CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 0003727-49.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
SUSCITANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES
Advogado do(a) SUSCITANTE: FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S
SUSCITADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 0003727-49.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA SUSCITANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES Advogado do(a) SUSCITANTE: FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S SUSCITADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de conflito de competência, suscitado pela Desembargadora Federal Marli Ferreira - Segunda Seção, em face do Desembargador Federal Hélio Nogueira - Primeira Seção, ambos deste E. Tribunal. A questão originou-se numa ação declaratória de inexistência de relação jurídica, com pedido liminar, interposta pela União, em face de B3 S/A - Brasil, Bolsa e Balcão e Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social ("Mudes") com o intuito de que o Juízo “a quo” desobrigasse a União de participar do Procedimento Arbitral n. 85/2017, assim como de indicar o árbitro que deveria compor o colegiado em questão. Em face da concessão da liminar, a Fundação Mudes, interpôs agravo de instrumento visando "determinar a vinculação da União à arbitragem e o prosseguimento do procedimento arbitral". Aduz a Agravante que, na qualidade de acionista minoritária e substituta processual da Petrobrás, busca no procedimento arbitral "a reparação dos danos causados à companhia pela sua controladora, em razão de atos de abuso de poder e controle por ela praticados. Afirma que a União insurge-se contra a instauração da arbitragem, sustentando não estar vinculada à cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás. Sustenta que a conduta da União constitui medida anti-arbitragem, defendendo, em síntese, a submissão da agravada ao procedimento arbitral. Com a livre distribuição do feito à relatoria do Desembargador Federal Hélio Nogueira (1a Seção), foi proferida decisão determinando a redistribuição a uma das Turmas da 2a Seção desse E. Tribunal, sob o fundamento de que "versando a matéria de fundo sobre direito público, a competência para conhecer do presente recurso pertence à Segunda Seção desta Corte Regional, nos termos do art. 10, §2°, do Regimento Interno". Redistribuído o feito à Desembargadora Federal Marli Ferreira (2ª Seção), foi suscitado o presente conflito negativo de competência, pois, segundo a Desembargadora suscitante, a matéria de fundo, objeto do agravo, não se submete a "regras de direito público". Os autos foram, então, encaminhados ao Órgão Especial, tendo o Desembargador Relator á época, designado o Desembargador suscitado para a apreciação das medidas urgentes. O Desembargador suscitado prestou informações. O Ministério Público Federal apresentou parecer manifestando-se pela improcedência do Conflito, por entender que a questão discutida na ação originária é de direito público. A União apresentou manifestação aduzindo que o agravo de instrumento interposto contra a r. decisão liminar que concedeu a tutela de urgência, o qual ensejou o conflito de competência em voga, perdeu o objeto, eis que proferida sentença no bojo da ação declaratória de inexistência de relação jurídica. Na r. sentença, o D. Juízo “a quo” declara procedente o pedido, tornando definitiva a tutela provisória de urgência, para o fim de desobrigar a União Federal de participar do Procedimento Arbitral nº 85/2017, assim como de indicar o árbitro que deveria compor o colegiado em questão. A Fundação Mudes, em contraponto, alega que não houve perda do objeto do agravo, que a decisão de segundo grau encontra-se em plena vigência, jamais tendo sido proferida qualquer decisão ulterior por este e. TRF-3 que tenha feito cessar seus efeitos ou a revogado; que não pode a r. sentença proferida nos autos da ação declaratória, sob pena de flagrante e irrefragável usurpação de competência do E.TRF-3, reverter ou infirmar, em medida alguma, a determinação do I. Relator do agravo de instrumento nº 5013055-15.2017.4.03.0000; que a r. sentença prolatada sequer transitou em julgado, tendo sido, inclusive, alvo de recurso de apelação por parte da MUDES. É o relatório.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 0003727-49.2017.4.03.0000 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA SUSCITANTE: FUNDAÇÃO MOVIMENTO UNIVERSITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL - MUDES Advogado do(a) SUSCITANTE: FABIANO DE CASTRO ROBALINHO CAVALCANTI - RJ95237-S SUSCITADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Preliminarmente, quanto a eventual perda de objeto do Agravo de Instrumento, alegada pela União, por conta da prolação de r. sentença, confirmando na ação originária a tutela provisória concedida, considero que deverá ser analisada e decidida pelo Juízo competente para julgamento do Agravo de Instrumento, ora declarado, em nada influenciando no julgamento deste Conflito de Competência. No que pertine ao mérito, a questão central do Conflito versa sobre a natureza da relação jurídica litigiosa discutida no Agravo de Instrumento, se de direito privado ou público, portanto, se competência da 1ª ou 2ª. Seção deste E. Tribunal. Como previsto no artigo 10 do Regimento Interno deste E. Tribunal: “Art. 10 - A competência das Seções e das respectivas Turmas, que as integram, é fixada em função da matéria e da natureza da relação jurídica litigiosa. § 1º - À Primeira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos: I - às contribuições destinadas ao custeio da Previdência Social, ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); II - à matéria de direito privado, dentre outras: a) domínio e posse; b) locação de imóveis; c) família e sucessões; d) direitos reais sobre a coisa alheia; e) constituição, dissolução e liquidação de sociedades; III - à matéria trabalhista de competência residual; IV - à propriedade industrial; V - aos registros públicos; VI - aos servidores civis e militares; VII - às desapropriações e apossamentos administrativos. § 2º - À Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos ao direito público, ressalvados os que se incluem na competência da Primeira e Terceira Seções, dentre outros: I - matéria constitucional, incluindo nacionalidade, opção e naturalização, excetuadas as competências do Órgão Especial, da Primeira e Terceira Seções; II - licitações; III - nulidade e anulabilidade de atos administrativos, excetuada a matéria da Primeira e Terceira Seções; IV - ensino superior; V - inscrição e exercício profissional; VI - tributos em geral e preços públicos; VII - contribuições, excetuadas as de competência da Primeira Seção”. Há de se considerar que o objeto do Agravo de Instrumento é a busca da Agravante Fundação MUDES, através do procedimento arbitral, na condição de substituta processual da Petrobrás, da responsabilização da União, acionista controladora da sociedade de economia mista, que violou diversos deveres, ocasionando inúmeros prejuízos. Denota-se, nesse contexto, que a Agravante, pleiteia a reparação de danos que a União, na condição de acionista controladora teria ocasionado à empresa, pela prática de atos ilícitos de gestão. Assim, numa análise superficial, há a impressão de que a matéria de fundo versa sobre direito público. Entretanto, ao exame mais detalhado, percebe-se que, no caso em voga, a controvérsia fulcral é a aplicação ou não da disposição contida no artigo 58 do Estatuto da Petrobrás, sociedade de economia mista, dotada de personalidade jurídica de direito privado, nos termos do art. 4° da Lei 13.303/16. As Sociedades de Economia Mista são pessoas jurídicas de direito privado, por isso são criadas por autorização legal. Como regra, elas podem exercer a exploração de atividades gerais de caráter econômico e, em algumas situações, a prestação de serviços públicos. Embora as empresas públicas possam estar sob qualquer forma do direito, as sociedades de economia mista são sociedades anônimas. Como brilhantemente fundamentado pela I. Des. Fed. Suscitante, Dra Marli Ferreira, quando suscitou o presente conflito: “as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, ainda que haja capital de pessoa jurídica de direito público interno. Como ensina Hely Lopes Meirelles "revestem a forma de empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas de sociedades mercantis." A Lei n° 6.404/76, que rege as sociedades anônimas, determina que as sociedades de economia mista ficam sujeitas a essa regulamentação. Nesse mesmo sentido os arts. 4°, caput, e 50 da Lei n° 13.303/2016 reafirmam a constituição pela forma exclusiva de sociedade anônima. Definitivamente a relação jurídica travada nesses autos, nem de perto, enseja a submissão a regras de direito público, pois é a própria Constituição Federal, em seu art. 173, § 10, II, que estabelece à sociedade de economia mista e suas subsidiárias exploradoras de atividade econômica a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Ressalvo as exceções constitucionais, como a contratação de pessoal bem como a de obras, serviços, compras e alienações (art. 37, II e XXI e art. 173, § 1°, III). Acrescente-se que a Lei n° 13.303, de 30 de junho de 2016, que estabeleceu o estatuto jurídico da sociedade de economia mista, foi editada para dar efetividade ao § 1° do art. 173 da CF, dispondo em seu art. 40, § 1°, que a pessoa jurídica que controla a sociedade tem os deveres e as responsabilidades do acionista controlador, estabelecidos na Lei n° 6.404/76. Portanto, não cabe aqui, com a devida vênia, desviar-se da controvérsia existente entre a empresa, aqui representada pela agravante, e sua sócia controladora na apuração de eventual responsabilidade por atos ilícitos de gestão. Ora, se a discussão é exatamente sobre a apuração de eventuais ilícitos de gestão praticados pela União Federal na qualidade de controladora da Petrobrás, como destacado pelo e. Desembargador suscitado em sua r. decisão, tenho que a matéria de fundo não pode ser considerada de direito público, mas essencialmente de direito privado na forma da Lei n° 6.404/76, conforme disposto no art. 40, § 1°, da Lei n° 13.303/2016 (...).” Destaco que coube ao Des. Fed. José Carlos Francisco, componente da 2ª Turma, 1ª Seção deste E. TRF da 3a Região, decidir o Agravo de Instrumento no. 5010588-24.2021.4.03.0000 (Agravante: Alejandro Constantino Stratiotis; Agravada: União Federal, Terceiro Interessado: Fundação MUDES) interposto por ALEJANDRO CONSTANTINO STRATIOTIS em face de decisão que, em sede de ação declaratória, deferiu o pedido de tutela de urgência, para suspender a sentença arbitral parcial proferida nos Procedimentos Arbitrais CAM 85/2017 e CAM 97/2017. A matéria era análoga, envolvendo o Procedimento arbitral mencionado no Agravo de Instrumento que fundamentou este Conflito de Competência. Há no caso em exame, na essência, um litígio societário, fundado na lei societária e no estatuto social da companhia, contrato plurilateral, razão pela qual a responsabilidade pretendida tem natureza contratual, matéria inegavelmente de direito privado. Em decorrência disso, o conflito de competência deve ser julgado PROCEDENTE, fixando-se a competência para o julgamento do agravo de instrumento na 1a Seção desse E. Tribunal – Des. Fed. Hélio Nogueira, nos termos do §1° do art. 10, do RITRF3, acima transcrito.
E M E N T A
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 58 DO ESTATUTO DA PETROBRÁS À UNIÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. PROCEDIMENTO ARBITRAL. LITÍGIO SOCIETÁRIO. MATÉRIA DE DIREITO PRIVADO. COMPETÊNCIA DA 1ª SEÇÃO DO TRF 3ª REGIÃO. ARTIGO 10, §1° do RITRF3. CONFLITO PROCEDENTE.
1. Conflito de competência entre a 1ª e a 2ª Seções do Tribunal, originado em Agravo de instrumento visando determinar a vinculação da União à arbitragem e o prosseguimento do procedimento arbitral. Artigo 58 do Estatuto da Petrobrás.
2. Objeto do procedimento arbitral: pedido de reparação de danos que a União, acionista controladora da Petrobrás, teria ocasionado à empresa, pela prática de atos ilícitos de gestão.
3. A Lei n° 6.404/76, que rege as sociedades anônimas, determina que as sociedades de economia mista, como a Petrobrás, ficam sujeitas a essa regulamentação. Os arts. 4°, caput, e 50 da Lei n° 13.303/2016 reafirmam a constituição pela forma exclusiva de sociedade anônima. A Constituição Federal, em seu art. 173, § 10, II, estabelece à sociedade de economia mista e suas subsidiárias exploradoras de atividade econômica a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
4. Litígio societário, fundado na lei societária e no estatuto social da companhia, contrato plurilateral, razão pela qual a responsabilidade pretendida tem natureza contratual, matéria inegavelmente de direito privado.
5. Competência para o julgamento do agravo de instrumento na 1a Seção desse E. Tribunal – Des. Fed. Hélio Nogueira, nos termos do §1° do art. 10, do RITRF3.
6. Conflito de competência procedente.