Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004878-65.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

RECORRENTE: POSTO SCARIOT LTDA
APELANTE: MATHEUS PEREIRA

Advogados do(a) RECORRENTE: MICHEL GARCIA - SC14677-A, ANDRE GROCHOVSKI PEREIRA DE SOUZA - SC24483-A
Advogado do(a) APELANTE: JOSE VALERIANO DE SOUZA FONTOURA - MS6277-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, OPERAÇÃO CAVOK
RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004878-65.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

RECORRENTE: POSTO SCARIOT LTDA
APELANTE: MATHEUS PEREIRA

Advogados do(a) RECORRENTE: MICHEL GARCIA - SC14677-A, ANDRE GROCHOVSKI PEREIRA DE SOUZA - SC24483-A
Advogado do(a) APELANTE: JOSE VALERIANO DE SOUZA FONTOURA - MS6277-A

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recurso de apelação interposto por Matheus Pereira contra a sentença de Id n. 253311022, que julgou improcedentes os embargos de terceiro opostos pela empresa Posto Scariot Ltda., nos quais esta sustentava ser a legítima proprietária da aeronave Cirrus Design, SR 22, matrícula PP-OFF, e, nessa condição, requeria o imediato levantamento do sequestro que incidia sobre o bem, decretado nos Autos n. 5001163-34.2020.4.03.6005 (Id n. 253311030).

Trata-se também de recurso em sentido estrito interposto por Posto Scariot Ltda. contra a decisão de Id n. 253311034, que deixou de receber a apelação interposta pela empresa embargante (Id n. 253311037).

O apelante Matheus Pereira sustenta, em síntese, o seguinte:

a) o apelante adquiriu a aeronave Cirrus Design, prefixo PP-OFF, da empresa Posto Scariot Ltda., ora apelada, mediante contrato particular de compra e venda com reserva de domínio, com pagamento parcelado, conforme descrito na inicial dos embargos de terceiro;

b) quando do cumprimento dos mandados de busca e apreensão expedidos por decisão proferida nos Autos n. 5000302-48.2020.403.6005, no dia 06.08.20, no âmbito da Operação Cavok, a aeronave, que estava sob a posse do apelante, foi apreendida, constituindo objeto da medida cautelar de sequestro derivada do Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005;

c) no momento da apreensão da aeronave o apelante já havia pagado à empresa embargante R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), do total de R$ 1.950.000,00 (um milhão, novecentos e cinquenta mil reais), deixando de pagar as três últimas parcelas do negócio jurídico, as quais totalizam R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais);

d) o apelante Matheus Pereira demonstrou a origem lícita da aeronave, esclarecendo que a inadimplência noticiada na inicial decorreu justamente do sequestro das aeronaves de sua propriedade, as quais eram sua fonte de renda, e pleiteou a procedência dos embargos quanto à pretensão de levantamento do sequestro e a improcedência do pedido de entrega da aeronave à empresa embargante Posto Scariot Ltda., mas na sentença o Juízo a quo julgou inteiramente improcedentes os embargos de terceiro, mantendo o sequestro;

e) quando do cumprimento dos mandados de busca e apreensão e sequestro de bens, o apelante, piloto profissional, encontrava-se na posse da aeronave Cirrus Design, prefixo PP-OFF, localizada no Hangar 10 do Aeroporto Santa Maria, em Campo Grande (MS), sede da empresa Latitude Aviação Executiva e Táxi Aéreo Ltda., da qual é sócio e que atua como captadora de aeronaves para a aquisição individual e compartilhada, cotização e administração de cotas dos referidos bens;

f) o apelante adquiriu a aeronave da empresa Posto Scariot Ltda. mediante pagamento parcelado, e esta havia adquirido o bem por meio de arrendamento mercantil junto ao BB Leasing S/A Arrendamento Mercantil, atualmente quitado;

g) não há liame entre a aeronave e crime de lavagem de dinheiro ou procedência ilícita, esvaziando os fundamentos do pedido de sequestro formulado pelo Ministério Público Federal;

h) deve ser sopesado no presente caso o fato de que a aeronave Cirrus Design de prefixo PP-OFF sequer era objeto de busca e apreensão, e somente foi apreendida e sequestrada porque estava na posse do apelante no momento do cumprimento dos mandados pela Polícia Federal;

i) foi provado nos autos que o apelante adquiriu a aeronave, cuja origem é lícita, para ser utilizado como instrumento de trabalho, e o bem não é produto de crime;

j) não pode subsistir o sequestro da aeronave, pois a medida cautelar, prevista no art. 125 e seguintes do Código de Processo Penal, visa à constrição de bens adquiridos com o produto do crime;

k) no Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005 a Autoridade Policial constatou o não envolvimento do apelante Matheus Pereira com a organização criminosa e os crimes por ela praticados, razão pela qual o apelante não foi denunciado e nem mesmo indiciado;

l) entretanto, referida investigação foi redistribuída, dando início à investigação para a apuração de possíveis crimes de lavagem de capitais;

m) verifica-se que as investigações sobre os crimes que ensejaram a apreensão e o sequestro da aeronave foram concluídas e não houve oferecimento de denúncia contra o apelante, e, com o desdobramento da Operação Cavok, passou-se a investigar a prática de suposto crime de lavagem de capitais, permanecendo a medida cautelar de sequestro sobre os bens do apelante, sem que tenha sido oferecida denúncia até o presente momento;

n) a regra contida no art. 131 do Código de Processo Penal atende ao princípio constitucional da razoável duração do processo, que deve incidir sobre as medidas cautelares, evitando que o cidadão permaneça por tempo indeterminado ou demasiadamente longo privado de seus bens quando sequer pesa sobre ele denúncia por prática de crime, demonstrando, minimamente, que o bem sobre o qual recai a medida constritiva é resultado de ilícito;

o) requer a reforma da sentença recorrida para julgar parcialmente procedentes os embargos de terceiro, tão somente quanto ao pedido de levantamento de sequestro, no sentido de ser restituída a posse da aeronave ao apelante (Id n. 253311042).

A recorrente Posto Scariot Ltda. alega o quanto segue:

a) ao receber os embargos de terceiro, o MM. Juízo a quo manifestou-se no sentido de que os embargos de terceiro têm natureza de ação e implicam a formação de um novo processo, que segue subsidiariamente o rito prescrito no art. 674 e seguintes do Código de Processo Civil;

b) sobreveio sentença julgando antecipadamente a lide e decidindo pela improcedência dos embargos de terceiro;

c) o Juízo a quo deixou de receber a apelação interposta pela embargante recorrente por entendê-la manifestamente intempestiva, nos termos do art. 593, caput e inciso II, do Código de Processo Penal;

d) há uma enorme diferença entre o incidente de restituição de coisa apreendida, suporte da decisão recorrida, e os embargos de terceiro, recurso manejado pela recorrente;

e) o MM. Juízo a quo deu tratamento processual civil aos embargos de terceiro, chegando a determinar a intimação das partes para impugnação, sabidamente inexistente na seara processual penal, salvo nos casos de ação penal de iniciativa privada, nos termos do art. 806 do Código de Processo Penal;

f) ao interpor seu recurso, a embargante utilizou o prazo de 15 (quinze) dias do Código de Processo Civil, considerando que o próprio Juízo conduzira todo o processo à luz desse diploma legal;

g) a embargante apresentou o recurso e as razões em peça única, como determina o art. 514 do Código de Processo Civil, demonstrando o seu entendimento de que o processo era realmente conduzido segundo as normas processuais civis;

h) a decisão recorrida é ilegal, pois o princípio da lealdade processual, de matriz constitucional e consubstanciado no art. 14 do Código de Processo Civil, aplica-se não só às partes, mas a todos os sujeitos que porventura atuem no processo, sob pena de possibilidade de comportamento contraditório do Estado-juiz e prejuízo à parte que age de boa-fé;

i) ante as decisões anteriores dando tratamento cível à ação interposta, a decisão de não conhecimento da apelação caracteriza ofensa ao princípio do devido processo legal substantivo;

j) requer o provimento ao recurso em sentido estrito para conhecer da apelação interposta (Id n. 253311037).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões à apelação interposta por Matheus Pereira, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (Id n. 253311046).

Em parecer, o Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação interposto por Matheus Pereira (Id n. 253685128), bem como requereu o retorno do feito ao 1º grau para que fosse oportunizado ao Procurador da República a apresentação de contrarrazões ao recurso em sentido estrito interposto por Posto Scariot Ltda., e manifestou-se pela formação de instrumento para processamento do recurso em sentido estrito, permanecendo nos presentes autos apenas a apreciação da apelação que já se encontrava em termos para julgamento (Id n. 253685627).

Os autos retornaram ao Juízo de origem e o Ministério Público Federal apresentou contrarrazões ao recurso em sentindo estrito interposto por Posto Scariot Ltda. (Id n. 258709471).

O MM. Juízo a quo manteve a decisão que deixou de conhecer do recurso de apelação interposta pela embargante Posto Scariot Ltda. (Id n. 258709472).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se pelo desprovimento do recurso em sentido estrito (Id n. 259011257).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.

 

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004878-65.2021.4.03.6000

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Advogados do(a) RECORRENTE: MICHEL GARCIA - SC14677-A, ANDRE GROCHOVSKI PEREIRA DE SOUZA - SC24483-A
Advogado do(a) APELANTE: JOSE VALERIANO DE SOUZA FONTOURA - MS6277-A

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V O T O

 

 

Embargos de terceiro (CPP, art. 129). Apelação. Prazo. A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a apelação interposta contra a sentença que julga os embargos de terceiro previstos no art. 129 do Código de Processo Penal é processada segundo os arts. 593 e seguintes desse Código, não se aplicando as regras do Código de Processo Civil:

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EMBARGOS DE TERCEIRO. APELAÇÃO INTEMPESTIVA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA E SUPLETIVA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 593 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. O Código de Processo Penal admite a oposição de embargos de terceiro em caso de medidas assecuratórias (CPP, art. 129). O processamento dos embargos de terceiro, à luz da interpretação conjunta do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42) e do art. 3º do próprio Código de Processo Penal, pressupõe a aplicação subsidiária e supletiva das regras do Código de Processo Civil.

2. A aplicação do Código de Processo Civil não significa que todo o procedimento será regido por este, mas sim que eventuais lacunas do Código de Processo Penal deverão ser preenchidas, de modo a concretizar a completude do ordenamento jurídico.

3. Tendo em vista que não é possível afastar as regras expressas e específicas da fase recursal previstas pelo Código de Processo Penal, o prazo para a interposição de apelação em face de sentença que julgou os embargos de terceiro relativos a matéria penal e processual penal é o previsto por seu art. 593.

4. Recurso em sentido estrito desprovido.

(TRF da 3ª Região, ACR n. 0008748-92.2015.4.03.6105, Rel. Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaféria, j. 26.09.17)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL EM EMBARGOS DE TERCEIROS. APLICAÇÃO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 593 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. A verificação do recurso cabível é aferida com base no Juízo competente para julgar a ação principal e não em razão não da natureza da medida em si.

2. Na hipótese dos autos, sendo competente o Juízo criminal para julgar os embargos de terceiros, previstos nos artigos 129 e 130, inc. II, do Código de Processo Penal, ainda que se reconheça a natureza cível da ação, o recurso será a apelação criminal, inclusive no que diz respeito aos prazos processuais.

3. Portanto, fica claro que a sentença ora atacada é impugnável por meio do recurso de apelação, a ser interposto no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 593 do Código de Processo Penal. Precedentes.

4. A sentença proferida nos presentes embargos foi disponibilizada no Diário Eletrônico do dia 25/08/2010 (fl. 191), considerando-se data da publicação o primeiro dia útil subsequente, no caso, 27/08/2010 (sexta-feira), pois no dia 26/08/2010 (quinta-feira) foi feriado em Campo Grande/MS (aniversário da cidade). Por conseguinte, o prazo recursal iniciou-se em 30/08/2010 (segunda-feira), exaurindo-se no dia 03/09/2010 (sexta-feira).

5. Todavia, o presente recurso foi protocolado somente em 08/09/2010 (fls. 193/194), quando o prazo recursal já se encontrava consumado.

6. Recurso não conhecido.

(TRF da 3ª Região, ACR n. 0010701-96.2007.4.03.6000, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 12.09.16)

 

PENAL - PROCESSUAL PENAL - CARTA TESTEMUNHÁVEL - NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO POR INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - SEQUESTRO DE BENS - BENS ADQUIRIDOS COM DINHEIRO DE ATIVIDADES ILÍCITAS - EMBARGOS DE TERCEIRO DE BOA-FÉ - CARTA TESTEMUNHÁVEL CONHECIDA E PROVIDA PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DETERMINANDO O PROCESSAMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA PARA POSTERIOR SUBIDA AO JUÍZO AD QUEM PARA APRECIAÇÃO DO MÉRITO RECURSAL (...).

3. Julgados improcedentes os embargos, interpôs apelação, com base no art. 593, II, do CPP, que, no entanto, não foi admitida, sob fundamento de não ter sido feito o preparo - art. 511 do CPC. Em face disso, a instituição financeira apresentou recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, XV do CPP, que não foi conhecido pelo juiz a quo sob o fundamento de inadequação da via eleita, visto que sendo os embargos de terceiro ação regida pelo CPC, caberia agravo e não recurso em sentido estrito. Mantida a decisão em sede de juízo de retratação, a embargante lançou mão da presente carta testemunhável, a teor do art. 639, I, do CPP (...).

5. Com relação ao cabimento do preparo na apelação interposta nos embargos de terceiro, assiste razão ao embargante. Na hipótese dos autos, os embargos de terceiro constituem um incidente em ação penal, a teor do que dispõe o artigo 129 e 130 do Código de Processo Penal.

6. A aplicação do Código de Processo Civil aos embargos de terceiro opostos incidentalmente à ação penal é subsidiária e a eles não se aplica o artigo 511 do CPC que trata do preparo, conforme tem decidido os TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS. Precedentes (...).

8. Na hipótese dos autos (sentença que julga improcedente os embargos de terceiro) cabe apelação, incidindo o preceito do art. 593, II (apelação supletiva) do Código de Processo Penal, que tem um raio de incidência residual, pois abarca todas as decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos em que não caiba expressamente o recurso em sentido estrito, não havendo necessidade de se recorrer subsidiariamente ao CPC para se buscar qual o recurso cabível.

9. Assim, conclui-se que os embargos de terceiro foram propostos com base no artigo 129 do CPP em ação penal, em decorrência de seqüestro de bens supostamente adquiridos com dinheiro de atividades ilícitas, decretado por força de decisão na seara criminal, não se aplicando, pois, o art. 511 do CPC, razão pela qual deve ser conhecido o recurso de apelação interposto pelo embargante, independentemente de preparo (...).

(TRF da 3ª Região, CT n. 0015190-32.2010.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 13.05.13)

 

Do caso dos autos. O MM. Juízo a quo deixou de receber a apelação interposta pela empresa embargante Posto Scariot Ltda., ante sua intempestividade (Id n. 253311034).

A recorrente alega, em síntese, que foi observado o prazo recursal previsto no Código de Processo Civil, em conformidade com o processamento do feito em 1º grau, que seguiu as normas processuais civis, sendo ilegal a decisão recorrida, pois contrária ao princípio da lealdade processual.

Sem razão.

Conforme registrado na decisão recorrida, a sentença foi proferida em 14.09.21 e foi registrada ciência à embargante recorrente pelo sistema PJe em 16.09.21, mas a apelação foi interposta somente em 23.09.21, fora do quinquídio legal previsto no art. 593 do Código de Processo Penal, incidente na espécie.

A aplicação do Código de Processo Civil ao presente feito dá-se apenas de maneira subsidiária, visando à superação de lacunas, e não afasta a incidência das normas processuais penais, nos termos da jurisprudência colacionada supra.

Em suas razões recursais a recorrente alega que o Juízo a quo havia se manifestado no sentido de que os embargos de terceiro seguiriam subsidiariamente o rito prescrito no art. 674 e seguintes do Código de Processo Civil (Id n. 253311037, p. 3). Nota-se, entretanto, que o despacho foi transcrito apenas parcialmente pela recorrente, tendo havido a supressão de sua parte final, que expressamente consignou, com destaque, que eventuais recursos seguiriam o rito e os prazos do Código de Processo Penal:

 

Vistos etc.

Trata-se de embargos opostos pela empresa POSTO SCARIOT LTDA (CNPJ n. 00.306.799/0001-49), na qual sustenta ser a legitima proprietária da aeronave CIRRUS DESIGN, SR 22, PPOFF, e, nessa condição, requer o levantamento do sequestro que recai sobre a referida aeronave.

Sustenta que realizou a venda da aeronave, através de uma empresa intermediária, denominada Maule do Brasil Comércio de Aeronaves Ltda (minuta do contrato, e-mail e nota fiscal de pagamento da comissão anexos). O valor total ajustado no contrato era de R$ 1.950.000,00 (um milhão, novecentos e cinquenta mil reais). Por oportuno, afirma que Matheus Pereira (investigado) não cumpriu com suas obrigações relativas ao negócio entabulado, restando pendente o pagamento de R$ 750.000,00 (Setecentos e cinquenta mil reais) em favor da parte embargante. Ante a inadimplência, a embargante protestou o título de crédito e, em seguida, ajuizou ação cautelar de busca e apreensão n. 5000685-70.2021.8.24.0056, perante a Comarca de Santa Cecília/SC.

Juntou documentos.

Pois bem.

Por oportuno, é pertinente destacar que os embargos de terceiro têm natureza de ação e implicam a formação de um novo processo, o qual segue subsidiariamente o rito prescrito no artigo 674 e seguintes do Código de Processo Civil, ressalvando quanto a eventuais recursos que seguirão o rito e os prazos do CPP.

Assim, a fim de evitar tumulto processual, determino a autuação dos embargos de terceiro em apartado, desentranhando-se a petição ID 54474234 e os documentos que a instruem ((IDs 54474622, 54474632, 54474643, 54474649, 54474901, 54474919, 54474924, 54474925, 54474927, 54474936, 54474938, 54474941, 54475254, 54475258, 54475491, 54475493, 54475801, 54475806, 54475812, 54475818, 54475834, 54475835, 54475837, 54475850, 54476202, 54476228, 54476231, 54476238, 54476245, 54476249, 54476245, 54476249, 54476515, 54476540, 54476543, 54476546, 54476547, 54477069, 54477071, 54477072, 54477077, 54477079, 54477082, 54477087 e 54477092)), para a formação dos novos autos, cancelando-se, em seguida, os referidos documentos no presente feito.

Após, dê-se vista ao MPF para manifestação.

CAMPO GRANDE, data da assinatura digital. (Id n. 253310123, destaques do original)

 

Ao contrário do quanto alegado nas razões recursais, não houve comportamento contraditório do MM. Juízo a quo nem ofensa à lealdade ou à boa-fé processual, mas sim escorreita observância a tais princípios.

Constatada a intempestividade, não há reparos à decisão recorrida que deixou de conhecer do recurso de apelação, de modo que deve ser negado provimento ao recurso em sentido estrito.

Em relação ao recurso de apelação interposto por Matheus Pereira, consigno, incialmente, que o Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005 foi instaurado para apurar a ocorrência, em tese, de crimes previstos no 2º, caput, da Lei n. 12.850/13, art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/13, art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, art. 35 da Lei n. 11.343/06 e art. 299 do Código Penal, e tramitou perante o Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS), tendo culminado na deflagração da “Operação Cavok”, da qual derivou a Ação Penal n. 5001601-60.2020.4.03.6005.

No decorrer das investigações a Polícia Federal reuniu elementos indicativos de que indivíduos que figuravam na cadeia dominial das aeronaves sequestradas eram na verdade interpostas pessoas, configurando, portanto, indícios de lavagem de dinheiro, o que ensejou o prosseguimento das investigações perante o Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS), especializada para processar e julgar crimes financeiros e de lavagem de capitais. Ademais, as investigações também revelaram a relação das aeronaves sequestradas com indivíduos investigados por tráfico internacional de drogas, destacando-se o investigado Ilmar de Souza Chaves, o qual já havia sido condenado pela prática de tráfico de drogas.

A aeronave Cirrus Design, SR 22, matrícula PP-OFF foi objeto de sequestro a partir de decisão proferida em 21.08.20 nos Autos n. 5001163-34.2020.4.03.6005, nos seguintes termos:

 

Trata-se de pedido de sequestro de bem móvel instaurado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, visando o sequestro da aeronave CIRRUS DESIGN, SR 22, PPOFF, ante os indícios de ser proveito e instrumento para a prática de crimes de MATHEUS PEREIRA (CPF nº 808.016.251-49), investigado no IPL 5000225- 39.2020.4.03.6005.

A investigação em curso tem por objeto apurar a existência de organização criminosa especializada no transporte aéreo internacional de drogas na região de fronteira de Ponta Porã/Pedro Juan Caballero.

Relata o MPF que durante o cumprimento dos mandados de busca, apreensão e sequestro de aeronaves decretadas nos autos 5000302-48.2020.403.6005, foi encontrada e apreendida a aeronave CIRRUS DESIGN, SR 22, PPOFF em poder do investigado Matheus Pereira. Aduz que há fortes indícios de que a aeronave é instrumento e proveito de crimes. Requer a decretação do sequestro da aeronave e postergou o pedido de alienação antecipada para depois da juntada do laudo pericial da aeronave. Junta, com a inicial, os documentos às f. 13-41 do pdf.

É o relatório. Decido

Trata-se o sequestro de “verdadeira medida cautelar, sendo cabível quando demonstrado que os bens adquiridos são produtos do crime ou foram adquiridos com o proveito da prática delituosa (fumus boni iuris). Destarte, para sua caracterização, não se indaga se a propriedade dos bens é controvertida, como no processo civil, pois, aqui, “o que dá especificidade a esses bens é terem sido adquiridos e pagos com haveres obtidos por meio criminosos.””[1]

Enquanto medida cautelar assecuratória, pelo sequestro se realiza a constrição dos bens móveis e imóveis adquiridos pelo investigado com recursos oriundos de infração penal, mesmo que tais bens estejam em nome do investigado ou de terceiros, pois se busca impedir que o suposto autor de um crime obtenha lucro com a prática criminosa.

O Código de Processo Penal, com as alterações promovidas pela Lei n. 13.964/2019, assim disciplina a medida:

Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

(...)

Art. 132. Proceder-se-á ao seqüestro dos bens móveis se, verificadas as condições previstas no art. 126, não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro. `

Da dicção legal supratranscrita, exige-se a presença de “indícios veementes da procedência ilícita dos bens”.

Os elementos constantes do IPL n. 5000225-39.2020.4.03.6005 e da Medida Cautelar 5000302-48.2020.4.03.6005 são suficientes para demonstrar a origem ilícita dos bens, uma vez que os envolvidos não possuem renda decorrente de atividade lícita.

Matheus Pereira é piloto de avião e figura como sócio da empresa responsável pela administração do hangar aeronáutico OB PORTUS AVIATION, localizado nas dependências do Aeroporto Internacional de Ponta Porã/MS, frequentado pelos demais pilotos investigados. Também participou de transferências suspeitas de aeronaves da organização criminosa e de suspeitas operações financeiras. Além de ter operado, por diversas vezes, aeronaves pertencentes aos investigados (fls. 5-8 do pdf).

No caso dos autos, verifico que estão demonstrados os indícios da prática de infrações penais pelo investigado, ora representado.

Considerando, ainda, que há fundado receio de que haja dissolução ou ocultação do patrimônio do investigado e que o próprio consta como depositário fiel da aeronave, mister a decretação da medida cautelar pleiteada.

Isto posto, com fundamento no disposto nos artigos 125 a 133-A do Código de Processo Penal, decreto o SEQUESTRO dos seguinte bem móvel: CIRRUS DESIGN, SR22, PPOFF.

Oficie-se à ANAC para as providências.

Diante da informação (f. 8 do pdf) de há registro de arrendamento mercantil financeiro da aeronave referente a contrato celebrado entre BB LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL e POSTO SCARIOT LTDA, intimem-se para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias. Providencie-se o cadastro nos autos como parte interessada.

Por fim, oficie-se à DPF, para que proceda à juntada do laudo pericial da aeronave referida, tanto no IPL 5000225-39.2020.4.03.6005, como também nesta medida cautelar.

Após a juntada do laudo, intime-se o MPF para manifestação, no prazo de 05 dias. (Id n. 253310127, p. 109-110)

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Ilmar de Souza Chaves, Manfred Henrique Kohler e Denis Batista Lolli Ghetti nos Autos n. 5001601-60.2020.4.03.6005, em trâmite perante a 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS), pela prática dos delitos previstos no art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, da Lei n. 11.343/06 (tráfico transnacional de drogas) e art. 35, caput, c. c. o art. 40, I, da Lei n. 11.343/06 (associação para tráfico transnacional de drogas), e, em relação a Ilmar de Souza Chaves, também pela prática do delito previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica), e, em relação a Denis Batista Lolli Ghetti, também o art. 70 da Lei n. 4.117/62. A Ação Penal n. 5001601-60.2020.4.03.6005 encontra-se atualmente em fase recursal.

O órgão acusatório requereu fosse declinada a competência, em favor de vara federal especializada em Campo Grande (MS), das investigações a respeito de crimes de lavagem de ativos, organização criminosa transnacional e embaraço à investigação de organização criminosa, bem como os feitos conexos, incluindo-se o sequestro da aeronave em questão.

O Juízo da 1ª Vara Federal de Ponta Porã acolheu a manifestação ministerial e declinou da competência do Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005 e feitos conexos, incluindo-se os autos do Sequestro n. 5001163-34.2020.4.03.6005. O Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) reconheceu sua competência.

Em relação à decretação de sequestro da aeronave Cirrus Design, SR 22, matrícula PP-OFF, consta dos autos que foi expedida carta precatória para intimação da empresa Posto Scariot Ltda., encaminhada ao Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília (SC) e distribuída em 25.08.20 sob o n. 5001814-47.2020.8.24.0056. Conforme informação transmitida por e-mail por servidor da Comarca de Santa Cecília ao Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS), em 28.04.21 o mandado de intimação encontrava-se pendente de cumprimento (Id n. 253310976, p. 22).

A empresa embargante alega que não tinha conhecimento da decretação de sequestro quando ajuizou, em 06.04.21, perante o Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília (SC), a ação cautelar de busca e apreensão da aeronave (Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária n. 5000685-70.2021.8.24.0056), em razão da inadimplência do demandado Matheus Pereira em relação a três parcelas de R$ 250.000,00 (Id n. 253310948, p. 14-17). Consta dos autos que em 07.05.21 a empresa embargante obteve decisão liminar favorável, inaudita altera parte, na qual foi deferida a tutela de urgência de apreensão e depósito do bem (Id n. 253310946, p. 49-52).

Em 20.05.21 o Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS) encaminhou decisão-ofício ao Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília (SC) comunicando-lhe o sequestro do bem:

 

Vistos, etc.

Trata-se de pedido formulado pelo Ministério Público Federal, relatando que, na presente data (20/05/2021), por volta das 11h40min, obteve a informação de que havia uma ordem de restituição da aeronave prefixo PPOFF, apreendida no bojo da Operação Cavok, expedida por juiz estadual de Santa Cecília/SC. Segundo o relato, na ocasião, o oficial de Justiça já se encontrava presente no Aeroporto de Santa Maria, neste município de Campo Grande/MS, acompanhado de 2 pilotos e 1 mecânico, munidos da ordem estadual.

Informa o Ministério Público Federal que o processo em cujo bojo se determinou a restituição da aeronave consiste na ação de busca e apreensão em alienação fiduciária n. 5000685-70.2021.8.24.0056/SC (em anexo). Este processo veio ao TJ/MS como precatória, onde recebeu a numeração 0815062- 05.2021.8.12.0001 (em anexo), havendo decisão do juiz estadual da vara das precatórias para imediato cumprimento da restituição.

A d. Procuradora da República peticionante informa ter entrado em contato com a vara estadual de Santa Cecília-SC, informando acerca da existência da decisão judicial de sequestro na seara federal, tendo-lhe sido respondido que, no momento em que proferiu a decisão deprecada, o juízo não tinha conhecimento da decisão federal.

Assim, nestes termos, requer a expedição de ordem judicial ao fiel depositário para que não promova a restituição do bem, a despeito da decisão proferida na seara cível estadual, respaldando assim a atuação do depositário.

É o relato do necessário. Decido.

A situação trazida à baila causa espanto, pois poderia ser resolvida por mera certificação, pelo oficial de justiça incumbido de cumprir o mandado, quanto à restrição imposta ao bem pelo juízo federal criminal.

Via de regra, mandados judiciais, especialmente os de busca e apreensão, são clausulados, isto é, espelham o teor de uma determinação judicial, mas com a ressalva de cláusulas prevendo a ocorrência de situações e desdobramentos possivelmente desconhecidos pelo Juízo que emitiu a ordem.

Por exemplo, se durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão em uma residência o executor constatar que naquela residência já não mais reside a pessoa que seria alvo da medida, pode, certificando a ocorrência, abster-se do cumprimento e informar ao Juízo, sem que isso implique descumprimento da ordem judicial.

No presente caso, tanto mais, a execução da ordem judicial deveria ter sido suspensa pelo próprio oficial executor do mandado, ante a informação sobre a existência de uma ordem de constrição de natureza criminal. Uma vez constatado que o bem está na posse de depositário fiel nomeado pelo juízo criminal, não há de se cogitar de urgência ou perigo de desaparecimento ou alteração do estado do bem. É dizer: em nossa avaliação, nada obstaria que o oficial de justiça, tomando pé das circunstâncias não previstas, certificasse a situação do bem e transmitisse a informação ao Juízo competente (por intermédio do Juízo deprecado), aguardando novas determinações. Como dito alhures, isto não poderia, ou deveria, implicar em violação do dever funcional.

Outro ponto que merece reparo é o fato de que a representante ministerial, entrando diretamente em contato com o Juízo cível que emitiu a ordem, informou que a existência de constrição de natureza criminal era desconhecida, ao tempo da decisão deprecada.

Considerando que a declaração da d. Procuradora da República possui fé pública, reforça-se a necessidade de intervenção deste Juízo Federal Criminal, a fim de assegurar que subsista a medida de sequestro imposto sobre o bem constrito.

Por outro lado, é compreensível a situação de desamparo em que se encontra o depositário fiel nomeado, em face de ordens judiciais que podem parecer contraditórias a um leigo, sendo imperativo que tenha sua atuação resguardada para que possa, de forma segura e esclarecida, opor-se à apreensão do bem determinada, a princípio, pelo juízo cível estadual.

Assim, nestes termos, DEFIRO o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, para que seja determinado ao depositário fiel nomeado Matheus Pereira, CPF 808.016.251-49, que:

1) Comunique ao oficial de justiça estadual que a aeronave Cirrus Design, Modelo SR22, S/N 3532, prefixo PP-OFF está sequestrada em processo criminal por ordem 3ª Vara Criminal de Campo Grande/MS, ficando autorizado a exibir ao oficial de Justiça as decisões de ID 37359769 e 46644373, que lhe serão encaminhadas em conjunto com a presente decisão.

2) Caso o oficial de justiça estadual insista no cumprimento da medida, fica determinado ao fiel depositário que se abstenha de cumprir a decisão contida na Carta Precatória nº. 310014141961.

Sem prejuízo, oficie-se ao Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília, em referência à Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária nº. 5000685-70.2021.8.24.0056/SC, bem como à Vara de Falências, Recuperações, Insolv. e Cartas Precatórias Cíveis de Campo Grande/MS, em referência aos autos 0815062-05.2021.8.123.0001, com cópia das decisões de ID 37359769 e 46644373 dos presentes autos, informando a existência de sequestro decretado por esta 3ª Vara Federal incidindo sobre a aeronave marca Cirrus Design, Modelo SR22, S/N 3532, prefixo PP-OFF, transmitindo nossas escusas em face da situação e nossas homenagens, bem como informando que nos prontificamos para o encaminhamento de quaisquer informações e esclarecimentos adicionais.

Cópia do presente serve de ofício ao depositário e ao Juízo da Vara Única da Comarca de Santa Cecília. (Id n. 253310946, p. 82-84)

 

Além de cópia dos Autos ns. 5001814-47.2020.8.24.0056 e 5000685-70.2021.8.24.0056, a empresa embargante Posto Scariot Ltda. juntou aos autos documentação visando à comprovação da regular aquisição da aeronave, incluindo-se cópias do contrato de arrendamento mercantil e recibo de quitação dado pela formal proprietária do bem, BB Leasing S.A. – Arrendamento Mercantil (Id n. 253310965, p. 5, e Id n. 253310966, p. 2-19), do instrumento particular de compromisso de venda e compra da aeronave (Id n. 253310966, p. 32-40) e documentos relativos ao seu balanço patrimonial.

A respeito da aeronave cujo sequestro ora se impugna, registre-se ainda que, em 14.03.22, esta 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegou a ordem no Mandado de Segurança n. 5030560-77.2021.4.03.0000, ocasião na qual o impetrante Matheus Pereira insurgia-se contra a alienação antecipada do bem, deferida nos próprios autos do sequestro (Autos n. 5001163-34.2020.4.03.6005). A ementa foi lavrada nos seguintes termos:

 

PENAL. PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTATAÇÃO DE PLANO. NECESSIDADE. ALIENAÇÃO ANTECIPADA DE BENS APREENDIDOS. PROVA DA PROPRIEDADE DA RES. EXIGIBILIDADE. MANDADO DE SEGURANÇA. ALIENAÇÃO ANTECIPADA. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER NA DECISÃO IMPUGNADA. SEGURANÇA DENEGADA. LIMINAR REVOGADA.

1. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).

2. O mandado de segurança impetrado com o objetivo de impedir a alienação antecipada de bens apreendidos determinada pela autoridade apontada como coatora pressupõe a comprovação da propriedade dos bens que se pretende evitar a venda. Sem a demonstração da respectiva titularidade, não se verifica o direito líquido e certo.

3. A decisão judicial que determina a alienação antecipada de bens enseja o cabimento do mandado de segurança na medida em que contra essa modalidade de provimento jurisdicional não há recurso dotado de efeito suspensivo pelo qual se possa oportunamente sujeitá-lo ao duplo grau de jurisdição (TRF da 3ª Região, MS n. 2017.03.00.002966-8, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 09.10.17; TRF da 3ª Região, MS n. 2008.03.00.030668-7, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 15.10.09; TRF da 3ª Região, MS n. 2008.03.00.030509-9, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 15.01.09).

4. O impetrante insurge-se contra a alienação antecipada e alega a origem lícita da aeronave. No entanto, não demonstrou capacidade financeira compatível com a propriedade de bem avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) nem comprovou nos autos a origem dos recursos empregados na sua aquisição.

5. Conforme relatado pelo Juízo impetrado, a guarda e a conservação da aeronave sequestrada são dispendiosas, de modo que está suficientemente demonstrada a dificuldade de manutenção da constrição do bem, circunstância que autoriza sua alienação antecipada, conforme art. 144-A do Código de Processo Penal e art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.613/98, tratando-se de medida também disciplinada na Lei n. 11.343/06 e que visa a garantir a preservação do valor econômico dos ativos apreendidos.

6. Não foi demonstrada qualquer ilegalidade ou abuso de poder na decisão judicial impugnada, não havendo direito líquido e certo do impetrante à revogação da decisão que autorizou a alienação antecipada da aeronave, nem à sua nomeação como fiel depositário do bem sequestrado.

7. Ordem denegada.

 

Nos presentes embargos de terceiro opostos por Posto Scariot Ltda. o Ministério Público Federal manifestou-se pela alienação antecipada da aeronave, com o abatimento dos gastos devidos e entrega de R$ 750.000,00 à embargante (Id n. 253310989).

O MM. Juízo a quo reconheceu a condição de litisconsorte passivo necessário do investigado Matheus Pereira e determinou sua citação (Id n. 253310990).

Citado (Id n. 253311005), Matheus Pereira manifestou-se pela parcial procedência dos embargos de terceiro, tão somente quanto ao pedido de revogação do sequestro da aeronave, e a fim de que o bem lhe fosse entregue (Id n. 253311007). Juntou Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda, referente ao exercício de 2021 (ano-calendário de 2020), na qual foi informada a aquisição da aeronave Cirrus Design, Modelo SR22, prefixo PP-OFF, por R$ 1.950.000,00, sendo R$ 950.000,00 de entrada e quatro parcelas de R$ 250.000,00 (Id n. 253311008).

Ao proferir a sentença recorrida, o MM. Juízo a quo indeferiu o levantamento do sequestro que recai sobre a aeronave, nos seguintes termos:

 

I - RELATÓRIO

Trata-se de embargos de terceiro opostos pela empresa POSTO SCARIOT LTDA (CNPJ n. 00.306.799/0001-49), sustentando ser a legítima proprietária da aeronave CIRRUS DESIGN, SR 22, PPOFF, e, nessa condição, requer o imediato levantamento do sequestro que incide sobre a aeronave Cirrus Design, Modelo SR22, S/N 3532, prefixo PP-OFF, ano de fabricação 2010, com a ordem de entrega do bem ao representante legal da Embargante, ou a quem esta indicar, bem como devolvendo-se a peça denominada "magneto" pertencente ao avião (ID 54562177).

Sustenta que realizou a venda da aeronave a MATHEUS PEREIRA, por meio de contrato de compra e venda de aeronave a prazo e com reserva de domínio, através de uma empresa intermediária, denominada Maule do Brasil Comércio de Aeronaves Ltda. O valor total ajustado no contrato era de R$ 1.950.000,00 (um milhão, novecentos e cinquenta mil reais). Por oportuno, afirma que Matheus Pereira não cumpriu com suas obrigações relativas ao negócio entabulado, restando pendente o pagamento de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais) em favor da parte embargante. Ante a inadimplência, a embargante protestou o título de crédito e, em seguida, ajuizou ação cautelar de busca e apreensão n. 5000685-70.2021.8.24.0056, perante a Comarca de Santa Cecília/SC.

Aduz que não teve ciência, tampouco recebeu qualquer intimação para se manifestar sobre a referida a Operação Cavok e sobre o sequestro da aeronave, pois a carta precatória expedida por este Juízo à Comarca de Santa Cecília-SC, com essa finalidade, não foi cumprida; que todos os acontecimentos chegaram ao conhecimento da embargante no dia 20/05/2021, por informação da r. Procuradora Federal Dra. Damaris Rossi Baggio de Alencar ao Oficial de Justiça designado para o cumprimento do mandado de Busca e Apreensão do bem nesta cidade.

Sustenta que não há qualquer menção de envolvimento da embargante em qualquer tipo de ilícito, o que corrobora sua boa-fé. Por fim, alega que prestou caução nos autos da cautelar de Busca e Apreensão, preparatória da ação de rescisão de contrato, e que os valores remanescentes da rescisão contratual poderão ser objeto de confisco por este Juízo, a que desde já se compromete em colaborar.

A inicial veio acompanhada dos documentos ID 54562794 e 54561896.

Instado, o Ministério Público Federal manifestou-se pela intimação da requerente para apresentação de documentação complementar quanto à onerosidade da anterior aquisição da aeronave, bem como em relação ao lastro econômico. Paralelamente, manifestou-se pela necessidade de alienação da aeronave apreendida, tendo em vista que, acaso provadas as alegações da requerente, somente fará jus a parte do valor bem (ID 56063019).

A embargante juntou novos documentos no ID 56580605.

Citado, MATHEUS PEREIRA apresentou impugnação aos embargos, aduzindo que pagou cerca de 65% do valor da aeronave, ou seja, R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) e que a sua inadimplência se deu justamente em razão da paralização de suas atividades profissionais, ocasionada pelo sequestro das aeronaves de sua propriedade e da propriedade de sua empresa. Aduz que se evidencia dos autos que, de fato, a aeronave foi adquirida da empresa Posto Scariot Ltda. que, por sua vez, a havia adquirido por meio de arrendamento mercantil financeiro junto ao BB LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL. Assim, inequívoca é a ausência de liame entre a aeronave e crime de lavagem de dinheiro ou procedência ilícita. Sustenta que a aeronave lhe pertence, notadamente porque, tratando-se de bem móvel, a propriedade se transmite pela tradição da posse; e a posse, no caso dos autos, já havia sido transferida ao embargado quando da apreensão do bem. Requer a parcial procedência dos embargos, tão somente quanto ao pedido de revogação do sequestro da aeronave Cirus Design, prefixo PP-OFF, com a sua entrega ao embargado Matheus Pereira.

As partes foram intimadas a manifestar e a especificar as provas que pretendem produzir (ID 57733994), tendo a embargante pugnado pela oitiva de MATHEUS PEREIRA (ID 58038925).

O MPF manifestou-se no sentido de que, com os novos documentos apresentados, a embargante logrou êxito em demonstrar que adquiriu o bem em 26/01/2015, pelo valor de R$ 1.233.600,00 (contrato de compra e venda no ID 56580646), através de leasing junto ao Banco do Brasil S/A (contrato nos IDs 56580902 e 56580906). O recibo do negócio jurídico consta no ID 56580647; que também restou comprovado o lastro econômico da embargante por meio dos balanços financeiros da empresa e do demonstrativo de Imposto de Renda Sobre Aplicações Financeiras (ID 54562521 e seguintes). Manifestou-se, por fim, pela alienação da aeronave prefixo PPOFF, devendo ser restituído à embargante o valor de R$ 750.000,00, a fim de se evitar enriquecimento sem causa (ID 64860389).

Vieram os autos à conclusão.

É o que impende relatar. Decido.

II - FUNDAMENTAÇÃO

In casu, entendo despicienda a produção de outras provas, de modo que o caso comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Ocorre que a propriedade, bem assim a onerosidade e o lastro patrimonial na aquisição do bem, a fim de comprovar o direito vindicado, é demonstrável por prova documental, motivo pelo qual indefiro o pedido de prova oral, formulado pela embargante.

A Lei n. 9.613/98, a respeito da liberação de bens objeto de medidas assecuratórias, dispõe que:

Art. 4º  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

(...)

§ 2º  O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012).

Ademais, do mesmo modo, assim dispõe o Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 129.  O sequestro autuar-se-á em apartado e admitirá embargos de terceiro.

Art. 130.  O sequestro poderá ainda ser embargado:

I - pelo acusado, sob o fundamento de não terem os bens sido adquiridos com os proventos da infração;

II - pelo terceiro, a quem houverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o fundamento de tê-los adquirido de boa-fé.

Parágrafo único.  Não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de passar em julgado a sentença condenatória.

O sequestro de bens móveis, por sua vez, constitui medida assecuratória prevista no artigo 132 do Código de Processo Penal, que visa à indisponibilidade de bens havidos pelo investigado ou pelo réu com o proveito extraído da infração penal.

A medida objetiva, além de impedir o enriquecimento ilícito, assegurar efetividade a dois efeitos extrapenais da sentença condenatória transitada em julgado, contidos no art. 91, I e II, segunda parte, do Código Penal: reparação do dano causado pela infração e perda dos bens adquiridos com o produto da prática criminosa.

No delito de lavagem, o que se discute em torno dos bens e valores não é só o domínio, a propriedade ou a posse, mas a boa-fé, em caso de terceiro, e a licitude da origem, quando o pretendente é o investigado, sempre através de meio processual que promova o contraditório. Há dois interesses: um pertence a quem foi atingido pela constrição judicial; o outro é do ente público em favor do qual será destinado o objeto do confisco, caso seja procedente a ação penal.

A aeronave em questão foi apreendida no dia 06/08/2020, em posse de MATHEUS PEREIRA, constituindo objeto da medida cautelar de sequestro derivada do Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005, instaurado para apurar possível(is) ocorrência(s) prevista(s) no(s) art. 2º, caput, da Lei 12.850/13 (integrar organização criminosa); art. 2º, § 1º, da Lei 12.850/13 (obstrução em procedimento investigativo relacionado à organização criminosa); art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/06 (tráfico transnacional de drogas); art. 35, da Lei n. 11.343/06 (associação para tráfico de drogas); e art. 299, do Código Penal (falsidade ideológica), tendo em vista a atuação de organização criminosa na cidade de Ponta Porã/MS, dedicada ao tráfico internacional de drogas via modal aéreo.

Conforme se extrai da denúncia já ofertada pelo Ministério Público Federal em face de ILMAR DE SOUZA CHAVES e outros, em nova ação penal distribuída sob o n. 5001601-60.2020.403.6005, após a deflagração da fase ostensiva da denominada “Operação Cavok”, a Polícia Federal reuniu elementos que indicam que indivíduos que figuram na cadeia dominial das aeronaves sequestradas são, de fato e em tese, interpostas pessoas em cujos nomes foram registrados os bens. Além disso, o aprofundamento das investigações revelou os vínculos dessas aeronaves com os indivíduos que vinham sendo investigados por tráfico de drogas. As análises decorrentes da quebra de sigilo fiscal dos investigados indicam que o fim ocultação das aeronaves em nome de terceiros não estava adstrito à ocultação de seu paradeiro de viagem e ao intento de ludibriar eventual ação policial (já que aeronaves funcionavam como instrumentos de crime), mas também para ocultar ou dissimular propriedade de bens que são provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal (aeronaves como proveitos de crime de tráfico internacional de entorpecentes e associação para o tráfico/organização criminosa transnacional).

Segundo o Parquet, está pendente a finalização da coleta e análise de uma série de elementos informativos decorrentes da deflagração da “Operação Cavok”, aguardando as demais partes do Relatório Final da Autoridade Policial para a formação da opinio delicti quanto aos demais investigados ainda não denunciados, inclusive o ora embargado MATHEUS PEREIRA.

Volvendo-me ao caso dos autos, verifico que a embargante afirma ser a legítima proprietária do bem, tendo em vista que, em 02/06/2020, celebrou com MATHEUS PEREIRA contrato de compra e venda com reserva de domínio, encontrando-se o comprador em inadimplência. Narra que, diante da inadimplência do comprador, protestou o título de crédito e ingressou com ação de busca e apreensão, preparatória de ação de rescisão de contrato, perante o Juízo da Vara Cível da Comarca de Santa Cecília/SC.

De acordo com as alegações iniciais, comprovadas documentalmente, o valor total ajustado no contrato era de R$ 1.950.000,00 (um milhão, novecentos e cinquenta mil reais), dos quais MATHEUS PEREIRA deixou de pagar R$ 750.000,00 (três parcelas de R$ 250.000,00).

É cediço que o contrato de compra e venda com reserva de domínio só é aplicável aos bens móveis, devendo a cláusula ser escrita e levada a registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros, e que, para executar a cláusula, deverá o vendedor optar pela retomada do bem ou a cobrança dos valores inadimplidos, devendo primeiramente constituir o comprador em mora mediante protesto do título ou interpelação judicial, e, dependendo do número de parcelas pagas, poderá o comprador alegar a teoria do adimplemento substancial, salvo nos contrato em alienação fiduciária, que tal alegação não será permitida (arts. 521 a 528 do Código Civil).

No caso em tela, consta no contrato de compra e venda da aeronave carimbo com a informação “Apresentado aos 07/01/21 e registrada sob protocolo nº 94354 do livro de apontamentos. Santa Cecília” (ID 54563082). Ou seja: ao que parece, foi registrado em cartório na cidade de Santa Cecília (local diverso do domicílio do comprador) em data posterior à celebração do contrato e, inclusive, da apreensão do bem por este Juízo, de modo que resta duvidosa a validade da cláusula de reserva de domínio perante terceiros. No mais, cabe ao embargante a prova do fato constitutivo do seu direito, algo de que não se desincumbiu.

Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SEQUESTRO DE BENS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. NÃO COMPROVAÇÃO DO REGISTRO EM CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. 1. Apelação de sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro interpostos contra o sequestro de bens de acusado pela prática de crime contra a ordem tributária (artigo 1º, I e II, da Lei 8.137/90). 2. A parte embargante não apresentou nenhuma prova de suas alegações, sobretudo de haver efetuado, no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, o registro do contrato de compra e venda com reserva de domínio do bem (automóvel), circunstância esta que impossibilita sua oposição perante terceiros, no caso em particular, a União, para quem a propriedade do bem já pertencia ao outro embargado (André Felipe Martins Pereira), desde a época em que dele tomou posse; nesse sentido, constitui prova da real propriedade do veículo, em nome desse embargado, o certificado de registro e licenciamento do veículo (CRLV). 3. Apelação não provida. (ACR - Apelação Criminal - 7820 2009.83.00.011933-0, Desembargador Federal Paulo Gadelha, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::21/07/2011 - Página::257.)

Nessa esteira, entendo que as consequências do inadimplemento do contrato por parte de MATHEUS PEREIRA é uma questão que deve ser resolvida perante o Juízo Cível, mesmo que o Juízo criminal pudesse buscar a solução mais "justa" para as partes, ressaltando-se a prevalência da constrição do bem determinada por este Juízo criminal. Vale dizer: em havendo a rescisão do contrato entabulado pela embargante e MATHEUS PEREIRA, havendo ação de cobrança/indenização em favor daquela, o valor eventualmente reconhecido na esfera cível poderá ser oportunamente destacado do valor proveniente da venda judicial do bem à disposição do Juízo criminal, caso restituído.

Nesse sentido, de acordo com o que restou decidido pelo C. STJ no conflito de competência nº 175033 - GO (2020/0249766-3), Ministro Relator Sebastião Reis Júnior, em 23/10/2020, “Considerando a natureza peculiar da medida assecuratória penal de sequestro – verificada a partir do interesse público (aquisição com proventos da infração penal) e do fato de que a expropriação ocorre na seara penal –, deve ser reconhecida a primazia da referida constrição frente àquela decretada por juízo cível ou trabalhista (penhora), sendo indiferente qual constrição foi decretada primeiro”.

De acordo com a referida decisão, a jurisprudência do Tribunal Superior admite a coexistência de penhoras advindas de diferentes Juízos sobre um mesmo bem, preferindo a restrição determinada pelo Juízo criminal. Somente após a solução das questões do processo penal será possível às outras constrições a produção dos seus efeitos.

Nesse sentido:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA - DETERMINAÇÃO DE SEQUESTRO E INDISPONIBILIDADE DOS BENS PELO JUÍZO CRIMINAL - PENHORA SOBRE TAIS BENS NO BOJO DE EXECUÇÃO TRABALHISTA, NO ROSTO DOS AUTOS DA AÇÃO PENAL - ATUAÇÃO DOS JUÍZOS NAS RESPECTIVAS ESFERAS DE JURISDIÇÃO - DECISÕES QUE NÃO SÃO EXCLUDENTES ENTRE SI - EMBORA VÁLIDA, A PENHORA NÃO PRODUZ EFEITOS, ENQUANTO REMANESCER O ESTADO DE INDISPONIBILIDADE DETERMINADO PELO JUÍZO CRIMINAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - INEXISTÊNCIA - NÃO CONHECIMENTO. (...) III - Efetivamente, tais decisões podem perfeitamente coexistir, sem que se possa concluir pela ocorrência de excesso de jurisdição do Juízo Trabalhista, pois, encontrando-se os bens sub judice sequestrados e pendendo sobre eles a indisponibilidade decretada pelo Juízo Criminal, qualquer outro ato de constrição (no caso, determinado por outro Juízo), ainda que válido, somente poderá produzir efeitos após o afastamento, por aquele Juízo (Criminal), de tais gravames (sequestro e indisponibilidade). Ademais, a penhora, tal como determinada pelo Juízo Trabalhista, efetivada no rosto dos autos da ação penal, permitirá ao Juízo Criminal, após, eventualmente, a prolação de sentença penal condenatória, bem avaliar a existência de terceiro de boa-fé, por ocasião do decreto de perda de bens em favor da União, à luz do art. 91, II, do CP. IV - Conflito de Competência não conhecido. (CC n. 119.915/SP, Ministro Massami Uyeda, Segunda Seção, DJe 30/5/2012).

Diante do exposto, impõe-se a improcedência do pedido da parte embargante.

Finalmente, registro que a jurisprudência pacífica do Eg. TRF da 3ª Região faz considerar ser incabível condenação em honorários advocatícios em embargos de terceiro criminais, por não estar prevista no art. 804 do CPP (TRF 3ª Região, Quinta Turma, Ap  - 71921 - 0008022-45.2015.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal Paulo Fontes, julgado em 23/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2018; TRF 3ª Região, Décima Primeira Turma,  Ap 1936247 - 0011900-49.2009.4.03.6109, Rel. Desembargadora Federal Cecilia Mello, julgado em 25/04/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/05/2017).

No mais, o art. 804 determina que as custas são pagas pelo vencido ao final do processo, aplicando-se inclusive aos incidentes.

 III - DISPOSITIVO

 Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTES os presentes embargos de terceiro.

Sem honorários advocatícios.

As custas serão arcadas pela embargante.

Trasladem-se cópias desta sentença aos autos nº 5001163-34.2020.4.03.6005 e 5000225-39.2020.4.03.6005.

Ciência ao MPF.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oportunamente, arquivem-se os autos, com as cautelas legais.

CAMPO GRANDE, data da assinatura eletrônica. (Id n. 253311022, destaques do original)

 

Em suas razões de apelação, Matheus Pereira aduz, em síntese, a aquisição lícita do bem, com a finalidade de utilização como instrumento de trabalho, considerando a sua atividade profissional de piloto e sócio proprietário de empresas do ramo (OB Portus Serviços Aeronáuticos Ltda. e Latitude Aviação Executiva e Táxi Aéreo Ltda.), bem como a ausência de liame entre a aeronave e crime de lavagem de dinheiro ou procedência ilícita. Alega também que a aeronave Cirrus Design de prefixo PP-OFF sequer era objeto de busca e apreensão, e somente foi apreendida e sequestrada porque estava na posse do apelante no momento do cumprimento dos mandados pela Polícia Federal.

Não lhe assiste razão.

Em que pese o quanto aduzido, reiteram-se os fundamentos do julgamento do Mandado de Segurança n. 5030560-77.2021.4.03.0000, pois não foi suficientemente demonstrada pelo ora apelante a capacidade financeira compatível com a propriedade de bem avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) nem comprovada nos autos a origem dos recursos empregados na sua aquisição.

Consta dos autos que o bem está registrado na ANAC em nome de BB Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, sendo operado pela empresa embargante, Posto Scariot Ltda., vide Id n. 253310949, p. 4-9.

A respeito da aquisição da aeronave por Matheus Pereira, a embargante juntou aos autos minuta referente a contrato de compra e venda de aeronave a prazo com reserva de domínio, celebrado em 02.07.20 em Santa Cecília (SC), no qual consta que a firma de Matheus Pereira foi reconhecida por autenticidade em 14.07.20 em Itapema (SC) (Id n. 253310945, p. 4-5). A respeito do preço e da forma de pagamento, consta do instrumento contratual o seguinte:

 

Por este contrato o VENDEDOR vende ao COMPRADOR, de forma irretratável e irrevogável, a aeronave pelo valor de R$ 1.950.000,00 (Hum milhão, novecentos e cinquenta mil reais) a ser pago da seguinte forma:

2.1 – Como sinal e princípio de pagamento o valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais) a ser depositado a pedido do VENDEDOR, em favor de Plane Importação e Exportação de Aeronaves e Peças Ltda, CNPJ. 08.883.843/0001-95 junto ao Banco Itaú, Ag. 8032, C/C. 01634-0. Esta parcela do preço será restituível até o término da inspeção pré-compra, conforme descrito na cláusula 3.3 deste compromisso.

2.2 – O valor de R$ 460.000,00 (Quatrocentos e sessenta mil reais) a ser depositado em conta corrente a ser informada pelo VENDEDOR, em até 48 (quarenta e oito horas) após a execução da inspeção pré-compra e aceite da aeronave pelo COMPRADOR.

2.3 – O valor de R$ 365.000,00 (Trezentos e sessenta e cinco mil reais), representado por um automóvel BMW, modelo X6 M, cor azul, placa PSM 3296, código Renavam 01081401122, ano 2015/2016, sem histórico de acidente (nunca batido), Quilometragem original com 19.222 km, registrado em nome de Eduardo Lupo Toledo, CPF. 280.905.628-50, conforme Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo no Anexo V, livre e desembaraço de quaisquer dívidas, ônus ou encargos de qualquer natureza, no qual o VENDEDOR irá vistoriá-lo na ocasião da entrega e, fornecerá declaração expressa que aceita e recebe no estado em que se encontra. O automóvel será entregue no endereço do VENDEDOR, na cidade de Santa Cecília – SC.

2.4 – O saldo no valor de R$ 1.035.000,00 (Hum milhão e trinta e cinco mil reais) será pago em 5 (cinco) parcelas, mensais e consecutivas, sendo 4 parcelas iniciais no valor de R$ 250.000,00 (Duzentos e cinquenta mil reais), cada e 1 parcela final no valor de R$ 35.000,00 (Trinta e cinco mil reais), sendo a primeira com vencimento para 30 (Trinta) dias da data do pagamento do valor descrito no item 2.2 acima e as demais a cada 30 (trinta) dias consecutivamente. Neste ato serão emitidas 5 (cinco) notas promissórias em favor do VENDEDOR, tendo como DEVEDOR SOLIDÁRIO, Sra. Gilza Augusta de Assis e Silva, RG. 0728551-5 SSP/MT, CPF. 486.699.541-68.

Os valores acima descritos deverão ser creditados na conta corrente informada pelo VENDEDOR.

Parágrafo primeiro

O não pagamento de qualquer das parcelas mencionadas nesta cláusula, além das penalidades rescisórias a que se expõe o COMPRADOR, será acrescida de multa de 2% (Dois por cento) ao mês ou fração e correção dos valores pela variação do IGPM-FGV.

Paragrafo segundo

No caso de atraso superior a 31 dias em qualquer das parcelas, implica no vencimento antecipado de toda a dívida, mais multa de 10% (Dez por cento) sobre o saldo devedor ainda existente, acrescido de 10% (Dez por cento) a título honorários advocatícios caso a pendência seja resolvida amigavelmente, ou 20% (Vinte por cento) se ajuizado qualquer procedimento de cobrança perante a justiça.

Paragrafo terceiro

Fica também estabelecido que em caso de dissolução deste Contrato o valor pago até a data da dissolução não será ressarcido ao COMPRADOR, montante este que será retido pelo VENDEDOR a título de aluguel pelo uso da aeronave durante o período. (Id n. 253310945, p. 2-3)

 

O ora apelante não demonstrou a origem lícita dos valores depositados na conta da vendedora nem do automóvel empregados na aquisição do bem, o qual está registrado em nome de terceiro, Eduardo Lupo Toledo. Destaca-se ainda que o sacador dos cheques devolvidos pelo banco sacado também é terceira pessoa, Classe A Comércio de Veículos EIRELI ME (Id n. 253310946, p. 30-31).

Dada a investigação pela prática de crimes de lavagem de dinheiro, não há reparos à sentença recorrida, que destacou a imprescindibilidade da demonstração da licitude da origem do bem constrito para determinar sua liberação, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98 e arts. 129 e 130 do Código de Processo Penal, requisito que não se limita à propriedade formal do bem, mas se refere também à onerosidade do negócio e capacidade financeira do requerente.

A respeito da duração da medida constritiva, consigno que o prazo disposto no inciso I do art. 130 do Código de Processo Penal não é peremptório, estando sujeito à aplicação do princípio da razoabilidade, visando atender a efetividade da persecução penal. Havendo necessidade justificada pela complexidade das diligências e demais atos idôneos para a sustentação de eventual ação penal, não há que se falar em excesso de prazo, podendo tal medida cautelar ser, inclusive, renovada de ofício pelo juiz.

Não há nos autos notícia do atual andamento das investigações do Inquérito Policial n. 5000225-39.2020.4.03.6005. No entanto, tratando-se de investigação complexa, com múltiplos investigados e diversas aeronaves cujas cadeias dominiais indicam a proveniência ilícita e a ligação com o tráfico internacional de drogas, justifica-se o maior prazo de constrição do bem. A respeito da complexidade das investigações, acolho o aduzido no parecer ministerial em relação ao investigado Matheus Pereira:

 

Especificamente em relação a MATHEUS PEREIRA, apesar de ainda não ter sido oferecida denúncia em face do referido investigado, é de se consignar que a Polícia Federal já havia representado pela busca e apreensão em endereços a ele relacionados, consoante consta dos autos nº 5000302-48.2020.403.6005. Oportunamente, para explicar o envolvimento de MATHEUS com a organização criminosa, consignou o seguinte4:

Em que pese não mencionado na denúncia inicial, a análise dos elementos probatórios reunidos no Inquérito Policial nº 2019.0015522-DPF/PPA/MS é indiciária de que o piloto de aeronaves MATHEUS PEREIRA se encontra associado aos demais pilotos investigados para atuar na logística aérea do tráfico de drogas, motivo pelo qual é investigado pelos crimes previstos nos arts. 2º, da Lei 12.850/13, 33, caput, c/c 40, I, e 35 da Lei 11.343/06.

Inicialmente, importante mencionar que MATHEUS PEREIRA figura como sócio da pessoa jurídica OB PORTUS AVIATION SERVIÇOS AERONÁUTICOS LTDA165, responsável pela administração do hangar aeronáutico Ob Portus Aviation, localizado nas dependências do aeroporto internacional de Ponta Porã/MS. Como sugerem as apurações, referido hangar é frequentado diuturnamente pelos pilotos investigados, incluindo MATHEUS PEREIRA.

Depreende-se do controle de acesso do aeroporto internacional de Ponta Porã/MS que MATHEUS PEREIRA, de 01/10/2019 a 19/01/2020, esteve no hangar Ob Portus Aviation 11 vezes com o investigado MANFRED HENRIQUE KOHLER; 10 vezes com o investigado ANDERSON ORUÊ ANDRADE; 6 vezes com o investigado LUCAS ANTUNES; 6 vezes com o investigado ILMAR DE SOUSA CHAVES; e 5 vezes com o investigado CARLOS ALEXANDRE GUILLEN MEDEIROS. Cite-se por exemplo a reunião realizada em 22/11/2019, dois dias antes de ILMAR CHAVES e MANFRED KOHLER participarem de um transporte internacional de drogas, conforme narrado nos tópicos anteriores.

Ademais, dados fornecidos pelo GDTA/SADIP/CGPRE/PF revelam que MATHEUS PEREIRA compartilha com os demais investigados o uso de aeronaves registradas em nome de interpostas pessoas, mas que, como indicam as apurações, pertencem de fato ao investigado ILMAR CHAVES:

Em 2019 MATHEUS PEREIRA comunicou à ANAC ter operado a aeronave de prefixo PTLSY. Conforme destacado no tópico 2.1, a aeronave pertence de fato ao investigado ILMAR DE SOUSA CHAVES, embora registrada em nome de Aliete da Silva Chaves. Além de MATHEUS PEREIRA e ILMAR CHAVES, também pilotaram a PTLSY os investigados MANFRED HENRIQUE KOHLER, JOÃO ANTÔNIO FIM BISPO DE JESUS e LUCAS ANTUNES, conforme dados da ANAC.

Em 2019 MATHEUS PEREIRA comunicou à ANAC ter operado a aeronave de prefixo PPKKO. Conforme destacado no tópico 2.1, a aeronave pertence de fato ao investigado ILMAR DE SOUSA CHAVES, apesar de a propriedade estar registrada em nome da pessoa jurídica I. A. L. AGRONEGÓCIOS LTDA170. Além de MATHEUS PEREIRA e ILMAR CHAVES, também operaram a aeronave PPKKO os investigados CARLOS ALEXANDRE e PAULO ROBERTO SANCHES CERVIERI.

Em 2019 MATHEUS PEREIRA comunicou à ANAC ter operado a aeronave de prefixo PTSOM. Como destacado no tópico 2.1, referida aeronave, que se encontra registrada em nome de José Lesmo da Silva, foi utilizada pelo investigado ILMAR DE SOUSA CHAVES para transportar cocaína em 24/11/2019. Além de MATHEUS PEREIRA e de ILMAR CHAVES, também já declararam pilotar a aeronave PTSOM os investigados MANFRED HENRIQUE KOHLER e ANDERSON ORUÊ DE ANDRADE.

Ainda, destaca-se que MATHEUS PEREIRA, assim como os investigados ILMAR CHAVES, MANFRED HENRIQUE KOHLER e JOÃO ANTÔNIO BISPO FIM DE JESUS, comunicou à ANAC, em 2019, ter aterrissado/decolado no/do aeródromo privado Fazenda Estrela, localizado em Antônio João/MS. Todavia, como relatado no tópico 2.1, Orlando Jaques Moreira, proprietário do Aeródromo, declarou que a pista de pouso localizada em sua propriedade é exclusivamente utilizada por ele, o que implica na falsidade do plano de voo comunicado por MATHEUS PEREIRA. Outrossim, relevante mencionar que MATHEUS PEREIRA, embora atualmente não seja proprietário formal de aeronaves, já figurou como parte em 3 transações suspeitas relacionadas a compra e venda de aeronaves:

Em 13/03/2018 MATHEUS PEREIRA passou a figurar como formal proprietário da aeronave de prefixo PTIXG, tendo supostamente a adquirido de Júlio César Coronel Paes, por R$ 300.000,00. Conforme narrado no tópico 2.4, Júlio César figurou como alvo da denominada Operação Enigma (autos nº 5046701-38.2017.4.04.7000/PR), deflagrada pela Polícia Federal em 2018. Além disso, Júlio César não mantém vínculo formal de emprego desde 2013, quando serviu como soldado no Exército Brasileiro. Infere-se que Júlio César atuou como “laranja” para ocultar a identidade do verdadeiro vendedor do avião.

Em 05/11/2018 MATHEUS PEREIRA transferiu a propriedade da aeronave PTIXG para Ademir Bueno Fernandes. O valor declarado à ANAC foi de R$ 250.000,00. Chama atenção o fato de Ademir Bueno figurar nos quadros societários da pessoa jurídica MAPE MANUTENÇÃO AERONÁUTICA, que, conforme declarado à Receita Federal, possui sede no mesmo endereço da OB PORTUS AVIATION SERVIÇOS AERONÁUTICOS LTDA. Destaca-se ainda que Camila Adriane Melo Dure, sócia majoritária da MAPE MANUTENÇÃO AERONÁUTICA, conforme pesquisas, laborou na função de auxiliar de escritório, de 01/06/2015 a 08/02/2017, auferindo renda mensal média de R$ 2.000,00.

Em 31/07/2017 MATHEUS PEREIRA transferiu a propriedade da aeronave de prefixo PRNLB para Rafael Batista de Almeida, declarando como valor da venda R$ 450.000,00. Conforme exposto no tópico 2.4, pesquisas revelam que Rafael Batista possui histórico de baixa remuneração, não possuindo capacidade financeira aparente para figurar como dono de uma aeronave. Conclui-se que os dados de Rafael Batista foram utilizados para ocultar a identidade do verdadeiro comprador. Ressalta-se que, conforme narrado no tópico 2.4, a aeronave PRNLB operada pelo investigado JOÃO ANTÔNIO FIM BISPO DE JESUS.

Por fim, destaca-se que MATHEUS PEREIRA figurou como parte em 3 operações bancárias comunicadas à Unidade de Inteligência Financeira brasileira. Conforme se depreende do Relatório de Inteligência Financeira nº 45338, em 27/06/2019 e 02/07/2019, MATHEUS PEREIRA sacou R$ 100.000,00 e R$ 50.000,00, respectivamente, da conta nº 225800, mantida pela agência nº 8967, do Banco Bradesco, titulada pela pessoa jurídica LATITUDE AVIAÇÃO EXECUTIVA E TÁXI AÉREO LTDA, da qual figura como sócio ao lado do também investigado PAULO ROBERTO SANCHES CERVIERI. Já em 18/07/2019 MATHEUS PEREIRA depositou em conta de sua titularidade R$ 50.000,00. Tais operações foram consideradas suspeitas pelo Banco SICREDI, que informou o ocorrido ao antigo COAF.

Na ocasião, o MPF manifestou-se pelo deferimento da representação da autoridade policial5 pela busca e apreensão, o que foi acolhido pelo i. magistrado de 1º Grau6 .

Em relação à aeronave CIRRUS DESIGN, SR 22, prefixo PP-OFF, verificase que esta, por ocasião do cumprimento da busca e apreensão objeto dos autos nº 5000302-48.2020.403.6005, em 06/08/2020, foi localizada no Hangar nº 10, Aeroporto Santa Maria, Campo Grande/MS, endereço pertencente à empresa LATITUDE AVIAÇÃO EXECUTIVA E TÁXI AÉREO LTDA., da qual MATHEUS PEREIRA é sócio.

Frise-se que, apesar de a aeronave estar registrada em nome do BB LEASING S.A. ARRENDAMENTO MERCANTIL, tendo como operador o POSTO SCARIOT LTDA.7, a autoridade policial informou que por ocasião da busca e apreensão o investigado MATHEUS estava “no interior da aeronave de prefixo PPOFF, pronto para realizar decolagem”, tendo informado ainda que “i) a mencionada aeronave lhe pertencia, ii) que havia acabado de adquiri-la, e iii) esta ainda estaria em processo de transferência para o seu nome”, apresentando o correspondente contrato de compra e venda8.

Desta feita, é incontroverso o fato de que a aeronave em questão foi adquirida por MATHEUS PEREIRA do POSTO SCARIOT LTDA., em 02/07/2020, pelo valor de R$ 1.950.000,00 (um milhão, novecentos e cinquenta mil reais), dos quais foram pagos a quantia total de R$ 1.200.000,00, restando pendente R$ 750.000,00 que deveria ser pago em três parcelas de R$ 250.000,00 (Cf. Contrato de ID 253310945, além das petições de ID 253310943 e 253311007 de ambas as partes). (Id n. 253685128, p. 3-6)

 

Quanto ao direito da empresa embargante, não há reparos à decisão recorrida ao mencionar que, conforme carimbo aposto no instrumento contratual de compra e venda da aeronave, o contrato teria sido registrado apenas em 07.01.21 (Id n. 253310945), data posterior à decisão de sequestro, proferida pela Justiça Federal em 21.08.20.

Além da inoponibilidade da cláusula de reserva de domínio ao Juízo Criminal, assim como, ante a independência das instâncias, da busca e apreensão do bem determinada pelo Juízo Cível – que se refere tão somente à inadimplência de contrato de compra e venda celebrado entre particulares –, não há na ilegalidade da manutenção do sequestro em sede criminal, pois mantêm-se os fundamentos da decretação do sequestro, em razão dos indícios de origem ilícita dos recursos empregados na aquisição do bem pelo investigado.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto por Posto Scariot Ltda. e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por Matheus Pereira.

É voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SEQUESTRO. AERONAVE. APELAÇÃO. PRAZO. INTEMPESTIVIDADE.  INVESTIGAÇÃO POR LAVAGEM DE DINHEIRO. IMPRESCINDIBILIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DA LICITUDE DA ORIGEM DO BEM CONSTRITO. EXCESSO DE PRAZO. LEVANTAMENTO. INVIABILIDADE.

1. A jurisprudência deste Tribunal pacificou o entendimento de que a apelação interposta contra a sentença que julga os embargos de terceiro previstos no art. 129 do Código de Processo Penal é processada segundo os arts. 593 e seguintes desse Código, não se aplicando as regras do Código de Processo Civil (TRF da 3ª Região, ACr n. 2015.60.00.008022-8, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.04.18; ACR n. 0008748-92.2015.4.03.6105, Rel. Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaféria, j. 26.09.17; ACR n. 0010701-96.2007.4.03.6000, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 12.09.16).

2. De acordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal, o prazo para a interposição do recurso de apelação contra sentença que julga os embargos de terceiro previstos no Código de Processo Penal é de 5 (cinco) dias.

3. Conforme registrado na decisão recorrida, a sentença foi proferida em 14.09.21 e foi registrada ciência à embargante recorrente pelo sistema PJe em 16.09.21, mas a apelação foi interposta somente em 23.09.21, fora do quinquídio legal previsto no art. 593 do Código de Processo Penal, incidente na espécie.

4. Constatada a intempestividade, não há reparos à decisão recorrida que deixou de conhecer do recurso de apelação da empresa embargante, de modo que deve ser negado provimento ao recurso em sentido estrito.

5. Em relação ao recurso de apelação interposto pelo investigado, reiteram-se os fundamentos do julgamento do Mandado de Segurança n. 5030560-77.2021.4.03.0000, pois não foi suficientemente demonstrada pelo ora apelante a capacidade financeira compatível com a propriedade de bem avaliado em R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) nem comprovada nos autos a origem dos recursos empregados na sua aquisição.

6. O ora apelante não demonstrou a origem lícita dos valores depositados na conta da vendedora nem do automóvel empregados na aquisição do bem, o qual está registrado em nome de terceiro. Destaca-se ainda que o sacador dos cheques devolvidos pelo banco sacado também é terceira pessoa (Id n. 253310946, p. 30-31).

7. Dada a investigação pela prática de crimes de lavagem de dinheiro, não há reparos à sentença recorrida, que destacou a imprescindibilidade da demonstração da licitude da origem do bem constrito para determinar sua liberação, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei n. 9.613/98 e arts. 129 e 130 do Código de Processo Penal, requisito que não se limita à propriedade formal do bem, mas se refere também à onerosidade do negócio e capacidade financeira do requerente.

8. Quanto ao direito da empresa embargante, não há reparos à decisão recorrida ao mencionar que, conforme carimbo aposto no instrumento contratual de compra e venda da aeronave, o contrato teria sido registrado apenas em 07.01.21, data posterior à decisão de sequestro, proferida pela Justiça Federal em 21.08.20.

9. Além da inoponibilidade da cláusula de reserva de domínio ao Juízo Criminal, assim como, ante a independência das instâncias, da busca e apreensão do bem determinada pelo Juízo Cível – que se refere tão somente à inadimplência de contrato de compra e venda celebrado entre particulares –, não há na ilegalidade da manutenção do sequestro em sede criminal, pois mantêm-se os fundamentos da decretação do sequestro, em razão dos indícios de origem ilícita dos recursos empregados na aquisição do bem pelo investigado.

10. Recurso em sentido estrito e apelação desprovidos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Turma, por unanimidade, decidiu, NEGAR PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto por Posto Scariot Ltda. e NEGAR PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por Matheus Pereira, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.