Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010231-70.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: ULTRAWAVE TELECOM EIRELI - EPP

Advogado do(a) APELANTE: MICHEL DE SOUZA BRANDAO - SP157001-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010231-70.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: ULTRAWAVE TELECOM EIRELI - EPP

Advogado do(a) APELANTE: MICHEL DE SOUZA BRANDAO - SP157001-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

Trata-se de recurso de apelação interposto por ULTRAWAVE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES LTDA - ME da r. sentença que, em sede de ação anulatória de débito fiscal ajuizada contra a UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) objetivando a declaração de que não houve subfaturamento e o fracionamento das mercadorias importadas e consequente nulidade do auto de infração e termo de apreensão fiscal, julgou improcedente o pedido. Em consequência, condenou a autora nas custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, corrigido.

Alega a autora a ocorrência de cerceamento de defesa. Defende a necessidade da realização de prova oral para comprovar que o auditor fiscal da Receita Federal teceu suposições sem qualquer prova material que as corroborasse.

Entende essencial a produção de prova documental para verificação da falsidade grosseira considerada pelo auditor fiscal quando apontou que a apelante teria falsificado sites no exterior visando obter vantagem ilícita.

Quanto à prova pericial entende imprescindível à efetiva comprovação de que a recorrente cumpriu rigorosamente os procedimentos de importação e que os produtos importados são de origem lícita.

Destaca que não lhe foi oportunizado manifestar-se sobre o laudo de exame da internet juntado às fls.596/602 nos autos do processo nº 0007812-77.2009.403.6105, elaborado pelo Departamento de Polícia Federal nos autos do inquérito policial nº 9-0445/2010-DPF/CAS/SP, o qual concluiu que não houve falsificação grosseira de sites tal como sustentou o auditor fiscal autuante.

Alega, como matéria prejudicial, que a r. sentença monocrática é extra petita, uma vez que remeteu os depósitos judiciais realizados nos autos ao juízo criminal sem que houvesse pedido neste sentido.

Aduz que a r. sentença monocrática deveria ser de procedência parcial, uma vez que afastou a pena de perdimento, à míngua de obstáculo à liberação das mercadorias, na medida em que não se trata de importação ou consumo proibidos. Assim, requer a liberação do valor caucionado que foi transferido ao juízo criminal.

Pede, por fim, o provimento da apelação para a reversão do julgado e, em decorrência a liberação dos numerários caucionados nos autos, bem como as mercadorias que ainda se encontram, tendo em vista o reconhecimento pelo d. Juízo a quo da vedação à tributação com efeito de confisco.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010231-70.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: ULTRAWAVE TELECOM EIRELI - EPP

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APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

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V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA (Relatora):

Desde logo ressalte-se que o recurso foi interposto antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual será apreciado de acordo com a forma prevista no CPC de 1973, "com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (enunciado nº 2º do E. STJ).

Trata-se de ação ordinária na qual pretende a autora a liberação de mercadorias descritas nas DI nº 08/2028409-7, bem como seja declarada a inexistência de relação jurídico-tributária, reconhecendo-se a inocorrência de subfaturamento e fracionamento de mercadorias importadas com a consequente nulidade do auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal, distribuída por dependência à ação nº 000812-77.2009.403.6105.

Da alegação de cerceamento de defesa

Ressalte-se, desde logo, que nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil/73, preservado no artigo 370 do CPC/2015, cabe ao Juiz determinar as provas necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Ele é o destinatário da prova, competindo-lhe avaliar a necessidade de produção de novas provas para seu próprio convencimento e materialização da verdade.

Nesse sentido já consignou o C. Superior Tribunal de Justiça:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. ARBITRAMENTO JUDICIAL DO PREÇO DOS SERVIÇOS DE PRATICAGEM. CERCEAMENTO DE DEFESA RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROVA PERICIAL CONTÁBIL. NECESSIDADE. MODIFICAÇÃO DE TAL ENTENDIMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. TABELA DE PREÇOS APRESENTADA PELA AUTORIDADE MARÍTIMA. PROVA QUE NÃO É ABSOLUTA.

1. Recurso especial interposto em 25/07/2013 e concluso ao Gabinete em 15/05/2020. Julgamento: Aplicação do CPC/1973.

2. Cuida-se, na origem, de ação de conhecimento, pelo rito ordinário, na qual se pretende arbitramento judicial para a fixação de ‘justo preço’ para os serviços de praticagem exercidos pela parte ré, com exclusividade, na "Zona de Praticagem do trecho Rio Negro/Itacoatiara".

3. O propósito recursal é dizer acerca da ocorrência de cerceamento de defesa e da necessidade de produção de perícia contábil na presente demanda.

4. Sendo o juiz o destinatário final da prova, cabe a ele, em sintonia com o sistema de persuasão racional adotado pelo CPC, dirigir a instrução probatória e determinar a produção das provas que considerar necessárias à formação do seu convencimento.

5. O exame acerca da necessidade e amplitude da instrução probatória é de competência exclusiva das instâncias ordinárias, a quem incumbe, soberanamente, a apreciação do conjunto fático-probatório da lide.

6. Nessa linha, não cabe ao STJ exercer juízo acerca da suficiência das provas produzidas no processo ou quanto à necessidade de produção de perícia contábil, porquanto, para tanto, seria necessário se debruçar sobre o arcabouço fático-probatório do processo, o que é vedado em sede de recurso especial pela Súmula 7/STJ.

7. A fixação do preço do serviço de praticagem se submete ao princípio constitucional da livre iniciativa e concorrência, sendo admitida a intervenção do Estado na relação entre o mercador e o prático apenas excepcionalmente, quando for indispensável para evitar a interrupção do serviço, nos termos do art. 14, parágrafo único, II, da Lei 9.537/97. Precedentes das Turmas de Direito Público do STJ.

8. Nesse diapasão, considerando que a hipótese dos autos não trata da fixação do preço do serviço de praticagem em caráter de urgência, eventual tabela de preços apresentada pela autoridade marítima não vincula as partes, tampouco o julgador, que pode solucionar o litígio e arbitrar o preço, consoante postulado na exordial, à luz de todos os meios de prova que considerar pertinentes.

9. Recurso especial não conhecido.”

(REsp 1538162/AM, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 15/10/2020)

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RAZÕES QUE NÃO ENFRENTAM O FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SALDO CREDOR RECONHECIDO. APURAÇÃO EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO EM RAZÃO DE FATOS ALEGADOS PELO PRÓPRIO COAUTOR. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. PERÍCIA CONTÁBIL. DESNECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA POR ENGENHEIRO AGRÔNOMO. JULGADOR. DESTINATÁRIO DAS PROVAS. REEXAME. SÚMULA N. 7/STJ.

1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada.

2. Em ação de prestação de contas, o propósito da 2ª fase, após a confirmação do dever de prestá-las na 1ª fase, é definir a existência ou não de eventual saldo credor em favor de alguma das partes, isto é, o ‘an debeatur’ (se é devido) e o ‘quid debeatur’ (a quem se deve), não havendo óbice legal para que seja apurado o ‘quantum debeatur’ (quanto se deve) em sede de liquidação (REsp 1012070/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/4/2010, DJe 6/8/2010).

3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o julgador é o destinatário das provas, cabendo a ele decidir de forma soberana a formar seu convencimento. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).

4. Agravo interno a que se nega provimento.”

(AgInt nos EDcl no AREsp 859.740/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 25/10/2019)

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL OPOSTOS AO ARGUMENTO DE FALTA DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PARA SOLVER A DÍVIDA. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA FIRMADA PELO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

I. Agravo interno interposto em 28/06/2016, contra decisão publicada em 22/06/2016, que, por sua vez, decidira Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73.

II. No Recurso Especial, a ora agravante indicou ofensa aos arts. 332 e 420 do CPC/73, por não ter sido deferida a produção de prova acerca da alegada contrariedade ao princípio constitucional da capacidade contributiva. Entretanto, a pretensão recursal não merece acolhida, pois, ao rejeitar a arguição de cerceamento de defesa, o Tribunal de origem o fez nos seguintes termos, in verbis: ‘Não há cogitar de anulação da sentença. A prova que a embargante disse desejar produzir era mesmo, data venia, de inteira irrelevância. Não há realmente confundir o princípio da capacidade contributiva (Constituição Federal, art. 145, § 1º) com a eventual ausência de solvabilidade de determinado contribuinte. A Fazenda Estadual, em suas contrarrazões, bem enfatizou que se trata 'de um princípio dirigido ao legislador, que está obrigado a colocá-lo em prática no momento da elaboração da lei' (fls. 375).’

III. Com efeito, o acórdão recorrido encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, firmada sob a égide do CPC/73, no sentido de que cabe ao magistrado, destinatário da prova, valorar sua necessidade, ou não, conforme o princípio do livre convencimento motivado. No caso dos autos, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, o Tribunal de origem deixou consignado, no voto condutor do acórdão recorrido, que a prova cuja produção fora requerida era mesmo irrelevante. Desta forma, não há falar em ofensa aos arts. 332 e 420 do CPC/73. Precedentes do STJ: REsp 624.337/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJU de 23/08/2004; AgRg no AgRg no Ag 1.048.347/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/10/2008; AgRg no REsp 1.100.830/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 13/05/2009; REsp 1.263.562/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/09/2011.

IV. Agravo interno improvido.”

(AgInt no AREsp 910.355/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 27/09/2016)

Pois bem.

Sustenta a apelante que o indeferimento da produção de prova testemunhal para oitiva do auditor fiscal que lavrou o auto de infração infringiu o artigo 5º, inciso LV da CF. Contudo suas alegações não procedem.

No caso concreto a produção de prova oral restaria inócua para o deslinde do feito. A uma, devido ao longo período de tempo decorrido desde a lavratura do auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal (11/05/2009), o que evidentemente, leva à deficiente lembrança dos fatos pelo depoente. E, a duas, porque já há provas documental e pericial nos autos do processo conexo, que afastam as teses apresentadas pela recorrente.

Com efeito, considerando-se os fatos narrados na inicial, a formação do juízo de conhecimento dependia unicamente das alegações das partes e de eventuais documentos juntados aos autos, sendo a produção de prova testemunhal desnecessária para resolução da demanda. Esse tipo de prova se apresta à obtenção de elementos que tenham sido presenciados pelas testemunhas. No entanto, a pretensão da recorrente é confrontar o teor do depoimento do auditor fiscal que lavrou o auto de infração com o teor desse. Nesse contexto, a pretensão da recorrente não guarda pertinência com a própria natureza da prova pretendida.

O mesmo se diga quanto à necessidade de perícia técnica, cuja finalidade pretendida seria a mesma a da produção de prova oral, isto é, demonstrar a conduta supostamente ilícita da autoridade autuante na formulação do auto de infração.

Com efeito, a questão em análise é unicamente de direito, cuja verificação se dá por meio de prova documental.

Ademais, como bem fundamentou o d. Juízo a quo, o pedido de perícia técnica para o fim de estabelecer o real valor de mercado só poderia ser deferido se os valores imputados pela fiscalização tivessem sido objeto de impugnação na inicial.

Ante o exposto, não há falar-se em cerceamento de defesa.

Não há falar-se, ainda, em nulidade da sentença.

Consoante se verifica da fundamentação da r. sentença recorrida, o magistrado a quo realizou sua análise dentro do que lhe foi apresentado e na perspectiva do princípio do livre convencimento motivado, previsto no artigo 131 do CPC/73, preservado no 371 do CPC vigente.

Segundo a uníssona jurisprudência, não fica caracterizado julgamento extra petita, ultra petita ou citra petita, quando o Juízo analisa as provas dos autos nos estritos termos do pedido, ainda que fundamente sua decisão com argumentos diversos daqueles levantados pelas partes, como no caso em espécie.

A propósito:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. CONCORRÊNCIA DE AGENTES. ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM DEMANDA PRETÉRITA. REPARAÇÃO INTEGRAL JÁ OBSERVADA NA OUTRA AÇÃO. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. ‘Não fica caracterizado julgamento extra petita quando a questão analisada requer adoção de tese jurídica distinta da defendida pela parte’ (AgInt no REsp 1.568.324/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe de 19/05/2017).

2. Na hipótese, o Tribunal de origem verificou que os danos morais pleiteados pela autora, envolvendo os mesmos fatos danosos, já foram devidamente fixados em ação anterior, na qual se observou adequadamente o princípio da reparação integral. A modificação de tal entendimento, quanto à integralidade ou não da reparação obtida pela recorrente, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, providência inviável na via estreita do recurso especial, a teor da Súmula 7 do STJ.

3. Agravo interno a que se nega provimento.”

(AgInt no AREsp 1465013/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe 01/07/2021)

A par dessas considerações, no caso concreto não houve transferência dos depósitos ao juízo criminal no qual tramitou a ação penal nº 0005280.62.2011.4.03.6105, mas que os mesmos se encontrariam à disposição para eventual vinculação à mencionada ação penal.

A propósito, mister anotar que a destinação dos depósitos efetuados nos autos compete ao Juízo à disposição de quem estão os valores e será resolvida após o trânsito em julgado da decisão.

Quanto à legalidade da autuação, a r. sentença monocrática valorou adequadamente o acervo probatório constante dos autos, analisando com precisão a controvérsia em cotejo com a legislação de regência e as circunstâncias fáticas, cujo excerto abaixo transcrito agrego como razões de decidir:

“(...)

É o relatório. Decido.

Inicialmente, destaco que as partes foram intimadas à especificação e à justificação das provas que pretendiam produzir, fls. 174 e 182, mas a autora, às fls. 183/184, apenas especificou a prova testemunhal, pericial, depoimento pessoal de representante da União e juntada de novos documentos. A autora não justificou os fatos a serem provados com cada prova requerida, nem a pertinência delas a tais fatos, de modo que indefiro os pedidos formulados às fls. 183/184 e passo a sentenciar o feito, em consequência da conexão com os autos em apenso, por provocação da própria demandante.

Rejeito a primeira alegação da contestação, de que a pena de perdimento em questão tem fundamento de validade no art. 5º, XLVI, ‘b’, da Constituição Federal.

A pena de perda de bens, tratada neste dispositivo constitucional, refere-se à sanção criminal (pena) aplicada pelo Poder Judiciário em processo penal condenatório. Percebe-se pela redação do próprio inciso, tanto quanto pelos seus anteriores e posteriores, que se trata da pena criminal e não de sanções administrativas. Caso contrário, poder-se-ia imaginar que a lei poderia estabelecer pena de privação da liberdade em procedimento fiscal tributário com fundamento constitucional no mesmo inciso citado (XLVI), na alínea anterior (‘a’).

O fundamento constitucional para a pena de perdimento em questão é, geralmente, buscado o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, em seu sentido contrário (contrario sensu). Neste caso, para que a pena de perdimento possa ser aplicada em procedimento fiscal, deve-se concluir que o devido processo legal também pode ser o administrativo fiscal em que se garanta o contraditório e a ampla defesa, elementos estes assegurados aos procedimentos administrativos por força do inciso seguinte (art. 50, LV, da Constituição Federal).

Entretanto, a mesma objeção feita dois parágrafos antes, quanto ao perdimento em questão com base no art. 5º, XLVI, "b", vale para esta interpretação de que o devido processo legal pode ser o administrativo. Primeiro, em vista dos dispositivos que o antecedem e o sucedem. Segundo porque, como ‘ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’, poder-se-ia supor que o procedimento administrativo fiscal, como devido processo legal, também poderia levar à privação da liberdade, além dos bens, o que é inadmissível.

De outro lado, sempre foi considerado elemento indispensável ao devido processo legal a imparcialidade do julgador, além do contraditório e da ampla defesa. E não se concebe juiz imparcial que pertença ao mesmo órgão que iniciou o processo ou cujos interesses sejam opositores ao interesse da outra parte.

Neste ponto, revejo a decisão provisória e imediata de fls. 132/134, de que a imparcialidade ficaria assegurada pelo acesso à jurisdição para combater eventual aplicação da pena de perdimento. Neste caso, a perda de bens já estaria aplicada pelo Poder Executivo e caberia ao perdedor correr o risco de consagrar sua perda mediante a provocação do Judiciário para ratificar ou não a punição fiscal. Ou seja, não haveria possibilidade do ato administrativo ser legal por si só, dependeria de provocação judicial do prejudicado pelo ato para que a jurisdição pudesse homologar a perda da propriedade.

Quanto ao devido processo legal ser, necessariamente, judicial, cito José Afonso da Silva, em Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 16ª edição, p. 433, que, por sua vez, cita lição de Frederico Marques: ‘Garante-se o processo, e quando se fala em processo, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu.’ (grifei).

Quanto à essencial imparcialidade do julgador para o devido processo legal, cito:

‘Devido processo legal. Parcialidade do juiz. Realização de diligências pessoalmente pelo juiz.

Realização de diligências pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal. Imparcialidade do magistrado. Ofensa. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e consequente violação ao devido processo legal. Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade da L 9034/95, 3º, no que se refere aos dados fiscais e eleitorais, vencido Min. Carlos Velloso, que a julgava improcedente (STF, Pleno, ADIn 1570-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12.2.2004, m.v., DJU 22.10.2004, p. 4).’ (grifei).

De outro lado, se é constitucionalmente vedada a tributação com efeito de confisco, da mesma forma não pode haver confisco por descumprimento ou o mal cumprimento de obrigações tributárias acessórias. Eventual fraude fiscal leva à sanção penal, mediante prévio processo judicial que pode culminar na perda de bens.

Desta forma, a previsão legal de sanção administrativa de perda de bens é legítima, mas só pode ser aplicada em casos concretos pela via judicial, em devido processo legal, nunca em procedimento administrativo fiscal, ainda que este contenha o contraditório e a ampla defesa, outros elementos do devido processo legal.

Para simplesmente desencorajar certas condutas ilegais na importação de mercadorias, há sanções pecuniárias, que posteriormente poderão ser cobradas ou executadas judicialmente, além das sanções penais, dentre as quais a pena de perda de bens, sempre aplicadas por juiz criminal, pertencente a órgão bem distinto daquele que inicia o processo.

Quanto aos fatos que motivaram a apreensão dos bens, na decisão de fls. 132/134, analisei e decidi sobre a autuação e seus fundamentos legais: fracionamento das mercadorias (art. 105, XVI, Decreto-Lei nº 37/66) e documento adulterado ou falsificado (art. 105, VI, Decreto-Lei nº 37/66). Resta tratar, definitivamente, das questões fáticas, as quais se cingem em verificar se os preços cobrados pela exportadora são condizentes com os praticados no mercado e, caso contrário, se há justificativa comprovada para a discrepância.

Conforme se verifica à fl. 58/62 dos autos nº 0007812-77.2009.403.6105, na DI nº 08/2028409-7, consta a importação de: a) 60 (sessenta) unidades de Placas - Marca Routerboard Modelo RB411, pelo valor unitário de US$ 4,3873; b) 05 (cinco) unidades de Placas - Marca Routerboard Modelo RB433, pelo valor unitário de US$ 5,558; c) 10 (dez) unidades de Conectores Adaptadores BNC-R J45, modelo 5, pelo valor unitário de US$ 1,872.

Na decisão de fls. 132/134, asseverei que, para se reconhecer o direito da autora à liberação das mercadorias, com ou sem pagamento adicional de imposto, fazia-se necessária instrução processual adequada, tendo em vista que a matéria depende de dilação probatória. A própria autora requereu, na petição inicial, a produção de perícia contábil para comprovação de suas alegações.

Entretanto, na inicial, a parte autora não discorda do preço de mercado imputado pela fiscalização para os produtos importados. Apenas sustenta que o baixo preço se deve à intenção de parceria comercial da importadora e à quantidade de mercadorias importadas, que teria levado a uma oferta de valores reduzidos.

Não há qualquer prova de intenção de parceria comercial entre a exportadora e a demandante. Tal prova deveria ser feita documentalmente, na petição inicial ou na réplica, por exemplo, mediante cópias de correspondência comercial, epistolar ou eletrônica, ou, ao menos, por testemunhas, desde que justificada a pertinência desta prova a este fim.

Também não é convincente o argumento de que o valor reduzido decorreria da quantidade adquirida de produtos, vez que, conforme consta na DI, foram importadas 60 (sessenta) unidades de Placas - Marca Routerboard Modelo RB411, 05 (cinco) unidades de Placas - Marca Routerboard Modelo RB433 e 10 (dez) unidades de Conectores Adaptadores BNC-R J45, modelo 5, não se tratando de grande quantidade, tampouco de valores elevados.

Conforme se verifica à fl. 77, a autoridade fiscal realizou pesquisa dos preços dos produtos importados e apurou que a mercadoria adquirida por US$ 4,387 (quatro dólares e trinta e oito centavos) é vendida pelo distribuidor por US$ 43,00 (quarenta e três dólares); a mercadoria adquirida por US$ 5,558 é pelo distribuidor vendida por US$ 105,00; e a mercadoria adquirida por US$ 1,872 é vendida pelo distribuidor por US$ 59,990.

Como a parte autora não impugnou os valores informados pela fiscalização, reputo como válidos os valores de mercado dos produtos (fl. 77) e, pelos motivos acima, não justificada grande discrepância com os preços declarados na importação.

Em relação à alegação de falsificação grosseira de página da exportadora na internet para justificar o preço declarado e propiciar o desembaraço aduaneiro, consta, no laudo de fls. 596/600 dos autos nº 0007812-77.2009.403.6105, que as tentativas de acesso ao site www.hdcomonline.com restaram infrutíferas, apesar de tal domínio ainda se encontrar registrado em nome de Lilian Moreno.

Assim, não há prova de falsificação de página da internet nestes autos, mas também não há prova que elida a presunção de veracidade da autuação fiscal quanto ao valor real das mercadorias, pois a autora, desde o princípio, reconheceu que suas importações tinham preços bem inferiores ao praticado pelos demais fornecedores externos e seus argumentos (intenção de parceria comercial e grande quantidade de mercadorias importadas) não foram comprovados.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos e, em vista da informação comprovada à fl. 585 dos autos nº 0007812-77.2009.403.6105, de que foi instaurado inquérito policial para investigar os fatos deste processo, determino que as mercadorias descritas na DI nº 08/2028409-7 fiquem retidas até que juízo criminal ao qual foi distribuído o inquérito decida sobre o destino delas.

Condeno a autora nas custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.

Oficie-se à Receita Federal e ao juízo criminal acima referido a respeito desta sentença, que reconheceu a inconstitucionalidade da aplicação da pena de perdimento em procedimento meramente administrativo fiscal.

(...)”

Finalmente, não há reparos a se fazer na r. sentença monocrática quanto ao decreto de improcedência, uma vez que o magistrado de 1ª instância proferiu sentença atrelada aos limites fixados na inicial, a qual não postulou pelo afastamento da pena de perdimento.

Ante o exposto, nego provimento à apelação para o fim de manter a r. sentença monocrática.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. SUBFATURAMENTO E FRACIONAMENTO DAS MERCADORIAS IMPORTADAS. LEGALIDADE DA AUTUAÇÃO. PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL INDEFERIDAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA.

Nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil/73, preservado no artigo 370 do CPC/2015, cabe ao Juiz determinar as provas necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Ele é o destinatário da prova, competindo-lhe avaliar a necessidade de produção de novas provas para seu próprio convencimento e materialização da verdade.

Considerando-se os fatos narrados na inicial, a formação do juízo de conhecimento dependia unicamente das alegações das partes e de eventuais documentos juntados aos autos, sendo a produção de prova testemunhal desnecessária para resolução da demanda. Esse tipo de prova se apresta à obtenção de elementos que tenham sido presenciados pelas testemunhas. No entanto, a pretensão da recorrente é confrontar o teor do depoimento do auditor fiscal que lavrou o auto de infração com o teor desse. Nesse contexto, a pretensão da recorrente não guarda pertinência com a própria natureza da prova pretendida.

O mesmo se diga quanto à necessidade de perícia técnica, cuja finalidade pretendida seria a mesma a da produção de prova oral, isto é, demonstrar a conduta supostamente ilícita da autoridade autuante na formulação do auto de infração. Com efeito, a questão em análise é unicamente de direito, cuja verificação se dá por meio de prova documental.

Consoante se verifica da fundamentação da r. sentença recorrida, o magistrado a quo realizou sua análise dentro do que lhe foi apresentado e na perspectiva do princípio do livre convencimento motivado, previsto no artigo 131 do CPC/73, preservado no 371 do CPC vigente. Segundo a uníssona jurisprudência, não fica caracterizado julgamento extra petita, ultra petita ou citra petita, quando o Juízo analisa as provas dos autos nos estritos termos do pedido, ainda que fundamente sua decisão com argumentos diversos daqueles levantados pelas partes, como no caso em espécie. Nulidade da sentença afastada.

Nos termos do artigo 15, inciso VI, do Decreto-Lei nº 37/66 e dos artigos 136, inciso II, alínea b, e 153, inciso I, do Decreto n. 6.759/2009, é concedida isenção do imposto de importação às amostras comerciais desde que sua quantidade seja estritamente necessária ao conhecimento da natureza, espécie e qualidade da mercadoria.

Se a autora realizou a importação definitiva antes de poder testar as supostas amostras, ainda que em razão de preços convidativos ou de estratégia comercial, evidentemente a importação anterior não servia estritamente ao conhecimento dos produtos; quanto muito, serviria cumulativamente ao referido conhecimento. Assim, correta a autuação da autora consubstanciada nos autos de infrações combatidos por caracterizar fracionamento, bem como a apreensão das mercadorias da DI indicada na inicial que, no caso de fracionamento, pode levar à aplicação da pena de perdimento.

Não restou comprovado nos autos a falsificação pela autora de página da internet nestes autos, mas também não há prova que elida a presunção de veracidade da autuação fiscal quanto ao valor real das mercadorias, pois a autora, desde o princípio, reconheceu que suas importações tinham preços bem inferiores aos praticados pelos demais fornecedores externos e seus argumentos (intenção de parceria comercial, amostra de mercadorias e frete subsidiado) não foram comprovados.

A destinação dos depósitos efetuados nos autos compete ao Juízo à disposição de quem estão os valores e será resolvida após o trânsito em julgado da decisão.

Apelação improvida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.