Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001504-66.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: FUNDAÇÃO ANTÔNIO PRUDENTE

Advogados do(a) APELADO: VIVIAN BUFALO CENEVIVA RAMIRES - SP257548-A, DAGOBERTO JOSE STEINMEYER LIMA - SP17513-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001504-66.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: FUNDAÇÃO ANTÔNIO PRUDENTE

Advogados do(a) APELADO: VIVIAN BUFALO CENEVIVA RAMIRES - SP257548-A, DAGOBERTO JOSE STEINMEYER LIMA - SP17513-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de mandado de segurança, impetrado por Fundação Antônio Prudente, objetivando o reconhecimento de imunidade tributária na condição de entidade beneficente de assistência social, de modo a viabilizar o desembaraço aduaneiro de mercadoria importada, independentemente do recolhimento de imposto de importação (II), imposto sobre produtos industrializados (IPI), PIS e COFINS.

A sentença, reconhecendo o caráter assistencial da impetrante, concedeu a segurança para assegurar o desembaraço aduaneiro do equipamento médico-hospitalar, consistente no VENTILADOR DE TERAPIA INTENSIVA, objeto da Fatura Comercial n.º 1700111919, sem a exigência de recolhimento do II, IPI, PIS/PASEP e da COFINS. Não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Custas nos termos da lei.

A sentença foi submetida ao reexame necessário.

A União Federal apelou, requerendo a reforma da sentença. Argumenta com a inadequação da via eleita, por necessária dilação probatória no tocante ao preenchimento dos requisitos legais ao gozo da imunidade invocada.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.

O MPF, em seu parecer, manifestou-se pelo regular prosseguimento (ID 138017696).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001504-66.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES

APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: FUNDAÇÃO ANTÔNIO PRUDENTE

Advogados do(a) APELADO: VIVIAN BUFALO CENEVIVA RAMIRES - SP257548-A, DAGOBERTO JOSE STEINMEYER LIMA - SP17513-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

A preliminar de inadequação da via eleita, por suposta necessidade de dilação probatória, merece acolhimento.

No tocante à assistência social, a Constituição Federal da República estabelece:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

VI - a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 114, de 2021)

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;” (destaques nossos)

Como incentivo à ação assistencial por entidades privadas, o texto constitucional proibiu a instituição de impostos sobre "patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei" (artigo 150, inciso VI, alínea "c").

Atribuiu à lei complementar a regulamentação quanto aos limites do poder de tributar (artigo 146, inciso II) e à "lei", a disciplina da isenção quanto às "entidades beneficentes de assistência social" (artigo 195, § 7º).

O Supremo Tribunal Federal, no regime de repercussão geral, declarou que a “regência de imunidade faz-se mediante lei complementar” (RE 566622, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2017, publicado em 23/08/2017).

Posteriormente (18/12/2019), em sede de embargos de declaração, a tese foi parcialmente alterada (Tema 32): “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas.”

Na ocasião, ficou ressalvado que aspectos procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo são passíveis de definição em lei ordinária, assentando-se a constitucionalidade do artigo 55, inciso II, da Lei Federal n.º nº 8.212/1991, na redação original e nas redações que lhe foram dadas pelo artigo 5º, da Lei Federal n.º 9.429/1996, e pelo artigo 3º, da Medida Provisória nº 2.187-13/2001, nos termos do voto da Ministra Rosa Weber, Relatora para Acórdão.

Nessa linha, tem-se considerado pertinente exigir o certificado (CEBAS), para efeito de reconhecimento da qualidade de entidade beneficente de assistência social.

Confira-se:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS – ERRO MATERIAL. Uma vez verificado erro material quanto ao exame de certo tema, impõe-se o provimento dos declaratórios. IMUNIDADE – ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – CERTIFICAÇÃO. É constitucional a exigência da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social – Cebas, considerado o previsto no artigo 55, inciso II, da Lei nº 8.212/1991, para fins de reconhecimento da imunidade tributária versada no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. Precedente: embargos de declaração no recurso extraordinário nº 566.622, Pleno, de minha relatoria, redatora do acórdão ministra Rosa Weber. Ressalva de entendimento pessoal.

(STF, Primeira Turma, RE 364602 AgR-2ºJULG-ED-segundos / RS, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO julgado em 31/08/2020, publicado em 09/09/2020).

No mesmo sentido, o precedente desta Turma julgadora: Apelação Cível n.º 5011497-36.2020.4.03.6100, Relator Desembargador Federal Luís Antônio Johonsom di Salvo, julgado em 21/06/2021 e publicado em 24/06/2021.

Convém ainda citar que, em 16 de dezembro de 2021, foi publicada a Lei Complementar n.º 187, que veio a sedimentar a questão atinente à certificação das entidades beneficentes e regulação dos procedimentos referentes à imunidade:

“Art. 3º Farão jus à imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal as entidades beneficentes que atuem nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, certificadas nos termos desta Lei Complementar, e que atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I - não percebam seus dirigentes estatutários, conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, das funções ou das atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

II - apliquem suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

III - apresentem certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, bem como comprovação de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV - mantenham escrituração contábil regular que registre as receitas e as despesas, bem como o registro em gratuidade, de forma segregada, em consonância com as normas do Conselho Federal de Contabilidade e com a legislação fiscal em vigor;

V - não distribuam a seus conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores seus resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto, e, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, públicos ou privados, com ou sem cessão de mão de obra, não transfiram a esses terceiros os benefícios relativos à imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal;

VI - conservem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data de emissão, os documentos que comprovem a origem e o registro de seus recursos e os relativos a atos ou a operações realizadas que impliquem modificação da situação patrimonial;

VII - apresentem as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pelo inciso II do caput do art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; e

VIII - prevejam, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescente a entidades beneficentes certificadas ou a entidades públicas.”

A lei é posterior à impetração desta ação mandamental (31/01/2020).

Portanto, para efeito de reconhecimento da imunidade tributária no caso em apreço, devem ser observados os requisitos previstos no artigo 14, do Código Tributário Nacional:

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.”

A partir do Estatuto Social (Id 137411584), verifica-se que a impetrante é entidade sem fins lucrativos, constituída com o propósito de atuar no combate ao câncer, nos campos científico, técnico, assistencial, educacional e social (art. 4º).

O mesmo documento prevê: (1) a vedação à distribuição de lucros e bonificações aos conselheiros e diretores (artigo 9º); (2) a aplicação dos recursos nos fins institucionais no País (artigo 8º, §1º e 11, § 1º); e (3) a prestação anual de contas, com base nos demonstrativos contábeis, segundo princípios e normas da contabilidade, tornando públicos os relatórios de atividades e demonstrações financeiras (artigo 41).

Ainda, para efeito de prova de consecução dos seus objetivos sociais e do cumprimento dos requisitos legais ao gozo da imunidade, foram anexados:

i. Declaração da detenção do título de utilidade pública municipal emitida em 2015, com validade por três anos, e respectivo pedido de atualização (Id 137411586 e Id 137411587);

ii. Comprovante de entrega do relatório de 2017, relativo à declaração de utilidade pública (Id 137441585);

iii. Registro junto ao CNES (Id 137411589);

iv. Convênio celebrado com a Prefeitura Municipal de São Paulo, por intermédio da Secretaria Municipal de Saúde (Id 137411596), a respectiva publicação (Id 137411599) e anexo de pactuação das atividades ambulatoriais prestadas em 2019 (Id 137411597);

v. Publicação do balanço patrimonial em 30 de abril de 2019 (Id 137411605).

vi. Renovação do CEBAS com validade até 31/12/2018 (Id 137411602).

Entretanto, deve-se notar que, no momento da impetração, o certificado (CEBAS) já estava com a validade expirada, não havendo prova pré-constituída de pedido tempestivo de renovação, de modo a atrair a regra do artigo 24, § 2º, da Lei Federal n.º 12.101/09, vigente na ocasião.

O mandado de segurança exige instrução probatória documental plena no momento do ajuizamento da ação.

Não é viável possibilitar, na via mandamental, a dilação probatória, restando, por outro lado, assegurado o direito à discussão na via adequada.

Por esses fundamentos, dou provimento à apelação e à remessa necessária.

É o voto.



E M E N T A

 

MANDADO DE SEGURANÇA. IMUNIDADE. ARTIGOS 150, VI, "C" E 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. REQUISITOS LEGAIS. NECESSIDADE DE PROVA DOCUMENTAL PRÉ-CONSTITUÍDA.

1. O texto constitucional proibiu a instituição de impostos sobre "patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei" (artigo 150, inciso VI, alínea "c").

2. O Supremo Tribunal Federal, no regime de repercussão geral, declarou que a “regência de imunidade faz-se mediante lei complementar” (RE 566622). Posteriormente, a tese foi parcialmente alterada (Tema 32): “A lei complementar é forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º, da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem por elas observadas.”

3. Ficou ressalvado no âmbito da suprema corte que aspectos procedimentais referentes à certificação, fiscalização e controle administrativo são passíveis de definição em lei ordinária. Nessa linha, tem-se considerado pertinente exigir o certificado (CEBAS), para efeito de reconhecimento da qualidade de entidade beneficente de assistência social.

4. Quanto a fatos ocorridos antes da publicação da Lei Complementar n.º 187/2021, para efeito de reconhecimento da imunidade tributária, devem ser observados os requisitos previstos no artigo 14, do Código Tributário Nacional.

5. No momento da impetração, o certificado (CEBAS) já estava com a validade expirada, não havendo prova pré-constituída de pedido tempestivo de renovação, de modo a atrair a regra do artigo 24, § 2º, da Lei federal n.º 12.101/09, então vigente.

6. O mandado de segurança exige instrução probatória documental plena no momento do ajuizamento da ação. Não é viável possibilitar, na via mandamental, a dilação probatória, restando, por outro lado, assegurado o direito à discussão na via adequada.

7. Apelação e remessa necessária providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.