Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000579-07.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: RITA DE CASSIA BERTOLO MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A

APELADO: BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000579-07.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: RITA DE CASSIA BERTOLO MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A

APELADO: BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de embargos à execução de título extrajudicial ajuizada por Rita de Cássia Bertolo Martins em face do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES.

Alega a embargante que o contrato de mútuo firmado entre as partes possui natureza de crédito rural, razão pela qual devem ser aplicáveis à espécie as normas que tratam do crédito rural no âmbito da política agrícola nacional. Sustentam, assim, a nulidade da execução ante a ausência da conta gráfica vinculada às operações financeiras, na forma prevista pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 167/67, bem como que não teriam sido apresentados os extratos bancários resultantes das operações. Pleiteiam o reconhecimento da prescrição da pretensão executória e a revisão do valor executado.

O BNDES apresentou contestação impugnando, preliminarmente, o valor atribuído à causa. No mérito, alegou a inocorrência da prescrição e que os títulos não possuem a natureza de crédito rural nem base em cédulas de crédito bancários, consistindo, em verdade, em contratos de financiamento bancário tradicional, sem conta corrente vinculada movimentável, não havendo que se falar em apresentação de conta gráfica. Sustenta a legalidade da cobrança em face da mora dos devedores.

A r. sentença monocrática julgou improcedentes os embargos à execução de título extrajudicial, nos termos do artigo 487, inciso I, do CPC, condenando os embargantes ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Foi retificado o valor da causa para o importe de R$ 4.234.071,61 (quatro milhões, duzentos e trinta e quatro mil e setenta e um reais e sessenta e um centavos).

Irresignada, a parte embargante interpôs recurso de apelação arguindo, preliminarmente, a manutenção do valor da causa no montante de R$ 1.000,00 (mil reais), bem como a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da realização de "prova pericial financeira". No mérito, sustenta, em síntese, a natureza rural do crédito contratado, devendo ser aplicados os efeitos decorrentes desta natureza. Requer, ainda, o reconhecimento da prescrição da pretensão executória.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional.

É o relatório.  

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000579-07.2019.4.03.6100

RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: RITA DE CASSIA BERTOLO MARTINS

Advogado do(a) APELANTE: JORGE HENRIQUE MATTAR - SP184114-A

APELADO: BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Preliminarmente, cumpre esclarecer que, em que pese a alegação da parte embargante, o valor da causa no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) não representa com exatidão o proveito econômico a ser obtido pela parte com o ajuizamento da presente ação.

Nessa esteira, a retificação realizada pelo MD. Juízo a quo na sentença recorrida se mostra adequada ao caso concreto tendo em vista que a embargante pleiteia a declaração de nulidade do título exequendo, de modo que o valor da causa deve corresponder, portanto, à integralidade do débito executado.

Ainda, no que concerna à alegação de cerceamento de defesa, nas ações em que se pleiteia a revisão de cláusulas de contratos de mútuo, em regra, incide o artigo 355, inciso I, do novo CPC, permitindo-se o julgamento antecipado da lide, porquanto comumente as questões de mérito são unicamente de direito. Na hipótese de a questão de mérito envolver análise de fatos, é do autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, inteligência do artigo 373, inciso I, do novo CPC/15.

Cabe ao juiz da causa avaliar a pertinência do pedido de realização de perícia contábil, conforme artigos 370 e 464 do novo CPC (artigos 130 e 420 do CPC/73), razão pela qual o indeferimento de pedido para produção de prova pericial, por si só, não representa cerceamento de defesa.

Considerando as alegações da parte embargante e a configuração do caso em tela, não se vislumbra o alegado cerceamento de defesa. Já decidiram neste sentido o Superior Tribunal de Justiça e este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SFH. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 130 E 420 DO CPC. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. SÚMULA N. 7/STJ. PRECEDENTES.

1. O arts. 130 e 420 do CPC delimitam uma faculdade, não uma obrigação, de o magistrado determinar a realização de provas a qualquer tempo e sob seu livre convencimento, podendo indeferir as diligências inúteis, protelatórias ou desnecessárias.

2. A questão relativa ao reajuste das prestações dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) é por demais conhecida no Poder Judiciário, não demandando conhecimentos técnicos que justifiquem perícia contábil para a solução da lide.

3. O recurso especial não é via própria para o reexame de decisório que, com base nos elementos fáticos produzidos ao longo do feito, indeferiu a produção de prova pericial e, na seqüência, de forma antecipada, julgou procedente a ação. Inteligência do enunciado da Súmula n. 7/STJ.

4. Recurso especial conhecido e não-provido.

(STJ, RESP 199900435907, RESP - RECURSO ESPECIAL - 215011, SEGUNDA TURMA, Relator João Otávio de Noronha, DJ DATA:05/09/2005)

PROCESSO CIVIL - SFH - REVISÃO CONTRATUAL - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO - INOVAÇÃO DE PEDIDO NA FASE RECURSAL - IMPOSSIBILIDADE - PLANO DE EQUIVALENCIA SALARIAL.

1 - (...)

4 - Tratando-se de matéria de direito, não há necessidade de perícia contábil nesta fase processual para a solução da controvérsia jurídica estabelecida, pois a análise dos valores corretos poderá ser realizada em fase oportuna, ou seja, na liquidação de sentença.

5 - (...)

8 - Agravo retido não conhecido. Apelação da parte autora desprovida. Apelação da ré provida.

(TRF3, AC 00364468919954036100, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 761719, QUINTA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2015)

Por fim, com relação à prescrição da pretensão executória, é pacífico o entendimento de que o vencimento antecipado de dívidas fundadas em contratos de mútuo não altera o termo inicial para o cálculo do prazo prescricional. O prazo passa a transcorrer somente a partir do dia do vencimento da última parcela prevista para o pagamento do financiamento contratado, razão pela qual não se cogita da configuração da prescrição no caso em tela.

Neste sentido vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça e a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. VENCIMENTO. CITAÇÃO. DEMORA. SÚMULA N. 106-STJ. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO PROVIMENTO.
1. O vencimento antecipado não altera o termo inicial do prazo quinquenal de prescrição para a cobrança de dívida fundada em contrato bancário. Precedentes.
2. A demora na citação por razões inerentes ao mecanismo do Poder Judiciário não dá causa à prescrição, nos termos do verbete n. 106, da Súmula.
3. Pedido é o que se pretende com a instauração da demanda, devendo ser interpretado por todo o corpo da petição inicial e não apenas pelo capítulo que lhe é destinado. Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AGARESP 201202481750, AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 261422, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJE DATA:30/10/2013)

ADMINISTRATIVO. CONTRATO. INADIMPLÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DO VENCIMENTO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. MANUTENÇÃO DO TERMO INICIAL.
1. Trata-se de ação monitória referente ao contrato de abertura de crédito para financiamento estudantil em que a origem afastou a prescrição reconhecida pelo juízo de primeiro grau.
2. Esta Corte pacificou seu entendimento no sentido de que, mesmo diante do vencimento antecipado da dívida, subsiste inalterado o termo inicial do prazo de prescrição - no caso, o dia do vencimento da última parcela, 10.2.2008. Precedentes.
3. Note-se, ainda, que a ninguém é admitido valer-se da própria torpeza. Ora, entender em favor da antecipação do prazo em questão beneficiaria o próprio devedor que criou o óbice para o recebimento do crédito.
4. Recurso especial não provido.
(STJ, RESP 201100764326, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1247168, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJE DATA:30/05/2011)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PELA CITAÇÃO VÁLIDA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. UTILIZAÇÃO DA TR COMO INDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS.
1. Qualquer discussão acerca do termo inicial do prazo prescricional para a cobrança de créditos parcelados tornou-se inócua diante da pacificação do entendimento do E. STJ no sentido de que mesmo diante do vencimento antecipado da dívida, subsiste inalterado o termo inicial do prazo de prescrição, no caso, o dia do vencimento da última parcela.
2. O artigo 206 do Código Civil de 2.002 que, de seu turno, estabeleceu ser de 5 anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Este é o prazo aplicável para a cobrança de dívidas oriundas de contrato de abertura de crédito educativo, não havendo como negar que tal contrato, juntamente com os seus termos aditivos, atendem aos requisitos mínimos de certeza e liquidez do título e se constituem como prova escrita satisfatória para embasar o aforamento da monitória, valendo ressaltar que eventuais divergências de valores não são suficientes para inibirem a cobrança, bastando que tais valores sejam revistos mediante simples cálculos aritméticos.
3. (...)
8. Apelação parcialmente provida.
(TRF3, AC 00003943520134036142, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2057213, Primeira Turma, Relator Desembargador Federal Wilson Zauhy, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/05/2017)

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE CRÉDITO EDUCATIVO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA. RECURSO IMPROVIDO.
1 - Sem razão a apelante quanto à arguição de prescrição, porquanto para contagem do prazo prescricional deve ser considerado como marco inicial a data do vencimento da última parcela. Precedentes.
2 - No caso em tela, considerando o início da fase de amortização em 28/02/2002 (fls. 06) e tendo 54 (cinquenta e quatro) prestações, conclui-se que a data de vencimento da última parcela foi em 28/08/2006. O ajuizamento da ação deu-se em 10/09/2008, muito antes do decurso do prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 206, § 5.º, I do CC. Portanto, não há como dar guarida a pretensão da apelante.
3 - Apelação improvida.
(TRF3, AC 00000829820084036121, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2196643, Relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/02/2017)

No caso dos autos, a data de vencimento da última amortização se deu em 15/03/2014, conforme consta no Contrato Aditivo. A despeito do vencimento antecipado da dívida, não se altera o termo inicial do cálculo do prazo de prescrição quinquenal previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do CC. Desta forma, ao se considerar que o despacho citatório dos coembargados foi proferido em 26/01/2016, não há que se falar em decurso do prazo prescricional quinquenal.

Superadas as questões preliminares, passo à análise do mérito.

O crédito rural foi institucionalizado pela Lei nº 4.829/65 com a finalidade beneficiar o produtor rural e suas cooperativas, sendo a sua aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos delineados em seu texto.

Os artigos 2º, 3º, 8º, 9º, 11 e 12 definem o conceito de crédito rural, assim como o seu objetivo, a sua destinação e as modalidades disponíveis, in verbis:

Art. 2º. Considera-se crédito rural o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou a suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos indicados na legislação em vigor.

Art. 3º. São objetivos específicos do crédito rural:

I - estimular o incremento ordenado dos investimentos rurais, inclusive para armazenamento beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários, quando efetuado por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;

II - favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e a comercialização de produtos agropecuários;

III - possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios;

IV - incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando ao aumento da produtividade e à melhoria do padrão de vida das populações rurais, e à adequada defesa do solo;

Art. 8º. O crédito rural restringe-se ao campo específico do financiamento das atividades rurais e adotará, basicamente, as modalidades de operações indicadas nesta Lei, para suprir as necessidades financeiras do custeio e da comercialização da produção própria, como também as de capital para investimentos e industrialização de produtos agropecuários, quando efetuada por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural.

Art. 9º. Para os efeitos desta Lei, os financiamentos rurais caracterizam-se, segundo a finalidade, como de:

I - custeio, quando destinados a cobrir despesas normais de um ou mais períodos de produção agrícola ou pecuária;

II - investimento, quando se destinarem a inversões em bens e serviços cujos desfrutes se realizem no curso de vários períodos;

III - comercialização, quando destinados, isoladamente, ou como extensão do custeio, a cobrir despesas próprias da fase sucessiva à coleta da produção, sua estocagem, transporte ou à monetização de títulos oriundos da venda pelos produtores;

IV - industrialização de produtos agropecuários, quando efetuada por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural.

Art. 11. Constituem modalidade de operações:

I - Crédito Rural Corrente a produtores rurais de capacidade técnica e substância econômica reconhecidas;

Il - Crédito Rural Orientado, como forma de crédito tecnificado, com assistência técnica prestada pelo financiador, diretamente ou através de entidade especializada em extensão rural, com o objetivo de elevar os níveis de produtividade e melhorar o padrão de vida do produtor e sua família;

III - Crédito às cooperativas de produtores rurais, como antecipação de recursos para funcionamento e aparelhamento, inclusive para integralização de cotas-partes de capital social, destinado a programas de investimento e outras finalidades, prestação de serviços aos cooperados, bem como para financiar estes, nas mesmas condições estabelecidas para as operações diretas de crédito rural, os trabalhos de custeio, coleta, transportes, estocagem e a comercialização da produção respectiva e os gastos com melhoramento de suas propriedades.

IV - Crédito para Comercialização com o fim de garantir aos produtores agrícolas preços remuneradores para a colocação de suas safras e industrialização de produtos agropecuários, quando efetuada por cooperativas ou pelo produtor na sua propriedade rural;

V - Crédito aos programas de colonização e reforma agrária, para financiar projetos de colonização e reforma agrária como as definidas na Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964.

Art. 12. As operações de crédito rural que forem realizadas pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, diretamente ou através de convênios, obedecerão às modalidades do crédito orientado, aplicadas às finalidades previstas na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 167/67 criou as várias modalidades de cédulas de crédito rural, dentre elas, a cédula rural pignoratícia, a cédula rural hipotecária, a cédula rural pignoratícia e hipotecária e a nota de crédito rural.

As referidas cédulas são títulos negociáveis, emitidos pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural, em favor de pessoas físicas ou jurídicas, bem como cooperativas de produtores rurais que se dediquem a atividade rural.

No presente caso, a execução foi ajuizada com base na "Escritura de Contrato de Financiamento Mediante Abertura de Crédito nº 04.2.604.2.1", firmada entre as empresa Floralco Açúcar e Álcool Ltda e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES em 14/10/2004, destinando a concessão de crédito no importe de R$ 16.487.000,00, com garantia hipotecária prestada pela empresa interveniente Agro Bertolo Ltda, além de fiança prestada por João Florentino Bertolo, Maria de Lourdes Zavatti Bertolo, Cediney Mauro Piva, Clarice Aparecida Bertolo Piva, Maria Leonilda Bertolo Frezza, Marcelo Eduardo Frezza, Márcia Regina Frezza, Marta Helena Frezza Rodrigues Sanches, Germando Rodrigues Sanches, Marco Antônio Frezza e Sandra Lúcia Segura Diniz Frezza, conforme disposição prevista na Cláusula 16 do contrato.

Posteriormente, os contratantes firmaram uma nova operação creditícia em 21/12/2009, denominada "Escritura Pública de Aditivo nº 1 ao Contrato de Financiamento mediante abertura de crédito nº 04.2.604.2.1", reconhecendo a existência de um saldo devedor no montante de R$ 6.552.597,35, atualizada até 16/03/2009, com um novo rol de fiadores previsto na Cláusula 14 do aditivo, sendo eles: João Florentino Bertolo, José Reinaldo Bertolo, Cinézia da Silva Bertolo, Marco Antônio Frezza, Sandra Lúcia Segura Diniz Frezza, Maria Aparecida Bertolo Perini, Regina Maria Bertolo Zupirolli, Rita de Cássia Bertolo Martins, João Carlos Berto, Silviane Maria Bertolo Fiorani, Thiago Luís Bertolo, Marina Berto e Mariele Bertolo.

Ao analisar os referidos instrumentos contratuais, verifica-se que não restou demonstrada a natureza de crédito ao empréstimo concedido pelo BNDES.

A priori, é possível observar que a finalidade do mútuo é a ampliação da capacidade industrial da empresa Floralco, conforme consta explicitamente na Cláusula 1ª do contrato, in verbis:

"(...) ampliação da capacidade de moagem de cana de açúcar da usina localizada no município de Flórida Paulista-SP, passando das atuais 1,0 milhão t/ano para 1,8 milhão t/ano (...)"

Portanto, conclui-se que a finalidade do contrato não se assemelha com as finalidades e os objetivos do financiamento rural previstos nos artigos 3º e 9º da Lei nº 4.829/65.

Ademais, como bem salientou o MD. Juízo a quo, o montante do empréstimo é muito superior aos limites de crédito rural estabelecidos na Resolução BACEN nº 3.208/2004, do Conselho Monetário Nacional do Banco Central do Brasil, à época da negociação.

Assim, o contrato de mútuo firmado entre as partes possui características de financiamento bancário comum e não se configura como crédito de natureza rural, razão pela qual não se aplica as disposições legais referentes a tal crédito ao valor exequendo.

Em consequencia, demonstrada a certeza e liquidez do título executivo, a execução deverá prosseguir nos moldes definidos na sentença.

Condeno a parte apelante ao pagamento de honorários advocatícios recursais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida exequenda atualizada.

Isto posto, nego provimento à apelação, mantendo, na íntegra, a douta sentença recorrida.

É o voto.


O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY:

Peço vênia para acompanhar o E. Relator com as ressalvas que faço a seguir.

Como se sabe, de acordo com a jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma, o termo inicial do prazo prescricional estabelecido no art. 206, § 5º, I, do Código Civil, nas obrigações de trato sucessivo, é a data de vencimento da última prestação contratada, independentemente da pactuação de vencimento antecipado da dívida. Isso porque a cobrança antecipada da integralidade do débito é mera faculdade conferida ao credor, não sendo exigível o seu exercício antes do termo final para cumprimento da obrigação. Nesse sentido, veja-se:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL ? EMBARGOS À EXECUÇÃO ? DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA EMBARGANTE. 1. Consideram-se preclusas as matérias que, veiculadas no recurso especial e dirimidas na decisão agravada, não são reiteradas no agravo interno. 2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou entendimento de que o vencimento antecipado do contrato por inadimplemento do devedor não altera o termo inicial da prescrição, que, no caso de mútuo imobiliário, é o dia do vencimento da última parcela. (AgInt no REsp 1520483/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017) 3. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no REsp 1.890.069/SP, Rel. Min. MARCO BUZZI, 4ª Turma, j. 26/10/2020, DJe 29/10/2020)

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO. VENCIMENTO DA ÚLTIMA PARCELA. 1. Acerca do termo inicial do prazo prescricional para a cobrança de créditos parcelados, o E. STJ firmou entendimento no sentido de que, mesmo diante do vencimento antecipado da dívida, subsiste inalterado o termo inicial do prazo de prescrição, no caso, o dia do vencimento da última parcela. 2. Sem que se tenha notícias do vencimento contratualmente previsto para a última parcela, não há como saber qual era o termo inicial da contagem prescricional. 3. A credora ajuizou a execução dentro do prazo de que dispunha, requerendo a citação do requerido para responder aos termos da demanda, e, muito embora a deficiente a instrução destes embargos não traga provas a dar suporte à tese da defesa e às razões da suposta demora para a efetivação da formação processual, a sentença, integrada por embargos de declaração, traz a informação de que tal demora se deu por culpa exclusiva do executado, que dela se esquivou. 4. Muito embora a lei processual vigente estabeleça que a interrupção da prescrição se da com a citação válida, retroagindo seus efeitos à data da propositura da demanda, o que se vê dos autos é que a citação do executado não se efetivou por sua culpa exclusiva, ao criar dificuldades para a exequente localizá-lo. 5. Como se vê da dinâmica processual, pode-se afirmar que, além do ajuizamento ter ocorrido dentro do prazo prescricional, não houve desídia da exequente a justificar a contagem ininterrupta da prescrição. 6. Apelação não provida. (TRF3 – ApCiv 0017403-68.2015.4.03.6100, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY, 1ª Turma. J. 07/02/2017, e-DJF3 20/02/2017)

No caso, da leitura dos autos n. 0026151-89.2015.4.03.6100, verifica-se que o BNDES ajuizou execução de título extrajudicial em face da apelante e outros codevedores em 16/12/2015 (ID 14175681, f. 5-18), com base em escritura de contrato de financiamento mediante abertura de crédito n. 04.2.604.2.1 e escritura pública de aditivo n. 1, celebradas com a Floralco Açúcar e Álcool LTDA (f. 48-86). Os executados figuraram como fiadores no aditivo contratual (cláusula décima quarta – f. 80), pelo qual foi reconhecida e confessada a existência de dívida no valor de R$ 6.552.597,35 (cláusula segunda – f. 71), tendo os devedores se obrigado ao seu pagamento em 60 prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira em 15/04/2009 e a última em 15/03/2014 (cláusula quinta – f. 74).

Considerando que o despacho que ordenou a citação foi proferido em 11/01/2016 (f. 146-147), sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, não houve interrupção da prescrição por tal ato, vez que o art. 240, § 1º, do CPC/2015 ainda não estava em vigor. Nesse caso, a interrupção somente ocorreu com a citação válida dos executados, nos termos do art. 219 do Código então vigente, que assim dispunha:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.

§ 2º Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.

§ 3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias.

§ 4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição.

§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

§ 6º Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento.

Na espécie, a primeira executada citada, Cinézia da Silva Bertolo, o foi em 18/07/2016, conforme certidão do oficial de justiça de f. 169 do ID retro. Embora a apelante tenha sido citada em data posterior, considerando que todos são solidariamente obrigados ao cumprimento da obrigação objeto da execução, nos termos da cláusula décima quarta do contrato (f. 80), a interrupção da prescrição em face de um devedor prejudica todos os demais, nos termos do art. 204, § 1º, do Código Civil, in verbis: “A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.”

Não tendo decorrido prazo superior a cinco anos entre a data de vencimento da última parcela pactuada – 15/03/2014 – e a data da interrupção do prazo prescricional pela citação válida da devedora solidária – 18/07/2016 –, de fato, não há que se falar em prescrição da pretensão do exequente.

Com relação à habilitação do crédito do BNDES na ação de falência movida em face da devedora principal, informada pela apelante, registro que tal fato não impede o prosseguimento da execução em face dos coobrigados solidários, à luz do disposto nos arts. 49, § 1 º, e 59, da Lei n. 11.101/2005, bem como da Súmula 581 do STJ, que assentou que “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”

Vale dizer que, apesar da habilitação, não há notícia de pagamento do crédito do BNDES nos autos falimentares. Na realidade, em consulta ao site do administrador judicial da massa falida do Grupo Bertolo, é possível verificar que ainda estão em andamento os pagamentos em favor dos credores trabalhistas, que precedem aqueles com garantia real, nos termos do art. 83, I, da Lei de Falências .

Portanto, até que haja a satisfação integral do crédito, poderá o BNDES proceder à sua execução em face dos coobrigados solidários, feitas as devidas comunicações de recebimentos no juízo falimentar ao executivo, e vice-versa.

Ante o exposto, acompanho o E. Relator para negar provimento à apelação, com as ressalvas supra expostas.

É como voto.


E M E N T A

EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRELIMINARES. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA NÃO RECONHECIDA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. FINANCIAMENTO BANCÁRIO COMUM. AUSÊNCIA DE FINALIDADE RURAL. RECURSO IMPROVIDO.

I. Preliminarmente, cumpre esclarecer que, em que pese a alegação da parte embargante, o valor da causa no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) não representa com exatidão o proveito econômico a ser obtido pela parte com o ajuizamento da presente ação.

II. Nessa esteira, a retificação realizada pelo MD. Juízo a quo na sentença recorrida se mostra adequada ao caso concreto tendo em vista que a embargante pleiteia a declaração de nulidade do título exequendo, de modo que o valor da causa deve corresponder, portanto, à integralidade do débito executado.

III. Ainda, no que concerna à alegação de cerceamento de defesa, nas ações em que se pleiteia a revisão de cláusulas de contratos de mútuo, em regra, incide o artigo 355, inciso I, do novo CPC, permitindo-se o julgamento antecipado da lide, porquanto comumente as questões de mérito são unicamente de direito. Na hipótese de a questão de mérito envolver análise de fatos, é do autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, inteligência do artigo 373, inciso I, do novo CPC/15.

IV. Cabe ao juiz da causa avaliar a pertinência do pedido de realização de perícia contábil, conforme artigos 370 e 464 do novo CPC (artigos 130 e 420 do CPC/73), razão pela qual o indeferimento de pedido para produção de prova pericial, por si só, não representa cerceamento de defesa. Considerando as alegações da parte embargante e a configuração do caso em tela, não se vislumbra o alegado cerceamento de defesa.

V. Por fim, com relação à prescrição da pretensão executória, é pacífico o entendimento de que o vencimento antecipado de dívidas fundadas em contratos de mútuo não altera o termo inicial para o cálculo do prazo prescricional. O prazo passa a transcorrer somente a partir do dia do vencimento da última parcela prevista para o pagamento do financiamento contratado, razão pela qual não se cogita da configuração da prescrição no caso em tela.

VI. No caso dos autos, a data de vencimento da última amortização se deu em 15/03/2014, conforme consta no Contrato Aditivo. A despeito do vencimento antecipado da dívida, não se altera o termo inicial do cálculo do prazo de prescrição quinquenal previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do CC. Desta forma, ao se considerar que o despacho citatório dos coembargados foi proferido em 26/01/2016, não há que se falar em decurso do prazo prescricional quinquenal.

VII. O crédito rural foi institucionalizado pela Lei nº 4.829/65 com a finalidade beneficiar o produtor rural e suas cooperativas, sendo a sua aplicação exclusiva em atividades que se enquadrem nos objetivos delineados em seu texto. Os artigos 2º, 3º, 8º, 9º, 11 e 12 definem o conceito de crédito rural, assim como o seu objetivo, a sua destinação e as modalidades disponíveis.

VIII. Por sua vez, o Decreto-Lei nº 167/67 criou as várias modalidades de cédulas de crédito rural, dentre elas, a cédula rural pignoratícia, a cédula rural hipotecária, a cédula rural pignoratícia e hipotecária e a nota de crédito rural.

IX. As referidas cédulas são títulos negociáveis, emitidos pelos órgãos integrantes do sistema nacional de crédito rural, em favor de pessoas físicas ou jurídicas, bem como cooperativas de produtores rurais que se dediquem a atividade rural.

X. Ao analisar os referidos instrumentos contratuais, verifica-se que não restou demonstrada a natureza de crédito ao empréstimo concedido pelo BNDES.

XI. A priori, é possível observar que a finalidade do mútuo é a ampliação da capacidade industrial da empresa Floralco, conforme consta explicitamente na Cláusula 1ª do contrato, in verbis: "(...) ampliação da capacidade de moagem de cana de açúcar da usina localizada no município de Flórida Paulista-SP, passando das atuais 1,0 milhão t/ano para 1,8 milhão t/ano (...)". Portanto, conclui-se que a finalidade do contrato não se assemelha com as finalidades e os objetivos do financiamento rural previstos nos artigos 3º e 9º da Lei nº 4.829/65.

XII. Ademais, como bem salientou o MD. Juízo a quo, o montante do empréstimo é muito superior aos limites de crédito rural estabelecidos na Resolução BACEN nº 3.208/2004, do Conselho Monetário Nacional do Banco Central do Brasil, à época da negociação.

XIII. Assim, o contrato de mútuo firmado entre as partes possui características de financiamento bancário comum e não se configura como crédito de natureza rural, razão pela qual não se aplica as disposições legais referentes a tal crédito ao valor exequendo. Em consequencia, demonstrada a certeza e liquidez do título executivo, a execução deverá prosseguir nos moldes definidos na sentença.

XIV. Apelação a que se nega provimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, mantendo, na íntegra, a douta sentença recorrida. O Desembargador Federal Wilson Zauhy acompanhou o relator, com ressalva, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.