Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO


Nº 

RELATOR: 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001231-31.2015.4.03.6139

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: ANTONIO MENDES JUSTINO JUNIOR, SONIA ANTUNES

Advogado do(a) RECORRIDO: RAFAEL ANTUNES DE LIMA ARANTES - SP348120-A
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA ARIETE DE OLIVEIRA FRANCA - SP341289-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da decisão constante às fls. 55/58 do ID 125517560, proferida pelo MM. Juiz Federal Edevaldo de Medeiros (1ª Vara Federal de Itapeva/SP), que relaxou a prisão em flagrante de ANTONIO MENDES JUSTINO JÚNIOR e de SÔNIA ANTUNES sob o argumento de ilegalidade na busca veicular e consequente ilicitude de toda a prova relacionada à prática do Descaminho.

 

Os fatos constam dos Autos Principais n.º 0000687-09.2016.4.03.6139, no qual houve oferecimento da denúncia em desfavor dos recorridos e subsequente rejeição da exordial, entendendo o r. Juízo a quo que os policiais procederam à busca veicular em desacordo com o disposto no artigo 240 do mesmo Estatuto Processual Penal, não restando configurada a fundada suspeita, o que teria maculado a obtenção da prova atinente ao Descaminho, tornando-a ilícita, bem como as dela derivadas, nos termos do art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal.

 

Requer o Parquet Federal o reconhecimento da legalidade da prisão em flagrante relativa aos autos n.º 0000684.09.2016.403.6139 em face de ambos os denunciados e a consequente fixação das seguintes medidas cautelares: a) comparecimento bimestral em Juízo para informar atividades e endereço, nos termos do artigo 319, inciso I, do CPP; b) proibição de se aproximarem a menos de 150 km das fronteiras terrestres do Brasil sem prévia autorização judicial, a fim de coibir a reiteração delitiva (art. 319, inciso II, CPP); e c) suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, por ser utilizada para a prática dos delitos, nos termos dos artigos 294 e 295, ambos do Código de Trânsito Brasileiro (fls. 60 do ID 125517560 e 01/16 do ID 12551761).

 

Recebido o recurso (fl. 18 - ID 12551761) e apresentadas as contrarrazões pela Defesa de ANTONIO MENDES JUSTINO JÚNIOR (fls. 38/41 – ID12551761) e de SÔNIA ANTUNES (fls. 46/49 – ID 12551761), subiram os autos a esta E. Corte.

 

O feito retornou à Vara de origem para fins de juízo de retratação, oportunidade em que a decisão recorrida foi mantida pelos seus próprios fundamentos (ID 125547562).

 

Em parecer, a Procuradoria Regional da República atuante nesta instância opinou pelo não provimento do recurso ministerial sob o argumento de que a atual situação não permite a manutenção da custódia preventiva dos denunciados, uma vez que a rejeição da denúncia está atrelada à prova da existência do crime, requisito da prisão preventiva (art. 312, caput, CPP) (ID 134630481).

 

Dispensada a revisão.

 

É o relatório. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0001231-31.2015.4.03.6139

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

RECORRIDO: ANTONIO MENDES JUSTINO JUNIOR, SONIA ANTUNES

Advogado do(a) RECORRIDO: RAFAEL ANTUNES DE LIMA ARANTES - SP348120-A
Advogado do(a) RECORRIDO: JULIANA ARIETE DE OLIVEIRA FRANCA - SP341289-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito no qual o Parquet Federal requer o reconhecimento da legalidade da prisão em flagrante em face dos ora recorridos, e a consequente fixação das seguintes medidas cautelares: a) comparecimento bimestral em Juízo para informar atividades e endereço, nos termos do artigo 319, inciso I, do CPP; b) proibição de se aproximarem a menos de 150 km das fronteiras terrestres do Brasil sem prévia autorização judicial, a fim de coibir a reiteração delitiva (art. 319, inciso II, CPP); e c) suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, por ser utilizada para a prática dos delitos, nos termos dos artigos 294 e 295, ambos do Código de Trânsito Brasileiro (fls. 60 do ID 125517560 e 01/16 do ID 12551761).

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia nos autos do Inquérito Policial distribuído sob n.º 0000687.09.2016.403.6139 (processo principal) em face de SÔNIA ANTUNES, nascida em 23.04.1983, dando-a como incursa nas sanções do artigo 334, caput e § 1º, III, e ANTÔNIO MENDES JUSTINO JÚNIOR, nascido em 25.02.1981, nas sanções do artigo 334, § 1º, III, ambos do Código Penal, com redação dada pela Lei n.º 13.008/2014, na forma do artigo 29 do mesmo diploma legal.

 

Nos termos da exordial, os denunciados, em 17.11.2015, sofreram um acidente de trânsito na Rodovia Francisco Alves Negrão, KM 260, no município de Taquarivaí/SP, e o veículo GM Vectra, placa BUO-2603, conduzido por ANTONIO MENDES JUSTINO JÚNIOR e tendo como passageira SÔNIA ANTUNES, ficou abalroado em um barranco. Em passagem pelo local os policiais militares rodoviários Marcos Felipe de Almeida e Alexandro Bossano pararam para prestar socorro às vítimas que ainda ali se encontravam, ocasião em que, mediante busca veicular, encontraram no porta-malas do automóvel setenta e seis equipamentos eletrônicos e acessórios de origem aparentemente estrangeiras, sem qualquer documento fiscal de importação lícita.

 

Na oportunidade, SÔNIA ANTUNES teria admitido que internalizou tais mercadorias no território brasileiro, as tendo adquirido no Paraguai, cujo intuito era a revenda. ANTONIO MENDES JUSTINO JÚNIOR, por sua vez, teria informado que buscou sua prima SÔNIA ANTUNES na cidade de Cascavel/PR, no dia 16 de novembro, e, após acondicionarem no veículo pertencente a ela os produtos eletrônicos adquiridos no Paraguai, seguiram viagem com destino a Sorocaba/SP no intuito de comercializá-los, porém, acabaram por sofrer o aludido acidente. Referida conduta resultou, segundo a exordial acusatória, na elisão do pagamento dos impostos devidos no valor de R$17.914,06 (dezessete mil, novecentos e quatorze reais e seis centavos). Em decorrência dos fatos, ambos foram presos em flagrante delito.

 

O magistrado rejeitou a denúncia em 03 de março de 2017, com fulcro no artigo 395, incisos II e III, do Código de Processo Penal, sob o argumento de que a diligência realizada pelos policiais foi ilícita, pois a busca veicular não teria sido embasada em fundada suspeita, contrariando, assim, o disposto no artigo 240 do Código de Processo Penal. Neste cenário, não estaria configurada a materialidade delitiva, já que a prova ilícita e as dela derivadas são inadmissíveis, de acordo com o disposto no artigo 157, caput e § 1º, do CPP.

 

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito no processo principal (0000687.09.2016.403.6139) sustentando a legalidade da diligência realizada pelos policiais militares rodoviários e consequente licitude das provas que embasam a materialidade do crime de descaminho, pugnando pelo integral recebimento da peça acusatória.

 

O aludido recurso foi distribuído à minha relatoria, encontrando-se associado a estes autos. Neste cenário, constata-se que no pleito de reconhecimento da legalidade da busca veicular foi reconhecida a licitude da prova e a regularidade da apreensão das mercadorias em contexto de possível crime de descaminho com o consequente recebimento da denúncia, conforme teor do voto, cuja juntada a este feito ora se determina.

 

Outrossim, no presente feito (Auto de Prisão em Flagrante distribuído sob n.º 0001231-31.2015.4.03.6139),  relativo aos fatos acima apontados, ao tomar ciência da prisão de ANTONIO MENDES JUSTINO JÚNIOR e de SÔNIA ANTUNES, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifestou-se pela homologação da prisão em flagrante e fixação de medidas cautelares diversas da prisão tendo em vista a notícia de que os recorridos respondiam a diversos processos administrativos perante a Receita Federal em razão de desencaminhar e contrabandear mercadorias estrangeiras em contexto de reiteração delitiva (fls. 30/33 – ID 125517560).

 

Em seguida, o r. Juízo a quo proferiu decisão em 21 de março de 2017 (55/58 – ID 125517560):

 

“(...) Inicialmente, aponte-se que os fatos aqui tratados foram objeto de oferecimento de Denúncia nos autos do Inquérito Policial nº 00006870920164036139, que foi rejeitada por decisão proferida em 03/03/2017, havendo petição (protocolada na Subseção de Ourinhos e em trânsito para esta Subseção de Itapeva, conforme a certidão de fl. 53) do ‘Parquet’ após a ciência de referida decisão.

Na apreciação da Denúncia, a exordial acusatória foi rejeitada nos seguintes termos:

Compulsando os autos, percebe-se, a toda evidência, que a prova que motivou o oferecimento da denúncia foi colhida em diligência ilícita, realizada pela polícia militar de São Paulo.

Isto porque, de acordo com o artigo 240 do Código de Processo Penal, a busca só pode ser realizada quando houver fundada suspeita de que o indivíduo tenha praticado alguma das condutas descritas nas alíneas do §1º do mesmo artigo. In verbis:

 

Art. 240.  A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.

§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

 

A fundada suspeita a que se refere o Código de Processo Penal é subjetiva e, por isso, deve ser externada pelo policial que faz a diligência, a fim de que o juízo faça controle de legalidade da prova nela colhida.

Conforme consta dos autos, os denunciados, depois de terem colidido com o veículo em que trafegavam em um barranco, foram socorridos pela polícia.

A polícia, sem mandado judicial e sem manifestar nenhum motivo juridicamente apto a respaldar sua conduta, fez busca no automóvel acidentado e nele teria encontrado, no porta-malas, os produtos supostamente descaminhados.

Trata-se, pois, de prova obtida por meio ilícito.

O art. 5º, inciso LVI, da CF e o art. 157, ‘caput’, do CPP determinam a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos.

No mesmo sentido, a doutrina conceitua prova ilícita como aquela obtida em violação a normas de direito material ou de garantias constitucionais. Segundo ensina Gustavo Badaró, ‘Do ponto de vista do direito material, a prova ilícita será colhida com infringência de normas ou princípios previstos na Constituição para proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade’ [1. Gustavo Badaró. Processo Penal, Série Universitária. Ed. Campus Jurídico, 21 ed., p. 284].

Aplica-se, portanto, a teoria dos frutos da árvore envenenada (princípio da contaminação), prevista no art. 157, § 1º do CPP, pois não se pode admitir a utilização de prova ilícita por derivação, sob pena de burlar a própria inadmissibilidade da prova ilícita.

Ensina Aury Lopes Jr. que: ‘pelo princípio da contaminação, o vício se transmite a todos os elementos probatórios obtidos a partir do ato maculado, literalmente contaminando-os com a mesma intensidade.’ (Direito Processual Penal, 9 edição, p. 601).

Logo, considerando que as provas são ilícitas, devem ser inadmitidas, não restando no processo nenhum elemento probatório da materialidade delitiva, sem o que não subsiste crime.

Ante o exposto, REJEITO a denúncia formulada em face de Antônio Mendes Justino Júnior e de Sônia Antunes, com fulcro no artigo 395, incisos II e III, do CPP.

Ciência ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Registre-se.

Com o trânsito em julgado: (I) providencie-se a restituição aos denunciados dos valores recolhidos a título de fiança, sem desconto (fls. 21/22); (II) considerando que os produtos apreendidos foram encaminhados e entregues ao Departamento da Receita Federal (f. 69/74), oficie-se, a fim de que o órgão promova a destinação legal dos bens, nos termos do art. 91, II, b, do Código Penal e do art. 270, X, do Provimento CORE nº 64/2005.

Interposto recurso contra esta decisão, tornem-me os autos conclusos na mesma data, independentemente do horário, processando-o com prioridade.

As mesmas ponderações são pertinentes para a análise da prisão em flagrante registrada nestes autos.

Conforme já apontado, não houve indicação de nenhuma suspeita para que se realizasse a busca no veículo dos flagrados, deixando-se de observar-se a regra prevista no art. 240 do Código de Processo Penal, não se justificando a busca e a apreensão realizadas, bem como a prisão em flagrante delas derivada.

Ante o exposto, RELAXO a prisão em flagrante de ANTONIO MENDES JUSTINO Jr e SÔNIA ANTUNES em relação ao suposto ilícito descaminho, nos termos do art. 310, inciso I, do CPP.

Promova-se o apensamento destes autos de prisão em flagrante aos autos do Inquérito Policial 00006870920164036139.

Interposto recurso do ‘Parquet’, tornem-me os autos conclusos imediatamente (na mesma data, independentemente do horário), para processamento prioritário e encaminhamento destes autos de prisão em flagrante e dos autos do IP 00006870920164036139 ao E. Tribunal Regional Federal, para julgamento em conjunto, considerando que versam sobre os mesmos fatos, a fim de que não haja decisões conflitantes. (...)”

 

 

Em face do decidido, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs o presente Recurso em Sentido Estrito no qual requer o reconhecimento da legalidade da prisão em flagrante relativa aos autos n.º 0000687.09.2016.403.6139 em face de ambos os denunciados e a consequente fixação das medidas cautelares anteriormente mencionadas (fls. 60 do ID 125517560 e 01/16 do ID 12551761).

 

A prisão em flagrante dos recorridos foi regular porquanto foram flagrados pelos policiais militares rodoviários, às 05h30m, do 17.11.2015, na Rodovia Francisco Alves Negrão, km 260 (+ 900 metros), no município de Taquarivaí/SP, que lhes prestaram socorro logo após terem se envolvido em acidente de trânsito, transportando mercadorias estrangeiras, sem documentação comprobatória de sua regular internação, com o intuito de revendê-las em Sorocaba/SP, em contexto indicativo da prática de crime de descaminho.

 

Contudo, neste atual momento, a pertinência da fixação de medidas cautelares diversas da prisão não se sustenta por não se verificar a contemporaneidade, um dos mais relevantes pressupostos das medidas cautelares. Com efeito, de acordo com a sistemática estatuída no Código de Processo Penal, tanto a decretação de uma custódia cautelar preventiva como a imposição de medidas cautelares diversas da restrição da liberdade demanda o implemento de requisito consistente na contemporaneidade dos eventos alegados como embasadores do expediente vindicado ao tempo em que se requer a aplicação do provimento de caráter cautelar.

 

Nesse contexto, não é demais trazer à baila o conteúdo do art. 312, § 2º, do Diploma Processual, na redação dada pela edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que, ainda que se refira textualmente a “prisão preventiva”, tem âmbito de aplicação às medidas cautelares como um todo: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”

 

Na linha do ora sustentado, mostra-se pertinente trazer à colação o magistério de Renato Brasileiro de Lima (in Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora JusPODIVM, 2021, pág. 978): “(...) Princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do ‘periculum libertatis’: para fins de decretação de toda e qualquer medida cautelar, o ‘periculum libertatis’ que a justifica deve ser atual, presente. Afinal, as medidas cautelares são ‘situacionais’, ‘provisionais’, tutelam uma situação fática presente, um risco atual. É dizer, não se admite a decretação de uma medida cautelar para tutelar fatos pretéritos, que não necessariamente ainda se fazem presentes por ocasião da decisão judicial em questão. É exatamente isso o que a doutrina chama de princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do perigo (ou do ‘periculum libertatis’) (...).”

 

Acerca do tema, colaciona-se o julgado a seguir:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO RELATIVA AO PERICULUM LIBERTATIS: AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. RECURSO DO MPF NÃO PROVIDO.

1. Como registrado na decisão ora impugnada, que nesta oportunidade se confirma, o juízo de primeira instância revogou a prisão preventiva do paciente em dezembro de 2019, esclarecendo que as provas já haviam sido produzidas, que sua sentença condenatória havia sido anulada, que o réu já passara mais de dois anos segregado cautelarmente e que já havia sido deferida sua progressão para o regime aberto, de modo que não existiria causa para a custódia processual.

2. Contra essa decisão, o órgão acusatório interpôs o recurso em sentido estrito que veio a ser provido pelo acórdão apontado como coator, em fevereiro de 2022, com fundamento (a) em fatos descritos na denúncia do ano de 2016, (b) no período que permaneceu foragido entre setembro de 2016 e agosto de 2017, (c) em petição anterior à sua soltura em dezembro de 2019 e (d) em suposto descumprimento de medida cautelar que não foi reconhecida pelo juízo de primeira instância e sem registro da sua data.

3. Nesses termos, a instância originária não parece haver indicado circunstâncias atuais que justificassem a medida extrema.

4. A prisão preventiva na segunda instância exigia, nesse contexto, demonstração de urgência (v.g., interferência nas investigações, tentativa de fuga, nova conduta delitiva), na linha do entendimento perfilhado em arestos paradigmáticos desta Corte.

5. Isso porque a contemporaneidade com o reputado indício de periculum libertatis é um dos mais relevantes pressupostos das medidas cautelares: a urgência, seja para o cárcere preventivo, seja para outras providências cautelares menos invasivas à liberdade.

6. Assim, apesar dos argumentos apresentados pelo MPF, não há elementos que justifiquem a reconsideração do decisum.

7. Agravo regimental não provido.

(AgRg no HC n. 721.239/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/3/2022, DJe de 25/3/2022.)

 

Tendo como base as premissas anteriormente sustentadas, não se verifica como deferir, por ora, o pleito de aplicação das medidas cautelares requeridas pelo Parquet Federal à luz de que os fatos apontados, que supostamente supedaneariam a pretensão, datam de 17 de novembro de 2015, não defluindo dos autos, portanto, o implemento do requisito da contemporaneidade que deve estar presente para fins de incidência das disposições elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, já que não é possível fazer uma ponderação entre as circunstâncias do delito, as condições pessoais e atuais dos recorridos e a aplicação de medidas requeridas há mais de seis anos.

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, tudo nos termos da fundamentação.

 

É o voto.

 

Traslade-se cópia do voto proferido no Recurso em Sentido Estrito n.º 0000687.09.2016.403.6139 para estes autos. 

 

 



E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REGULARIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE. FIXAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. ARTIGO 319 DO CPP. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- O pleito de reconhecimento da legalidade da busca veicular é objeto do RESE n.º 0000687.09.2016.403.6139 e nele foi apreciado, sendo reconhecida a licitude da prova e a regularidade da apreensão das mercadorias em contexto de possível crime de descaminho com o consequente recebimento da denúncia em face dos ora recorridos.

- A prisão em flagrante dos recorridos foi regular porquanto foram flagrados pelos policiais militares rodoviários, às 05h30m, do 17.11.2015, na Rodovia Francisco Alves Negrão, km 260 (+ 900 metros), no município de Taquarivaí/SP, que lhes prestaram socorro logo após terem se envolvido em acidente de trânsito, transportando mercadorias estrangeiras, sem documentação comprobatória de sua regular internação, com o intuito de revendê-las em Sorocaba/SP, em contexto indicativo da prática de crime de descaminho.

- Contudo, neste atual momento, a pertinência da fixação de medidas cautelares diversas da prisão não se sustenta por não se verificar a contemporaneidade, um dos mais relevantes pressupostos das medidas cautelares. Com efeito, de acordo com a sistemática estatuída no Código de Processo Penal, tanto a decretação de uma custódia cautelar preventiva como a imposição de medidas cautelares diversas da restrição da liberdade demanda o implemento de requisito consistente na contemporaneidade dos eventos alegados como embasadores do expediente vindicado ao tempo em que se requer a aplicação do provimento de caráter cautelar.

- Nesse contexto, não é demais trazer à baila o conteúdo do art. 312, § 2º, do Diploma Processual, na redação dada pela edição da Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que, ainda que se refira textualmente a “prisão preventiva”, tem âmbito de aplicação às medidas cautelares como um todo: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”

- Na linha do ora sustentado, mostra-se pertinente trazer à colação o magistério de Renato Brasileiro de Lima (in Código de Processo Penal Comentado, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora JusPODIVM, 2021, pág. 978): “(...) Princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do ‘periculum libertatis’: para fins de decretação de toda e qualquer medida cautelar, o ‘periculum libertatis’ que a justifica deve ser atual, presente. Afinal, as medidas cautelares são ‘situacionais’, ‘provisionais’, tutelam uma situação fática presente, um risco atual. É dizer, não se admite a decretação de uma medida cautelar para tutelar fatos pretéritos, que não necessariamente ainda se fazem presentes por ocasião da decisão judicial em questão. É exatamente isso o que a doutrina chama de princípio da atualidade (ou contemporaneidade) do perigo (ou do ‘periculum libertatis’) (...).”

- Tendo como base as premissas anteriormente sustentadas, não se verifica como deferir, por ora, o pleito de aplicação das medidas cautelares requeridas pelo Parquet Federal à luz de que os fatos apontados, que supostamente supedaneariam a pretensão, datam de 17 de novembro de 2015, não defluindo dos autos, portanto, o implemento do requisito da contemporaneidade que deve estar presente para fins de incidência das disposições elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, já que não é possível fazer uma ponderação entre as circunstâncias do delito, as condições pessoais e atuais dos recorridos e a aplicação de medidas requeridas há mais de seis anos.

- Recurso parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.