APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA
APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de Embargos de Declaração (ID 156866347) opostos por JOEL GUILHERME DA SILVA, em face do acórdão (ID 156265529), que, por unanimidade, decidiu, dar parcial provimento aos recursos da acusação e da defesa para condenar Joel Guilherme da Silva pela prática do delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, reduzir a pena-base fixada para o crime previsto no artigo 334-A, §1º, do Código Penal, reformando as penas do acusado para 3 (três) anos de reclusão e 1 (um) ano de detenção, em regime inicial aberto, mantida a substituição da reprimenda por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como afastar a inabilitação para dirigir veículo automotor. A ementa está assim redigida: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA DEFESA. CONTRABANDO. ARTIGO 334-A, §1º, INCISO V, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. REFORMA DA REPRIMENDA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. MANTIDA A CAPITULAÇÃO JURÍDICA PARA O CRIME DO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/1962. CONDENAÇÃO. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS. INCABÍVEL. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AFASTADA. RECURSOS DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Artigo 334-A, §1º do CP. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso e restaram devidamente comprovadas nos autos pelo Auto de Prisão em Flagrante, Termo de Apreensão, Laudo Pericial de Merceologia, com indicação da origem estrangeira dos cigarros apreendidos, Termo de Apreensão, Laudo Pericial de Eletroeletrônicos, bem como pelas declarações das testemunhas e interrogatório do acusado, em sede policial e em juízo. 2. Artigo 70 da Lei nº 4.117/62. A utilização clandestina e eventual de rádio transceptor se amolda ao artigo 70 da Lei nº 4.117/1962. No presente caso não há indícios de habitualidade na utilização do rádio encontrado no veículo, de forma que não se pode imputar ao acusado a prática do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. 3. Crime de natureza formal, se consumando com o mero risco de dano às telecomunicações. Basta para caracterização do delito que o aparelho, em condições de funcionamento, esteja instalado no veículo, sendo irrelevante a comprovação do uso pelo acusado. 4. Dosimetria. Artigo 334-A, §1º do CP. Considerando a expressiva quantidade de cigarros transportados pelo acusado, deve ser mantida a exasperação, contudo, reduzida a fração de aumento. Reforma da reprimenda. 5. Dosimetria. Artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Não havendo motivo para a exasperação e não verificada a existência de dano a terceiro, a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea, contudo, não aplicada em razão do disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Considerada a prática de ambos os delitos, o acusado preenche os requisitos do artigo 33, §2º, “c” do Código Penal, restando mantido o regime aberto para o início de cumprimento de pena. 7. Cumpridos os requisitos do artigo 44 do Código Penal e considerando que o quantum da soma das reprimendas corporais se manteve inalterado em relação ao fixado na r. sentença, de modo a evitar prejuízo ao acusado, mantenho a substituição da forma com fixada pelo Juízo a quo. 8. No presente caso, não há que se falar na fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados. No crime de contrabando aplica-se o perdimento como sanção. No presente caso não se verificou consequências patrimoniais à Administração Pública ou a terceiro, o que impossibilita aferir qualquer valor mínimo para a reparação do suposto dano. 9. Não restou comprovado nos autos que o acusado se dedique à prática de atividades criminosas utilizando o veículo como instrumento. Não há outros elementos que indiquem a necessidade e conveniência da medida. Tratando-se o acusado de motorista profissional, que faz dessa atividade seu meio de vida, de rigor o afastamento da medida prevista no artigo 92, III, do Código Penal. 10. Recurso da acusação e da defesa parcialmente providos. A defesa do embargante aponta omissão no acórdão no que se refere aos seguintes pontos: a) aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4117/62, aduzindo que a potência máxima de 10W para a qual estava configurado o transceptor encontrado no veículo está abaixo do patamar de 25W, considerado pela jurisprudência como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância; b) aplicabilidade do princípio da consunção do delito capitulado no artigo 70 da Lei 4117/62 pelo crime previsto no artigo 334-A do Código Penal, argumentando que o uso do transceptor no veículo visava apenas facilitar a internalização de cigarros em território nacional; c) indevida aplicação de pena de multa, aduzindo que os crimes imputados ao réu não preveem pena de multa; d) o reconhecimento da possibilidade de formulação do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), com a remessa dos autos a 1ª instância para que o Ministério Público Federal de origem analise e ofereça proposta do Acordo previsto no artigo 28-A do CPP e, em caso de recusa no oferecimento, que haja a remessa a Instância Superior do Órgão, na forma descrita na norma do artigo 28 do CPP. O Ministério Público Federal, em contrarrazões, manifestando-se pelo desprovimento dos embargos (ID 156986781). É o Relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008356-11.2017.4.03.6000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, JOEL GUILHERME DA SILVA APELADO: JOEL GUILHERME DA SILVA, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Sobre o cabimento dos embargos de declaração. Como cediço, os embargos de declaração constituem recurso de fundamentação vinculada, cabíveis nas restritas e taxativas hipóteses previstas no art. 619, do Código de Processo Penal, de modo que a mera irresignação com o entendimento apresentado na decisão embargada, visando à reversão do julgado, ainda que deduzida sob o pretexto de sanar omissão, contradição, ambiguidade ou obscuridade, não tem o condão de viabilizar o provimento dos declaratórios. É sob esse prisma, pois, que passo a analisar os embargos opostos. Da aplicação do princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4117/62. O delito é de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a conduta cause efetivo prejuízo a outrem. Além disso, trata-se de delito de perigo abstrato, que tutela a segurança e a regular operabilidade do sistema de telecomunicações do país, uma vez desenvolvida a atividade clandestina de telecomunicação, tem-se por consumado o delito. Assim, não há que se indagar a ocorrência de prejuízo a terceiros para fins de subsunção da conduta ao tipo examinado. Pelas mesmas razões não é possível a aplicação do princípio da insignificância à espécie. Nesse sentido, os julgados: "HABEAS CORPUS. PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/191997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117/1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado "princípio da insignificância" e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que "a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa" (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. O crime de exploração clandestina de atividade de telecomunicação é formal (não exige resultado naturalístico), cuja consumação se dá com o mero desenvolvimento clandestino da atividade. Havendo dano a terceiro, a parte final do preceito secundário do art. 183 da Lei 9.472/191997 estabelece um aumento de metade da pena. Justamente por não ser elementar do tipo penal, a configuração desse crime não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem difuso, que corresponde ao potencial risco de lesão ao regular funcionamento do sistema de telecomunicações. Doutrina. 4. Comprovado que o paciente colocou em funcionamento rádio comunitária , de forma irregular, (a) com equipamentos de potência superior ao permitido para entidades exploradoras do serviço de radiodifusão comunitária e (b) capaz de interferir em outras atividades de telecomunicações , (c) além de já haver sido anteriormente surpreendido por fiscais da ANATEL praticando a mesma conduta, não há espaço para a incidência do denominado princípio da insignificância, pois ausente os requisitos da inexpressividade da lesão jurídica e da mínima ofensividade da conduta. Precedentes. 5. Ambas as Turmas desta já decidiram que "a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de telecomunicações por força do requisito da habitualidade" (HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada." (HC 128567, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 22-09-2015 PUBLIC 23-09-2015) "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME FORMAL, DE PERIGO ABSTRATO. I - A eg. Corte a quo entendeu pelo reconhecimento da atipicidade da conduta prevista no art. 183 da Lei 9.472/97, ao argumento de que ausente potencialidade lesiva ao bem jurídico tutelado, bem como em razão de o agente já haver possuído autorização para explorar o serviço de radiotáxi, a qual expirou por razões alheias à segurança da coletividade. II - Contudo, de acordo com o entendimento firmado nesta Corte, 'o delito do art. 183 da Lei n. 9.472/1997 é crime formal, de perigo abstrato, razão pela qual não cabe a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. Incidência do enunciado n. 83 da Súmula do STJ' (AgRg no AREsp 1.012.489/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 22/09/2017). (...)" (STJ, AgRg no AREsp 1336955/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 31/10/2018) "AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. ART. 183, DA LEI N. 9.472/1997. CRIME FORMAL DE PERIGO ABSTRATO. COMPROVAÇÃO DO DANO. PRESCINDIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. VESTÍGIOS. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE NOVOS FUNDAMENTOS CAPAZES DE MODIFICAR O ACÓRDÃO IMPUGNADO. AGRAVO IMPROVIDO. (...) 3. O crime de exercício clandestino de radiodifusão, tipificado no art. 183, da Lei 9.472/97, por constituir delito formal e de perigo abstrato, não necessita da demonstração de dano efetivo para fins de justificar a tutela da lei penal, sendo, portanto, descabida a exigência de exame pericial quando a materialidade delitiva e a autoria ficarem comprovadas por outros elementos de provas existentes nos autos. Precedentes. 4. Inexistindo a imprescindibilidade de mensuração do dano para a configuração do mencionado delito, a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça posiciona-se pela inaplicabilidade do princípio da insignificância ao crime do art. 183, da Lei 9.472/1997. Precedente. (...)" (STJ, AgRg no REsp 1480873/RO, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 28/05/2018). Assim demonstrado, não cabe a aplicação do princípio da insignificância ao crime previsto no artigo 70, da Lei 4117/62. Da aplicação do princípio da consunção do delito capitulado no artigo 70 da Lei 4117/62 pelo crime previsto no artigo 334-A do Código Penal. A defesa requer a aplicação do princípio da consunção, com absorção do crime previsto no art. 70 da Lei 4117/62 pelo crime de contrabando. A consumação do crime do art. 334, do Código Penal, independe da utilização de equipamentos de telecomunicações usados clandestinamente, os quais servem apenas para facilitar a troca de informações, a qual poderia se dar por outro meio, de modo que não há como ser aplicado o princípio da consunção. Nesse sentido, a jurisprudência a seguir colacionada: PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 70 DA LEI N. 4.117/62 E ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. CRIME FORMAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. CONTRABANDO. DESCAMINHO. INAPLICABILIDADE. AUTORIA. MATERIALIDADE. 1. O exercício de atividade de telecomunicação desprovida de adequada autorização, concessão ou permissão constitui ilícito penal. O fato era tipificado pelo art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, e atualmente pelo art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, cuja aplicação decorre da revogação dos dispositivos da lei anterior, nos termos do art. 215, I, da nova lei. Cumpre esclarecer que a Lei n. 4.117/62 foi revogada "salvo quanto a matéria penal não tratada" na Lei n. 9.472/97, como diz o último dispositivo mencionado. Logo, como há tipo penal que rege a matéria, entende-se que o anterior DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO Data de Divulgação: 04/08/2011 615/1494 ficou superado, incidindo tão-somente quanto aos fatos ocorridos anteriormente à nova lei, por ser esta mais gravosa (CP, art. 2º). 2. Não é aplicável o princípio da insignificância ao crime de atividade clandestina de telecomunicações, pois, independentemente de grave lesão ou dolo, trata-se de crime de perigo, com emissão de sinais no espaço eletromagnético à revelia dos sistemas de segurança estabelecidos pelo Poder Público. O simples funcionamento de aparelho de telecomunicação sem autorização legal, independentemente de ser em baixa ou alta potência, coloca em risco o bem comum e a paz social. 3. O delito do art. 183 da Lei n. 9.472/97 se consuma com a participação em atividade de telecomunicações, sem autorização do órgão competente, sendo irrelevante a apresentação ou não de laudo pericial. 4. O crime do art. 183 da Lei n. 9.472/97 tem natureza formal, de modo que prescinde de resultado naturalístico para a sua consumação. É despiciendo, assim, que a conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem. O delito se consuma com o mero risco potencial de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, o regular funcionamento do sistema de telecomunicações, bastando para tanto a comprovação de que o agente desenvolveu atividade de radiocomunicação, espécie de telecomunicação, sem a devida autorização do órgão competente. 5. A consumação do crime do art. 334 do Código Penal independe da utilização de equipamentos de telecomunicações usados clandestinamente, os quais servem apenas para facilitar a troca de informações, a qual poderia se das por outro meio, de modo que não há como ser aplicado o princípio da consunção. 6. A materialidade e a autoria dos delitos restaram suficientemente demonstradas. 7. Preliminares rejeitadas. Apelação desprovida. (TRF-3 - ACR: 766 MS 2010.60.06.000766-0, Relator: JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, Data de Julgamento: 25/07/2011, QUINTA TURMA) - Grifo nosso. Assim, não assiste razão à defesa. Da aplicação de pena de multa. A defesa sustenta que foi indevida a aplicação de pena de multa, aduzindo que os crimes imputados ao réu não preveem pena de multa. Sem razão a defesa. O réu foi condenado à pena de 3 (três) anos de reclusão e 1 (um) ano de detenção, em concurso material, sendo as penas corporais substituídas por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e multa no valor de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Ao contrário do que alega a defesa a pena de multa foi aplicada não em decorrência de previsão nos preceitos secundários dos crimes imputados ao acusado, mas sim por conta da substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos mais a multa, conforme preceitua o art. 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, in verbis: “...§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos...” (destaquei). Assim, ao realizar a substituição da pena privativa de liberdade, o Magistrado, atendendo ao disposto no referido artigo e considerando mais adequado ao caso concreto, realizou a substituição por uma pena restritiva de direitos e pena de multa, não havendo de se cogitar em realizar a exclusão dessa penalidade. Desta sorte, nesses pontos até aqui debatidos, resta clara a intenção de a defesa de conferir efeitos infringentes ao recurso, a fim de ensejar a reanálise do mérito, verificando-se que o inconformismo do embargante tem como real escopo a pretensão de reformar o acórdão, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal, uma vez que não há qualquer obscuridade ou omissão no v. acórdão embargado. Do Acordo de Não Persecução Penal. O embargante aponta omissão no acórdão no que se refere à aplicação do artigo 28-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n.º 13.964/2019, sobre a propositura, pelo Ministério Público Federal, de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). De fato, cumpre esclarecer que a principal pretensão defensiva é ver apreciada e acolhida questão jurídica inovadora nestes autos, qual seja a superveniência da Lei nº 13.964, de 24/12/2019 que introduziu a figura do acordo de não persecução penal no artigo 28-A, do Código de Processo Penal in verbis: "(...) Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. § 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (...)" Primeiramente, em relação a possibilidade do ANPP nos processos em curso quando do advento da Lei 13964/2019 que previu o instituto, embora a questão não tenha sido ainda pacificada pelas Cortes Superiores em caráter definitivo, entendo que a celebração do acordo é possível até o trânsito em julgado da ação penal, tendo em vista que o instituto ostenta natureza mista, material e processual, em razão de acarretar a extinção da punibilidade do réu, quando cumpridas as cláusulas do acordo. Dito isto, resta analisar o espectro da cognição judicial quando o Ministério Público deixar de propor o multicitado acordo. A negativa de proposta do ANPP pelo Parquet, na nova sistemática estabelecida pelo pacote anticrime, desafia recurso direto do interessado no âmbito da própria estrutura do Ministério Público, possibilitando que a negativa seja reavaliada pela instância superior do órgão, na forma do art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal. Tal recurso, como dito, não tem natureza judicial, até porque incide na fase pré-processual, quando acontecem de ordinário as tratativas para o acordo em questão. Tal previsão coaduna-se ademais com a alteração do próprio artigo 28 do CPP (não falo aqui do 28-A), que passaria, de acordo com a Lei 13964/2019, a prever recurso direto das vítimas para a superior instância ministerial, em caso de promoção de arquivamento pelo membro do Ministério Público oficiante, pondo fim à previsão original que era de provocação pelo juiz, caso discordasse do pedido de arquivamento. Contudo, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia dessa alteração legislativa, mantendo por ora a validade da redação anterior do art. 28, isto é, a iniciativa judicial para provocar a revisão. Com efeito, cumpre-se lembrar que o STF, no julgamento da ADI 6.298, suspendeu a nova redação do artigo 28, caput, dada pela Lei nº 13.964/2019 e, expressamente, manteve a redação revogada do artigo 28 até o julgamento final da ADI, assim como indeferiu o pedido cautelar de suspensão do artigo 28-A. Sedimentou-se na doutrina e na jurisprudência brasileiras a diretriz de que os institutos despenalizadores como a transação penal e a suspensão condicional do processo não implicam num direito subjetivo dos investigados e acusados, capaz de ser tutelado judicialmente em toda sua extensão, mas comportam discricionariedade do órgão acusatório na sua proposição e na análise do preenchimento dos requisitos legais. Assim, com efeito, o Supremo Tribunal Federal veio a adotar a Súmula 696, que aplicou analogicamente o art. 28 do Código de Processo Penal, impedindo que o juiz, diante da negativa do Parquet, aplique diretamente os institutos da transação e da suspensão condicional do processo, mas permitindo que remeta os autos à superior instância do órgão para fins de reavaliação da posição do membro oficiante do Ministério Público. Resguardou-se, assim, a discricionariedade do Parquet para a propositura dos institutos mencionados, em conformidade com o sistema acusatório adotado na Constituição, mas viabilizando-se a revisão do ato no próprio âmbito ministerial, o que por sua vez se revela salutar em termos dos direitos e garantias individuais. Penso que os mesmos contornos acima delineados devem ser utilizados para tratar do acordo de não persecução penal. O Poder Judiciário poderá, sim, sindicar diretamente os requisitos mais objetivos do instituto, como, por exemplo, o montante da pena mínima capaz de possibilitar a benesse, a questão da existência ou não de reincidência ou maus antecedentes, caso tais aspectos se tornem polêmicos, declarando em alguns casos, por exemplo, a inexistência do óbice, a fim de suscitar nova avaliação do Parquet sem aquele entrave. Também cabe ao Poder Judiciário, na sua função de dizer o direito, analisar questões processuais, como a já mencionada possibilidade de o acordo ser proposto ou não nos processos em curso. Contudo, como já referido, não poderá o Poder Judiciário adentrar naquele âmbito de discricionariedade conferido ao Ministério Público, tanto em razão da função deste como titular da ação penal e formulador de políticas criminais como, também, pela natureza de "conceitos jurídicos indeterminados" de alguns dos requisitos legais, notadamente quanto à "suficiência do acordo para reprovação e prevenção" do crime, nos termos do art. 28-A, caput. Não é demais lembrar que a doutrina majoritária, no Direito Administrativo, entende haver uma "margem de livre apreciação" do administrador na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, na linha do ensinamento do jurista alemão Otto Bachof. Em uma análise atenta acerca do instituto verifica-se que consiste em um acordo formulado entre o Parquet, o investigado e o seu defensor, em infrações sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, sendo necessário o cumprimento de algumas condições. Além disso, a medida deve ser suficiente à prevenção e reprovação do delito. Há ainda a ressalva de que o acordo não será cabível em certas hipóteses, como quando existirem elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. Em que pese o âmbito da discricionariedade na atuação do Ministério Público no oferecimento do ANPP, in casu, verifica-se não haver óbice à propositura do acordo ao embargante, considerados os requisitos objetivos insculpidos pela norma disposta no artigo 28-A do Código de Processo Penal. Nesse ponto, cumpre ressaltar que, compulsados os autos, constata-se que o embargante não é reincidente e nem possui maus antecedentes. Verifica-se, portanto, inexistirem elementos que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. Diga-se, por fim, que o art. 28-A, §14, do CPP, enseja a possibilidade de o próprio interessado recorrer da decisão ministerial, no âmbito do próprio Parquet, devolvendo toda a matéria à superior instância do órgão. Contudo, tal artigo tem aplicação na fase pré-processual. No caso da aplicação retroativa do ANPP aos feitos em curso, a hipótese é de eventual manejo do art. 28, na sua redação original que foi mantida em vigor pelo Supremo, tendo em vista que já existe processo e cognição judicial. Aplicado esse dispositivo à questão do ANPP, analogicamente e por extensão do raciocínio da Súmula 696, o juiz ou tribunal poderá se valer do art. 28 e remeter os autos à Procuradoria-Geral, quando discordar das razões de que se houver valido o membro do Parquet para rejeitar a oferta do acordo. Ante o exposto, acolho parcialmente os embargos declaratórios opostos pela Defensoria Pública da União em favor de JOEL GUILHERME DA SILVA, para determinar a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República. É como voto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 70 DA LEI 4117/62. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO AO DELITO CAPITULADO NO ARTIGO 70 DA LEI 4117/62 COM O CRIME PREVISTO NO ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. PENA DE MULTA. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. POSSIBILIDADE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS DA DEFESA PARCIALMENTE ACOLHIDOS.
1. Resta clara a intenção da defesa de conferir efeitos infringentes ao recurso, a fim de ensejar a reanálise do mérito, verificando-se que o inconformismo do embargante tem como real escopo a pretensão de reformar o acórdão, o que não se coaduna com os objetivos traçados pelos artigos 619 e 620 do Código de Processo Penal, uma vez que não há qualquer obscuridade ou omissão no v. acórdão embargado.
2. Da inaplicabilidade do princípio da insignificância ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4117/62. O delito é de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a conduta cause efetivo prejuízo a outrem. Além disso, trata-se de delito de perigo abstrato, que tutela a segurança e a regular operabilidade do sistema de telecomunicações do país, uma vez desenvolvida a atividade clandestina de telecomunicação, tem-se por consumado o delito. Assim, não há que se indagar a ocorrência de prejuízo a terceiros para fins de subsunção da conduta ao tipo examinado.
3. Da inaplicabilidade do princípio da consunção do delito capitulado no artigo 70 da Lei 4117/62 pelo crime previsto no artigo 334-A do Código Penal. A defesa requer a aplicação do princípio da consunção, com absorção do crime previsto no art. 70 da Lei 4117/62 pelo crime de contrabando. A consumação do crime do art. 334, do Código Penal, independe da utilização de equipamentos de telecomunicações usados clandestinamente, os quais servem apenas para facilitar a troca de informações, a qual poderia se dar por outro meio, de modo que não há como ser aplicado o princípio da consunção.
4. A multa de 10 (dez) dias-multa foi aplicada por conta da substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos mais a multa, conforme preceitua o art. 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal e não em decorrência de previsão nos preceitos secundários dos crimes imputados ao acusado. Ao realizar a substituição da pena privativa de liberdade, o Magistrado, atendendo ao disposto no referido artigo e considerando mais adequado ao caso concreto, realizou a substituição por uma pena restritiva de direitos e pena de multa, não havendo de se cogitar em realizar a exclusão dessa penalidade.
5. A celebração do acordo é possível até o trânsito em julgado da ação penal, tendo em vista que o instituto ostenta natureza mista, material e processual, em razão de acarretar a extinção da punibilidade do réu, quando cumpridas as cláusulas do acordo.
6. O Poder Judiciário poderá sindicar diretamente os requisitos objetivos do instituto e analisar questões processuais. Contudo, não poderá o Poder Judiciário adentrar naquele âmbito de discricionariedade conferido ao Ministério Público, em razão da função deste como titular da ação penal.
7. Verifica-se não haver óbice à propositura do acordo ao embargante, considerados os requisitos objetivos insculpidos pela norma disposta no artigo 28-A do Código de Processo Penal.
8. Embargos declaratórios da defesa parcialmente acolhidos.