Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5007689-63.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS, PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A
Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5007689-63.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS, PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A
Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de remessa necessária e de recursos de apelação interpostos por ambas as partes contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para anular a penalidade de expulsão aplicada aos autores, ressalvada a possibilidade de qualquer outra espécie de sanção que não implique seu desligamento em razão dos fatos objeto do feito, salvo condenação penal transitada em julgado, bem como condenou a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios na quantia de 10% do valor da causa.

Os apelantes EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA e KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS sustentam, em breve síntese, a ocorrência do reconhecimento jurídico do pedido pela UNIÃO FEDERAL. Afirmam que a pretensão foi integralmente acolhida, de modo que não poderia a sentença ter julgado parcialmente procedente o pedido. Alegam que os honorários de sucumbência devem ser atribuídos por arbitramento, ao se considerar o ínfimo valor atribuído à causa.

A apelante UNIÃO FEDERAL sustenta, em breve síntese, que foram respeitados os princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, de modo que o ato que expulsou os autores é legal, válido e foi praticado pela autoridade competente. Aduz que é vedado ao Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo. Pede a reforma da sentença.

Apenas EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA e KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS apresentaram contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5007689-63.2020.4.03.6119

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS, PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO, UNIÃO FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A, KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL, EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA, KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 3ª REGIÃO

Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A
Advogados do(a) APELADO: KELEN RAMOS DA SILVA - SP395955-A, ANDRE LUIZ MOREIRA PEREIRA - SP435657-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): O art. 142, da Constituição de 1988, prevê que as Forças Armadas (constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Nos moldes desse art. 142 § 3º, X, da ordem de 1988 (na redação dada pela Emenda nº 18/1998), os membros das Forças Armadas são denominados militares, sendo que “a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”.

O art. 142, §3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual são aplicáveis as disposições da posterior Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019).

Em vista do art. 3º da Lei nº 6.830/1980, os membros das Forças Armadas compreendem servidores na ativa ou na inatividade. Os militares da ativa são: a) de carreira; b) temporários, incorporados ou matriculados para prestação de serviço militar (obrigatório ou voluntário) durante os prazos previstos na legislação e suas eventuais prorrogações; c) componentes da reserva, quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; d) alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e) em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas. Por sua vez, os militares em inatividade abrangem: a) os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; b) os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores e estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União; c) os da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados, que estejam executando tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada.  

O art. 3º da Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército) complementa as disposições do art. 3º da Lei 6.880/1980 no que tange ao pessoal da ativa, mencionando que o militar de carreira é aquele cujo vínculo com o serviço público (sempre voluntário) é permanente, ao passo em que o militar temporário tem vínculo (voluntário ou obrigatório) por prazo determinado para complementação de pessoal em várias áreas militares:

Art. 3º O Pessoal Militar da Ativa pode ser de Carreira ou Temporário.

I - O Militar de Carreira é aquele que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tem vitaliciedade assegurada ou presumida.

II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo.

O militar de carreira ingressa no serviço público mediante concurso (nos termos do art. 37, II, e seguintes da Constituição) e tem vitaliciedade (assegurada ou presumida) ou estabilidade (adquirida nos termos do art. 50 da Lei nº 6.880/1980), das quais decorrem certas prorrogativas. Já o ingresso no serviço militar temporário não é feito por concurso público, mas observa regramentos próprios em vista do caráter obrigatório ou voluntário (como oficial, sargento ou praça), respeitadas a escusa de consciência e seu serviço alternativo (Lei nº 8.239/1991 e demais aplicáveis), bem como mulheres e eclesiásticos em tempo de paz (conforme previsão específica do art. 143 da ordem de 1988).

Regido basicamente pela Lei nº 4.375/1964, o serviço temporário e obrigatório pode ser exigido de todos os brasileiros com 18 anos de idade (denominado “serviço militar inicial”), e também de pessoas qualificadas como médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe (por adiamento ou dispensa de incorporação), as quais deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação. Já o serviço militar temporário e voluntário é prestado por qualquer pessoa (reservista ou não) que tenha documento comprobatório de situação militar, homens e mulheres, que não se enquadram como “caráter obrigatório”, observados demais requisitos regulamentares do Comando de cada uma das Forças Armadas; nessa situação estão oficiais ou praças, incluindo médicos, farmacêuticos, dentistas, veterinários e demais profissionais com reconhecida competência técnico-profissional ou notório saber científico.

Em geral, o ingresso no serviço militar temporário tem várias fases. No recrutamento para o serviço militar obrigatório inicial, conforme a Lei nº 4.375/1964 e disposições regulamentares, há: convocação (ato pelo qual os brasileiros são chamados para a prestação do serviço); alistamento (ato prévio e obrigatório, à seleção, no ano em que o brasileiro completa 18 anos de idade); seleção (dentre os conscritos, são escolhidos os que melhor atendam às necessidades das Forças Armadas); distribuição (baseada nas necessidades das Organizações Militares); designação (ato pelo qual o conscrito toma conhecimento oficial da sua distribuição, se designado para determinada Organização Militar ou incluído no excesso de contingente); e incorporação (inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa) ou matrícula (inclusão a certos Órgãos de Formação da Reserva, após uma seleção complementar). Os refratários (aquele que não se apresentar durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que se ausentar sem a ter completado) e os insubmissos (aquele que, convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar dentro do prazo marcado ou que se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrícula) estão sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 4.375/1964 e no Código Penal Militar. Já para serviço militar temporário voluntário (como oficial ou praça), reservistas ou não, o ingresso no serviço ativo está submetido a processo seletivo simplificado para comprovação de habilitação e especialização exigidas para os cargos a desempenhar.

O militar temporário (obrigatório ou voluntário) atende a vários propósitos de racionalização do serviço público, dentre eles a interação entre a sociedade civil e o ambiente militar, a qualificação de cidadãos para eventual mobilização e também a economicidade (por ser notório o maior custo se mantido o efetivo sempre com militar de carreira). 

Quanto à duração, o serviço do militar de carreira é permanente, de modo que cessará nas hipóteses descritas na Lei nº 6.880/1980 (dentre elas a reforma). No que concerne ao serviço militar temporário obrigatório inicial, a Lei nº 4.375/1964 estabeleceu o prazo de 12 meses como regra geral em tempo de paz (contados do momento da incorporação), podendo ser reduzido ou ampliado por atos normativos regulamentares da administração militar competente (vale dizer, não se trata de matéria subordinada à reserva absoluta mas sim à reserva relativa de lei):

Art. 5º A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e cinco) anos.

§ 1º Em tempo de guerra, êsse período poderá ser ampliado, de acôrdo com os interêsses da defesa nacional.

§ 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade.

Art. 6º O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração normal de 12 (doze) meses.

§ 1º Os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos incorporados às respectivas Fôrças Armadas.

§ 2º Mediante autorização do Presidente da República, a duração do tempo do Serviço Militar inicial poderá:

a) ser dilatada por prazo superior a 18 (dezoito) meses, em caso de interêsse nacional;

b) ser reduzida de período superior a 2 (dois) meses desde que solicitada, justificadamente, pelo Ministério Militar interessado.

§ 3º Durante o período de dilação do tempo de Serviço Militar, prevista nos parágrafos anteriores, as praças por ela abrangidas serão consideradas engajadas.

Art. 7º O Serviço Militar dos matriculados em Órgãos de Formação de Reserva terá a duração prevista nos respectivos regulamentos.

Art. 8º A contagem de tempo de Serviço Militar terá início no dia da incorporarão (sic – incorporação).

Parágrafo único. Não será computado como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado.

(...)

Já a duração do serviço militar temporário voluntário depende dos fundamentos normativos e administrativos da correspondente autorização de ingresso (note-se que o art. 27, §3º, da Lei 4.375/1964, incluído pela Lei nº 13.964/2019, explicitou prazo mínimo e máximo). O período de duração do serviço militar temporário obrigatório e do voluntário pode ser prorrogado, conforme previsto no art. 33 dessa Lei nº 4.375/1964: 

Art. 33 Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação dêsse tempo, uma ou mais vêzes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Fôrça Armada interessada.

Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.

Assim, o militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei nº 4.375/1964, da Lei nº 6.880/1980 e demais aplicáveis, sem estabilidade na carreira; após concluir o tempo a que estiver obrigado, poderá pedir prorrogação (uma ou mais vezes), daí permanecendo como engajados ou reengajados. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, cujos limites estão na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos hierárquicos da administração militar (especialmente do Comando de cada uma das Forças Armadas), respeitados os âmbitos próprios da reserva absoluta (estrita legalidade) ou da reserva relativa de lei (legalidade).

Já a exclusão do serviço ativo das Forças Armadas (com consequente desligamento e inatividade) pode se dar por vários motivos, elencados no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). O marco temporal do desligamento é a publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar, e não poderá exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial; ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade.

Nesse contexto jurídico-militar, o Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), nos arts. 28 e 31, preceitua a observância dos integrantes das Forças Armadas, respectivamente, à ética militar e aos deveres militares:

Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:

I - amar a verdade e a responsabilidade como fundamento de dignidade pessoal;

II - exercer, com autoridade, eficiência e probidade, as funções que lhe couberem em decorrência do cargo;

III - respeitar a dignidade da pessoa humana;

IV - cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes;

V - ser justo e imparcial no julgamento dos atos e na apreciação do mérito dos subordinados;

VI - zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual e físico e, também, pelo dos subordinados, tendo em vista o cumprimento da missão comum;

VII - empregar todas as suas energias em benefício do serviço;

VIII - praticar a camaradagem e desenvolver, permanentemente, o espírito de cooperação;

IX - ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada;

X - abster-se de tratar, fora do âmbito apropriado, de matéria sigilosa de qualquer natureza;

XI - acatar as autoridades civis;

XII - cumprir seus deveres de cidadão;

XIII - proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular;

XIV - observar as normas da boa educação;

XV - garantir assistência moral e material ao seu lar e conduzir-se como chefe de família modelar;

XVI - conduzir-se, mesmo fora do serviço ou quando já na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro militar;

XVII - abster-se de fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;

XVIII - abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas:

a) em atividades político-partidárias;

b) em atividades comerciais;

c) em atividades industriais;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública; e

XIX - zelar pelo bom nome das Forças Armadas e de cada um de seus integrantes, obedecendo e fazendo obedecer aos preceitos da ética militar.

(...)

Art. 31. Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente:

(...)

III - a probidade e a lealdade em todas as circunstâncias;

IV - a disciplina e o respeito à hierarquia;

V - o rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens;(...).

A transgressão disciplinar e a responsabilização do militar em face dos preceitos estabelecidos também estão previstas no Estatuto dos Militares:

Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas.

(...)

Art. 43. A inobservância dos deveres especificados nas leis e regulamentos, ou a falta de exação no cumprimento dos mesmos, acarreta para o militar responsabilidade funcional, pecuniária, disciplinar ou penal, consoante a legislação específica.

(...)

Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

Por sua vez, a transgressão militar, no âmbito da Aeronáutica, está disciplinada pelo Decreto nº 76.322/1975 que aprova o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAER).

Segundo o RDAER, no art. 8º, transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar, e como tal classificada nos termos desse regulamento. Distingue-se do crime militar que é ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo o preceituado na legislação penal militar.

O RDAER conceitua e enumera as transgressões disciplinares, as respectivas punições e estabelece o procedimento de aplicação das penalidades, registrando nos arts. 34 e 35:

Art. 34. Nenhuma punição será imposta sem ser ouvido o transgressor e sem estarem os fatos devidamente apurados.

(...)

3 - Quando forem necessários maiores esclarecimentos sobre transgressão, deverá ser procedida sindicância.

(...)

Art. 35. As transgressões disciplinares serão julgadas pela autoridade competente com isenção de ânimo, com justiça, sem condescendência nem rigor excessivo, consideradas as circunstâncias justificativas, atenuantes e agravantes, analisando a situação pessoal do transgressor e o fato que lhe é imputado. 

O art. 5º da Constituição Federal assegura, nos incisos LIV e LV, respectivamente, as garantias constitucionais relativas ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório nos âmbitos judicial e administrativo.

Tratando-se de julgamentos proferidos pelo Poder Público que aplicam sanções disciplinares a servidores, a separação dos poderes permite o controle judicial do mérito somente se houver manifesta ou objetiva violação dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, além da inobservância de garantias do devido processo legal e de vícios formais. 

No caso dos autos, relatam os militares  EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA E KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS, que ambos foram incorporados às fileiras da FAB em 01/03/2015, para o cumprimento do serviço militar inicial. Aduzem que, concluído com aproveitamento o Curso de Formação de Soldados, em 03/07/2015, foram lotados na Base Aérea de São Paulo e, terminado o serviço militar inicial, foi-lhes concedido engajamento e reengajamento. Em 08/02/2019, após terem participado do processo seletivo e concluído o Curso de Especialização de Soldados, foram promovidos à graduação de Soldado de Primeira Classe e designados para exercerem suas atribuições na mesma Base Aérea de São Paulo.

Na petição inicial, os ora apelantes narram a conduta que deu ensejo à exclusão do serviço militar ativo, como segue:

Em 24/01/2020, quando no período de gozo de férias regulamentares, os autores, juntamente com o Sr. GUILHERME CANUTO ORNELLAS, ex-militar e colega de turma deles, foram autuados em flagrante delito pela autoridade policial responsável do 78º D.P. Jardins, na cidade São Paulo, por suposto cometimento da conduta típica descrita no art. 155, §4º, inc. IV, do Código Penal Brasileiro.

Isso porque, segundo consta em Denúncia ofertada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo nos autos da Ação Penal n° 1501927-24.2020.8.26.0228, em curso perante a 9ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, teriam tentado subtrair, para proveito comum, uma “bag” de Coca-Cola pertencente ao estabelecimento “Mc Donald’s”, situado na Avenida Paulista, n° 1.811, Bela Vista, na cidade de São Paulo.

No mesmo dia, após a realização de audiência de custódia, foi concedida a liberdade provisória aos então flagranteados, mediante imposição de medidas cautelares diversas da prisão.

Deve ser esclarecido que a prisão em flagrante dos envolvidos ocorreu devido a um mal-entendido. Na ocasião, após terem os autores “virado a noite” em uma “balada” na cidade de São Paulo e ingerido altas quantidades de bebida alcoólica, resolveram comprar lanches no local dos fatos (Mc Donald’s). Para tanto, no veículo conduzido por GUILHERME e realizam o pedido pelo sistema “drive-through”.

Durante o período que medeia a entrega dos lanches e a solicitação, KELVIN – embriagado – resolveu fazer uma brincadeira e esconder em seu colo temporariamente uma caixa, cujo conteúdo era por ele ignorado, a fim de descobrir quanto tempo a equipe de segurança demoraria para agir. Passados menos de 30 segundos, um dos seguranças do estabelecimento, que havia visto o ocorrido, o abordou e nesse exato momento a caixa foi restituída, bem como KELVIN se desculpou pela infeliz brincadeira que fizera.

Em seguida, mais funcionários do estabelecimento chegaram ao local e uma acirrada discussão se instaurou. Depois de alguns instantes, os lanches foram entregues, ocasião em que eles saíram com o veículo da área de espera e ingressaram na avenida.

Entretanto, os seguranças acompanharam-no pela calçada e, ao avistar uma viatura da Polícia Militar que lá trafegava, gritaram que ali havia ocorrido um “roubo”, o que deu ensejo (pasme) a autuação em flagrante delito de GUILHERME, EMERSON e KELVIN.

Na ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, as autoridades militares da Base Aérea de São Paulo foram comunicadas a respeito de tal fato. Assim, em 05/02/2020, com base no Ofício n° 43/AJUR, de 27/01/2020, Protocolo COMAER n° 67263.000678/2020-24, que basicamente narra que os autores foram presos em flagrante delito, no dia 24/01/2020, como incursos no art. 155, §4º, do Código Penal Brasileiro, o Comandante da citada unidade militar instaurou procedimento de sindicância “com a finalidade de apurar a conduta moral” dos militares envolvidos, “em conformidade com o contido no Estatuto do Militares, Lei do Serviço Militar e seu respectivo regulamento”.

Da análise dos autos, observo que, instaurada a sindicância para apuração da conduta dos militares acusados, foi-lhes oportunizado o oferecimento de defesa preliminar, pugnando-se pela oitiva de testemunha. Foram carreadas aos autos cópias das imagens gravadas no dia 24/01/2020 no Restaurante Mc Donald’s, situado na Avenida Paulista, 1811, nesta Capital, conforme solicitação da autoridade administrativa.

Os sindicados foram inquiridos. Houve a oitiva da testemunha arrolada pela defesa, na condição de informante. Os militares apresentaram alegações finais e, posteriormente, recurso administrativo, tendo sido mantida a solução de sindicância, em que a autoridade militar concluiu pela exclusão dos recorridos do serviço militar ativo com supedâneo no art. 31, § 3º, b, da Lei nº 4.375/1964 c.c. o art. 141, item 2, do Decreto nº 57.654/1966, in verbis:

Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar)

Art. 31. O serviço ativo das Forças Armadas será interrompido:     

        a) pela anulação da incorporação;

        b) pela desincorporação;

        c) pela expulsão;

        d) pela deserção.

        (...)

        § 3º A expulsão, ocorrerá:

        (...)

        b) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta grave que, na forma da Lei ou de Regulamentos Militares, caracterize seu autor como indigno de pertencer às Fôrças Armadas;

(...)

Decreto nº 57.654/1966 (Decreto que Regulamenta a Lei do Serviço Militar)

Art. 141. A expulsão ocorrerá:

(...)

2) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta grave, que, na forma da lei ou de regulamentos militares, caracterize o seu autor como indigno de pertencer às Fôrças Armadas; ou

(...)

A decisão administrativa que determinou o desligamento dos militares foi fundamentada, como segue:

Passo a analisar os fatos com base (i) no Oficio que deu origem a esta Sindicância, (ii) nas narrativas apresentadas pelos Sindicados e (iii) nas imagens do vídeo apresentado, à luz do Relatório do Sindicante:

Em relação aos fatos, tornou-se incontroverso que durante a compra de lanches no drive-through da lanchonete MC Donald's, localizada na Av. Paulista, 1811 - São Paulo/SP, no dia 24/01/2020, o S1 SGS KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS, abriu a porta traseira direita do veículo conduzido por GUILHERME CANUTO ORNELAS e puxou para dentro deste veículo, uma caixa que se encontrava nas imediações, dentre tantas outras que estavam sendo entregues no estabelecimento, tendo a devolvido, logo após a chegada de um segurança. Faz-se constar, que também estava presente, no momento do ato, como ocupante do banco dianteiro do passageiro, o S1 SGS EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA.

Quanto às consequências, encontra-se juntado aos autos desta sindicância, o Auto Prisão em Flagrante e demais documentos que o compõem, lavrado pela Polícia Civil do Estado de São Paulo. Os sindicados foram presos pela autoridade competente, visto que, logo após a prática do ato de subtração e devolução da caixa, ao saírem com o veículo do estabelecimento, uma viatura da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que realizava patrulhamento de área, foi acionada pelos funcionários da lanchonete ''a viva voz'' que realizou a abordagem. Conforme oitiva realizada com o informante, consta que, durante os procedimentos de identificação e abordagem, realizados pela PMESP, foi apresentado pelo celular de um funcionário da lanchonete, uma gravação do sistema de segurança, contendo as imagens do ato, a um sargento que estava comandando aquela guarnição.

Desde então, prontamente, este sargento decidiu apresentar a ocorrência à Autoridade de Plantão, que culminou com a prisão em flagrante dos envolvidos. Ainda no dia 24/01/2020, após às 17H, fora pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito Fábio Pando de Matos, expedido o Alvará de Soltura de todos os presos.

Com efeito, inicialmente, destaco que a Portaria que deu azo a esta Sindicância, teve por finalidade a apuração da conduta moral dos militares S1 SGS EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA (NO: 668429-7) e S1 SGS KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS (NO: 668430-0).

A respeito do assunto, extrai-se das diligências realizadas, a confirmação do S1 MEDEIROS de ter pegado a caixa e com a presença do segurança do estabelecimento, tê-la devolvido. Pôde-se verificar também, que o S1 SIMONATO, presenciou integralmente as ações do S1 MEDEIROS e nada fez para impedi-lo. Imagens do sistema de segurança, foram solicitadas ao estabelecimento e devidamente juncadas neste processo de apuração. Tais imagens, reforçam a confirmação das práticas realizadas e devidamente registradas em depoimentos dos envolvidos, tanto no âmbito da Polícia Civil, quanto no âmbito das oitavas realizadas nesta Base Aérea.

Outrossim, constam nos depoimentos do informante e sindicados, que os sindicados consumiram bebidas alcoólicas em excesso e que estavam embriagados, durante os fatos ocorridos.

(...)

Ao mencionar que os Sindicados ao agir como agiram, feriram o Estatuto dos Militares, o Sindicante pontuou:

Verifica-se que ao apropriar-se de uma caixa, que não o pertencia, mesmo que temporariamente, o S1 MEDEIROS, não agiu conforme o disposto no Art. 14 § 2º e § 3º, Art. 28 incisos IV, IX, XII, XIII, XIV, XVI e XIX, uma vez que, ao comentar “vamos ver em quanto tempo será que leva para a central avisar ao segurança se eu pegar uma dessas caixas", fica vidente que em sua própria análise, tal prática já se configurava de modo irregular (...).

Apesar da preocupação em identificar, se o sistema de segurança estava de acordo com os padrões do que fora treinado na Força Aérea Brasileira, visto que é Soldado Especializado em Serviço de Guarda e Segurança, habilitado também na condição de Policial da Aeronáutica, nota-se que o mesmo não ocorreu em preocupar-se com as consequências para si próprio e aos seus pares, muito meros com o fato da preservação da imagem da Instituição à que serve.

Este sindicante não está realizando análise com base na intenção do S1 MEDEIROS em apropriar-se ou não da caixa, mas sim, do que efetivamente o tenha feito, com o devido efeito à ética militar. Tais atitudes feriram, significativamente, o pundonor militar e o decoro da classe que o impõe.

Subtrair algo que não é seu, mesmo que com intenção desconhecida, e em caráter temporário, fere a descrição em suas atitudes, bem como, o proceder de maneira ilibada na vida pública.

Quanto ao S1 SIMONATO, verifica-se que sua conduta foi incompatível com os mesmos itens apontados acima, em relação ao S1 MEDEIROS, ou seja, não foram observados por este militar o Art. 14 § 2º e § 3º, Art. 28 incisos IV, IX, XII, XIII, XIV, XVI e XIX, todos da Lei n' 6.880, de 09 de Dezembro de 1980.

Mesmo que não tenha realizado o ato de pegar a caixa, ficou claro com base nas diligências realizadas, que tal situação poderia ter sido impedida. Em seu depoimento, o S1 SIMONATO, após ter ser sido questionado quanto a sua postura, após ouvir o comentário do S1 MEDEIROS, o mesmo respondeu que nada fez. Este questionamento, também foi realizado em oitava ao informante, que respondeu, que o S1 SIMONATO nada fez, após ouvir o comentário.

Adicionalmente, verificou-se nas imagens, que além de não ter feito nada para impedir a ação, o S1 SIMONATO, vira-se para trás, podendo enxergar toda a ação que estava sendo cometida pelo S1 MEDEIROS e novamente, nada faz para impedir" (grifos nossos).

De mais a mais, o Sindicante também aponta que "A gravidade dos fatos ocorridos, tomou vultos desconfortáveis à rotina desta Base Aérea, uma vez que, os referidos soldados, pertencem ao Grupamento de Segurança e Defesa e pelo fato de terem alguns anos de serviço ativo, foram recém promovidos à Soldados de Primeira Classe", e que "Em face à posição que alcançaram, os referidos soldados exercem liderança, frente aos novatos, que buscam em suas atitudes, comportamento exemplar. Do mesmo modo, os superiores hierárquicos destes sindicados, pelos novatos e demais militares, frente a situação, também são avaliados com expectativa, quanto às providências que serão adotadas. Afinal, estes são os responsáveis pela manutenção da base dos valores militares: Hierarquia e Disciplina".

(...)

Por tais razões, ao agir como agiram, os Sindicados feriram gravemente preceitos da ética militar e não possuem condições de permanecer no serviço ativo.

Além da mácula causada aos valores e à ética militar, também é inegável que os Sindicados desrespeitaram os seus deveres militares.

A respeito do assunto, o Art. 31 do Estatuto prevê um rol exemplificativo de quais são os deveres militares(...). Nessa vereda, Antônio Pereira Duarte(...) afirma que:

“A função militar gera a criação de um vínculo estreito com a Pátria e o sentimento de sua preservação e defesa. É dentro desse contexto que se originam os vários deveres militares, entre os quais o da dedicação e fidelidade à Pátria, o culto aos símbolos nacionais, a probidade e lealdade em todas as ocasiões e circunstâncias, a disciplina e o respeito à hierarquia o cumprimento das obrigações e ordens e a obrigação de tratar o subordinado com dignidade e urbanidade" (grifos nossos).

Para Jorge Cesar de Assis(...), o dever militar "é o conjunto de obrigações legais e morais dos quais todo o militar deve cumprir", sendo que "espera-se de todo cidadão o agir responsável e honesto, além do cumprimento das normas legais. Por sua vez, do militar, espera-se mais, pois, a moralidade de suas atitudes os distingue, revestindo-se também num dever".

A intitulada "brincadeira" de testar a segurança da lanchonete fere os deveres militares, mormente em relação à disciplina e o respeito à hierarquia, bem como sobre o rigoroso cumprimento das obrigações e das ordens.

Talvez os Sindicados tenham atingido o objetivo que pretendiam: testaram o sistema de segurança, descobriram que o sistema funciona e foram presos em flagrante delito.

Conforme adiantado, o fato de estarem ou não de férias, estarem ou não fardados, pouco importa. O ato praticado os torna incompatíveis com a atividade militar.

Nas palavras do Sindicante

“O Estatuto dos Militares, é muito claro em relação à conduta do militar, tanto no âmbito interno, quanto externo do quartel, conforme aspectos relacionados acima. O fato de terem ingerido considerável quantidade de bebida alcoólica, durante sua presença em estabelecimentos públicos e deslocamentos, também há de ser considerado, visto que, antes de beberem e na condição de militares, o modo “extravagante” como se comportaram e que resultou em todas as implicações, também, poderia ter sido evitado”.

O tempo de serviço do militar não estabilizado é de renovação periódica, de maneira tal que a eventual situação de engajamento e sucessivos reengajamentos das praças que não alcançaram a estabilidade dependem da conveniência e da oportunidade da Administração Militar, seguindo regulamentos e normas internas à cada forma, com espeque no art. 33 da LSM, sendo ato vinculado e concedido mediante requerimento do interessado, desde que atendidas as exigências previstas nos artigos 128 ao 131 do Decreto 57.654/1966 - Regulamento da Lei do Serviço Militar (“RLSM”).

Ao tempo da data de engajamento, a Administração Militar verificou que os Sindicados preenchiam preenchidos os requisitos legais para manutenção no serviço ativo, tanto o é que houve deferimento do pedido de prorrogação de prazo.

Neste momento, diante de graves fatos demeritórios aos Sindicados, não há impedimento legal para que a situação de manutenção dos Sindicados no serviço ativo seja revista.

Prevê a LSM em seu art. 31 que o serviço ativo nas Forças Armadas será interrompido, entre outras hipóteses, na forma do §3º, pela expulsão, que poderá ocorrer "pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta grave que, na forma da Lei ou de Regulamentos Militares, caracterize seu autor como indigno de pertencer às Fôrças Armada".

A respeito da expulsão, o RLSM remonta à LSM e prevê que:

(...)

Pelo todo exposto, DETERMINO A EXPULSÃO DO S1 SGS EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA (NO: 668429-7) e do S1 KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS (NO 668430-0), com espeque na forma do Art. 31, §3º, "b", da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar), c/c Art. 141, "2", do Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966 (Regulamento da Lei do Serviço Militar), a contar da data da publicação desta Solução.

Quanto ao procedimento administrativo disciplinar e as garantias do devido processo legal, não verifico a ocorrência vícios ou irregularidades a serem sanadas, tendo sido observado o contraditório e a ampla defesa, bem como a exclusão do serviço militar ativo se deu por meio de decisão fundamentada.

Porém, mesmo tendo como a premissa a excepcionalidade da análise do mérito da decisão administrativa pelo Poder Judiciário, creio que a sanção aplicada foi excessiva. Pela narrativa dos fatos, é incontroverso que os sindicados agiram mal em circunstância de suas vidas privadas, mas a sequência dos fatos coloca os sindicados na reprovável seara da embriagues, associada à inexperiência de vida e à valentia de jovens inconsequentes, e ainda ao atrevimento na reação ao trabalho de seguranças do estabelecimento comercial e da equipe da Polícia Militar estadual. Contudo, a meu ver e no âmbito desta ação cível (sem prejuízo do julgamento em feito criminal), os fatos não relatam comportamento doloso, no drive-thru, para roubar ou furtar  item alimentar (ingrediente para preparo do refrigerante, impróprio para consumo e avaliada em R$ 360,00).

A aplicação da severa pena de expulsão aos militares coloca a sanção administrativa em patamar elevado mais pela repercussão dos fatos, em especial a reação de todos os envolvidos (militares sindicados, seguranças do drive-thru e policiais estaduais) do que propriamente a conduta envolvendo a apropriação de ingrediente de preparo de refrigerantes. É clara a desproporção da sanção administrativa porque a expulsão serve eliminar das carreiras públicas aqueles que se envolvem em práticas objetivamente graves (como desvios de verbas públicas e outros atos em desfavor da administração e da sociedade, p. ex.) e, no caso dos autos, está sendo aplicada a ato da vida privada no contexto de "noitada", de "bebedeira", "brincadeira de mau gosto" e de "desentendimentos". 

Por óbvio, não cabe ao Poder Judiciário indicar qual exatamente a sanção a ser aplicada aos infratores (atribuição da autoridade administrativa competente), mas apenas repelir excessos objetivamente verificados no exercício da avaliação e punição levadas a efeitos no âmbito do processo administrativo.

Ademais, deve-se consignar que, em 07/02/2021, os apelantes foram licenciados do serviço ativo da Aeronáutica, ex officio, em razão da conclusão do tempo de serviço, conforme informado em contrarrazões (id. 161836639).

Quanto à apelação interposta pelos militares, tem-se que está merece parcial provimento. Com efeito, refuto a alegação de reconhecimento jurídico do pedido eis que, conforme bem salientado na sentença, a UNIÃO FEDERAL apenas deu cumprimento à decisão judicial, de modo que não há que se falar em reconhecimento do pedido dos autores ora apelantes.

Na mesma toada, merece manutenção o dispositivo da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para anular o ato de expulsão dos militares, ao se considerar que ao longo da petição inicial os autores pediram anulação de toda a sindicância, não se podendo interpretar isoladamente os capítulos apresentados na petição.

Finalmente, no que se refere ao pedido de majoração dos honorários advocatícios arbitrados na sentença, tem-se que este comporta acolhimento.

Nesse sentido, conforme se extrai da petição inicial, o valor da causa foi arbitrado em R$ 1.000,00, tendo o juízo de primeiro grau fixado os honorários em 10% deste valor atualizado, o que resulta em cerca de R$ 100,00.

Referida quantia, evidentemente, se mostra desarrazoada, pois demasiadamente irrisória, não remunerando de maneira digna o exercício da advocacia, tão cara ao Estado de Direito.

Destarte, e em atenção ao disposto no § 8º do art. 85 do CPC, que determina a fixação dos honorários por apreciação equitativa para as causas de valor muito baixo, elevo os honorários advocatícios arbitrados para a quantia de R$ 5.000.00, devidamente atualizada.

Diante de todo o exposto, nego provimento à remessa necessária e à apelação da UNIÃO FEDERAL e dou parcial provimento à apelação interposta por EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA e KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS apenas para elevar o valor arbitrado a título de honorários advocatícios para a quantia de R$ 5.000,00.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. MILITAR. SANÇÃO DISCIPLINAR. EXPULSÃO. DESPROPORCIONALIDADE. CONTROLE JUDICIAL EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DO ATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ÍNFIMO VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA. ELEVAÇÃO EM PATAMAR EQUITATIVO. CABIMENTO.

- Tratando-se de julgamentos proferidos pelo Poder Público que aplicam sanções disciplinares a servidores, a separação dos poderes permite o controle judicial do mérito somente se houver manifesta ou objetiva violação dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, além da inobservância de garantias do devido processo legal e de vícios formais. 

- Quanto ao procedimento administrativo disciplinar e as garantias do devido processo legal, não se verifica a ocorrência vícios ou irregularidades a serem sanadas, tendo sido observado o contraditório e a ampla defesa, bem como a exclusão do serviço militar ativo se deu por meio de decisão fundamentada.

- Mesmo tendo como a premissa a excepcionalidade da análise do mérito da decisão administrativa pelo Poder Judiciário, a sanção aplicada foi excessiva. Pela narrativa dos fatos, é incontroverso que os sindicados agiram mal em circunstância de suas vidas privadas, mas a sequência dos fatos coloca os sindicados na reprovável seara da embriagues, associada à inexperiência de vida e à valentia de jovens inconsequentes, e ainda ao atrevimento na reação ao trabalho de seguranças do estabelecimento comercial e da equipe da Polícia Militar estadual. Contudo, no âmbito desta ação cível (sem prejuízo do julgamento em feito criminal), os fatos não relatam comportamento doloso, no drive-thru, para roubar ou furtar  item alimentar (ingrediente para preparo do refrigerante, impróprio para consumo e avaliada em R$ 360,00).

A aplicação da severa pena de expulsão aos militares coloca a sanção administrativa em patamar elevado mais pela repercussão dos fatos, em especial a reação de todos os envolvidos (militares sindicados, seguranças do drive-thru e policiais estaduais) do que propriamente a conduta envolvendo a apropriação de ingrediente de preparo de refrigerantes. É clara a desproporção da sanção administrativa porque a expulsão serve eliminar das carreiras públicas aqueles que se envolvem em práticas objetivamente graves (como desvios de verbas públicas e outros atos em desfavor da administração e da sociedade, p. ex.) e, no caso dos autos, está sendo aplicada a ato da vida privada no contexto de "noitada", de "bebedeira", "brincadeira de mau gosto" e de "desentendimentos". 

- Diante do ínfimo valor da causa, em atenção ao disposto no § 8º do art. 85 do CPC, os honorários devem ser fixados de modo equitativo em R$ 5.000,00.

- Remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO desprovidas. Apelação interposta pelos autores parcialmente provida apenas para elevar a os honorários advocatícios arbitrados para a quantia de R$ 5.000,00, devidamente atualizada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária e à apelação da UNIÃO FEDERAL e dar parcial provimento à apelação interposta por EMERSON SIMONATO DE OLIVEIRA e KELVIN DOS SANTOS MEDEIROS apenas para elevar o valor arbitrado a título de honorários advocatícios para a quantia de R$ 5.000,00, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.