTO SUPORTADO PELO CONTRIBUINTE. SIMETRIA COM O TRATAMENTO DADO AO IPI, IMPOSSIBILITANDO CONDUTA ADMINISTRATIVA CONTRADITÓRIA E SEM FUNDAMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL NO SENTIDO RESTRITIVO CONSUBSTANCIADO NA IN RFB 1.911/19. RECURSO PROVIDO PARA CONCEDER A SEGURANÇA.

1.O pedido cinge-se a declarar o direito de o contribuinte apurar os créditos de PIS/COFINS decorrentes da aquisição de insumos com a manutenção do ICMS incidente nesta aquisição, nos termos dos arts. 3º, II, das Leis 10.637/02 e 10.833/03.

2.Não se nega que os valores de ICMS incidentes na operação são componentes de seu custo de aquisição, suportados pelo adquirente a partir do pagamento do preço pago pelo insumo. Inclusive, tomando por base o art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, a IN SRF 404/04 expressamente disciplinava a inclusão tanto do ICMS quanto do IPI – quando não recuperável - para fins de apuração dos créditos de PIS/COFINS (art. 8º, § 3º), integrados os impostos ao preço da mercadoria.

3.Com a decisão proferida pelo STF e a consolidação da tese de inexigibilidade do PIS/COFINS sobre valores de ICMS, calcada no fato de não configurarem receita empresarial, mas mero ingresso transitório (RE 574.706), expurgou-se a incidência do imposto estadual do cálculo das contribuições para os contribuintes. Observada a cadeia econômica, tem-se que as respectivas receitas a serem ofertadas pelos agentes daquela cadeia não levarão em consideração o ICMS incidente nas diferentes operações.

4.Pleiteia a impetrante o reconhecimento de seu direito de calcular os créditos de PIS/COFINS sobre a aquisição de insumos com a inclusão do ICMS, dado que a Receita Federal editou a IN RFB 1.911/19, suprimindo textualmente a possibilidade de inclusão do ICMS como valor da aquisição de insumos.

5.A princípio, a exclusão do ICMS no creditamento do PIS/COFINS tem sua lógica no decisum prolatado no RE 574.706. Explica-se. Ainda que diversa do regime atribuído ao IPI e ao ICMS, a sistemática não cumulativa do PIS/COFINS tem sim por pressuposto evitar a incidência em cascata do tributo; procura neutralizar ou reduzir a tributação incidente sobre a receita de agente em posição anterior na cadeia econômica, por meio da assunção de créditos a partir de determinados custos de produção, como o custo de aquisição de insumos.

6.Excluídos os valores de ICMS da apuração das contribuições de PIS/COFINS suportadas por aqueles agentes, e se tendo em mente que a incidência múltipla é justamente o pilar que justifica o sistema não cumulativo, deduz que os mesmos valores não poderiam ser computados para fins de creditamento, preservando-se a harmonia do sistema.

7.Ocorre que o tratamento administrativo conferido aos valores de IPI incidentes na operação contrasta a aludida conclusão e a novel IN RFB 1.911/19. Na forma da normativa administrativa citada, os valores de IPI não recuperáveis compõem o custo de aquisição para fins de creditamento do PIS/COFINS, pois “como o IPI relativo à aquisição de bens para revenda não é recuperável, uma vez que a consulente afirma não estar enquadrada no conceito de estabelecimento industrial e nem no conceito de estabelecimento equiparado a industrial, o valor a esse título destacado constituí custo do revendedor. Consequentemente, o IPI destacado pelos seus fornecedores nas notas fiscais de venda poderá ser computado no cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins” (Solução de Consulta COSIT 579/17).

8.Desde a disciplina da LC 70/91, o IPI incidente na operação de venda não integra a base de cálculo daquelas contribuições para os contribuintes de direito daqueles tributos (art. 2º, a), o que agora ganha esquadro nas Leis 9.718/98 e nas Leis 10.637/02 e 10.833/03, e, por referência, no art. 12, § 4º, do Decreto-Lei 1.598/77. A própria Administração Fazendária milita na mesma direção, conforme Solução de Consulta COSIT 03/19.

9.Ou seja. Ainda que o IPI não componha a base de cálculo do PIS/COFINS devido pelo contribuinte de direito ou pelo responsável tributário daquele imposto (o industrial, por exemplo), o adquirente daquele produto poderá considerar como custo de aquisição tanto o seu preço quanto o valor do IPI incidente na sua saída – até porque é efetivamente custo enfrentado pelo adquirente.

10.Não se tem aqui parametrização entre a base de cálculo das contribuições apurada pelo industrial, enquanto agente anterior da cadeia econômica (o preço do produto, excluído o IPI), e a base de cálculo para fins de crédito de PIS/COFINS pelo adquirente para revenda (o preço do produto mais os valores de IPI incidentes), sem que com isso se repute qualquer ilegalidade ou assimetria. Admitida a situação para o IPI, não se vê o porquê de, em sede exclusivamente administrativa, refutar igual tratamento para o ICMS, também um custo para o adquirente.

11. Um dos fundamentos utilizados pelo STF para afastar a exigibilidade do PIS/COFINS sobre valores de ICMS foi justamente a não incidência daquelas contribuições sobre o IPI, na qualidade de ingresso contábil destinado ao tesouro federal. É o que se depreende do voto do Min. Marco Aurélio quando do julgamento do RE 240.785 (STF – Pleno / Min. Marco Aurélio / 08.10.2014). O referido julgado foi utilizado como referência para a tese fixada no RE 574.706, como se depreende do voto da E. Relatora Minª Carmen Lúcia, do próprio Min. Marco Aurélio, e da Minª Rosa Weber.

12.Dada a simetria do tratamento tributário conferido aos impostos mencionados quanto à base de cálculo do PIS/COFINS, firme na tese de que configuram transitório ingresso contábil, e admitida a qualidade de custo de aquisição ao IPI incidente na venda ainda que não componente da base de cálculo daquelas contribuições, não se vê justificativa para a diferenciação almejada pelo Fisco quanto ao ICMS que não, aparentemente, a tentativa de minimizar as perdas decorrentes da decisão proferida no RE 574.706.

13.Não pode a Administração Tributária, por si só, modificar seu posicionamento sobre o ICMS e a assunção de créditos de PIS/COFINS tomando por fundamento situação jurídica que se encontra e sempre se encontrou também presente para o IPI e sobre a qual nunca fez qualquer ressalva. Novidade nesse sentido somente poderia ser vinculada por lei, obediente o regime não cumulativo à legalidade tributária.

14. Fica reconhecido o direito de a impetrante apurar créditos de PIS/COFINS a partir dos custos de aquisição de insumos, incluídos os valores de ICMS incidentes na operação.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento ao apelo para conceder a segurança, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.