Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004899-09.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: ELISANGELA PEREIRA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARCIA ALVES ORTEGA - MS5916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004899-09.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: ELISANGELA PEREIRA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARCIA ALVES ORTEGA - MS5916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

Demanda proposta objetivando a concessão de salário-maternidade a ELISANGELA PEREIRA DE SOUZA, em decorrência do nascimento de sua filha MARIA FERNANDA DE SOUZA BORGES, em 25/10/2011.

A sentença julgou procedente o pedido, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social -INSS “a pagar à parte requerente o benefício salário-maternidade, equivalente a um salário mínimo mensal, vigente à época do parto, pelo período de 120 dias, em parcela única ante a sua natureza alimentícia, acrescido de correção monetária a contar dos 28 (vinte e oito) dias anteriores ao parto (Lei 8.213/91, art. 71), mais juros de mora no montante de 0,5% (meio porcento) ao mês, na forma do artigo 5.º da Lei 11.960/2009, desde a citação.” (ID n.º 134603820 - Pág. 55).

Foram opostos embargos de declaração pela autora, ao fundamento de que a sentença foi omissa quanto ao pedido de abono anual.

O Juízo a quo acolheu os embargos e lhes atribuiu efeito modificativo, a fim de fazer constar no dispositivo da sentença a condenação da parte requerida ao pagamento do abono anual, correspondente ao período de duração do salário maternidade.

O INSS apela, requerendo, preliminarmente, o recebimento do recurso no duplo efeito. No mérito, pleiteia a reforma da sentença, julgando-se improcedente o pedido, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em questão. Insurge-se, ainda, contra os critérios de fixação de juros e de correção monetária. Ao final, prequestiona a matéria.

Com contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004899-09.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: ELISANGELA PEREIRA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MARCIA ALVES ORTEGA - MS5916-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

­V O T O

 

Inicialmente, ressalte-se que a apelação do Instituto Nacional do Seguro Social será parcialmente conhecida, ante a falta de interesse em recorrer com relação à tutela antecipada, uma vez que não houve condenação a respeito.

Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

Trata-se de ação ajuizada com objetivo de assegurar à parte autora a concessão de salário-maternidade, em decorrência do nascimento de seu filho PEDRO HENRIQUE DIAS DE MORAES.

O direito à licença-maternidade, com a percepção de salário-maternidade, traduz-se, para a mãe, como a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana.

Representa medida de proteção à gestante, a qual tem respeitadas as suas limitações físicas para prosseguir trabalhando; à genitora, dando-lhe condições de dispensar, ao filho, a atenção e os cuidados que requer em seus primeiros dias de vida; e ao recém-nascido, objeto desses cuidados, tudo sem prejuízo da remuneração pelos dias em que permanecer afastada de suas atividades laborativas.

O salário-maternidade surgiu como benefício previdenciário após o advento da Lei n.º 6.136/1974, editada em atendimento ao comando da Constituição de 1967, reiterado pela Emenda Constitucional n.º 01 de 1969, que atribuía à Previdência Social a proteção à maternidade.

A Constituição de 1988 conferiu à licença-maternidade, bem como ao salário-maternidade - substitutivo da remuneração no período de gozo da licença – status de direito fundamental, com todas as garantias que lhe são inerentes. Confira-se:

"Art. 7.º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias" (g.n.).”

No plano infraconstitucional, encontra-se disciplinado nos artigos 71 a 73 da Lei n.º 8.213/91, consistindo em remuneração devida a qualquer segurada gestante durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de ocorrência deste ou, ainda, à mãe adotiva ou guardiã para fins de adoção, durante 120 dias, em se tratando de criança de até 1 ano de idade, 60 dias, se entre 1 e 4 anos e 30 dias, de 4 a 8 anos.

O direito da adotante ao salário-maternidade foi importante inovação introduzida pela Lei n.º 10.421, de 15 de abril de 2002.

Cumpre mencionar que os benefícios previdenciários estão submetidos ao princípio tempus regit actum, razão pela qual deve ser observada a legislação vigente por ocasião do parto da criança – isto é, em 25/10/2011.

Nesse passo, é oportuno salientar que, na redação originária do artigo 26 da Lei n.º 8.213/91, sua concessão independia de carência.

Com as alterações promovidas pela Lei n.º 9.876/99, a carência passou a ser dispensada apenas para as empregadas, trabalhadoras avulsas e domésticas, e exigidas 10 contribuições mensais das contribuintes individuais e facultativas.

No que se refere à segurada especial, o parágrafo único do art. 39 do referido diploma legal, incluído pela Lei n.º 8.861/94, exigia a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.

Todavia, a partir de 29/11/1999, a carência foi reduzida para 10 meses, por meio da Lei n.º 9876/99, razão pela qual o parágrafo único do art. 39 da Lei de Benefícios foi tacitamente revogado, prevalecendo o art. 25 inciso III da Lei n.º 8213/91 com a redação dada pela Lei n.º 9876/99, por ser norma posterior, sendo este o posicionamento administrativo do INSS. Confira-se:

Art. 346 da Instrução Normativa INSS n.º 77 de 2015 – O direito ao salário-maternidade para a segurada especial foi outorgado pela Lei nº 8.861, de 25 de março de 1994, sendo devido o benefício a partir de 28 de março de 1994, conforme segue:

I - até 28 de novembro de 1999, véspera da Lei n.º 9.876, de1999, para fazer jus ao benefício era obrigatória a comprovação de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos doze meses anteriores ao parto; e

II - a partir de 29 de novembro de 1999, data da publicação da Lei nº 9.876, de 1999, o período de carência a ser comprovado pela segurada especial foi reduzido de doze meses para dez meses anteriores à data do parto, mesmo que de forma descontínua.”

Convém ressaltar que, a partir da Lei n.º 13.846/2019, a redação atual do art. 25 da Lei de Benefícios voltou a exigir doze meses para concessão do aludido benefício, conforme se transcreve a seguir:

“Art. 25 - A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

(...) III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do caput do art. 11 e o art. 13 desta Lei: 10 (dez) contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei; e (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019).”

(...) Art. 39.  Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do caput do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:(Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

(...) Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário-mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.”

Porém, não se pode perder de vista que a norma que regula a concessão do benefício vindicado é a vigente na época do nascimento/parto, que, na hipótese vertente (25/10/2011), era o art. 25 inciso III, com a redação dada pela Lei n.º 9.876/99, que estabelecia a demonstração do período de carência de 10 meses anteriores à data do parto, consoante art. 346 da mencionada Instrução Normativa INSS n.º 77 de 2015.

Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.

Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

Feitas estas observações, cumpre analisar a presença dos requisitos legais necessários à concessão do benefício vindicado.

A autora pleiteia o salário-maternidade, em virtude do nascimento de sua filha MARIA FERNANDA DE SOUZA BORGES.

Incontroverso que o parto ocorreu em 25/10/2011, conforme certidão de nascimento adunada aos presentes autos.

Na exordial, a demandante afirma “que sempre exerceu a profissão de trabalhadora rural desde criança; que sempre trabalhou como rurícola, lavradora, diarista e boia fria”. (ID n.º 134603820 - Pág. 2).

Nesse contexto, na qualidade de segurada especial, a autora requereu, em 13/11/2014, a concessão do benefício de salário-maternidade na agência da Previdência Social.

Entretanto, o benefício restou injustamente indeferido pelo INSS (sob a justificativa de “ausência de período de carência anterior ao nascimento”), ensejando a propositura do presente feito.

Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destaca-se a Certidão de nascimento de MARIA FERNANDA DE SOUZA BORGES, em 25/10/2011, filha da autora – qualificada como “lavradora” e de LEANDRO BORGES DA SILVA (ID 134603820 - Pág. 10).

O art. 11, inciso VII, alínea “a”, item 1 da Lei de Benefícios dispõe que segurado especial é “a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais”.

Oportuno salientar que a prova documental carreada aos presentes autos está em nome da autora. Quanto ao valor probatório dos documentos adunados aos presentes autos, oportuno mencionar que a Instrução Normativa n.º 77/2015/INSS/PRES elenca quais documentos devem ser considerados como início probante. Confira-se:

Art. 54. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, entre outros, os seguintes documentos, desde que neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 111:

 I – certidão de casamento civil ou religioso;

II – certidão de união estável;

III – certidão de nascimento ou de batismo dos filhos;

IV – certidão de tutela ou de curatela;

V – procuração;

VI – título de eleitor ou ficha de cadastro eleitoral;

VII – certificado de alistamento ou de quitação com o serviço militar;

VIII – comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;

IX – ficha de associado em cooperativa;

 X – comprovante de participação como beneficiário, em programas governamentais para a área rural nos estados, no Distrito Federal ou nos Municípios;

XI – comprovante de recebimento de assistência ou de acompanhamento de empresa de assistência técnica e extensão rural;

XII – escritura pública de imóvel;

XIII – recibo de pagamento de contribuição federativa ou confederativa;

XIV – registro em processos administrativos ou judiciais, inclusive inquéritos, como testemunha, autor ou réu;

XV – ficha ou registro em livros de casas de saúde, hospitais, postos de saúde ou do programa dos agentes comunitários de saúde;

XVI – carteira de vacinação;

XVII – título de propriedade de imóvel rural;

XVIII - recibo de compra de implementos ou de insumos agrícolas;

XIX - comprovante de empréstimo bancário para fins de atividade rural;

XX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres;

§ 1º - Para fins de comprovação da atividade do segurado especial, os documentos referidos neste artigo, serão considerados para todos os membros do grupo familiar.

§ 2º - Serão considerados os documentos referidos neste artigo, ainda que anteriores ao período a ser comprovado, em conformidade com o Parecer CJ/MPS nº 3.136, de 23 de setembro de 2003.” (g.n.).

Além disso, não se pode perder de vista que o extrato da consulta ao CNIS revela que a demandante já recebeu o benefício de salário-maternidade em razão do nascimento de dois outros filhos, a saber: de 20/03/2006 a 17/07/2006 e de 28/01/2008 a 28/05/2008. Em ambos os casos, a origem do vínculo da requerente com a Previdência Social é exatamente “RURAL - SEGURADO ESPECIAL” (ID 134603820 - Págs. 21 e 22), o que se coaduna com as alegações da requerente.

Nesse aspecto, o Enunciado n.º 188 FONAJEF:O benefício concedido ao segurado especial, administrativamente ou judicialmente, configura início de prova material válida para posterior concessão aos demais integrantes do núcleo familiar, assim como ao próprio beneficiário” (Aprovado no XIV FONAJEF – g.n.).

Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 11/05/2016 perante o MM. Juízo da 2.ª Vara da Comarca de Ivinhema, Estado de Mato Grosso do Sul. O áudio e vídeo de todos os depoimentos foram captados e gravados em arquivo pelo sistema audiovisual (ID n.º 134603820 - Págs. 41 e 42).

Da oitiva das mídias constantes do Sistema PJe, é possível verificar que a testemunha MARINEUZA FLORES DOS SANTOS afirmou conhecer a demandante há bastante tempo, e que já trabalhou com ela na roça.

Às perguntas do Juízo, a depoente respondeu que ambas trabalharam juntas na roça de mandioca, no plantio na colheita e descascando a mandioca. 

Informou que trabalharam juntas em propriedades rurais, na cidade de Ivinhema, em Mato Grosso do Sul, no assentamento São Sebastião e na Fazenda Santa Rosa.

Relatou que a depoente e a autora iam juntas com os empreiteiros para trabalhar como diaristas rurais, nas fazendas. 

Esclareceu que ambas trabalharam bastante tempo juntas, por anos e que ainda continuam trabalhando na roça. Informou ao Juízo que há mais de seis anos a depoente e a autora exercem esse tipo de atividade rural e que, nos anos de 2010 e de 2011, trabalharam juntas como diaristas (bóias frias) nas fazendas daquela região. Detalhou que, quando Elisângela engravidou de Maria Fernanda, a depoente trabalhava com ela na roça, fazendo esse mesmo tipo de serviço.

Questionada pelo Juízo, a depoente respondeu que Elisângela trabalhou no período da gravidez de Maria Fernanda; que pode informar que Elisângela trabalhou até os sete meses de gravidez da sua filhinha Maria Fernanda; que, antes de Maria Fernanda nascer, Elisângela teve dois outros filhos e que sempre trabalhou na roça.

Indagada pelo Juízo, a depoente respondeu que que “Elisângela nunca teve outro tipo de atividade que não fosse a da roça, que autora por toda vida sempre foi trabalhadora da roça”; que o companheiro de Elisângela também trabalha na roça, mas atualmente ele exerce a função de tratorista de máquinas agrícolas; que o nome dele é Leandro Souza.

Por sua vez, a testemunha MARIA INÊS SANTOS Da SILVA afirmou conhecer a demandante há 15 anos, e que já trabalhou com ela na roça, pois ambas são trabalhadoras rurais. 

Às perguntas do Juízo, a depoente respondeu que ambas trabalharam juntas no Assentamento São Sebastião, que fica na zona rural de Ivinhema-MS. Informou que, (sic) “nesses 15 anos em que eu conheço Elizângela, a gente trabalhou já muito, né, sempre juntas, na roça.”

Esclareceu que, “antes de Maria Fernanda nascer, Elizângela teve dois outros filhos e que sempre trabalhou na roça”; que, “no total, são três filhos de Elizângela e que Maria Fernanda é a mais nova, a caçula”.

Relatou que, “quando Elizângela engravidou de Maria Fernanda, a depoente trabalhava com ela na roça, pois elas sempre trabalharam juntos na roça; que Elizângela trabalhou no período da gravidez de Maria Fernanda”, que “até os seis/sete meses ela trabalhou”.

Indagada pelo Juízo, a depoente respondeu que que “Elizângela nunca teve outro tipo de atividade que não fosse a da roça, que autora por toda vida sempre foi trabalhadora da roça”; que ela é casada e que o companheiro dela também é trabalhador rural, que não sabe ao seu nome completo, pois é conhecido pelo apelido de “LE” e que ele também trabalha na roça.

Por fim, a depoente informou que ambas trabalharam juntas em outras propriedades rurais, na cidade de Ivinhema, em Mato Grosso do Sul, além do ASSENTAMENTO SÃO SEBASTIÃO. Mencionou que trabalharam juntas na FAZENDA SANTA ROSA.

No caso em exame, os documentos trazidos aos autos servem como início de prova material da alegação da autora. Some-se a isso o teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas no curso da instrução, as quais confirmaram que a autora sempre exerceu atividade de diarista rural no período exigido pela lei.

Na esteira desse entendimento, colaciono o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRABALHADORA RURAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. PROVA DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. CERTIDÃO DE NASCIMENTO DO FILHO NASCIDO. POSSIBILIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONFIRMADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.

1. Conforme firme jurisprudência desta Corte, o registro civil de nascimento é documento hábil para comprovar a condição de rurícola da mãe, para efeito de percepção do benefício previdenciário de salário-maternidade. A propósito: "É considerado início razoável de prova material o documento que seja contemporâneo à época do suposto exercício de atividade profissional, como a certidão de nascimento da criança." (AgRg no AREsp 455.579/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 06/05/2014).

2. O Tribunal de origem assentou que os documentos juntados, associados à prova testemunhal, comprovam a condição de rurícola. Rever tal afirmação exigiria a reapreciação dos fatos e provas, o que não se permite em sede de recurso especial, por óbice da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido."

(STJ, AgRg no AREsp 320.560/PB, 1.ª Turma, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, v.u., DJe 27/5/2014).

Importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais diaristas, denominados de volantes ou bóias frias, são de responsabilidade do empregador, cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização.

Nesse sentido, a orientação desta Corte Regional: Apel.Rem.Nec. n.º 5001328-64.2019.4.03.9999 - Relator: Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA - 10.ª Turma - Intimação via sistema em 03/12/2021; AC n.º 200161120041333, Relatora: Desembargadora Federal MARISA SANTOS, 9.ª Turma, DJU 20/04/2005; AC n.º 200803990604685, Relator: Desembargador Federal SERGIO NASCIMENTO, 10.ª Turma, DJF3 CJ1 17/03/2010.

Portanto, para fazer jus ao salário-maternidade, a trabalhadora rural qualificada como "boia-fria", volante ou diarista necessita apenas comprovar a sua atividade rural, incumbindo ao INSS as atribuições de fiscalizar e cobrar as contribuições previdenciárias de responsabilidade dos empregadores.

No mesmo sentido, precedentes desta Corte: AC n.º 0000002-50.2015.4.03.6005 - Relator: Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO - 7.ª Turma - Intimação via sistema em 30/06/2020; AC n.º 5004052-70.2021.4.03.9999-MS, Relator: Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA - 8.ª Turma - Intimação via sistema em 18/02/2022.

Diante dessas considerações, o início de prova material e a prova testemunhal formam um conjunto harmônico, apto a demonstrar que a parte autora exerceu o labor campesino no período exigido em lei, fazendo jus ao benefício ora vindicado. 

Portanto, estando presentes os requisitos necessários à concessão do benefício, é de ser mantida a sentença de procedência do pedido formulado.

Por fim, cabe referir a existência do Tema n.º 1.124 do Superior Tribunal de Justiça, cuja controvérsia diz respeito a “definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária", em que há “determinação da suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal, tanto no âmbito dos Tribunais quanto nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, cujos objetos coincidam com o da matéria afetada (art. 1.037, II, do CPC)”.

No entanto, referida controvérsia não se aplica ao presente caso, tendo em vista que há pedido administrativo devidamente instruído perante a Autarquia Previdenciária, tendo a parte autora submetido ao crivo do INSS toda a documentação que fundamenta a sentença de procedência.

Soma-se a isso o fato de que, no caso específico do benefício de salário maternidade, o termo inicial deve ser fixado na data do parto, em consonância com as normas de regência (arts. 71 a 73 da Lei n.º 8.213/91) e nos termos da decisão recorrida.

Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.

Quanto ao prequestionamento suscitado, saliente-se inexistir contrariedade alguma a legislação federal ou a dispositivos constitucionais.

Ante o exposto, conheço em parte da apelação e, na parte conhecida, dou parcial provimento ao recurso para explicitar os critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora, mantendo o benefício concedido na sentença, nos termos da fundamentação, supra.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. CONJUNTO HARMÔNICO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.

- Não se conhece da apelação, no tocante à tutela antecipada por falta de interesse de agir.

- O salário-maternidade é benefício previdenciário devido à segurada gestante durante 120 dias, com início no período entre 28 dias antes do parto e a data de sua ocorrência ou, ainda, à mãe adotiva ou guardiã para fins de adoção, durante 120 dias em se tratando de criança de até 1 ano de idade, 60 dias, se entre 1 e 4 anos e 30 dias, de 4 a 8 anos (inovação introduzida pela Lei n.º 10.421/02).

-  No que se refere à segurada especial, o parágrafo único do art. 39 do referido diploma legal, incluído pela Lei n.º 8.861/94, exigia a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.

- A partir de 29/11/1999, a carência foi reduzida para 10 meses, por meio da Lei n.º 9876/99, razão pela qual o parágrafo único do artigo 39 da Lei de Benefícios foi tacitamente revogado, prevalecendo o artigo 25 inciso III da Lei n.º 8213/91 com a redação dada pela Lei n.º 9876/99, por ser norma posterior, sendo este o posicionamento administrativo do INSS (art. 346 da Instrução Normativa INSS n.º 77 de 2015).

 - Com o advento da Lei n.º 13.846/2019, a redação atual do art. 25 da Lei de Benefícios voltou a exigir doze meses para concessão do aludido benefício. Porém, não se pode perder de vista que a norma que regula a concessão do benefício vindicado é a vigente na época do nascimento/parto, que, na hipótese vertente, era o artigo 25 inciso III, com a redação dada pela Lei n.º 9.876/99, que estabelecia a demonstração do período de carência de 10 meses anteriores à data do parto, consoante art. 346 da mencionada Instrução Normativa INSS n.º 77 de 2015.

- No presente caso, a qualidade de trabalhadora rural restou comprovada por meio de início razoável de prova material, corroborado por prova testemunhal.

- A concessão do benefício à segurada especial, com fundamento no parágrafo único do artigo 39 da Lei n.º 8.213/91, dispensa a comprovação de recolhimentos de contribuições.

- A autora faz jus à percepção do benefício no valor de um salário-mínimo mensal, vigente no vigésimo oitavo dia antecedente à data do parto, ocorrido em 25/10/2011, sendo-lhe devido o total de quatro salários-mínimos, nos termos do art. 71 e seguintes da Lei n.º 8.213/91.

- Apelação conhecida em parte e, na parte conhecida, parcialmente provida, nos termos da fundamentação constante do voto.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu conhecer em parte da apelação e, na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.