Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000481-67.2020.4.03.6106

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: FABIO SAICALI - SP209069-A

APELADO: CHURRASCARIA ESTANCIA DO SUL LTDA - EPP, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA

Advogado do(a) APELADO: CLARICE FERNANDES SANTOS - MG144139
Advogado do(a) APELADO: FABIO SAICALI - SP209069-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000481-67.2020.4.03.6106

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: FABIO SAICALI - SP209069-A

APELADO: CHURRASCARIA ESTANCIA DO SUL LTDA - EPP, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA

Advogado do(a) APELADO: MAYARA REGINA SILVA LOMMEZ - MG160130-A
Advogado do(a) APELADO: FABIO SAICALI - SP209069-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):

Trata-se de Apelação interposta por CHURRASCARIA IRMÃOS KIEZA LTDA  e Recurso Adesivo do INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI), em face da r. sentença que julgou improcedentes o pedido de  nulidade do registro n. 823.082.393 da marca FARROUPILHA, concedido à CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA. – EPP e, consequentemente, a pretensão da parte autora/apelante de condenação da Autarquia na obrigação de promover o registro da marca CHURRASCARIA FARROUPILHA, classe NCL(7) 42, depositado em 17.05.2002, sob o n. 824.524.381. Condenada  a recorrente ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado.

Em razões recursais, a apelante CHURRASCARIA IRMÃOS KIEZA LTDA pretende a reforma da sentença e aduz (ID 206602098) que:

- a despeito do registro pela empresa CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA-EPP da marca “FARROUPILHA” no INPI desde 2006, verifica-se que a expressão é de uso corriqueiro e popular, pois faz referência única e exclusivamente à tradição do churrasco gaúcho, não sendo possível a exclusividade de expressão de uso comum;

- inúmeras churrascarias no país que levam o nome de “Churrascaria Farroupilha” fazem referência à cultura do antigo e conhecido churrasco gaúcho, que surgiu no século 17 ;

- por  mais de 30 anos a apelante e apelada, esta última sediada em  Belo Horizonte/MG, distantes aproximadamente 800Km, não sabiam da existência uma da outra, o que a afasta a possibilidade de confusão ou associação com marcas alheias do mesmo ramo empresarial.

Por sua vez, o INPI, em recurso adesivo, pretende que seja reconhecida a correta posição processual da autarquia, a saber, de assistente litisconsorcial da parte ré (litisconsórcio sui generis instituído pela Lei nº 9279/96 - Lei da Propriedade Industrial - LPI), determinando-se a retificação dos registros processuais e refere ser indevida, portanto, a condenação da Autarquia em honorários advocatícios.

Com as contrarrazões (ID 206602106 e ID 206602109), vieram os autos a esta E. Corte.

É o relatório. 

Dispensada a revisão nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000481-67.2020.4.03.6106

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Advogado do(a) APELANTE: FABIO SAICALI - SP209069-A

APELADO: CHURRASCARIA ESTANCIA DO SUL LTDA - EPP, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, CHURRASCARIA IRMAOS KIEZA LTDA

Advogado do(a) APELADO: MAYARA REGINA SILVA LOMMEZ - MG160130-A
Advogado do(a) APELADO: FABIO SAICALI - SP209069-A

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V O T O

 

O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):

Narra a autora, na exordial, que presta serviço no ramo alimentício de churrascaria desde o ano de 1986, tendo por objeto social a atividade de “ restaurante e similares” e, desde então,  carrega o nome comercial (fantasia) de “CHURRASCARIA FARROUPILHA”.

Revela que solicitou registro do seu nome comercial “CHURRASCARIA FARROUPILHA” perante o INPI, através do pedido de registro n. 824.524.381, sob a forma mista, classe NCL(8) 43, depositado em 17.05.2002, porém, teve seu pedido negado pelo  INPI, com fundamento no art. 124, tendo em vista que a corré CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA, sediada na cidade de Belo Horizonte, detinha o registro da marca "FARROUPILHA" desde 2006, concedido através do depósito datado de 31.07.2000, processo n. 823.082.393.

Alega, em síntese, que embora atuem no mesmo segmento alimentício, estão localizadas em circunscrições territoriais diversas e muito distantes (800kms), não existindo possibilidade de confusão entre os consumidores e eventual desvio de clientela, posto que o uso da expressão “FARROUPILHA” sempre fez referência ao churrasco gaúcho e pertence ao domínio público e é, por isso, insuscetível de exclusividade por qualquer empresa ou da proteção, conforme determina o art. 124, VI, da Lei n. 9.279/96.

Vejamos.

 

Prescrição

De acordo com o art. 174 da Lei n. 9.279/96, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de anulação de registro de marca é quinquenal e conta-se da data da concessão do mesmo (Art. 174. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão.).

Na hipótese, como bem anotado pelo MM Juiz a quo, “embora o registro inicial da marca tenha sido concedido em 28.11.2006, o ato concessivo foi impugnado pela parte autora no âmbito administrativo em requerimento de 28.05.2007, o que suspendeu o transcurso do prazo quinquenal de prescrição, o qual voltou a correr com o julgamento na esfera administrativa em 14.09.2015, publicado em 29.09.2015 (págs. 57 e 72)”.

Assim, descontando-se o prazo de suspensão durante o trâmite do procedimento administrativo e a data do ajuizamento da presente demanda, em 16.11.2016, não restou ultrapassado o prazo prescricional quinquenal.

 

Legitimidade do INPI – qualidade da intervenção 

 

Segundo já se posicionou o STJ, no julgamento do Resp 1.264.644,  a qualidade da intervenção do INPI (se litisconsorte passivo necessário; se assistente simples ou litisconsorcial do réu; se amicus curiae ou como assistente especial) nas ações em que se pretende a nulidade de registro “perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade, sempre levando em conta que a pretensão em comento alcança tanto caráter de interesse público como privado”.

Na oportunidade, concluiu a Colenda Quarta Turma da Corte Superior que “a atuação processual autárquica, quando não for autor nem litisconsorte passivo, afastadas as intervenções típicas previstas no CPC/1973, só poderá ser tida como uma intervenção sui generis, de assistente especial (ou até como amicus curiae), inclusive por se dar de forma obrigatória e tendo a presunção absoluta de interesse na causa”. Confira-se:

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. ATUAÇÃO OBRIGATÓRIA DO INPI. ART. 175 DA LEI 9.279/96. POSIÇÃO PROCESSUAL. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO. CAUSA DE PEDIR DA AÇÃO. LITISCONSORTE PASSIVO OU ASSISTENTE ESPECIAL (INTERVENÇÃO SUI GENERIS). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS PELA ATUAÇÃO COMO ASSISTENTE ESPECIAL.

1. O art. 175 da Lei n. 9.279/96 prevê que, na ação de nulidade do registro de marca, o INPI, quando não for autor, intervirá obrigatoriamente no feito, sob pena de nulidade, sendo que a definição da qualidade dessa intervenção perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade.

2. O intuito da norma, ao prever a intervenção da autarquia, foi, para além do interesse dos particulares (em regra, patrimonial), o de preservar o interesse público, impessoal, representado pelo INPI na execução, fiscalização e regulação da propriedade industrial.

3. No momento em que é chamado a intervir no feito em razão de vício inerente ao próprio registro, a autarquia federal deve ser citada na condição de litisconsórcio passivo necessário.

4. Se a causa de pedir da anulatória for a desconstituição da própria marca, algum defeito intrínseco do bem incorpóreo, não havendo questionamento sobre o vício do processo administrativo de registro propriamente dito, o INPI intervirá como assistente especial, numa intervenção sui generis, em atuação muito similar ao amicus curiae, com presunção absoluta de interesse na causa.

5. No tocante aos honorários, não sendo autor nem litisconsorte passivo, mas atuando na condição da intervenção sui generis, não deverá o INPI responder pelos honorários advocatícios, assim como ocorre com o assistente simples.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1264644/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 09/08/2016)

 

 

Na inicial da presente demanda, a parte autora refere-se à invalidade do registro promovido pelo INPI, ao argumento de que não foram observadas pela autarquia as disposições constantes no art. 124 da Lei de Propriedade Industrial, além de pugnar pela concessão do registro da marca “CHURRASCARIA FARROUPILHA”, depositado em 17.05.2002, sob o nº 824.524.381.

Portanto, na hipótese, nota-se, claramente, que o INPI não ocupa apenas a posição de litisconsorte sui generis como alega. Nesta esteira, não haveria como afastar a condenação em honorários, caso vencido o Instituto.

Nesta linha de intelecção:

 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE CONCESSÃO DE REGISTRO DE MARCA. MARCA DE USO GENÉRICO. INPI. LEGITIMIDADE PASSIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. "Não há ilegitimidade passiva do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI em ação que busca invalidar decisão administrativa proferida pela autarquia federal no exercício de sua atribuição de análise de pedidos de registro marcário, sua concessão e declaração administrativa de nulidade. Assim, quando a causa de pedir da ação de nulidade disser respeito a vício cometido pelo próprio INPI ao longo do processo administrativo, haverá legitimidade da autarquia para figurar no processo como litisconsorte passivo" (AgInt no AgInt no REsp 1.493.591/PR, Rel.

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe de 20/08/2019).

2. No caso, como o pedido versa sobre a declaração de nulidade do registro de marca concedida pelo INPI, as instâncias ordinárias reconheceram a legitimidade da autarquia para figurar no polo passivo da lide, acentuando que o INPI deferiu o registro da marca e não adotou nenhuma providência no âmbito administrativo para corrigir eventual nulidade ou ilegalidade.

3. O princípio da causalidade reza que o ônus da sucumbência deve ser suportado pela parte que deu causa ao ajuizamento da ação. Na hipótese, quem deve arcar com os ônus sucumbenciais não é apenas a empresa ré, mas também o INPI, que efetuou o registro equivocado, também dando causa ao ajuizamento da ação.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1564626/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 24/11/2020)

 

Vencidas as preliminares, prossigo.

 

 Dos requisitos para registro de marca

Inicialmente, destaco que a marca de produto ou serviço, nos termos do art. 123 da Lei nº 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial, é o sinal ou símbolo utilizado para diferenciar tais produtos/serviços dos demais. Veja-se:

 

“Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; (...)”

Sobre os requisitos necessários ao registro de marca de produto ou serviço, leciona Marlon Tomazette, in “Curso de Direito Empresarial – Teoria Geral e Direito Societário”, volume 1, Editora Atlas S/A, 6ª edição, 2014, páginas 146 e seguintes:

 

“(...) Para o empresário, marcas funcionam como meios de atrair clientela distinguindo os produtos ou serviços em relação aos dos seus concorrentes. Elas servem também para resguardar os interesses do consumidor em relação à qualidade ou proveniência de determinado produto ou serviço, ou seja, a marca é um referencial para o consumidor poder fazer suas escolhas. Em suma, a marca tem dupla finalidade: resguardar os direitos do titular e proteger os interesses do consumidor.

(...)

Apesar de alguma divergência terminológica, é certo que para que algo possa ser registrado como marca é essencial que atenda a alguns requisitos, quais sejam, a capacidade distintiva do sinal, a novidade e o desimpedimento.

3.1 Capacidade distintiva

Na composição da marca, é essencial que ela seja capaz de diferenciar o produto ou serviço de outro. A marca serve para identificar produtos e serviços, diferenciando-os dos seus concorrentes. Não se exige que o sinal seja novo, mas que ele tenha a possibilidade de diferenciar o produto ou serviço. (...)

3.2 Novidade

Atendendo aos requisitos de existência, a marca, para ser lícita, deve gozar de novidade. Trata-se de uma novidade relativa, isto é, o sinal não precisa ser criado pelo empresário, mas tem que ser capaz de diferenciar o produto ou serviço dos produtos ou serviços de seus concorrentes, vale dizer, tem que ser novo em relação à espécie de produtos que quer identificar. (...) Diante dessa novidade, não se pode registrar marca idêntica a outra marca já protegida para aquele ramo de atuação. Não se admite sequer marca similar que possa gerar confusão com marcas já protegidas. Nesse ponto, protege-se a concorrência, evitando condutas desleais no mercado, isto é, evitando que um empresário se aproveite da boa fama dos produtos de outro empresário. A princípio, uma marca só goza de proteção em determinado ramo de atuação, não havendo nenhum óbice para que uma marca já registrada em um ramo de atuação seja registrada em outro ramo de atuação.

3.3 Desimpedimento

A Lei 9.279/96 indica expressamente várias proibições para o registro das marcas, em seu artigo 124, que serão estudadas em seguida. Assim, para que uma marca seja lícita, ela não pode incorrer em nenhum dos impedimentos previstos na legislação. Daí falar-se em desimpedimento.

(...)

4. Proibições

Como já registrado, a lei expressamente proíbe o registro de marcas em determinadas situações, por motivos variados.

Joaquin Garrigues, na Espanha, reuniu as proibições em quatro grandes grupos, quais sejam: (a) por incompatibilidade entre a função da marca e o sinal escolhido (escudos, símbolos nacionais, Cruz Vermelha, falsa procedência); (b) por razões de moralidade e respeito (violação à moral e aos bons costumes, contrárias a algum culto religioso); (c) por falta de virtude diferenciadora (denominações genéricas, classes, preços, qualidades, pesos e medidas); (d) pelo princípio da exclusividade (outros sinais já registrados).

(...)

No Brasil, o artigo 124 da Lei 9.279/96 apresenta 23 incisos de proibições que serão destacados a seguir. Não se trata de rol exaustivo de proibições, porquanto outras proibições podem decorrer de outros diplomas normativos, (...)

XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;

Conforme já ressaltado, as marcas têm dupla finalidade: distinguir produtos ou serviços e resguardar os interesses do consumidor em relação à qualidade ou proveniência de determinado produto ou serviço, ou seja, a marca é um diferencial para o empresário e um referencial para o consumidor poder fazer suas escolhas. Com o intuito de resguardar essas funções das marcas, a lei proíbe o registro de marcas que possam interferir nas funções das marcas já registradas.

Trata-se de um corolário da lealdade de concorrência, isto é, se alguém já registrou  uma marca, outra pessoa não pode aproveitar da fama dessa marca, seja copiando-a ou imitando-a, ainda que parcialmente. A inserção de acréscimos não desconfigura a deslealdade da conduta, devendo ser repudiada do mesmo modo, salvo se se revestir de suficiente caráter distintivo. Qualquer forma de se aproveitar de uma marca já existente deve ser repudiada pelo direito.

Todavia, a princípio, só será vedada a reprodução ou imitação se houver uma afinidade mercadológica entre as marcas analisadas, ou seja, as marcas devem identificar produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou ao menos afins. Produtos ou serviços totalmente distintos podem ser identificados por marcas idênticas ou semelhantes, ressalvados os casos das marcas de alto renome. Se não houver risco de confusão para o consumidor, não há que se falar em proibição. (...)” (grifos meus)

   

Assim, para que seja deferido o pedido de registro de uma nova marca, cumpre ao INPI checar a eventual existência de registro anterior (princípio da anterioridade), com respeito, ademais, e de acordo com a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, aos princípios da territorialidade e da especialidade.

Acerca das vedações ao registro de marca, especificamente no que tange ao caso em análise, na qual se alega a impossibilidade de registro e exclusividade de expressão comum,  dispõe a Lei nº 9.279/96 em seu artigo 124, incisos II e VI:

 

Art. 124. Não são registráveis como marca:

(...)

II - letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

(...)

VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

(...)

 

Igualmente, o mesmo dispositivo legal, em seu inciso XIX, dita como não registrável a “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia’.

Da leitura deste último inciso, resta claro que, além da observância dos princípios da territorialidade, referente ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo de produto e serviço, o uso de determinada marca será garantido a quem efetivou o registro, dentro de um certo ramo de atividade, em primeiro lugar, princípio da anterioridade, nos termos da uníssona jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

A respeito, colaciono os seguintes julgados:

 

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO QUE DESCONSTITUIU REGISTRO DE MARCA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. EXCLUSIVIDADE DE USO. MARCA "FRACA", EVOCATIVA OU SUGESTIVA. ELEMENTOS NOMINATIVOS. COMPOSIÇÃO DO CONJUNTO MARCÁRIO. DISTINTIVIDADE.

1- Ação distribuída em 18/7/2012. Recurso especial interposto em 28/9/2016 e concluso à Relatora em 29/11/2016.

2- O propósito recursal é definir se o prévio registro da marca CIA. DAS FÓRMULAS FARMÁCIA & MANIPULAÇÃO pelo segundo recorrido constitui óbice à concessão, ao recorrente, do registro da marca COMPANHIA DAS FÓRMULAS FARMÁCIA COM MANIPULAÇÃO.

3- A ausência de decisão acerca de dispositivos legais indicados como violados pelo recorrente impede, quanto a eles, o conhecimento do recurso especial.

4- A propriedade da marca é adquirida a partir da expedição válida de seu registro, o qual assegura a seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território nacional, sendo, como é cediço, expressamente vedado o registro de marca que reproduza ou imite outra preexistente.

5- De acordo com o art. 122 da LPI, apenas sinais visualmente perceptíveis que apresentem certo grau de distintividade podem ser registrados como marcas, sendo inviável o registro de sinais meramente genéricos, comuns ou descritivos.

6- A interpretação do disposto no art. 124, VI, da LPI revela que marcas que constituam expressão de uso comum, de pouca originalidade, sem suficiente forma distintiva (denominadas de "fracas", evocativas ou sugestivas), autorizam a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro válido, admitindo-se sua utilização por terceiros de boa-fé. Precedentes.

7- Hipótese concreta, todavia, em que os elementos nominativos de ambos os conjuntos marcários estão combinados de maneira idêntica, de modo que, tratando-se de empresas que desempenham suas atividades no mesmo setor (manipulação e comércio de medicamentos), aquela que recebeu o registro com anterioridade tem o direito de uso exclusivo.

8- Não se pode confundir a possibilidade de uso, em separado, de algum dos elementos nominativos que integram o conjunto marcário, quando sobre eles não houver direito de exclusividade, com a possibilidade de utilização do próprio conjunto tal como registrado anteriormente, na medida em que se trata de situações diversas.

9- Tratando-se de empresas que atuam no mesmo ramo de serviços, possibilitar o uso simultâneo de marcas compostas pelos mesmos elementos nominativos subverteria os principais objetivos do registro marcário, pois: (i) impediria que se pudesse diferenciar, a priori, um produto ou serviço de outro, prejudicando a concorrência;

e (ii) obstaria o reconhecimento da origem do produto ou serviço adquirido, levando a equívocos acerca de sua procedência, em evidente prejuízo ao público consumidor.

10- Recurso especial não provido.

(REsp 1639961/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018, grifos meus)

 

RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NOME COMERCIAL. MARCAS MISTAS. PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E ESPECIFICIDADE/ESPECIALIDADE. CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - CUP.

1. Não se verifica a alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem se pronunciou de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, nos limites do seu convencimento motivado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. Não há ilegitimidade passiva do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI em ação ordinária que busca invalidar decisão administrativa proferida pela autarquia federal no exercício de sua competência de análise de pedidos de registro marcário, sua concessão e declaração administrativa de nulidade.

3. A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129, caput, e § 1º da Lei n. 9.279/1996. (REsp 1190341/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 28/02/2014 e REsp 899.839/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 01/10/2010).

4. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventual colidência entre nome empresarial e marca não é resolvido tão somente sob a ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo ser levado em conta ainda os princípios da territorialidade, no que concerne ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo de produto e serviço. (REsp 1359666/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/06/2013).

5. No caso concreto, equivoca-se o Tribunal de origem ao afirmar que deve ser dada prioridade ao nome empresarial em detrimento da marca, se o arquivamento na junta comercial ocorreu antes do depósito desta no INPI. Para que a reprodução ou imitação de nome empresarial de terceiro constitua óbice a registro de marca, à luz do princípio da territorialidade, faz-se necessário que a proteção ao nome empresarial não goze de tutela restrita a um Estado, mas detenha a exclusividade sobre o uso em todo o território nacional. Porém, é incontroverso da moldura fática que o registro dos atos constitutivos da autora foi feito apenas na Junta Comercial de Blumenau/SC.

6. A Convenção da União de Paris de 1883 - CUP deu origem ao sistema internacional de propriedade industrial com o objetivo de harmonizar o sistema protetivo relativo ao tema nos países signatários, do qual faz parte o Brasil (). É verdade que o art. 8º da dita Convenção estabelece que "O nome comercial será protegido em todos os países da União, sem obrigação de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio." Não obstante, o escopo desse dispositivo é assegurar a proteção do nome empresarial de determinada sociedade em país diverso do de sua origem, que seja signatário da CUP, e não em seu país natal, onde deve-se atentar às leis locais.

7. O artigo 124, XIX, da Lei da Propriedade Industrial veda o registro de marca que reproduza outra preexistente, ainda que em parte e com acréscimo "suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia". Sob o enfoque pelo ângulo do direito marcário, a possibilidade de confusão e/ou associação entre as marcas é notória, por possuírem identidade fonética e escrita quanto ao elemento nominativo e ambas se destinarem ao segmento mercadológico médico.

Assim, é inviável admitir a coexistência de tais marcas.

8. Ainda que não tivesse sido reconhecido o direito de precedência do registro n. 816805776 para a marca mista MULTIMED, ao contrário do que sugere o Tribunal a quo, não seria possível concluir pela nulidade deste. Isso porque tal registro foi concedido em 1994, não sofrendo nenhuma impugnação por parte da autora, seja administrativamente no prazo de seis meses (art. 101 da Lei n.

5.772/1971, correspondente ao atual 169 da Lei n. 9.279/1996), seja judicialmente no prazo de 5 anos, nos termos do art. 174 da Lei n.

9.279/1996. Desse modo, está preclusa a possibilidade de questionar tal registro por meio de processo administrativo de nulidade, bem como por meio de ação de nulidade de registro. Este só poderá ser impugnado por meio de processo administrativo de caducidade e se preenchidos os requisitos legais, nos termos da Lei da Propriedade Industrial.

9. A desconstituição do registro por ação própria é necessária para que possa ser afastada a garantia da exclusividade em todo o território nacional. (REsp 325158/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2006, DJ 09/10/2006, p. 284 e REsp 1189022/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 02/04/2014).

10. No decorrer de processo administrativo de nulidade já instaurado, afigura-se temerária a conduta do titular de marca registrada que firma contrato de licenciamento com terceiro, tanto mais se não informar este acerca do óbice sofrido pelo registro marcário. Não há nexo de causalidade entre decisão proferida pelo INPI de concessão do registro marcário, posteriormente invalidada por meio de regular processo administrativo, e a desistência de terceiro em prosseguir com o licenciamento desta marca, ao tomar conhecimento de que a sua titular respondia ao referido processo administrativo de nulidade.

11. Recurso especial provido.

(REsp 1184867/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 06/06/2014, grifos meus)

 

Especificamente no que tange à vedação do inciso XIX do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial, o STJ estabeleceu serem três os requisitos para que a marca não possa ser registrada, nos termos do voto do Ministro Relator Humberto Gomes de Barros, proferido no REsp 949.514/RJ:

 

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. COLISÃO DE MARCAS. "MOÇA FIESTA" E "FIESTA".

POSSIBILIDADE DE ERRO, CONFUSÃO OU DÚVIDA NO CONSUMIDOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

- Para impedir o registro de determinada marca é necessária a conjunção de três requisitos: a) imitação ou reprodução, no todo ou em parte, ou com acréscimo de marca alheia já registrada; b) semelhança ou afinidade entre os produtos por ela indicados; c) possibilidade de a coexistência das marcas acarretar confusão ou dúvida no consumidor (Lei 9.279/96 - Art. 124, XIX).

- Afastando o risco de confusão, é possível a coexistência harmônica das marcas.

(REsp 949.514/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ 22/10/2007, p. 271) (g.n)

 

Impende asseverar que, de acordo com as informações disponibilizadas pelo site do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, quando o interessado procede ao depósito do seu pedido para o registro de marca, deve indicar quais são os produtos/serviços que a marca objetiva proteger.

A classificação adotada pelo INPI é a denominada Classificação Internacional de Produtos e Serviços de Nice (NCL, conforme sigla em inglês pela qual a citada classificação é mais conhecida), da qual constam produtos – classes 1 a 34 – e serviços – classes 35 a 45 em rol não exaustivo, o que significa dizer que a lista em referência não abrange todos os tipos de produtos e serviços existentes.

Por essa razão, há ainda listas de apoio, elaboradas pelo INPI, além da atualização da NCL, promovida anualmente pelo Comitê de Peritos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, tudo com o objetivo de oferecer aos depositantes o maior número possível de itens, para o correto enquadramento da marca e precisa checagem das anterioridades.

Assim, estabelecidas as premissas jurídicas pertinentes ao tema, passo à análise do caso concreto.

Em apertada síntese, a recorrente pretende que seja declarada nula a exclusividade do registro da marca “FARROUPILHA” (processo n. 823.082.393) concedido à CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA-EPP, assim como obrigar o INPI a promover o registro do signo da recorrente “CHURRASCARIA FARROUPILHA”, classe NCL(7) 42, depositado em 17.05.2002, através do processo n. 824.524.381.

Refere a apelante que apesar de atuar no mesmo segmento alimentício da apelada, estão localizadas em circunscrições territoriais diversas e distantes (800km), não havendo a possibilidade de confusão entre os consumidores e  desvio de clientela, sendo prova disso o fato de que a autora está em atividade e utiliza o nome fantasia  “CHURRASCARIA FARROUPILHA” há 30 anos,  sem que as litigantes soubessem uma da existência da outra, bem como ao argumento de que o uso da expressão “FARROUPILHA” concerne ao “churrasco gaúcho”, nome pertence ao domínio público e, por isso, é insuscetível de exclusividade por qualquer empresa, conforme determina o art. 124, VI, da Lei n. 9.279/96.

O INPI, por sua vez, esclareceu serem inaplicáveis ao caso a análise do disposto no inciso II do art.124 da LPI, por não tratar de letra, algarismo ou data, assim como  o impedimento ao registro constante no inciso VI do mesmo dispositivo, ao argumento de que a palavra “FARROUPILHA” não tem relação direta com o produto ou serviço assinalado, nem é comumente empregada para designar característica do mesmo.

Refere, ainda, a autarquia que a Cidade de Farroupilha/RS não foi reconhecida como indicação geográfica ou denominação de origem, nos termos dos artigos 177, 178 e 181 da LPI, além da palavra “FARROUPILHA” poder remeter a Guerra dos Farrapos e não exclusivamente ao modo de fazer o ”churrasco gaúcho”, como menciona a autora.

Em conclusão, informa o INPI que (ID 206601780 – fl.150-v): “ a marca CHURRASCARIA FARROUPILHA  reproduz com acréscimo a marca FARROUPILHA,  registrada para assinalar os mesmos serviços de alimentação, havendo risco de confusão e associação errônea pela clientela”. Assim sua concessão violaria o disposto no inciso XIX do art. 124 da LPI, conforme asseverado pelo INPI em sede de exame de registrabilidade e, posteriormente, em sede recursal”.

Destacou o Instituto, por fim, que  o fundamento da autora no que se refere à possibilidade  de convivência das marcas em razão da distância geográfica entre os locais de atuação das empresas detentoras não subsiste em decorrência da proteção o registro da marca ser nacional.

Vejamos.

De fato, segundo o Manual de Marcas “O artigo 129 da LPI consagra o princípio da proteção territorial quando prescreve: “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional”.                                     

Já as etapas de análise acerca da registrabilidade da marca compreendem as seguintes etapas:  

- Análise da liceidade, distintividade e veracidade do sinal marcário - art. 124 da LPI, em seus incisos I, III, XI e XIV;

- Análise da disponibilidade do sinal marcário - arts. 124, incisos IV, V, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XIX, XX, XXII e XXIII, 125 e 126 da LPI.;

- Análise de eventuais oposições e manifestação do requerente do pedido de registro – arts 125,126 e 129,§1º e 219 da LPI;

- Apreciação de documentos obrigatórios em razão da natureza e da forma de apresentação do sinal.

 

O mesmo Manual detalha as hipóteses em que o sinal é irregistrável por seu caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo (item 5.9.3 - http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual), nos termos do inciso VI o art.124 da LPI.

Dita o manual que não são registráveis: sinais que têm relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou signos comumente empregados para designar uma característica do produto ou serviço a serem distinguidos.

Quanto ao primeiro, ressalta o texto técnico que “para aferir se um sinal é genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, é indispensável levar em consideração se o mesmo guarda vínculo direto e imediato com os produtos ou serviços que visa distinguir. Se o vínculo for indireto e longínquo, a condição não está presente e a proibição não se aplica, podendo se tratar de marca fantasiosa ou de marcas evocativas ou sugestivas, que são, em princípio, tecnicamente registráveis.

 Seriam irregistráveis:

 

a) Sinal de caráter genérico

Termo ou expressão nominativa ou a sua representação gráfica que (sem ser de caráter necessário em relação ao produto ou serviço ou indicativo de natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação de serviço) designa a categoria, a espécie ou o gênero ao qual pertence um determinado produto ou serviço, não podendo individualizá-lo, sob pena de atentar contra o direito dos concorrentes.

 b) Sinal de caráter necessário

Termo ou expressão nominativa ou o elemento figurativo indispensável para designar ou representar o produto ou o serviço, ou, ainda, seus insumos.

c) Sinal de caráter comum

Termo ou expressão nominativa ou o elemento figurativo que, embora não corresponda ao nome ou à representação pelo qual o produto ou o serviço foram originariamente identificados, tenha sido consagrado, pelo uso corrente, para essa finalidade, integrando, assim, a linguagem comercial.

d) Sinal de caráter vulgar

Gírias, denominações populares ou familiares que também identificam um produto ou serviço

 

Em relação ao sendo grupo de irregistráveis, “sinal comumente empregado para designar uma característica do produto ou serviço”, o manual indica que:

 

(...)Para aferição da incidência da proibição, é verificado se o sinal efetivamente designa uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção do bem ou prestação dos serviços.

Considera-se sinal empregado comumente para designar as características abaixo, aquele cujo uso reiterado resultou em sua consagração na linguagem comercial corrente para denominar uma característica do produto ou do serviço.

Natureza: a origem produtora ou geradora do produto ou do serviço.

Nacionalidade: caráter distintivo de uma nação ou estado daquele que pertence a uma nação.

Peso: medida de massa, força ou pressão em escala de unidades determinadas, bem como sua respectiva designação quando relacionada ao produto.

Valor: mérito, serventia, validade, importância, em relação ao produto ou serviço.

Qualidade: atributo ou propriedade, negativo ou positivo de coisas, superioridade, excelência em qualquer coisa, desde que seja aplicável ao produto ou serviço.

Época de produção ou de prestação de serviço: a indicação da época na qual o bem foi produzido ou o serviço foi prestado, ou, ainda, a indicação do ano de sua produção.(...)

 

 

No caso concreto, conforme anotado pelo INPI, não houve o reconhecimento quer da cidade de Farroupilha/RS quer da expressão “FARROUPILHA” como sinais que têm relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou como signos comumente empregados para designar uma característica do produto ou serviço a serem distinguidos, situações que confeririam a impossibilidade de registro

Como bem apontou o magistrado, citando o órgão técnico, a expressão “ FARROUPILHA” possui mais de uma acepção, não há como considerá-la irregistrável como pretende a parte autora.

Deste modo, não subsiste o pleito autoral acerca da nulidade do registro n. 823.082.393 da marca “FARROUPILHA”, concedido à corré CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA. – EPP.

Superada a questão acerca da alegada irregistrabilidade, cumpre analisar a questão atinente ao pedido de registro da marca “CHURRASCARIA FARROUPILHA”.

Quanto ao ponto, a solução da controvérsia se resolve à luz dos princípios da anterioridade, da territorialidade e o da especialidade já referidos anteriormente.

Conforme se observa, a autora buscou proteção da marca para restaurantes (alimentação e bebidas), classe NCL(07) 42 e a ré, em serviços de fornecimento de comida e bebida; acomodações temporárias, NCL (08)43, portanto, em classes distintas, em razão das atualizações da classificação, mas que se equivalem.

Nesta esteira, sustenta a apelante, que embora fosse constatada a afinidade e similitude entre e serviços em questão, poderia haver convivência entre ambos, o que refere já ocorrer, na hipótese, por mais de 30 anos. 

Há de destacar, no ponto, que o próprio Manual de Marcas do INPI (item 5.17) ressalta que a possibilidade de convivência entre os sinais marcários afins somente será possível caso afastada a possibilidade de associação ou confusão por parte do consumidores.

E é justamente no sentido da possibilidade de confusão ou associação indevida que o INPI negou o registro da autora (n. 824.524.381), com fundamento no inciso XIX do art. 124 da LPI, em relação ao registro anterior n. 823.082.393 da marca “FARROUPILHA”,  de titularidade da corré CHURRASCARIA ESTANCIA DO SUL LTDA – EPP e cuja transcrição se faz oportuna:

 

(...)Ao examinarmos as argumentações da recorrente, concluímos que o sinal em tela "FARROUPILHA CHURRASCARIA" não é passível de registro, na medida em que reproduz com acréscimo a marca registrada apontada como impeditiva "FARROUPILHA" que visa distinguir serviços idênticos/semelhantes. É certo que a coexistencia dos sinais suscitaria em confusão ou associação indevida por parte do público. (...)

 

De fato, a autarquia, como órgão responsável em executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial,  possui corpo técnico qualificado para analisar os pedidos de registro de marca e a decisão fundamentada em parecer técnico do Instituto, não implica, automaticamente, em desprezo aos argumentos do apelante em sentido contrário, na solução da controvérsia.

Note-se que o magistrado sentenciante ponderou acerca dos princípios da  especialidade e territorialidade, destacando o posicionamento do INPI nos autos, que reconheceu o risco de confusão e associação indevida, e aplicando o princípio da anterioridade.

Logo, não há como se infirmar a análise técnica do INPI, tanto no sentido de ser registrável a marca “FARROUPILHA”, quanto na possibilidade de confusão desta primeira com marca “CHURRASCARIA FARROUPILHA” que pretendeu a autora registrar em seu nome.

Deste modo, nos termos da fundamentação supra e da jurisprudência aplicável à espécie, não vislumbro elementos nos autos  aptos a ensejar a reforma da mesma.

 

Dos honorários recursais

 

O art. 85 do Código de Processo Civil/2015 é claro ao estabelecer que a sentença deverá condenar o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.

A fixação da verba honorária deve observar o princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo ou ao incidente processual deve se responsabilizar pelas despesas dele decorrente.

O Código de Processo Civil/2015 ainda estabelece que os honorários advocatícios devem ser fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou ainda, sobre o valor atualizado da causa, observado o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (§ 2º do artigo 85) e os percentuais previstos no §3º do artigo 85 quando a Fazenda Pública for parte.

No caso,  o INPI, apesar da qualidade da sua intervenção neste feito não foi condenado ao pagamento de honorários em virtude de não sucumbir, o que resta mantido. 
Outrossim, a majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
Assim, no tocante aos honorários recursais, considerando o não provimento do recurso da apelante, majoro os honorários fixados em 1%. Deixo de fixar horários recursais em desfavor do INPI, uma vez que não atende ao requisito do item c.

Dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação e ao recurso adesivo, nos termos da fundamentação supra.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Desembargador Federal Wilson Zauhy:

Peço vênia ao Relator para divergir parcialmente de seu voto, pelas razões que passo a expor:

CHURRASCARIA IRMÃOS KIEZA LTDA ajuizou a presente ação pelo procedimento comum em face do INPI e de CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA - EPP objetivando a anulação do registro de marca n° 823.082.393 ("Farroupilha"), de titularidade da correquerida, e a concessão de registro de marca em seu favor (processo n° 824.524.381 - "Churrascaria Farroupilha").

Narra a empresa autora em sua inicial, em síntese, que seu pedido de registro foi indeferido com fundamento no artigo 124, inciso XIX da LPI, sob o entendimento de que haveria risco de confusão de sua marca com a da correquerida, e que a corré a notificou extrajudicialmente para que não fizesse uso da expressão "Churrascaria Farroupilha" (ID 206601779 - pág. 07/27).

Proferida sentença de improcedência do pedido, que o Relator está mantendo (ID 206602094).

Nada obstante, analisando os elementos dos autos, verifico que a autora alega manter uma churrascaria em São José do Rio Preto, interior do estado de São Paulo, desde 1986, fazendo uso do título de estabelecimento "Churrascaria Farroupilha".

Há nos autos notas fiscais que comprovam o uso desse nome desde, pelo menos, 1999 (ID 206601779 - pág. 40/50).

E, de fato, o único óbice apontado pelo INPI para o registro da marca pleiteado pela autora foi a possibilidade de confusão entre as marcas (ID 206601779 - pág. 64).

Nada obstante, e com todas as vênias, não vislumbro essa possibilidade.

Muito embora a requerida tenha obtido o registro da marca "Farroupilha", que utiliza para identificar a sua churrascaria, seu estabelecimento está localizado em Belo Horizonte/MG.

Há grande distância física entre um e outro restaurante.

Não se cogitou de semelhança entre os elementos figurativos de uma e outra marca, tendo o indeferimento do INPI se fundado exclusivamente na possibilidade de confusão decorrente do uso do termo "Farroupilha".

E também não consta que autora e ré comercializem qualquer tipo de produto fazendo uso de suas marcas, que, ao que parece, servem tão somente para identificar as suas churrascarias.

Na verdade, as partes fazem uso da expressão "Farroupilha" como título de estabelecimento, de sorte que eventual óbice legal ao registro da marca da autora seria aquele previsto no inciso V do artigo 124 da LPI, in verbis:

        Art. 124. Não são registráveis como marca:

(...)

        V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos;

Oportuno registrar, ainda, que a proteção ao nome empresarial justifica-se não como mera preservação do nome em si, mas como instrumento de tutela da identificação do empresário, seja ele empresário individual ou a sociedade empresária, da clientela, do crédito empresarial e, ainda, de preservação dos consumidores contra equívocos que possam decorrer de uma confusão entre empresas.

Desta forma, a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte tem mitigado o critério de anterioridade do registro do nome empresarial para que sejam prestigiados, também, os critérios da territorialidade e da especialidade, como se nota nos seguintes precedentes:

"PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTROS. CONFLITO ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCA. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO DE ANTERIORIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. DIREITO DE PRECEDÊNCIA AO REGISTRO. POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO NA VIA JUDICIAL. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO CONFLITO QUE, TODAVIA, RESULTAM NA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR FUNDAMENTO DIVERSO. COTEJO ANALÍTICO. NÃO REALIZADO. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.

1- Ação distribuída em 31/7/2012. Recurso especial interposto em 26/9/2013 e atribuído à Relatora em 21/3/2017.

2- O propósito recursal é definir se os registros da marca FRANZ ALIMENTOS devem ou não ser anulados em virtude do nome empresarial anterior “CHOCOLATES FRANZ INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. – ME” e em razão do direito de precedência ao registro alegado pela recorrente.

3- Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 535, II, do CPC/73.

4- O capítulo do acórdão recorrido que adota orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma.

5- Para aferição de eventual colidência entre nome empresarial e marca e incidência da proibição legal contida no art. 124, V, da Lei 9.279/96, não se pode restringir-se à análise do critério de anterioridade, mas deve também se levar em consideração os princípios da especialidade e da territorialidade. Precedentes.

6- É possível o reconhecimento judicial da nulidade do registro de marca com fundamento em direito de precedência (art. 129, §1º, da Lei 9.279/1996), que deve, todavia, ser sistematicamente interpretado à luz da proibição legal contida no art. 124, XIX, do mesmo diploma.

7- Hipótese em que os elementos apurados pelos juízos de origem conduzem à inexistência de má-fé, aproveitamento parasitário e deslealdade concorrencial, assim como de risco de confusão ou associação dos consumidores, impondo a manutenção do acórdão recorrido por fundamento diverso.

8- O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma, não sendo suficiente a mera transcrição da ementa e de trechos sem que haja a indicação precisa da divergência.

9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido" (destaquei).

(STJ, REsp n° 1.673.450/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgamento em 19/09/2017).

"    DIREITO EMPRESARIAL. PROTEÇÃO AO NOME COMERCIAL. CONFLITO. NOME COMERCIAL E MARCA. MATÉRIA SUSCITADA NOS EMBARGOS INFRINGENTES. COLIDÊNCIA ENTRE NOMES EMPRESARIAIS. REGISTRO ANTERIOR. USO EXCLUSIVO DO NOME. ÁREAS DE ATIVIDADES DISTINTAS. AUSÊNCIA DE CONFUSÃO, PREJUÍZO OU VANTAGEM INDEVIDA NO SEU EMPREGO. PROTEÇÃO RESTRITA AO ÂMBITO DE ATIVIDADE DA EMPRESA. RECURSO IMPROVIDO.

    1. Conflito entre nome comercial e marca, a teor do art. 59 da Lei n. 5.772/71. Interpretação.

    2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial. Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos.

    3. Utilização de um vocábulo idêntico - FIORELLA - na formação dos dois nomes empresariais - FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA e PRODUTOS FIORELLA LTDA. Ausência de emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pela Corte de origem ao analisar colidência: a) ausência de possibilidade de confusão entre os consumidores; b) atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis.

    4. Tutela do nome comercial entendida de modo relativo. O registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego.

    5. Recurso a que se nega provimento" (destaquei).

    (STJ - REsp 262.643/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 9/3/2010, DJe 17/3/2010).

"DIREITO EMPRESARIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. NOME EMPRESARIAL. COLIDÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE, TERRITORIALIDADE E ESPECIALIDADE. CORRETA A ANULAÇÃO DO REGISTRO DE MARCA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. A Lei n° 9.279/1996 veda expressamente o registro de marca que consista em "reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos" (art. 124, V), sendo certo que é neste dispositivo legal que se funda o pedido de anulação do registro de marca deduzido pela autora.

2. A proteção ao nome empresarial justifica-se não como mera preservação do nome em si, mas como instrumento de tutela da identificação do empresário, seja ele empresário individual ou a sociedade empresária, da clientela, do crédito empresarial e, ainda, de preservação dos consumidores contra equívocos que possam decorrer de uma confusão entre empresas. Desta forma, a Jurisprudência tem mitigado o critério de anterioridade do registro do nome empresarial para que sejam prestigiados, também, os critérios da territorialidade e da especialidade. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte.

3. Demonstrada nos autos a colidência entre o elemento nominativo da marca em questão e o nome empresarial da empresa autora, que fazia uso dele anteriormente, e que autora e ré atuam no mesmo ramo do comércio e na mesma região, com evidente possibilidade de confusão, pelo público consumidor, entre a marca de uma e o nome da outra, correta a sentença de procedência do pedido de anulação da marca em questão, devendo ser mantida.

4. Apelação não provida".

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível n° 0026883-90.2003.4.03.6100/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 14/09/2020, e-DJF3: 22/09/2020). 

No mesmo sentido, o Enunciado n° 2 da I Jornada de Direito Comercial promovida pelo Conselho da Justiça Federal - CJF:

"A vedação de registro de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de nome empresarial de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação (art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada restritivamente e em consonância com o art. 1.166 do Código Civil".

Bem firmadas essas premissas, verifico que autora e ré fazem uso da expressão "Farroupilha" como parte do título de estabelecimento de suas churrascarias, cada qual localizada em uma unidade da federação.

Demais disso, "Farroupilha" é expressão que designou um acontecimento histórico na região Sul do país, não tendo sido criado pela requerida, sendo este um motivo a mais para que não possa ela se apropriar, com exclusividade, desse termo no ramo de churrascarias.

Daí porque entendo que, muito embora não seja possível acolher o pedido de anulação da marca da requerida, a autora comprovou ter direito subjetivo ao registro de sua marca, porque insubsistente a motivação adotada pelo INPI para indeferi-lo.

O recurso adesivo do INPI merece provimento, uma vez que a discussão posta nos autos diz com vício intrínseco do objeto de registro (possível colidência da marca da autora com a da requerida), hipótese em que a autarquia atua no processo como assistente especial, não lhe cabendo arcar com os ônus sucumbenciais da demanda.

Neste sentido:

"DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. DESENHO INDUSTRIAL. PEDIDO DE ANULAÇÃO. VÍCIO INTRÍNSECO AO OBJETO. INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL: ASSISTENTE ESPECIAL. ART. 175 DA LPI. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Trata-se de ação ordinária com pedido de anulação de registro de desenho industrial. Julgado procedente o pedido e condenados o INPI e o titular do registro anulando em custas e honorários sucumbenciais, a autarquia apela para ver afastada a sua condenação.

2. A Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça tem firmado o entendimento de que, em se tratando de discussão acerca de vício inerente ao próprio processo de registro, deve a autarquia figurar no feito na qualidade de litisconsorte passivo necessário, e de assistente especial (intervenção sui generis) no caso em que se debate vício intrínseco ao objeto do registro. Precedentes daquela e desta Corte.

3. Em outras palavras, versando a discussão sobre vício intrínseco de registro de marca (e não extrínseco), o INPI atuou no feito por imposição legal para preservação do interesse público, que pode ou não coincidir com os interesses das partes.

4. No caso concreto, reconheceu-se a nulidade do registro de titularidade da requerida por vício intrínseco, a saber: a colidência do objeto do registro com outro, de titularidade da requerida.

5.Mantida a sentença quanto ao mérito, adotando-se, per relationem, a fundamentação adotada em sentença, especialmente no que se refere à ausência dos requisitos legais de originalidade e distintividade do objeto do registro de desenho industrial aqui discutido.

6. Apelação parcialmente provida para reconhecer a qualidade de assistente especial do INPI, nos termos do artigo 175 da Lei n° 9.279/96, e afastar sua condenação nos ônus sucumbenciais, que recairão integralmente sobre a ré Duarte Luminosos LTDA".

(TRF da 3ª Região, Apelação Cível n° 0001114-60.2015.4.03.6100/SP, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, julgamento em 25/03/2022, DJEN: 29/03/2022).

Deixo de condenar a ré Churrascaria Estância do Sul ao pagamento de custas e honorários, porquanto a parte não deu causa ao ajuizamento da demanda.

Mantida a condenação em honorários fixados em sentença, com os quais arcará a autora exclusivamente em favor dos advogados da Churrascaria Estância do Sul.

Para que não haja dúvidas, esclareço que estou reconhecendo o direito da autora ao registro da marca pleiteado por ela. Essa decisão não afasta o seu dever de arcar com as despesas administrativas relativas ao registro.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da autora para condenar o INPI a conceder registro da marca pleiteado pela demandante e dar provimento ao recurso adesivo do INPI para reconhecer sua qualidade de assistente especial, nos termos do artigo 175 da Lei n° 9.279/96.


E M E N T A

LEI DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE MARCA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.  PRELIMINAR AFASTADA. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO DO INPI. CAUSA DE PEDIR. MARCA REGISTRÁVEL. NEGATIVA DE REGISTRO DE MARCA.  PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE ESPECIALIDADE E TERITORIALIDADE. CAUSALIDADE. HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 
1.Apelação e Recurso Adesivo em face da r. sentença que julgou improcedentes o pedido de  nulidade do registro n. 823.082.393 da marca FARROUPILHA, concedido à CHURRASCARIA ESTÂNCIA DO SUL LTDA. – EPP e, consequentemente, a pretensão da parte autora/apelante de condenação da Autarquia na obrigação de promover o registro da marca CHURRASCARIA FARROUPILHA, classe NCL(7) 42, depositado em 17.05.2002, sob o n. 824.524.381. Condenada  a recorrente ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado.
2. De acordo com o art. 174 da Lei n. 9.279/96, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de anulação de registro de marca é quinquenal e conta-se da data da concessão do mesmo (Art. 174. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão.). Não ultrapassado o prazo prescricional, considerada a suspensão do prazo durante o trâmite do procedimento administrativo. 
3. Segundo já se posicionou o STJ, no julgamento do Resp 1.264.644,  a qualidade da intervenção do INPI (se litisconsorte passivo necessário; se assistente simples ou litisconsorcial do réu; se amicus curiae ou como assistente especial) nas ações em que se pretende a nulidade de registro “perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade, sempre levando em conta que a pretensão em comento alcança tanto caráter de interesse público como privado.Na hipótese, nota-se, claramente, que o INPI não ocupa apenas a posição de litisconsorte sui generis como alega.
4. Para que seja deferido o pedido de registro de uma nova marca, cumpre ao INPI checar a eventual existência de registro anterior (princípio da anterioridade), com respeito, ademais, aos princípios da territorialidade e da especialidade.
5. Refere a apelante que apesar de atuar no mesmo segmento alimentício da apelada, estão localizadas em circunscrições territoriais diversas e distantes (800km), não havendo a possibilidade de confusão entre os consumidores e  desvio de clientela, sendo prova disso o fato de que a autora está em atividade e utiliza o nome fantasia  “CHURRASCARIA FARROUPILHA” há 30 anos,  sem que as litigantes soubessem uma da existência da outra, bem como ao argumento de que o uso da expressão “FARROUPILHA” concerne ao “churrasco gaúcho”, nome pertence ao domínio público e, por isso, é insuscetível de exclusividade por qualquer empresa, conforme determina o art. 124, VI, da Lei n. 9.279/96.
6. O INPI, por sua vez, esclareceu serem inaplicáveis ao caso a análise do disposto no inciso II do art.124 da LPI, por não tratar de letra, algarismo ou data, assim como  o impedimento ao registro constante no inciso VI do mesmo dispositivo, ao argumento de que a palavra “FARROUPILHA” não tem relação direta com o produto ou serviço assinalado, nem é comumente empregada para designar característica do mesmo. 
7. Segundo o Manual de Marcas “O artigo 129 da LPI consagra o princípio da proteção territorial quando prescreve: “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (...)”. 
8. O mesmo Manual detalha as hipóteses em que o sinal é irregistrável por seu caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo (item 5.9.3 - http://manualdemarcas.inpi.gov.br/project/manual), nos termos do inciso VI o art.124 da LPI.  Dita o manual que não são registráveis: sinais que têm relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou signos comumente empregados para designar uma característica do produto ou serviço a serem distinguidos.
9. No caso concreto, conforme anotado pelo INPI, não houve o reconhecimento quer da cidade de Farroupilha/RS quer da expressão “FARROUPILHA” como sinais que têm relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou como signos comumente empregados para designar uma característica do produto ou serviço a serem distinguidos, situações que confeririam a impossibilidade de registro Como bem apontou o magistrado, citando o órgão técnico, a expressão “ FARROUPILHA” possui mais de uma acepção, não há como considerá-la irregistrável como pretende a parte autora. 
10. Registro da marca “CHURRASCARIA FARROUPILHA”: sustenta a apelante, que embora fosse constatada a afinidade e similitude entre e serviços em questão, poderia haver convivência entre ambos, o que refere já ocorrer, na hipótese, por mais de 30 anos.  
11. Há de ressaltar, no ponto, que o próprio Manual de Marcas do INPI (item 5.17) ressalta que a possibilidade de convivência entre os sinais marcários afins somente será possível caso afastada a possibilidade de associação ou confusão por parte do consumidores. E é justamente no sentido da possibilidade de confusão ou associação indevida que o INPI negou o registro da autora (n. 824.524.381), com fundamento no inciso XIX do art. 124 da LPI, em relação ao registro anterior n. 823.082.393 da marca “FARROUPILHA”.
12.  Impossibilidade de se infirmar a análise técnica do INPI, no sentido da possibilidade de confusão. A autarquia, como órgão responsável em executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial,  possui corpo técnico qualificado para analisar os pedidos de registro de marca e a decisão fundamentada em parecer técnico do Instituto, não implica, automaticamente, em desprezo aos argumentos do apelante em sentido contrário, na solução da controvérsia.
13. Honorários. A fixação da verba honorária deve observar o princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo ou ao incidente processual deve se responsabilizar pelas despesas dele decorrente. No caso,  o INPI, apesar da qualidade da sua intervenção neste feito não foi condenado ao pagamento de honorários em virtude de não sucumbir, o que resta mantido. Honorários recursais:  majorados os honorários fixados em desfavor da apelante em 1%. Deixo de fixar horários recursais em desfavor do INPI, uma vez que não preenchidos os requistos cumulativos.
14. Recursos não providos. 
 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento ao recurso de apelação e ao recurso adesivo, nos termos do voto do senhor Desembargador Federal Relator Hélio Nogueira, acompanhado pelos votos dos senhores Desembargadores Federais Valdeci dos Santos e Cotrim Guimarães, bem como do Juiz Federal Convocado Nilson Lopes; vencido o senhor Desembargador Federal Wilson Zauhy, que que lhe dava parcial provimento para condenar o INPI a conceder registro da marca pleiteado pela demandante e dava provimento ao recurso adesivo do INPI para reconhecer sua qualidade de assistente especial, nos termos do artigo 175 da Lei n° 9.279/96 , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.