APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005643-21.2021.4.03.6102
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELADO: H. V. A. TUDJARIAN JUNIOR
Advogado do(a) APELADO: JAMOL ANDERSON FERREIRA DE MELLO - SP226577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005643-21.2021.4.03.6102 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: H. V. A. TUDJARIAN JUNIOR Advogado do(a) APELADO: JAMOL ANDERSON FERREIRA DE MELLO - SP226577-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação declaratória, cumulada com repetição de indébito tributário, ajuizada por H. V. A. TUDJARIAN JUNIOR, objetivando o reconhecimento de imunidade dos impostos incidentes na importação de “cartas de tarot, oráculo, títulos de bem-estar, inspiracionais e metafísicos”, bem como a aplicação da alíquota zero no PIS-importação e na Cofins-importação. A sentença julgou o pedido inicial procedente, para declarar para declarar a imunidade tributária decorrente da equiparação de “cartas de tarot, oráculos, títulos de bem-estar, inspiracionais e metafísicos” a livros. Condenou a União a restituir o indébito tributário, acrescido de juros de correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, observada a prescrição quinquenal. Condenou a União ao ressarcimento das despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, em percentual a ser fixado sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil. A União Federal apela, requerendo a reforma da sentença. Alega que os produtos importados não se enquadram no conceito de livro ou equiparados e, portanto, não gozam de imunidade tributária. Em contrarrazões, a apelada alegou, preliminarmente, a intempestividade do recurso, e no mérito requereu a manutenção da sentença. Subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005643-21.2021.4.03.6102 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. PAULO DOMINGUES APELANTE: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL APELADO: H. V. A. TUDJARIAN JUNIOR Advogado do(a) APELADO: JAMOL ANDERSON FERREIRA DE MELLO - SP226577-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Rejeito a preliminar de intempestividade arguida em contrarrazões. O art. 183 da Lei nº 13.105/2015 estabelece que a Fazenda Pública goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais e que a contagem dos prazos terá inicio a partir da intimação pessoal de seus representantes legais, sendo possível que esta intimação ocorra por remessa dos autos, carga destes ou através de intimação por meio eletrônico (art. 183, § 1º). Do exame dos autos, verifica-se que a intimação da sentença ocorreu em 13 de outubro de 2021 e a apelação foi protocolizada em 09 de novembro de 2021, dentro do prazo recursal. Passo ao exame do recurso de apelação. A Constituição Federal veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” (artigo 150, inciso VI, “d”). A importação de livros é também beneficiada pela alíquota zero no tocante ao PIS-importação e à Cofins-importação, nos termos do artigo 8º, § 12, inciso XII. O conceito de livro está definido no artigo 2º, da Lei Federal n.º 10.753/2003 (Política Nacional do Livro): “a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento”. Para os efeitos daquela lei são equiparados a livro (art. 2º, parágrafo único): I - fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro; II - materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar; III - roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas; IV - álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar; V - atlas geográficos, históricos, anatômicos, mapas e cartogramas; VI - textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte; VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual; e VIII - livros impressos no Sistema Braille. O mesmo diploma impõe a obrigatoriedade de adoção do Número Internacional Padronizado (ISBN) na editoração de livros (art. 6º). É pertinente citar que o C. Supremo Tribunal Federal reconheceu o alcance da imunidade sobre álbuns adesivos e respectivos cromos ilustrados, bem como de estampas ilustradas dos chamados “trading card games” (RE 656203, Relatora Ministra Cármen Lúcia; RE 1122908, Relator Ministro Alexandre de Moraes). A jurisprudência desta E. Corte tem também se consolidado no sentido de reconhecer a imunidade sobre “cards” que acompanham álbuns ou livros ou que estejam a eles relacionados. Confiram-se alguns precedentes: “AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE E ISENÇÃO NA IMPORTAÇÃO DE CARD GAMES. ART. 150, VI, D, DA CF, E ART. 8º, § 12, XII, DA LEI 10.865/04. PROTEÇÃO. DIREITO À EDUCAÇÃO, LIVRE PENSAMENTO E CULTURA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. RECURSO DESPROVIDO.” (ApCiv 5009996-81.2019.4.03.6100, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal Luís Antônio Johonsom Di Salvo, julgado em 19/11/2021, publicado em 24/11/2021 – sobre acessórios dos livros da série Magic: The Gatering). “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO DE LIVROS ILUSTRADOS E AS ESTAMPAS (CARDS MAGIC). INCLUSÃO DOS JOGOS DE INTERPRETAÇÃO DE PERSONAGENS. POSSIBILIDADE. II E IPI: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. PIS E COFINS: APLICAÇÃO DE ALÍQUOTA ZERO. AGRAVO PROVIDO. I. A imunidade tributária dos livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão é orientada pelo ideal de liberdade de manifestação do pensamento e de acesso à cultura, pouco importando o suporte em que ele se materialize. II. Diferentemente da legislação ordinária que prevê subsídios fiscais, a norma constitucional imunizante não se submete necessariamente a uma interpretação restrita. Existe uma metodologia própria de exegese, na qual se destaca a garantia da máxima efetividade. III. Se a referência axiológica do artigo 150, VI, d, da CF é a divulgação do conhecimento, da informação, da arte e do ensino, a plena eficácia do preceito será obtida com a intributabilidade dos jogos de interpretação de personagens. IV. O Supremo Tribunal Federal, ao estender a imunidade aos álbuns e cromos colecionáveis, reconheceu a importância deles no entretenimento, na disciplina e na integração social de crianças e adolescentes. O mesmo efeito pode ser encontrado no RPG. V. Os livros ilustrados e as estampas que os acompanham estão compreendidos pela norma que determina a tributação à alíquota zero das contribuições da Seguridade Social que recaem sobre a importação de bens e serviços, na forma dos artigos 8º, § 12, inciso XII, da Lei n.º 10.685/04 e 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei 10.753/03. Precedentes. VI. Reconhecida a equiparação da mercadoria ao livro, correta se faz a sua classificação tributária no código 49.01.00, referente a livros, jornais, gravuras e outros produtos das indústrias gráficas; textos manuscritos ou datilografados, planos e plantas - Livros, brochuras e impressos semelhantes, mesmo em folhas soltas. VII. Agravo provido.” (AI 5028349-39.2019.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Antônio Carlos Cedenho, 3ª Turma, julgado em 03/06/2020, publicado em 08/06/2020 – destaques nossos). No caso em apreço, o autor promove a importação de produtos que definiu como “cartas de tarot, oráculos, títulos de bem-estar, inspiracionais e metafísicos”. Invoca a imunidade constitucional quanto aos impostos e a aplicação da alíquota zero quanto às contribuições sociais sobre eles. Colaciona, a título exemplificativo, fotografia de um dos produtos importados, do qual consta um livreto, com registro no ISBN, acompanhado de conjunto de cartas (Id 253024004). São trazidas também faturas (invoices) de compras efetuadas no exterior, das quais algumas mencionam, na descrição dos produtos, a existência de livros ou livretos com registro ISBN, acompanhados de cartas (Ids 253024009, 253024010, 25302412 e 253024042). Sobre tais produtos é aplicável a imunidade quanto aos impostos e a alíquota zero quanto às contribuições, porquanto se enquadram no conceito de “livro” ou de “materiais avulsos relacionados com o livro”. Por outro lado, devem ser excluídos eventuais conjuntos de cartas desacompanhados de livros ou livretos, sendo ressalvado à autoridade aduaneira e fiscal o poder-dever de verificação em cada operação de importação. Por consequência, é devida a restituição do indébito tributário recolhido nos cinco anos que antecedem ao ajuizamento desta ação. Observa-se para fins de atualização monetária a aplicação da TAXA SELIC, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da liquidação. Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 1 %. Por esses fundamentos, rejeito a preliminar de intempestividade arguida em contrarrazões e, no mérito, nego provimento à apelação. Corrijo, de ofício, a sentença no tocante à correção monetária, nos termos da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
AÇÃO ORDINÁRIA. TRIBUTÁRIO. LIVROS E MATERIAIS AVULSOS QUE OS ACOMPANHAM. IMUNIDADE DE IMPOSTOS INCIDENTES NA IMPORTAÇÃO. ALÍQUOTA ZERO NO PIS-IMPORTAÇÃO E NA COFINS-IMPORTAÇÃO. RESTITUIÇÃO.
1. Preliminar de intempestividade rejeitada. O art. 183 da Lei nº 13.105/2015 estabelece que a Fazenda Pública goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais e que a contagem dos prazos terá inicio a partir da intimação pessoal de seus representantes legais, sendo possível que esta intimação ocorra por remessa dos autos, carga destes ou através de intimação por meio eletrônico (art. 183, § 1º).
2. A Constituição Federal veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão” (artigo 150, inciso VI, “d”).
3. A importação de livros é beneficiada pela alíquota zero no tocante ao PIS-importação e à Cofins-importação, nos termos do artigo 8º, § 12, inciso XII.
4. O conceito de livro está definido no artigo 2º, da Lei Federal n.º 10.753/2003 (Política Nacional do Livro): “a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento”. Para os efeitos daquela lei são equiparados a livro (art. 2º, parágrafo único, inciso II): “materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar”.
5. Sobre livros ou livretos com registro ISBN, acompanhados de cartas de tarô e outras similares são aplicáveis a imunidade quanto aos impostos e a alíquota zero quanto às contribuições, porquanto se enquadram no conceito de “livro” ou de “materiais avulsos relacionados com o livro”.
6. A restituição do indébito tributário está restrita aos recolhimentos efetuados nos cinco anos que antecedem ao ajuizamento desta ação.
7. Observa-se para fins de atualização monetária a aplicação da TAXA SELIC, bem como o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da liquidação.
8. Preliminar rejeitada. Apelação desprovida.