APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002710-38.2018.4.03.6112
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: VIVIANE DA SILVA
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002710-38.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: VIVIANE DA SILVA APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta pela Defensoria Pública da União em favor de Viviane da Silva contra a sentença de Id n. 252058538, que a condenou à pena de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, pelo cometimento do crime do art. 334-A, §1º, IV, do Código Penal. Apela a defesa, requerendo, em síntese, o seguinte: a) preliminarmente, o oferecimento da proposta de acordo de não persecução penal, tendo em vista que a apelante confessou o cometimento do crime em seu interrogatório judicial, é primária, não registra maus antecedentes nem tem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional e não se aplica ao caso a transação penal; b) em caso de recusa do oferecimento da proposta requer-se a remessa à instância superior do Ministério Público Federal; c) no mérito, requer o reconhecimento da participação de menor importância com a diminuição da pena em 1/3 (um terço), uma vez que a conduta da apelante limitou-se em carregar jaquetas e maquiagens em sua mala (Id n. 257845243). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Marcus Vinícius de Viveiro Dias, manifestou-se pela não aplicação do acordo de não persecução penal ao caso, haja vista a existência de outra ação penal em curso, na qual a apelante está sendo processada pelo cometimento do mesmo crime, o que demonstra que o acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do crime, e pelo desprovimento do recurso da defesa (Id n. 258017582). É o relatório. Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002710-38.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: VIVIANE DA SILVA APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP V O T O Imputação. Viviane da Silva foi denunciada pelo cometimento do crime do art. 334, §1º, IV, do Código Penal, porque, em 22.06.17, recebeu e transportou, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal. Narra a denúncia, em síntese, o seguinte: Em 22 de junho de 2017, constatou-se que V~ DA SILVA, agindo com consciência e vontade, recebeu e transportou, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira, a saber, maquiagens; e jaquetas, todas de procedência e origem paraguaia, desacompanhadas de documentação legal, conforme descrição pormenorizada constante do 130 e 279/220117 e Auto de Infração e Temo de Apreensão e Guarda Fiscal no 0810500/00175/17 fls. 16/26). Nesse contexto, extrai-se do presente procedimento administrativo que, em fiscalização de rotina, na Rodovia Raposo Tavares - SP 270, no município de Presidente Venceslau, nesta subseção judiciária, policiais militares realizaram vistoria em ônibus da Viação Andorinha linha Cuiabá/MT-São Paulo/SP, e lograram êxito em encontrar em poder de VIVIANE, no bagageiro externo, 02 (dois) volumes contendo maquiagens e jaquetas, desprovidas de documentação legal. Em oitiva, VIVIANE declarou que foi contratada por pessoa identificada como "Marcelo" para transportar as mercadorias até São Paulo, pelo valor de R$ 200,00 (duzentos reais). A finalidade comercial da mercadoria resta evidente pela quantidade de mercadorias apreendidas, conforme Auto de Infração e Temo de Apreensão e Guarda Fiscal referido, e declarações da própria denunciada. Pelo exposto, o Ministério Público Federal denuncia a esse Juízo VIVIANE DA SILVA como incursa no artigo 334, § 1º, inc. IV do Código Penal. Requer que, recebida a presente, seja dado andamento ao feito, prosseguindo-se pelo rito comum ordinário até final prolação da sentença condenatória, na forma dos artigos 394/404 do Código de Processo Penal. (fl. 38 do Id n. 252056806) Acordo de não persecução penal (ANPP). CPP, art. 28-A. Ações penais em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19. Admissibilidade do acordo antes do trânsito em julgado. A atual redação do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, alterado em 31.08.20, é a seguinte: É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão. Cabe registrar que ainda não foi pacificada pelos Tribunais Superiores a questão a respeito dos limites temporais do oferecimento do acordo de não persecução penal aos processos em curso quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/19, estando pendente de julgamento o HC n. 185.913/DF, afetado ao plenário do Supremo Tribunal Federal pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes, no qual será também debatido o cabimento da propositura do referido acordo em casos nos quais o acusado não tenha previamente confessado a prática da infração penal. Todavia, ante a edição do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, privilegiando a aplicabilidade do instituto de justiça negociada, é razoável que se admita o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, até o trânsito em julgado, caso ainda não tenha sido oferecido, bem como que haja certo controle judicial da recusa do órgão acusatório em oferecer o acordo. Assim, de forma semelhante ao instituto da suspensão condicional do processo, conforme Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Juízo, caso discorde das razões invocadas pelo Ministério Público Federal para recusar-se a propor acordo de não persecução penal e entenda preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do Código de Processo Penal, remeter os autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, em sua redação original, mantida em vigor pelo Supremo Tribunal Federal. Do caso dos autos. A defesa requer, preliminarmente, o oferecimento da proposta de acordo de não persecução penal, tendo em vista que a apelante confessou o cometimento do crime em seu interrogatório judicial, é primária, não registra maus antecedentes nem tem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional e não se aplica ao caso a transação penal. Em caso de recusa, requer-se a remessa à instância superior do Ministério Público Federal. Não lhe assiste razão. A Procuradoria Regional da República manifestou-se desfavoravelmente à aplicação do acordo de não persecução penal ao caso, tendo em vista a existência de outra ação penal em curso contra a acusada pelo cometimento do mesmo crime, o que demonstra que o acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção do crime (Id n. 258017582). Ademais, consta dos autos que o Ministério Público Federal deixou de oferecer a suspensão condicional do processo pelo fato da apelante responder por outra ação penal em curso por crime semelhante ao destes autos (fl. 82 do Id n. 252056806), o que constitui óbice para a propositura do acordo de não persecução penal, por ausência do requisito objetivo previsto no art. 28-A, § 2o, II, do Código de Processo Penal. Materialidade. A materialidade delitiva está demonstrada pelos seguintes elementos de convicção: a) notícia de fato n. 1.34.009.000126/2018-06 (Id n. 252056805); b) termo de apreensão e lacração de dois volumes apreendidos com a acusada (fls. 8/10 do Id n. 252056805); c) boletim de ocorrência (fls. 12/19 do Id n. 252056805); d) auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias de procedência estrangeira desacompanhadas de documentação de introdução regular no país, avaliadas em R$ 52.368,87 (cinquenta e dois mil, trezentos e sessenta reais e oitenta e sete centavos) com valor de tributos iludidos de R$ 26.184,42 (vinte e seis mil, cento e oitenta e quatro reais e quarenta e dois centavos) (fls. 22/260 do Id n. 252056805); e) representação fiscal para fins penais (fls. 29/30 do Id n. 252056805). Autoria. Ficou satisfatoriamente demonstrada a autoria delitiva. Em Juízo, o Subtenente e testemunha Elias Nunes Cavalheiro, respondeu que na data dos fatos foi fiscalizado o ônibus da empresa Andorinha do itinerário Cuiabá (MS) a São Paulo e entrevistados os passageiros. A passageira Viviane da poltrona 29 confirmou que transportava dois volumes do Paraguai, de jaquetas e maquiagens de Nova Alvorada do Sul até São Paulo. Viviane disse que foi contratada por Marcelo e receberia R$ 200,00 (duzentos reais) pelo transporte (Id n. 252056830). A testemunha e Subtenente Marco Antonio Poltronieri disse em Juízo que na data dos fatos estava em operação de rotina em frente a base operacional de Presidente Venceslau (SP) quando por volta das 5h foi parado um ônibus da empresa Andorinha. Realizada a entrevista preliminar dos passageiros, Viviane foi questionada sobre o motivo da viagem, quando de imediato ela disse que estava transportando mercadorias oriundas do Paraguai para São Paulo. Viviane disse que embarcou e pegou as mercadorias em Nova Alvorada do Sul (MS) e teria como destino São Paulo (SP). A mercadoria era composta em sua maioria por jaquetas. Viviane disse que receberia R$ 200,00 (duzentos reais) pelo transporte. Conferidos superficialmente os volumes, pois eram grandes, conduziu Viviane à Receita Federal de Presidente Prudente (SP), local em que a mercadoria foi apreendida e Viviane foi liberada para prosseguir a sua viagem. Na data dos fatos vários passageiros foram apreendidos com o mesmo tipo de mercadoria (Id n. 252056831). Interrogada em Juízo, a acusada respondeu que na data dos fatos foi a última vez que viajou e que atualmente trabalha com venda de cosméticos da Natura e Eudora. Este foi o segundo processo que respondeu criminalmente, sendo que no outro foi condenada a prestar serviços comunitários. Confirma os fatos narrados e disse que adquiriu as mercadorias em Nova Alvorada do Sul (MS) com a consciência de que eram mercadorias paraguaias sem a documentação necessária. Trabalhava para Marcelo e entregaria a mercadoria a ele em São Paulo (Id n. 252056832). A defesa não se insurgiu contra a autoria, que foi devidamente demonstrada pelas provas dos autos e roborada pela confissão da ré em Juízo. Sendo assim, comprovadas a autoria, a materialidade e o dolo deve ser mantida a condenação da acusada. Passo à dosimetria da pena, que foi fixada pelo Juízo a quo nos seguintes termos: Passo a dosar a pena. Observa-se que a ré é tecnicamente primária e de bons antecedentes. A personalidade está ligada às qualidades morais do criminoso, à boa ou má índole, à agressividade e ao antagonismo com a ordem social, intrínseca a seu temperamento. Inexiste nos autos dados para aferir a personalidade, assim como a conduta social do condenado, devendo, portanto, serem consideradas como elementos neutros. Os motivos do crime e as circunstâncias são comuns a essa modalidade delitiva. As consequências do fato não foram graves a ponto de exigir uma exasperação da pena. Sendo assim, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, 1 ano de reclusão. Embora a ré tenha confessado espontaneamente a autoria, tal circunstância não acarreta nenhum efeito prático na redução da pena, uma vez que já foi fixada no seu mínimo legal. À míngua de outras circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena, torno definitiva a pena-base de 1 ano de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, nos termos do artigo 33, § 2o, “c”, do Código Penal. Presentes os requisitos legais, substituo a pena corporal por uma restritiva de direitos, na obrigação de entregar uma cesta básica mensalmente, pelo tempo de duração da pena, a entidade beneficente. Concedo à ré o direito de apelar em liberdade. Decreto a perda da mercadoria apreendida em favor da União. (Id n. 252058538) A defesa pugna pela diminuição da pena pela participação de menor importância. Sustenta que a conduta da apelante limitou-se em carregar jaquetas e maquiagens em sua mala (Id n. 257845243). Não lhe assiste razão. A versão da acusada de que teria sido contratada por terceiro é isolada e ficou demonstrado nos autos que a ré foi a responsável por receber e transportar as mercadorias, conduta suficiente a tipificar o crime do art. 334-A, §1º, IV, do Código Penal. Sendo assim, ausente recurso da acusação, fica mantida a pena que foi fixada pelo Juízo de origem no mínimo legal. Ante o exposto, REJEITO a preliminar arguida e NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP). CPP, ART. 28-A. AÇÕES PENAIS EM CURSO QUANDO DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.964/19. ADMISSIBILIDADE DO ACORDO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. PRELIMINAR REJEITADA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Ante a edição do Enunciado n. 98 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, privilegiando a aplicabilidade do instituto de justiça negociada, é razoável que se admita o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, até o trânsito em julgado, caso ainda não tenha sido oferecido, bem como que haja certo controle judicial da recusa do órgão acusatório em oferecer o acordo.
2. De forma semelhante ao instituto da suspensão condicional do processo, conforme Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal, cabe ao Juízo, caso discorde das razões invocadas pelo Ministério Público Federal para recusar-se a propor acordo de não persecução penal e entenda preenchidos os requisitos legais do art. 28-A do Código de Processo Penal, remeter os autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, em sua redação original, mantida em vigor pelo Supremo Tribunal Federal.
3. Preliminar rejeitada.
4. Consta dos autos que o Ministério Público Federal deixou de oferecer a suspensão condicional do processo pelo fato da apelante responder por outra ação penal em curso por crime semelhante ao destes autos (fl. 82 do Id n. 252056806), o que constitui óbice para a propositura do acordo de não persecução penal, por ausência do requisito objetivo previsto no art. 28-A, § 2o, II, do Código de Processo Penal.
5. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
6. A versão da acusada de que teria sido contratada por terceiro é isolada e ficou demonstrado nos autos que a ré foi a responsável por receber e transportar as mercadorias, conduta suficiente a tipificar o crime do art. 334-A, §1º, IV, do Código Penal.
7. Apelação desprovida.