AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014715-71.2013.4.03.0000
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
AGRAVANTE: JOSE JOAO ABDALLA FILHO
Advogado do(a) AGRAVANTE: EID GEBARA - SP8222-A
AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014715-71.2013.4.03.0000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY AGRAVANTE: JOSE JOAO ABDALLA FILHO Advogado do(a) AGRAVANTE: EID GEBARA - SP8222 AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS, por meio da Procuradoria Regional Federal da 3ª Região, em face do acórdão de fls. 447/449 dos autos físicos (agora digitalizados para o ambiente do PJe), assim ementado: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JULGAMENTO NÃO UNÂNIME. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO E SUBMISSÃO AO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO CABIMENTO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO ULTIMADO SOB A TÉCNICA DO ARTIGO 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015. MANTIDA A DECISÃO TOMADA POR MAIORIA NA SESSÃO DE 29 DE MARÇO DE 2016. REFAZIMENTO DO ACÓRDÃO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONDENAÇÃO DA EXPROPRIANTE AO PAGAMENTO DO SALDO CREDOR E À RESTITUIÇÃO DE TODOS OS BENS CONFISCADOS QUE NÃO FORAM OBJETO DAS ALIENAÇÕES ESPECIFICADAS NOS AUTOS. FASE DE EXECUÇÃO. EXPROPRIAÇÃO DE BENS PELO REGIME MILITAR. REGISTRO DE TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL E CANCELAMENTO DO REGISTRO DE CONFISCO. POSSIBILIDADE. RESPEITO À COISA JULGADA. 1. Na sessão em que se apreciaram embargos de declaração opostos pelo INSS (3/outubro/2017 - fls. 441/446), esta C. Turma decidiu pela anulação, de ofício, dos atos processuais praticados a partir de fls. 381, determinando-se a lavratura de acórdão do quanto assentado na sessão de 29 de março de 2016 (julgamento tomado por maioria de votos), o que é objeto do presente acórdão. A referida anulação decorreu do reconhecimento da inaplicabilidade do artigo 942 do Código de Processo Civil/2015 ao caso presente. 2. Acórdão do julgamento (por maioria) ultimado em 29 de março de 2016, lavrado consoante voto vencedor do Desembargador Federal Wilson Zauhy (fls. 375/379), conforme tira de julgamento de fls. 374, observando-se a não submissão ao artigo 942 do CPC/2015: Por força do Decreto nº 77.666/76, promoveu-se ao confisco de bens, dentre eles aquele objeto do presente agravo de instrumento, o denominado "Sítio Boa Vista". Por decisão judicial definitiva foi reconhecido o direito do agravante à restituição do bem confiscado pelo regime militar, nos termos de ação de prestação de contas regularmente processada. 3. O Juízo de primeiro grau concluiu pela impossibilidade de restituição do bem, uma vez que não abarcado pelo título executivo obtido pelo autor no feito, já que o imóvel foi destinado ao INPS, que não participou da relação processual, daí porque a sentença não lhe seria oponível. 4. A decisão agravada não se sustenta por duas razões: em primeiro lugar, a sentença que decidiu a ação de prestação de contas não deixa dúvida acerca da destinação dos bens confiscados e, em segundo lugar, não sendo o INPS (atual INSS) estranho à relação jurídica material originária, dado que beneficiário direto do confisco, não se há de falar na aplicação do artigo 472 do Código de Processo Civil de 1.973 (cujo teor é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros"). 5. Segundo os termos da sentença, mantida in totum pelas instâncias superiores, como decorrência direta da declaração da invalidade dos atos de exceção materializados nos confiscos de bens noticiados na lide, duas soluções se mostravam possíveis: a) ou bem a União Federal indenizava os confiscados pela "expropriação" dos bens, em pecúnia, b) ou bem restituía os bens a seus proprietários. Não foi permitida à União uma terceira opção. Daí, tendo-se em conta que não restou cumprida pela União a hipótese primeira (indenização), inafastável o reconhecimento da necessidade de se promover ao segundo comando da decisão judicial transitada em julgado (restituição dos bens confiscados). 6. Não há de se falar, na espécie, em violação ao artigo 472 do CPC de 1.973 (cujo teor é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015) pelo fato de o INPS e a União serem, na época dos fatos, entidade única, materializações de um mesmo e só ente: o Estado. 7. Ainda que tal motivação possa ser afastada, não cabe retirar o direito do agravante sob o fundamento de extrapolação dos limites e efeitos da sentença. É bem verdade que o artigo 472 do CPC/1.973 (artigo 506 do CPC/2.015) lança como regra que a imutabilidade dos efeitos da sentença alcança somente as partes envolvidas em dado processo judicial. No entanto, mister lembrar exceções à regra geral, tais como aquela prevista na dicção do artigo 42, caput e § 3º do CPC/1.973. Como se vê dessa redação legal, embora não participe do processo originário (a eventual substituição da parte somente era e é admitida mediante consentimento expresso desta - § 1º dos dispositivos citados de ambos os diplomas), o novo proprietário do bem suporta os efeitos da sentença proferida entre partes diversas em processo no qual não se fez integrar. Nessa linha, também importante relembrar a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que orienta: "em determinadas circunstâncias, diante da posição do terceiro na relação de direito material, bem como pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir quem não foi parte no processo. Entre essas hipóteses está a sucessão, pois o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica deduzida no processo, impedindo nova discussão sobre o que já foi decidido " (REsp 775841, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26/3/2009). 8. À sombra de tal de entendimento - aplicável à espécie dado o paralelismo entre as situações postas - mister atentar, no caso concreto, para que a destinação do bem fez parte do próprio ato de confisco levado a cabo por aquele Estado de Exceção, restando vinculado o confisco à incorporação do bem ao patrimônio do então Instituto Nacional de Previdência Social (artigo 4º do Decreto nº 77.666/76). 9. Além disso, não se há de perder de vista que o ato de CONFISCO levado a cabo pelo regime militar, configurou-se como um dos mais violentos atos de agressão ao direito de propriedade, lastreado em Ato Institucional, equiparando-se, em efeitos e consequências ao triste AI-5, que retirou expressamente do ordenamento jurídico as garantias constitucionais do mandado de segurança e do habeas corpus. 10. Tratando-se de ato írrito, na origem, não se há de falar de projeção de efeitos para quem quer que seja, pois se a origem é espúria, espúrios serão seus efeitos, por corolário lógico. Esse, aliás, foi o sentido da sentença prolatada nos autos de onde tirado este Agravo, não se podendo, nesse momento da execução da sentença, desfazer-se a coisa julgada, sob invocação de direito de terceiros, beneficiados diretos do malsinado ato de exceção. 11. Registre-se, a propósito, que estando o ato de exceção, confisco, devidamente averbado à margem do registro imobiliário, não se há de questionar a origem do bem, que nunca foi desconhecido pela Municipalidade de Americana; em síntese: a Municipalidade jamais desconheceu que foi beneficiária de um ato de exceção. 12. Aplicável ao caso concreto, em sua inteligência plena, o entendimento do C. STJ, já citado, no sentido de que "em determinadas circunstâncias, diante da posição do terceiro na relação de direito material, bem como pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir quem não foi parte no processo". Assim, a decisão agravada não pode ser mantida, em respeito à coisa julgada, devendo ser autorizada a transferência do imóvel e o cancelamento do registro de confisco. 13. Agravo de instrumento provido para afastar a decisão recorrida para o efeito de autorizar a transferência do bem e o cancelamento do registro de confisco.” (ID 106178037, p. 249/253) O INSS aponta a existência de omissões no julgado no tocante ao enfrentamento dos seguintes pontos: a) “não há que se falar que a sentença transitada em julgado, seja na vigência da Lei Processual anterior, seja na da atual possa atingir terceiros, ou seja, aqueles que não participaram da relação jurídica processual”; b) “o embargante não nega sua condição de sucessor, na propriedade do imóvel rural em tela, do Instituto Nacional da Previdência Social - INPS, a quem o Decreto n. 77.666/1976 atribuiu a propriedade do imóvel rural, e do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – lapas (...). Mas, nem sucessor, nem sucedidos participaram da relação processual. Igualmente, não se nega que o INPS e o Iapas eram e o INSS é o proprietário do imóvel, em ordem de sucessão, e, nesse sentido, participam da relação jurídica de direito material. Isso não significa, contudo, que qualquer um desses institutos esteja sujeito aos efeitos da coisa julgada de ação que envolva essa relação jurídica de direito material sem que seja indispensável sua participação no processo”; c) “o INSS, ou mesmo o INPS, no que tange à propriedade do imóvel em questão, nunca foi sucessor da União, nem com ela se confundia”; d) tanto o INPS, como o IAPAS e o INSS são autarquias federais com personalidade jurídica própria, daí porque “o Sítio Boa Vista nunca foi de propriedade da União, nem seus proprietários em sucessão se confundiram com ela em algum momento”; e) “é totalmente equivocado dizer, como o fez o voto condutor do acórdão embargado, que há (sic) época do confisco o INPS e a União eram uma entidade única, como materialização do Estado. Nunca o foram, não obstante sejam parte do Estado. O INSS possui, bem como possuíam antecessoras, personalidade jurídica própria e distinta da União. Em outras palavras, a argumentação do acórdão parte do errôneo pressuposto de que todo o Poder Público federal é um só e se confunde, desprezando as regras de organização da Administração Pública brasileira, dividida entre Administração Direta e Administração Indireta”; f) “se o INSS não integrou a relação jurídica processual de conhecimento, não poderá sofrer os efeitos da sentença transitada em julgado”; g) “o embargante não afirma que a sentença transitada em julgado não se aplica em caso sucessão se o sucedido fizer parte da relação jurídica processual e o sucessor não. Pelo contrário, há expressa disposição legal nesse sentido. O que se afirma é que o caso dos autos não trata de aplicação da coisa julgada ao sucessor, uma vez que, em relação ao Sítio Boa Vista, a União nunca foi proprietária e, portanto, não poderia ter sido sucedida pelo INPS, pelo Iapas ou pelo INSS. Dessa forma, a sentença proferida contra a União, nesse caso concreto, não tem eficácia em relação às citadas autarquias”; h) “deve o acórdão embargado ser aclarado, manifestando-se a Turma sobre os argumentos supra, inclusive com efeitos infringentes, relativos à afronta aos arts. 472 e 42, caput e § 3°, do Código de Processo Civil de 1973 e aos arts. 506 e 109, caput e § 3º, do Código de Processo Civil vigente, bem como ao art. 5º, LV, da Constituição da República e ao art. 4.° do Decreto-Lei n. 200/1967”; i) “o último ponto que deve ser aclarado é o argumento da natureza espúria do confisco e até mesmo dos Atos Institucionais do período do Regime Militar, mormente o famigerado AI-5, o que provocaria a perda de efeitos de tudo o que neles se baseou. Em que pese o argumento em prol da atual democracia brasileira, não se pode negar a produção de efeitos jurídicos aos referidos Atos Institucionais, até mesmo ao confisco, sob pena de ser derrubada uma pletora de leis, decretos, instituições etc, que poderiam fazer o Estado brasileiro e até mesmo a sociedade entrar em colapso. Não se pode negar, também, que fundamentado nesses diplomas ditatoriais foram produzidos muitos diplomas legais com muita importância para a vida brasileira (ex.: Decretos-Lei nn. 72/1966 e 200/1967). Assim, salvo declaração expressa de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou difuso, não se pode negar a produção de efeitos jurídicos dos Atos Institucionais, nem mesmo do próprio confisco, imposto conforme o ordenamento jurídico da época”; j) “após liminar de reintegração de posse concedida a essa última Autarquia nos Autos n. 0000002-44.2006.403.6109, foi instalado no Sítio Boa Vista um projeto de assentamento, denominado Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Milton Santos, no qual estão assentadas 68 (sessenta e oito) famílias, compostas por 220 pessoas, sendo 25 idosos (acima de 60 anos), 105 adultos (entre 25 e 59 anos), 30 jovens (entre 16 e 24 anos) e 60 crianças (até 15 anos). Além disso, houve investimento por parte do Poder Público, entre créditos concedidos e infraestrutura instalada, do importe de R$ 2.661.732,37 (dados de maio de 2016- fls. 407/413)”; k) “no imóvel está, há mais de onze anos, instalado um projeto de assentamento, no qual moram e do qual sobrevivem 220 pessoas, entre adultos, idosos e crianças. Desta feita, considerando o evidente interesse público e social, que envolve inclusive menores e idosos, é indispensável que o Ministério Público Federal tenha vista destes autos nos termos do art. 82, I e III, do Código de Processo Civil de 1973 e do art. 172, I e II, Código de Processo Civil vigente. Tal situação, ainda, importa impossibilidade de reversão da situação fática e do retomo da propriedade em favor do particular. Num caso extremo, na pior das hipóteses, a situação resolver-se-ia em perdas e danos, por força de ocorrência de desapropriação indireta, nos termos do art. 35 do Decreto -Lei n. 3.365/1941”. O INSS acrescenta, ainda, que opõe os presentes aclaratórios também “para o fim de prequestionamento” (ID 106178037, p. 275). É o relatório.
VOTO-VISTA O Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA: cuida-se de embargos de declaração opostos pelo INSS em face de acórdão que, por maioria de votos, proveu agravo de instrumento interposto por José João Abdalla Filho para autorizar a transferência de bem imóvel e cancelar registro de confisco. Em razão das diversas questões suscitadas, após o voto do e. Relator, rejeitando os embargos, pedi vista para melhor analisar os autos. E, pedindo vênia ao e. Relator, entendo que o acórdão embargado incorreu em omissões que merecem ser aclaradas nesta sede. Questão fundamental não enfrentada pelo acórdão diz respeito ao INSS (sucessor do INPS), como ente autônomo, não ter integrado a ação de origem, na qual a União foi condenada a indenizar o Agravante ou restituir os bens confiscados que não tinham obtido destinação específica. Conforme sustenta a Embargante, é ela sucessora do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPS e do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS. O imóvel em questão – Sítio Boa Vista – após o confisco, passou a integrar o patrimônio do INPS e, posteriormente, sucedido pelo INSS, ora embargante. O acórdão embargado aduziu que o INPS, na época dos fatos, confundia-se com a União sendo “entidade única, materializações de um mesmo e só ente: o Estado”. Não enfrentou, contudo, a questão envolvendo a autonomia do ente autárquico em relação à União. Neste ponto, vale rememorar a distribuição de competências administrativas entre os órgãos estatais, diferenciando-se a descentralização da desconcentração. Pela desconcentração há distribuição de competência interna no ente estatal, que permanece como titular do exercício daquela atribuição. Funda-se no poder hierárquico da pessoa jurídica. Por seu turno, a descentralização consiste na transferência de competência para outra pessoa jurídica. Há um rompimento da unidade da pessoa jurídica, inexistindo vínculo de hierarquia, ficando reservado ao ente estatal o poder de controle finalístico da atividade. Nessa segunda espécie é que se enquadra a autarquia. O decreto-lei 200/67 bem define as características das autarquias em seu art. 5º, inc. I, in verbis: Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. (destaquei) Pois bem, por possuir “personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios”, à toda evidência, a autarquia não se confunde com a pessoa jurídica que a criou, não constituindo entidade única. E como decorrência lógica dessa autonomia, em ações que envolvam bens, direitos e interesses da autarquia, é ela quem tem legitimidade para figurar na demanda. Nesse sentido: (...) 3. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS tem legitimidade passiva ad causam, visto que, como Autarquia Federal, possui autonomia jurídica, administrativa e financeira. Dessarte, deve figurar no polo passivo da ação. (...) (AgInt no AREsp 1787489/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe 01/07/2021) E como na ação originária a autarquia não foi chamada a integrar a lide, não pode ela sofrer a perda da posse do bem que à época da ação integrava seu patrimônio. E para que não pairem dúvidas, vale registrar que o INPS, que deveria figurar no polo passivo da ação de origem – para que os efeitos da coisa julgada o alcançassem – nos termos do Decreto-Lei nº 72/1966, da mesma forma que o INSS que o sucedeu, detinha a personalidade jurídica de autarquia (Art 2º O INPS constitui órgão de administração indireta da União, tem personalidade jurídica de natureza autárquica e goza, em tôda sua plenitude, inclusive no que se refere a seus bens, serviços e ações, das regalias, privilégios e imunidades da União). Portanto, deve ser suprida a omissão constante do acórdão, reconhecendo a autonomia do INSS, que não poderá suportar os efeitos da coisa julgada formada em face, exclusivamente, da União e, por conseguinte, não poderá perder o bem que integra seu patrimônio. Outro ponto que merece aclaramento diz respeito à destinação do bem para fins sociais, estando a situação consolidada há anos. Conforme restou demonstrado, o INSS cedeu ao INCRA o sítio Boa Vista para fins de projeto de assentamento, que se encontra instalado no local há mais de uma década. Nesse contexto, a restituição do imóvel ao agravante acarretará, em consequência, a retirada dos assentados do local, encerrando o projeto de reforma agrária lá instalado, impactando uma grande quantidade de pessoas (os dados indicados quando da apresentação dos embargos de declaração davam conta de 68 famílias no local, totalizando 220 pessoas, dentre elas idosos e crianças). Assim, os prejuízos sociais causados com a restituição seriam relevantes, devendo ser ponderado, na hipótese, o interesse público presente, de modo a preservar o fato social consolidado em detrimento do interesse privado. Por fim, cumpre assentar que não estão em discussão os atos do regime de exceção que culminaram com a expropriação do bem imóvel objeto do presente recurso. A questão a ser dirimida são os efeitos da coisa julgada formada em face da União na ação de origem que, diante da não participação do INPS (ora representado pelo INSS em razão de sucessão), não pode suportar os efeitos de decisão proferida em relação jurídica processual da qual não participou. Diante do exposto, voto por acolher os embargos de declaração opostos pelo INSS para, suprindo as omissões verificadas no acórdão, conferir-lhe efeitos infringentes para negar provimento ao Agravo de Instrumento. É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014715-71.2013.4.03.0000
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V O T O – V I S T A
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS: Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS em face do v. acórdão de fls. 447/449 dos autos físicos.
A parte embargante alega a ocorrência de omissões no julgado no tocante ao artigo 472 do CPC de 1973, bem como em relação à tese de que a personalidade jurídica do INPS é distinta da União Federal.
Após o voto do Relator no sentido de rejeitar os embargos de declaração, e do voto do Desembargador Federal Hélio Nogueira no sentido de acolher os embargos, vieram-me os autos com vista para melhor compreensão e análise da matéria.
Pois bem.
Peço vênia ao e. relator para divergir do entendimento.
Com efeito, entendo que assiste razão à parte embargante, porquanto o v. Acórdão recorrido foi omisso em relação à personalidade jurídica do INPS, distinta da União.
No caso concreto, pretende a parte agravante o cumprimento da sentença proferida na Ação Cominatória de Prestação de Contas n.º 0277542-91.1981.403.6100, movida exclusivamente em face da União Federal, com a reversão do imóvel de propriedade do INSS (sucessor do INPS) e em posse do INCRA.
O v. Acórdão embargado entendeu pela não-violação do artigo 472 do CPC de 1973 (artigo 506 do novo CPC) sob o fundamento de que, à época dos fatos, o INPS e a União representavam entidade única.
Tal assertiva, contudo, não se coaduna com a natureza jurídica do INPS, nos termos do Decreto-lei n.º 72/1966:
“Art 2º O INPS constitui órgão de administração indireta da União, tem personalidade jurídica de natureza autárquica e goza, em tôda sua plenitude, inclusive no que se refere a seus bens, serviços e ações, das regalias, privilégios e imunidades da União.”
O Decreto-lei 200/1967, por seu turno, traz o conceito de autarquia:
“Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.”
Neste contexto, tratando-se de entidade autárquica, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprias, distinta da pessoa jurídica de Direito Público que a instituiu, não há se falar em entidade única, não se confundindo o INPS, posteriormente sucedido pelo INSS, com a União.
Por conseguinte, não há se falar em coisa julgada em face do INSS, porquanto a referida autarquia não participou da ação de conhecimento, não tendo exercido o seu direito de defesa em relação ao imóvel de sua propriedade, sendo certo, ainda, o relevante interesse público representado pelo imóvel em questão, já que mais de 200 (duzentas) famílias encontram-se lá instaladas, em projeto de assentamento promovido pelo INCRA.
Ante o exposto, voto pelo acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos infringentes, para negar provimento ao agravo de instrumento.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 0014715-71.2013.4.03.0000
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Código de Processo Civil dispõe, em seu artigo 1.022, sobre as hipóteses de cabimento dos aclaratórios: a existência, na decisão judicial, de obscuridade, contradição, omissão ou ainda erro material a serem sanados pelo Juízo.
As questões novamente agitadas pelo embargante foram enfrentadas pelo aresto embargado, conforme se colhe do voto-vista pelo qual me sagrei relator para acórdão, com destaque para os seguintes fundamentos:
“A decisão agravada, a meu juízo, não se sustenta, por duas razões: em primeiro lugar, a sentença que decidiu a ação de prestação de contas não deixa dúvida acerca da destinação dos bens confiscados e, em segundo lugar, não sendo o INPS (atual INSS) estranho à relação jurídica material originária, dado que beneficiário direto do confisco, não se há de falar na aplicação do artigo 472 do Código de Processo Civil de 1.973 (cujo teor é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros").
...
Segundo os termos da sentença, mantida in totum pelas instâncias superiores, como decorrência direta da declaração da invalidade dos atos de exceção materializados nos confiscos de bens noticiados na lide, duas soluções se mostravam possíveis: a) OU bem a União Federal indenizava os confiscados pela "expropriação" dos bens, em pecúnia, b) OU bem restituía os bens a seus proprietários.
Não foi permitida à União uma terceira opção.
Daí, tendo-se em conta que não restou cumprida pela União a hipótese primeira (indenização), inafastável o reconhecimento da necessidade de se promover ao segundo comando da decisão judicial transitada em julgado (restituição dos bens confiscados).
Dessa premissa não há discordância do Eminente Relator.
A partir daí, contudo, entendo em sentido diverso do Nobre Julgador.
Não há de se falar, na espécie, em violação ao artigo 472 do CPC de 1.973 (cujo teor, como acima mencionado, é na essência repetido no artigo 506 do agora vigente Código de Processo Civil de 2.015) pelo fato de o INPS e a União serem, na época dos fatos, entidade única, materializações de um mesmo e só ente: o Estado.
Ainda que tal motivação possa ser afastada, entendo que não cabe retirar o direito do agravante sob o fundamento de extrapolação dos limites e efeitos da sentença.
É bem verdade que o artigo 472 do CPC/1.973 (artigo 506 do CPC/2.015) lança como regra que a imutabilidade dos efeitos da sentença alcança somente as partes envolvidas em dado processo judicial.
No entanto, mister lembrar exceções à regra geral, tais como aquela prevista na dicção do artigo 42, caput e § 3º do CPC/1.973, verbis:
...
Como se vê da redação legal, embora não participe do processo originário (a eventual substituição da parte somente era e é admitida mediante consentimento expresso desta - § 1º dos dispositivos citados de ambos os diplomas), o novo proprietário do bem suporta os efeitos da sentença proferida entre partes diversas em processo no qual não se fez integrar.
Nessa linha, também importante relembrar a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça que orienta: "em determinadas circunstâncias, diante da posição do terceiro na relação de direito material, bem como pela natureza desta, a coisa julgada pode atingir quem não foi parte no processo. Entre essas hipóteses está a sucessão, pois o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica deduzida no processo, impedindo nova discussão sobre o que já foi decidido " (REsp 775841, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26/3/2009).
...
À sombra de tal de entendimento, que tenho como aplicável à espécie dado o paralelismo entre as situações postas, mister atentar, no caso concreto, para que a destinação do bem fez parte do próprio ato de confisco levado a cabo por aquele Estado de Exceção, restando vinculado o confisco à incorporação do bem ao patrimônio do então Instituto Nacional de Previdência Social (artigo 4º do Decreto nº 77.666/76).
Além disso, não se há de perder de vista que o ato de CONFISCO levado a cabo pelo regime militar, configurou-se como um dos mais violentos atos de agressão ao direito de propriedade, lastreado em Ato Institucional, equiparando-se, em efeitos e consequências ao triste AI-5, que retirou expressamente do ordenamento jurídico as garantias constitucionais do mandado de segurança e do habeas corpus.
Tratando-se de ato írrito, na origem, não se há de falar de projeção de efeitos para quem quer que seja, pois se a origem é espúria, espúrios serão seus efeitos, por corolário lógico.
Esse, aliás, foi o sentido da sentença prolatada nos autos de onde tirado este Agravo, não se podendo, nesse momento da execução da sentença, desfazer-se a coisa julgada, sob invocação de direito de terceiros, beneficiados diretos do malsinado ato de exceção.” (ID 106178037, p. 158/163)
Percebe-se, dos argumentos lançados nos aclaratórios, que o INSS pretende revolver o quanto decidido, de molde a reverter o julgamento.
Ora, a tanto não se prestam os embargos de declaração.
Não se vislumbram quaisquer vícios que pudessem macular o acórdão proferido nos presentes autos.
O acórdão embargado enfrentou os temas trazidos a julgamento, aplicando, de forma motivada, o Direito que se entende pertinente ao deslinde da controvérsia.
Denota-se, assim, o objetivo infringente que se pretende dar aos presentes embargos, com o revolvimento da matéria já submetida a julgamento, sem que se vislumbrem quaisquer das hipóteses autorizadoras do manejo dos aclaratórios.
A propósito, sequer a pretensão de alegado prequestionamento da matéria viabiliza a oposição dos embargos de declaração, os quais não prescindem, para o seu acolhimento, mesmo em tais circunstâncias, da comprovação da existência de obscuridade, contradição, omissão ou ainda erro material a serem sanados. A simples menção a artigos de lei que a parte entende terem sido violados não permite a oposição dos aclaratórios.
De todo modo, há de se atentar para o disposto no artigo 1.025 do novo CPC/2015, que estabelece: "Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade", que se aplica ao caso presente, já que estes embargos foram atravessados na vigência do novel estatuto.
Por fim, destaco que a alegação alusiva à existência de assentamento no local objeto de debate, o que imporia, no sentir do INSS, a irreversibilidade da situação fática e a necessidade de resolução em perdas e danos, extrapola os limites dos aclaratórios e do próprio agravo de instrumento.
Tal arguição deve ser deduzida perante o Juízo a quo, principalmente por inaugurar controvérsias e discussões outras não enfrentadas até o presente momento nos autos de origem.
A consequente alegação quanto à necessidade de participação do Ministério Público neste recurso, em razão da existência de interesse público e social envolvendo menores e idosos, também não se sustenta por escapar à situação processual desenhada no presente recurso, já que a intervenção do Parquet, fundada em tal argumento, não foi agitada na lide de origem.
Face ao exposto, conheço dos embargos de declaração para o efeito de rejeitá-los.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSÕES RELEVANTES. AUTONOMIA DA AUTARQUIA EM FACE DO ENTE ESTATAL QUE A CRIOU. DESTINAÇÃO SOCIAL DO BEM. SITUAÇÃO CONSOLIDADA HÁ ANOS. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES.
1 – Embargos de declaração opostos pela INSS em face de acórdão que proveu agravo de instrumento para autorizar a transferência de bem imóvel e cancelar registro de confisco.
2 – Omissão. Questão fundamental não enfrentada pelo acórdão diz respeito ao INSS (sucessor do INPS), como ente autônomo, não ter integrado a ação de origem, na qual a União foi condenada a indenizar o Agravante ou restituir os bens confiscados que não tinham obtido destinação específica.
3 - O acórdão embargado aduziu que o INPS, na época dos fatos, confundia-se com a União sendo “entidade única, materializações de um mesmo e só ente: o Estado”. Não enfrentou, contudo, a questão envolvendo a autonomia do ente autárquico em relação à União.
4 – Vale rememorar a distribuição de competências administrativas entre os órgãos estatais, diferenciando-se a descentralização da desconcentração. Na descentralização é que se enquadra a autarquia. O decreto-lei 200/67 bem define as características das autarquias em seu art. 5º, inc. I.
5 – Por possuir “personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios”, à toda evidência, a autarquia não se confunde com a pessoa jurídica que a criou, não constituindo entidade única.
6 – E como na ação originária a autarquia não foi chamada a integrar a lide, não pode ela sofrer a perda da posse do bem que à época da ação integrava seu patrimônio.
7 – Para que não pairem dúvidas, vale registrar que o INPS, que deveria figurar no polo passivo da ação de origem – para que os efeitos da coisa julgada o alcançassem – nos termos do Decreto-Lei nº 72/1966, da mesma forma que o INSS que o sucedeu, detinha a personalidade jurídica de autarquia (Art 2º O INPS constitui órgão de administração indireta da União, tem personalidade jurídica de natureza autárquica e goza, em tôda sua plenitude, inclusive no que se refere a seus bens, serviços e ações, das regalias, privilégios e imunidades da União).
8 – Deve ser suprida a omissão constante do acórdão, reconhecendo a autonomia do INSS, que não poderá suportar os efeitos da coisa julgada formada em face, exclusivamente, da União e, por conseguinte, não poderá perder o bem que integra seu patrimônio.
9 – Omissão. Destinação do bem para fins sociais. O INSS cedeu ao INCRA o sítio Boa Vista para fins de projeto de assentamento, que se encontra instalado no local há mais de uma década.
10 – Nesse contexto, a restituição do imóvel ao agravante acarretará, em consequência, a retirada dos assentados do local, encerrando o projeto de reforma agrária lá instalado, impactando uma grande quantidade de pessoas (os dados indicados quando da apresentação dos embargos de declaração davam conta de 68 famílias no local, totalizando 220 pessoas, dentre elas idosos e crianças).
11 – Os prejuízos sociais causados com a restituição seriam relevantes, devendo ser ponderado, na hipótese, o interesse público presente, de modo a preservar o fato social consolidado em detrimento do interesse privado.
12 – Embargos de declaração acolhidos para, conferindo efeitos infringentes, negar provimento ao agravo de instrumento.