Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5271757-38.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FABIANE RUIZ MAGALHAES DE ANDRADE NASCIMENTO - SP151898-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ

Advogado do(a) APELADO: FABIANE RUIZ MAGALHAES DE ANDRADE NASCIMENTO - SP151898-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5271757-38.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FABIANE RUIZ MAGALHAES DE ANDRADE NASCIMENTO - SP151898-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ

Advogado do(a) APELADO: FABIANE RUIZ MAGALHAES DE ANDRADE NASCIMENTO - SP151898-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de apelação interposta em face da sentença, não submetida a reexame necessário, que julgou parcialmente procedente o pedido para "reconhecer em favor da parte autora o direito ao cômputo do tempo de serviço laborado como rurícola no período de 01/06/2005 até 31/12/2011, e para condenar o INSS a promover a contagem do tempo de serviço/contribuição utilizando-se do período de trabalho rural". 

A autarquia previdenciária suscita, preliminarmente, a ocorrência de julgamento ultra petita e requer a nulidade da sentença. No mérito, requer a improcedência dos pedidos.

A parte autora, por sua vez, requer a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5271757-38.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Advogado do(a) APELANTE: FABIANE RUIZ MAGALHAES DE ANDRADE NASCIMENTO - SP151898-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VERA LUCIA DA SILVA FERRAZ

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V O T O

 

 

Preliminarmente, verifico que o MM. Juiz a quo, no exercício da atividade jurisdicional, proferiu sentença extra petita, pois apreciou pedido diverso do aduzido na petição inicial. 

A parte autora ajuizou esta ação visando à concessão de benefício por incapacidade laboral, desde a data do requerimento administrativo apresentado em 9/4/2018 (NB 31/622.660.832-7).

Todavia, o Magistrado a quo  julgou procedente o pedido de reconhecimento de exercício de atividade rural e averbação de tempo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, nos seguintes termos:

"(...) Ante o exposto e pelo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, de modo a reconhecer em favor da parte autora o direito ao cômputo do tempo de serviço laborado como rurícola no período de 01/06/2005 até 31/12/2011, e para condenar o INSS a promover a contagem do tempo de serviço/contribuição utilizando-se do período de trabalho rural, o que faço para extinguir o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Improcedentes os demais pedidos.(...)"

Nesse caso, a decisão está contaminada de vício que afeta sua eficácia, devendo ser anulada, conforme precedente que cito:

"PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO EXTRA PETITA. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 1.013, § 3º, INC. II, DO CPC/15. PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. VERBA HONORÁRIA.

I- Irremediável o reconhecimento da incompatibilidade entre a decisão e o pedido, caracterizando-se a hipótese de julgado extra petita, a teor do disposto nos artigos 141, 282 e 492 do CPC.

II- Para o reconhecimento do tempo de serviço é indispensável a existência de início de prova material, contemporânea à época dos fatos, corroborado por coerente e robusta prova testemunhal.

III- Nenhum dos documentos constitui início de prova material apto a comprovar o efetivo trabalho da autora junto à Prefeitura Municipal de Nova Andradina/MS, no período de 9/4/89 a 9/8/99, bem como reconheço a falta de interesse recursal em relação aos dias 8/4/89 (registro em CTPS) e no dia 10/8/99 (início do exercício como servidora). Não sendo admitida a comprovação do tempo de serviço por meio de prova exclusivamente testemunhal, não há como possa ser reconhecido o período pleiteado.

IV- A aposentadoria por idade a trabalhador urbano encontra-se prevista no art. 48, caput, da Lei nº 8.213/91, in verbis: "A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher."

V- Despicienda qualquer discussão quanto ao atendimento do primeiro requisito, porquanto o documento acostado (ID. 103358155 - pág. 15) comprova que a parte autora, nascida em 13/5/48, implementou a idade mínima necessária para a concessão do benefício em 13/5/08, precisando comprovar, portanto, 162 (cento e sessenta e dois) contribuições mensais, nos termos da Lei de Benefícios.

VI- Quanto à carência, o cômputo dos registros em CTPS constantes dos presentes autos, ao período de contribuição existente no Cadastro Nacional de Informações Sociais (ID 103358155 - pág. 30) demonstram que a parte autora verteu recolhimentos à autarquia que totalizaram 11 anos, 2 meses e 1 dia, até a data do requerimento administrativo (14/5/08), sendo que para a concessão do benefício pleiteado seria necessário o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo período de 13 anos e 6 meses ou 162 meses. Assim, verifica-se que a parte autora não cumpriu o período de carência exigido.

VII- Não comprovando a parte autora o cumprimento dos requisitos exigidos pelo art. 48 da Lei n.º 8.213/91, não há como lhe conceder o benefício previdenciário pretendido.

VIII- Arbitro os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade ficará suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.

IX- Sentença anulada ex officio. Aplicação do art. 1.013, § 3º, inc. II, do CPC/15. Pedido julgado improcedente. Apelação da parte autora prejudicada. (TRF-3 - ApCiv: 00353057920124039999 SP, Relator: Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, Data de Julgamento: 19/10/2021, 8ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 21/10/2021)

Nesse passo, é impositiva a nulidade da sentença.

Entretanto, estando o feito em condições de imediato julgamento, não há óbice a que o julgador passe à análise do mérito propriamente dito, a teor do artigo 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil (CPC), que assim dispõe:

"§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

(...)

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

(...)".

Passo, portanto, à apreciação da matéria de fundo.

Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade.

A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.

Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.

A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.

Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.

Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).

São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.

Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).

O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.

Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.

Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.

Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.

Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.

Especificamente quanto aos rurícolas, a legislação sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas normativos a versar sobre a matéria, sendo mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.

Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/63), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, dentre os quais o de aposentadoria por invalidez, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.

Antes do advento da CF/1988, o artigo 3º da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, incluiu o auxílio-doença no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL.

Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.

Somente a CF/1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.

Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribuna de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel. Ministro Jorge Mussi – DJE 05/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 02/03/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/03/2020).

A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).

No caso dos autos, a parte autora alega ter exercido atividades rurais como boia-fria, ora com registro em carteira de trabalho, ora sem registro, até ser acometida de doença que a impede de trabalhar. 

A perícia médica judicial, realizada em 16/7/2019, constatou a incapacidade total e permanente da autora (nascida em 1960), por ser portadora de "Esquizofrenia residual CID F 20.5". 

O perito apontou a data de início da doença (DID) em 4/2/2010, pois há documentação médica indicando a realização de tratamento psiquiátrico ambulatorial desde então. Quanto ao início da incapacidade (DII), esclareceu:

"A Autora não trabalha desde há muito tempo (não é possível precisar).

A incapacidade para o trabalho se situa em passado distante sem definição por falta de documentação hábil.

A moléstia que aflige a Autora é crônica, progressiva, com ocorrência de surtos e períodos de relativa melhora, sem possibilidade de remissão completa.

Data de início da incapacidade para os fins do presente processo 09 04 2018, quando teve solicitação de benefício indeferida pelo INSS e já era portadora de sua doença."

Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.

Não obstante a DII fixada na perícia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que a prova técnica prestar-se-ia unicamente para nortear o convencimento do juízo quanto à pertinência do novo benefício, mas não para atestar o efetivo momento em que a moléstia incapacitante se instalou.

Confira-se:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CITAÇÃO VÁLIDA. MATÉRIA JÁ DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.

1. O tema relativo ao termo inicial de benefício proveniente de incapacidade laborativa já foi exaustivamente debatido nesta Corte, a qual, após oscilações, passou a rechaçar a fixação da Data de Início do Benefício - DIB a partir do laudo pericial, porquanto a prova técnica prestar-se-ia unicamente para nortear o convencimento do juízo quanto à pertinência do novo benefício, mas não para atestar o efetivo momento em que a moléstia incapacitante se instalou.

2. Atualmente a questão já foi decidida nesta Corte sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), restando pacificada a jurisprudência no sentido que "A citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação". (REsp 1.369.165/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, DJe 7/3/2014).

3. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1311665/SC, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 17/10/2014)"

Muito embora o perito tenha fixado a DII em 2018, os demais elementos de prova demonstram que a autora deixou de trabalhar em 2011 já em razão de sua doença psiquiátrica.

Nessas circunstâncias, verifico que os demais requisitos para a concessão do benefício também estão cumpridos.

Como início de prova material do alegado trabalho rural, a autora apresentou cópia de sua Carteira de Trabalho e de Previdência Social (CTPS), na qual consta o registro de um vínculo trabalhista rural (CBO 622020), no período de 1º/11/2003 a 5/1/2005.

Por sua vez, os depoimentos das testemunhas colhidos em audiência de 29/7/2021, de forma plausível e verossímil, confirmaram que a autora trabalhou como boia-fria juntamente com o marido, entre 2005 e 2011, quando ficou incapacitada para o trabalho em razão de problemas de saúde. 

A primeira testemunha, Baltazar Garcia, disse conhecer a autora havia cerca de vinte anos, pois eram vizinhos e o marido dela tinha uma "perua" e levava a turma dele para colher laranja "onde tinha trabalho". Disse que Vera ia junto com o marido. Esclareceu que há cerca de dez anos o casal se mudou para São Carlos, passando a trabalhar com granja. Disse saber que hoje eles moram em Tabatinga, numa chácara, há mais ou menos cinco anos. Acrescentou que havia cerca de dez anos que Vera ficou doente, mas que antes disso ela "ajudava o marido direto". Ela sofre de esquizofrenia e, atualmente, "só trabalha quando está bem".

A testemunha Ângela Maria Araújo Vieira contou conhecer a autora havia dez anos, pois são vizinhas. Não trabalharam juntas. Sabe que a autora trabalhava com laranja, pois o marido dela era empreiteiro e a levava para trabalhar. Trabalharam na Fazenda Santa Augusta. Hoje a autora trabalha no sítio onde o casal mora. O marido dela é pedreiro. Os dois moram na chácara. A autora não consegue trabalhar por causa dos problemas de saúde. 

Nesse passo, o conjunto probatório dos autos demonstra que a autora exerceu atividades laborais rurais até o advento da incapacidade laboral total e permanente.

Destaca-se, ainda, o entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que o beneficiário não perde o direito ao benefício se restar comprovado que não deixou de trabalhar voluntariamente, e sim em razão de doença incapacitante, como é o caso dos autos.

A respeito, a jurisprudência de que é exemplo o acórdão abaixo transcrito:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREQUESTIONAMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACITAÇÃO TOTAL E PERMANENTE. REEXAME DE PROVA. DOENÇA PREEXISTENTE. AGRAVAMENTO. ART. 42, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.

(...) Não implica na perda de direito ao benefício de aposentadoria por invalidez no caso de segurado que deixa de contribuir para previdência por estar incapacitado para o labor.

(...)" (STJ - RECURSO ESPECIAL - 199900480953/SP, QUINTA TURMA, DJ 06/09/1999, p.131, Rel. FELIX FISCHER)

Em decorrência, é devido o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, na esteira dos precedentes que cito:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC). APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1 - Considerando as moléstias que afligem a requerente, sua idade avançada e o baixo grau de instrução, resta comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho. 2 - Preenchidos os requisitos legais, quais sejam, carência, qualidade de segurado e incapacidade total e permanente, de rigor a concessão da aposentadoria por invalidez. 3 - Prejudicado o prequestionamento apresentado pela parte autora. 4 - Agravo legal provido" (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1393734 Processo: 0001318-25.2007.4.03.6120 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento:17/10/2011 Fonte: TRF3 CJ1 DATA:03/11/2011 Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELSON BERNARDES).

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. SENTENÇA ILÍQUIDA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA. COMPROVAÇÃO. QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL. COMPROVAÇÃO. TUTELA ANTECIPADA. I. Remessa oficial tida por interposta, nos termos do art. 475, inciso I, Lei 10.352/01, tendo em vista que a condenação é ilíquida, sendo inviável qualquer tentativa de estimativa do valor da causa. II - O estudo pericial comprovou a existência de incapacidade total e permanente para o desempenho de toda e qualquer atividade laborativa. III - A carência de 12 (doze) meses restou cumprida, pois a consulta ao CNIS comprova que o autor possui anotações de vínculos empregatícios cujo período ultrapassa o mínimo exigido pela Lei n. 8213/91. IV - O autor já se encontrava incapacitado quando da cessação do último período de auxílio-doença, razão pela qual presente a qualidade de segurado no ajuizamento da ação. V - Remessa oficial tida por interposta e apelação do INSS improvidas. Tutela antecipada concedida". (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1376823 Processo: 2008.03.99.059218-0 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento: 03882/05/2010 Fonte: DJF3 CJ1 DATA: 20/05/2010 PÁGINA: 931 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS)

O termo inicial da aposentadoria por incapacidade permanente é a prévia postulação administrativa, conforme a jurisprudência dominante (AgRg no REsp 1418604/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 11/2/2014).

Passo à análise dos consectários.

Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de se adotar o seguinte: (i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.

Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.

Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

Os honorários advocatícios são de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação deste acórdão, consoante § 2º do artigo 85 e parágrafo único do artigo 86 do CPC, orientação desta Turma e nova redação da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Defiro a tutela provisória de urgência, nos termos dos artigos 300, caput, 302, I, 536, caput, e 537 e §§ do CPC, para determinar ao INSS a imediata concessão da prestação em causa, tendo em vista o caráter alimentar do benefício.

Diante do exposto, anulo a sentença, por ser extra petita e, nos termos do artigo 1.013, §3º, II, do CPC, julgo procedente o pedido de aposentadoria por incapacidade permanente, desde o requerimento administrativo, com os consectários legais.

Informe-se ao INSS, via sistema, para o cumprimento do julgado no tocante à implantação do benefício.

É o voto.



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO.  PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NULIDADE DA SENTENÇA. CAUSA EM CONDIÇÕES DE IMEDIATO JULGAMENTO. ARTIGO 1.013, § 3º, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADOR RURAL. QUALIDADE DE SEGURADO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. CUSTAS PROCESSUAIS. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

- O MM. Juízo a quo, no exercício da atividade jurisdicional, proferiu sentença extra petita, pois apreciou objeto diverso do pedido e, desse modo, está eivada de nulidade, por infringência aos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil (CPC).

- Estando o feito em condições de imediato julgamento, não há óbice algum a que o julgador passe à análise do mérito propriamente dito, nos termos do artigo 1.013, §3º, II, do mesmo diploma processual.

- São requisitos para a concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.

- A concessão do benefício por incapacidade laboral para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e desta Corte.

- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).

- O início de prova material do alegado trabalho rural foi corroborado pela prova testemunhal. 

- O termo inicial da concessão do benefício previdenciário por incapacidade laboral é a prévia postulação administrativa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

- Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021 (EC n. 113/2021), há de ser adotado o seguinte: (i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.

- Desde o mês de promulgação da EC n. 113/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.

- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.

- Os honorários advocatícios são de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação deste acórdão, consoante § 2º do artigo 85 e parágrafo único do artigo 86 do CPC, orientação desta Turma e nova redação da Súmula n. 111 do STJ.

- Sentença anulada. Aplicação do artigo 1.013, §3º, II, do CPC. Pedido procedente.

- Apelações prejudicadas.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu anular a sentença e, nos termos do artigo 1.013, §3º, II, do CPC, julgar procedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.