Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014628-95.2006.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: MUNICIPIO DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: BRUNO ROBERTO LEAL - SP329019-A
Advogado do(a) APELANTE: HELOISE WITTMANN - SP301937-A

APELADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS

Advogado do(a) APELADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS
 

ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014628-95.2006.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: MUNICIPIO DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: BRUNO ROBERTO LEAL - SP329019-A
Advogado do(a) APELANTE: HELOISE WITTMANN - SP301937-A

APELADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS

Advogado do(a) APELADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Marli Ferreira (Relatora):

Trata-se de ação de procedimento comum proposta contra União Federal, Estado de São Paulo e Município de São Paulo, com pedido de tutela antecipada, em que Felipe Luciano de Campos (6/12/1993) representado pela genitora Lucia de Fátima Campos, diagnosticado com porfiria aguda intermitente, requer o fornecimento do medicamento Panhematin 313 mg, quatro frascos para uso endovenoso, ou Hematina (doc. 3); requer a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 17). Data da propositura da ação: 5/7/2006; valor da causa: R$ 33.200,00 (fl. 5).

A autora alega que  o medicamento, apesar de não curar o paciente, poderá diminuir as crises, melhorar a condição de vida e sobrevida; o medicamento custa, em média, R$ 8.300,00, cada ampola (doc. 4), devendo ser importada.

A decisão deferiu os benefícios de justiça gratuita; concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que as rés, pelo Sistema Único de Saúde - SUS, providenciassem e fornecessem, de imediato e com a máxima urgência, Hematina 30 mg, ou, na falta deste, Panhematin 313 mg, 4 frascos ou ampolas para uso endovenoso, conforme receituário médico de fIs. 11/14 (8/7/2006, ID 118263035, fl. 20/21). A União Federal comunica a interposição de agravo de instrumento, autos nº 2006.03.00.080118-5 (fls. 38, 39/48). O Município de São Paulo informa a interposição de recurso, registrado sob nº 2006.03.00.080524-5 (ID 120783933, fls. 272/273, 271/284). Providências tomadas pela União, para compra do medicamento (ID 120783933, fls. 286/289).

Contestação:

- União Federal: a) incabível a antecipação de tutela; b) ilegitimidade passiva; c) incompetência absoluta da Justiça Federal; d) o medicamento requerido, classificado como excepcional/alto custo, não possui registro na Anvisa, não consta na lista de medicamentos excepcionais fornecidos pelo SUS, não é comercializado no Brasil (ID 118263035, fls. 56/64).

 - Município de São Paulo: a) ilegitimidade de parte: competência do Município de Osasco, onde reside o autor; b) ilegitimidade do Município para fornecer o medicamento de alto custo: princípio da legalidade aplicada à Administração; c) limitações orçamentárias; d) violação ao princípio da autonomia municipal (fls. 291/297).

- Estado de São Paulo: a) ilegitimidade de parte; b) princípio da tripartição de poder; c) ofensa ao art. 196 da Constituição Federal; prevalece o direito coletivo sobre o direito individual; questão pertinente ao óbice orçamentário (fls. 299/309).

Réplica: a) legitimidade passiva da União Federal, do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo; b) perigo de dano irreparável ao erário público não se justifica, tendo em vista os gastos suportados pela Administração Pública, em razão do tratamento continuado do autor, reiteradamente em instituições públicas; c) segundo o relatório médico e anexado, a situação atual do autor é ótima,  (13/3/2007, fls. 314/322).

Especificação de provas (fl. 310):

- A União Federal não pretende produzir provas (fl. 325).

- A Secretaria de Estado da Saúde informa que o autor não tem comparecido para retirar o medicamento Hematina 313 mg - Panhematin, embora contatado por telefone e telegrama para fazê-lo (14/8/2007, ID 120783933, fls. 327); a retirada do medicamento Hematina a 313 mg - Panhematin®, destinado ao menor Felipe Luciano de Campos não vem ocorrendo regularmente, ou seja, mensalmente, como seria esperado; mesmo tentando contato telefônico e telegrama fonado, cópias em anexo, não conseguiram o comparecimento por parte do responsável, motivo pelo qual solicitaram-se novas orientações para evitarem-se aquisição indevida e armazenamento de medicamento importado de validade curta e custo elevadíssimo (17/7/2007, ID 120783933, fl. 328).

Diante das informações da genitora do autor, às fls. 351/352 (internação para tratamento com suspensão do medicamento pelos médicos do Instituto da Criança, 20/8/2008, fl. 352), suspenderam-se temporariamente os efeitos da tutela antecipada até nova deliberação do juízo, que deveria ser informado, tão logo o autor passasse a necessitar novamente do medicamento em questão (9/1/2009, fl. 363).

A sentença:

- consignou: a) pela legitimidade passiva das rés e pela competência da Justiça Federal; b) pelo cabimento de tutela antecipada contra fazenda pública;

- decidiu suspender temporariamente o fornecimento do medicamento em questão, sob o fundamento de que, a genitora do autor, em requerimento do próprio punho, informando que após avaliação médica foi determinada a suspensão temporária da medicação, ante a melhora do adolescente, esclareceu que diante de nova crise tal medicação poderia vir a ser novamente necessária, motivo pelo rogou que o fornecimento fosse apenas suspenso, em vez de cancelado (fls. 351/352); embora o quadro clínico do menor tivesse apresentado considerável melhora, o medicamento em questão poderia ainda vir a ser necessário no caso de nova crise (fl. 353).

- julgou procedente o pedido, mantendo a antecipação dos efeitos da tutela para determinar que os réus fornecessem ao autor o medicamento Hematina 30 mg ou, na sua falta, Panhematin 313 mg, sempre que receitado por seu médico, observando-se o período e a quantidade/dosagem prescrita;

- entendeu indevida a condenação das rés nas custas processuais, ante o deferimento dos benefícios da justiça gratuita ao autor (fl. 17); honorários advocatícios devidos pelas rés, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, correspondendo a 1/3 para cada ré (23/3/2009, ID 120783933, fls. 377/378).

Apelação:

- Estado de São Paulo: a) os medicamentos pleiteados são proibidos de comercialização no País, por não serem autorizados pela Anvisa; b) nula a sentença que determinou o fornecimento de medicamento proibido, de altíssimo custo - na exordial afirma-se que custa R$8.300,00 cada ampola, tendo sido pleiteado mensalmente 4 ampolas, redundando em R$ 33.200,00 -, quando e se o autor dele necessitar, porquanto os medicamentos são produtos consumíveis, com prazo de validade determinado e que, no caso, por ser proibido de comercialização no Brasil, nem poderá ser repassado a outro paciente pelo Poder Público; c) no mérito, o tratamento pretendido é experimental e o medicamento é potencialmente perigoso, cuja eficácia e segurança ainda não foram atestados pelo órgão competente, a Anvisa; sem registro na Anvisa os medicamentos Hematina e Panhematin, trata-se de novo recurso terapêutico, cuja eficácia e segurança não foram evidenciadas nem pelo Ministério da Saúde; d) possível o acesso a essas novas drogas, consoante o art. 24 da Lei nº 6.360/76, mediante expressa autorização do Ministério da Saúde, concedida no bojo de programa denominado acesso expandido, a ser patrocinado exclusivamente pelo laboratório interessado no registro do medicamento, desenvolvido dentro de protocolo pré-estabelecido,  assegurando tanto ao paciente interessado, como às autoridades de saúde nacionais, informes precisos e completos sobre a nova terapêutica, seus resultados, efeitos adversos, enfim, tudo quanto necessário à concessão ou rejeição do registro buscado; e) a manutenção da sentença implica em transferência ao Estado do financiamento e a responsabilidade pelos riscos que  podem ser causados pelo tratamento experimental, cabível apenas no âmbito de pesquisas clínicas, "como se fosse patrocinadora e/ou promotor de um estudo cujo objeto é o mesmo de outro, particular". Requer o provimento do recurso para reconhecer a nulidade da sentença condicional, que determinou o fornecimento "se o autor vier a necessitar os medicamentos", ou no mérito, seja provido o recurso para cassar a sentença, julgando improcedente a pretensão, como medida de zelo pela saúde pública e do autor (6/5/2009, ID 120783933, fls. 382/395).

- Município de São Paulo: a) competência do Município de Osasco para fornecer o medicamento de alto custo pleiteado, onde reside o autor, devendo ser excluído o Município de São Paulo; b) limitações orçamentárias; c) violação ao princípio constitucional da autonomia Municipal; d) impossibilidade jurídica de fixação de multa contra a Fazenda Pública; um Poder não pode aplicar multa sobre o outro. Requer a reforma da sentença para excluir o Município de São Paulo da lide, por residir o autor em Osasco, ou seja julgado improcedente o pedido (12/5/2009, fls. 396/405).

Contrarrazões às fls. 409/416 (14/8/2009, ID 120783933).

Apelação da União Federal: a) incabível  a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública; b) ilegitimidade passiva e, por conseguinte, incompetência absoluta da Justiça Federal; c) classificação do medicamento requerido como excepcional, de alto custo; d) o medicamento hematina não é comercializado no Brasil, não possui registro na Anvisa; e) prequestionamento: violação aos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF (separação dos Poderes), ofensa ao art. 5º, LXIX, da CF e ao art. 1º da Lei nº 1.533/1951 (não cabimento do "mandamus" para defesa de direito dependente de dilação probatória complexa). Requer a reforma da sentença, denegando-se o pedido com inversão do ônus sucumbencial (10/11/2009, ID 120783933, fls. 439/451).

Com contrarrazões (2/2/2010, ID 120783933, fls. 456/457), remeteram-se os autos a este Tribuna.

Cumprindo o despacho de fl. 459, a genitora do autor informa que "até o presente momento, não necessitou mais fazer uso do medicamento", esperando que "essa suspensão seja definitiva" e que seu filho "não volte a necessitar da medicação, nada tendo que a desabone, muito ao contrário, seu uso significou a manutenção da vida dele" (25/8/2017, ID 12083933, fls. 464/465).

É o relatório.

 

 


 
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014628-95.2006.4.03.6100

RELATOR: Gab. 12 - DES. FED. MARLI FERREIRA

APELANTE: MUNICIPIO DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: BRUNO ROBERTO LEAL - SP329019-A
Advogado do(a) APELANTE: HELOISE WITTMANN - SP301937-A

APELADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS

Advogado do(a) APELADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

OUTROS PARTICIPANTES:

TERCEIRO INTERESSADO: LUCIA DE FATIMA CAMPOS
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: APARECIDA FREIRE FERREIRA DAMACENO - SP192549-A

 

 

 

V O T O

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Marli Ferreira (Relatora):

Inicialmente convém destacar que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196, CF), cabendo ao Poder Público promover as ações e serviços públicos de saúde (art. 197, CF), os quais integram sistema único que será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (art. 198, § 1º, CF):

"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: 

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. (Parágrafo único renumerado para § 1º pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)"

Saliente-se que "apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos" (AI 822882 AgR/DF, Relator Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 10/06/2014, DJe-151 public 06-08-2014).

O direito à saúde e à assistência aos desamparados está previsto também no art. 6º, da Constituição da República, e atende ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme o art. 1º, III, do texto constitucional:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)

III - a dignidade da pessoa humana;"

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, regulamenta o art. 198 da Constituição da República, e disciplina o Sistema Único de Saúde – SUS:

"Art. 7º. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

(...)

XI- conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;"

A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente, entendimento esse reafirmado no julgamento do RE 855.178-RG/SE, de relatoria do Ministro Luiz Fux, Tema 793 da repercussão geral:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente."
(RE 855178 RG/SE, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015)

Nesse sentido:

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS PELO FUNCIONAMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ. FÁRMACO QUE NÃO CONSTA DA LISTAGEM RENAME. INAPLICABILIDADE DO REPETITIVO QUE APRECIOU O TEMA 106, ANTE A SUA MODULAÇÃO DE EFEITOS PARA AS DEMANDAS INICIADAS APÓS A CONCLUSÃO DAQUELE JULGAMENTO. FIRME ENTENDIMENTO ANTERIOR DESTE STJ PELA POSSIBILIDADE DO FORNECIMENTO. A REFORMA DO JULGADO PRETENDIDA PARA SE CONCLUIR PELA DESNECESSIDADE DO MEDICAMENTO IMPLICA NO REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PROVIDÊNCIA VEDADA, EM PRINCÍPIO, NESTA SEARA RECURSAL. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DO PIAUÍ A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o funcionamento do Sistema Único de Saúde é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda que objetive o acesso a medicamento para tratamento de saúde.
2. Sendo inaplicável ao caso o entendimento firmado no Tema 106/STJ, ante a sua modulação dos efeitos, deve incidir o entendimento jurisprudencial anterior.
3. O Tribunal de origem, com base no substrato fático-probatório, entendeu estar demonstrada a necessidade do medicamento para o tratamento. A inversão do julgado na forma pretendida, demandaria a incursão no acervo fático-probatório da causa, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.
4. Agravo Interno do ESTADO DO PIAUÍ a que se nega provimento."
(AgInt no REsp 1587343/PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 26/05/2020)

 

Infere-se daí competir ao Estado a garantia da saúde mediante a execução de políticas de prevenção e assistência, com a disponibilização dos serviços públicos de atendimento à população (no sentido de coletividade), com o intuito de resguardar o direito constitucional para garantia de acesso universal e igualitário. Por ser um direito de todos, tais ações, em regra, não admitem que politicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças sejam voltadas para o direito específico de um indivíduo. No entanto, surgem, por vezes, situações imprevisíveis que obrigam o Poder Púbico a uma mudança de rumos, como na presente hipótese.

Com o intuito de dirimir o conflito acerca de quais fármacos deveriam ser fornecidos pelo Poder Público, o colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106), firmou entendimento de que a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (c) existência de registro na ANVISA do medicamento:

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.

2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos.
Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.

3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015."
(REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018)

Todavia, ao apreciar embargos de declaração opostos contra o acórdão supra, a Primeira Seção realizou esclarecimentos quanto à modulação dos efeitos do recurso repetitivo, de forma que os requisitos acima mencionados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018; veja-se o excerto:

"Quanto a modulação:

a) Os requisitos cumulativos estabelecidos são aplicáveis a todos os processos distribuídos na primeira instância a partir de 4/5/2018;

b) Quanto aos processos pendentes, com distribuição anterior à 4/5/2018, é exigível o requisito que se encontrava sedimentado na jurisprudência do STJ: a demonstração da imprescindibilidade do medicamento. "

(EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018).

Proposta a ação em 5 de julho de 2006, descabida a exigência da cumulatividade dos requisitos estabelecidos no aludido recurso repetitivo, aplicando-se a jurisprudência anteriormente consolidada sobre o tema, no sentido da necessidade de demonstração da imprescindibilidade do fármaco para a manutenção da saúde do paciente.

Nesse sentido, não há que se falar em ingerência do Poder Judiciário junto ao Executivo, porquanto o julgamento, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos dos demais poderes, não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes, especialmente em se tratando de políticas públicas nas questões envolvendo o direito constitucional à saúde:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 1º.08.2020. INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. FORNECIMENTO DE SUPLEMENTO ALIMENTAR NÃO INCLUÍDO NA LISTA DO SUS. COMPROVADA NECESSIDADE. SUPOSTA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279. ART. 196 DA CF. DIREITO À SAÚDE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. AFRONTA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ALTO CUSTO DO MEDICAMENTO. AUSÊNCIA DE DISCUSSÃO PARA FINS DE APLICAÇÃO DO TEMA 6 DA REPERCUSSÃO GERAL.

1. O acórdão recorrido, na hipótese, não destoa da jurisprudência desta Corte, quanto à inocorrência de violação ao princípio da separação dos poderes, eis que o julgamento, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos dos demais poderes, não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes, especialmente em se tratando de políticas públicas nas questões envolvendo o direito constitucional à saúde.

2. Eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo juízo a quo, no que tange à suposta ofensa ao postulado da isonomia e à necessidade ou não do fornecimento do alimento especial pleiteado, demandaria o reexame de fatos e provas, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo, tendo em vista a vedação contida na Súmula 279 do STF.

3. A questão relativa ao alto custo do medicamento não foi objeto de discussão no acórdão recorrido para fins de aplicação do Tema 6 da repercussão geral, cujo paradigma é o RE 566.471-RG, de relatoria do Min. Marco Aurélio.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. Incabível a aplicação do disposto no art. 85, § 11, do CPC, em virtude da ausência de fixação de honorários pelo Tribunal de origem."
(ARE 1267067 AgR/PE, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 23/11/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-282  DIVULG 27-11-2020  PUBLIC 30-11-2020)

Segundo o relatório médico de 7 de julho de 2006, Felipe Luciano de Campos, na época com 12 anos, era paciente portador de porfiria intermitente que necessitava urgentemente da utilização do medicamento Panhematin 313 mg (4 frascos) para uso endovenoso (ID 118263035, fls. 11, 12), ou Hematina (fl. 13), na falta daquele. O médico assistente declarou, ainda, que o medicamento, apesar de não implicar na cura do paciente, poderia diminuir as crises que tinham sido razão de má qualidade de vida para a criança (fl. 14).

A escolha do medicamento compete ao médico habilitado e conhecedor do quadro clínico do paciente (RMS 61.891/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 19/12/2019).

Comprovada, pois, a imprescindibilidade ou necessidade dos medicamentos requeridos.

A declaração de situação financeira (fl. 17) e o deferimento dos benefícios de justiça gratuita (8/7/2006, ID 118263035, fl. 20) demonstram a hipossuficiência financeira para arcar com o custo dos medicamentos prescritos, motivo pelo qual a parte autora socorreu-se da via judicial.

A negativa de fornecimento requerido implica desrespeito às normas constitucionais que garantem o direito à vida e à saúde.

Posteriormente, em cumprimento ao despacho de fl. 459, a genitora de Felipe Luciano de Campos informou que seu filho "deixou de fazer uso do medicamento no início de 2007" e "até o presente momento não necessitou mais fazer uso do medicamento", esperando que "essa suspensão seja definitiva" e que seu filho "não volte a necessitar da medicação, nada tendo que a desabone, muito ao contrário, seu uso significou a manutenção da vida dele".

Logo, verifica-se que o medicamento realmente resolveu a situação da parte autora, não cabendo se falar em nulidade da sentença alegada pelo Estado de São Paulo, haja vista não se tratar de uma sentença condicional, e sim de um protocolo para evitar gastos públicos desnecessários, para cumprir decisões baseadas em relatórios médicos desatualizados. 

Ante o exposto, nego provimento às apelações dos entes públicos, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos.

É como voto.



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. COMPROVAÇÃO DE EFICÁCIA PELA CURA DO AUTOR.

1. Proposta a ação em 5 de julho de 2006, descabida a exigência da cumulatividade dos requisitos estabelecidos no recurso repetitivo REsp 1657156/RJ, aplicando-se a jurisprudência anteriormente consolidada sobre o tema, no sentido da necessidade de demonstração da imprescindibilidade do fármaco para a manutenção da saúde do paciente.

2. A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente, entendimento esse reafirmado no julgamento do RE 855.178-RG/SE, de relatoria do Ministro Luiz Fux, Tema 793 da repercussão geral.

3. Não há que se falar em ingerência do Poder Judiciário junto ao Executivo, porquanto o julgamento, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos dos demais poderes, não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes, especialmente em se tratando de políticas públicas nas questões envolvendo o direito constitucional à saúde (ARE 1267067 AgR/PE).

4. Segundo o relatório médico de 7 de julho de 2006, Felipe Luciano de Campos, na época com 12 anos, era paciente portador de porfiria intermitente que necessitava urgentemente da utilização do medicamento Panhematin 313 mg (4 frascos) para uso endovenoso (ID 118263035, fls. 11, 12), ou Hematina (fl. 13), na falta daquele. O médico assistente declarou, ainda, que o medicamento, apesar de não implicar na cura do paciente, poderia diminuir as crises que tinham sido razão de má qualidade de vida para a criança (fl. 14).

5. A escolha do medicamento compete ao médico habilitado e conhecedor do quadro clínico do paciente (RMS 61.891/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 19/12/2019). Comprovada, pois, a imprescindibilidade ou necessidade dos medicamentos requeridos.

6. A declaração de situação financeira (fl. 17) e o deferimento dos benefícios de justiça gratuita (8/7/2006, ID 118263035, fl. 20) demonstram a hipossuficiência financeira para arcar com o custo dos medicamentos prescritos, motivo pelo qual a parte autora socorreu-se da via judicial.

7. Posteriormente, em cumprimento ao despacho de fl. 459, a genitora de Felipe Luciano de Campos informou que seu filho "deixou de fazer uso do medicamento no início de 2007" e "até o presente momento não necessitou mais fazer uso do medicamento", esperando que "essa suspensão seja definitiva" e que seu filho "não volte a necessitar da medicação, nada tendo que a desabone, muito ao contrário, seu uso significou a manutenção da vida dele" (22/8/2017, ID 120783933, fl. 465).

8. Logo, verifica-se que o medicamento realmente resolveu a situação da parte autora, não cabendo se falar em nulidade da sentença alegada pelo Estado de São Paulo, haja vista não se tratar de uma sentença condicional, e sim de um protocolo para evitar gastos públicos desnecessários, para cumprir decisões baseadas em relatórios médicos desatualizados. 

9. Apelações improvidas. 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, negar provimento às apelações dos entes públicos, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos, nos termos do voto da Des. Fed. MARLI FERREIRA (Relatora), com quem votaram a Des. Fed. MÔNICA NOBRE e o Des. Fed. MARCELO SARAIVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.