APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007381-41.2012.4.03.6104
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: JOSE LUIS COSTA GUARITA, MARCIA REGINA LISBOA KUGELMAS GUARITA, ARMINDO BARRETO DE ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO BRANDAO LEX - SP163665-A
Advogado do(a) APELANTE: MAURIZIO COLOMBA - SP94763-A
APELADO: SASIP - ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DO IPORANGA, UNIÃO FEDERAL
Advogados do(a) APELADO: LUIZ CARLOS DAMASCENO E SOUZA - SP46210-A, RICARDO RODRIGUES DAMASCENO E SOUZA - SP177206-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007381-41.2012.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: JOSE LUIS COSTA GUARITA, MARCIA REGINA LISBOA KUGELMAS GUARITA, ARMINDO BARRETO DE ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO BRANDAO LEX - SP163665-A Advogados do(a) APELADO: RICARDO RODRIGUES DAMASCENO E SOUZA - SP177206-A, LUIZ CARLOS DAMASCENO E SOUZA - SP46210-A R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação à sentença que, em ação civil pública ajuizada por SASIP - Sociedade Amigos do Iporanga, julgou procedente o pedido para “a) condenar os réus José Luiz Costa Guarita, Márcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e Armindo Barreto de Andrade a não promoverem a implantação da rua 37, praça 34 e a ocupação do lote de nº 01 da quadra 70 do Loteamento Iporanga, ficando vedados desmatamentos, terraplanagem e obras na área; b) condenar o Município de Guarujá a se abster de autorizar e proceder qualquer intervenção, implantação ou obras destinadas à abertura da rua 37 e praça 34 do Loteamento Iporanga”. Apelou Armindo Barreto de Andrade, alegando, em suma, que: (1) a sentença analisou de forma isolada e fragmentada as provas dos autos, cuja análise em conjunto conduziria à conclusão oposta; (2) o lote 1 da quadra 70, a rua 37 e a praça 34 não integram qualquer unidade de conservação de proteção integral ou de uso sustentável, nem fazem parte de área tombada; (3) o lote 1 da quadra 70 não se insere em área de preservação ambiental; (4) não se discute direito dominical da União sobre imóvel aforado, não sendo afetado com o resultado da ação, logo é irrelevante a manifestação de contrariedade de tal ente à intervenção antrópica no imóvel, por inexistir interesse jurídico material no feito (artigos 109 e 116, § 1º, do Decreto-Lei 9.760/1946); (5) as áreas projetadas para a rua 37 e para a praça 34 não constituem reserva ecológica, não dependem de EIA/RIMA ou anuência do CONDEPHAAT, como concluiu o perito judicial, e podem ter vegetação suprimida em até 50%, conforme legislação de regência, condicionada à compensação ambiental, por inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento (artigos 17.23, I, 24 e 31, § 1º, da Lei 11.428/2006; 4º da Lei 4.771/1965; 2º, I, ‘b’, da Resolução CONAMA 369/2006; e 3º, III, da Resolução SMA 31/2009); e (6) concluiu o perito judicial que a intervenção antrópica nas áreas em questão é lícita, lastreada em projeto geométrico executivo aprovado pelos órgãos administrativos competentes, sem provocar os danos ambientais referidos na inicial. Apelaram também Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita, alegando que: (1) houve perda de objeto da ação, dado que firmado em 2017 segundo termo de ajuste de conduta, em continuidade ao primeiro subscrito há vinte anos, sanando todos os óbices ambientais que pesavam sobre o empreendimento; (2) eventual intervenção na área depende de futuro licenciamento ambiental perante a CETESB, inexistindo, pois, interesse processual na ação; (3) intenta-se através da presente demanda substituir a apreciação dos órgãos ambientais competentes, em flagrante ofensa à separação de poderes; (4) conforme reconhecido na perícia judicial, a ocupação do lote 1 é possível, por estarem previstas intervenções fora de área de preservação permanente e terem sido atendidos os requisitos do artigo 3º, III, da Lei 6.766/1979; (5) o sistema viário dos loteamentos aprovados pelo Município de Guarujá é considerado de utilidade pública, nos termos dos artigos 3º, VII, "b", e 8º, caput e § 1º, da Lei 12.651/2012; e (6) conforme artigos 23, IV, e 31 da Lei 11.428/2006 e Resolução SMA 31/2009, é possível a supressão de vegetação típica de Mata Atlântica para edificação em área urbana como no caso em tela. Houve contrarrazões, com preliminares: (i) não conhecimento dos recursos, por ofensa ao princípio da dialeticidade; (ii) ilegitimidade passiva superveniente dos réus Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença. É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO BRANDAO LEX - SP163665-A
Advogado do(a) APELANTE: MAURIZIO COLOMBA - SP94763-A
APELADO: SASIP - ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DO IPORANGA, UNIÃO FEDERAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007381-41.2012.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: JOSE LUIS COSTA GUARITA, MARCIA REGINA LISBOA KUGELMAS GUARITA, ARMINDO BARRETO DE ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO BRANDAO LEX - SP163665-A Advogados do(a) APELADO: RICARDO RODRIGUES DAMASCENO E SOUZA - SP177206-A, LUIZ CARLOS DAMASCENO E SOUZA - SP46210-A V O T O Senhores Desembargadores, a presente ação civil pública foi ajuizada pela Sociedade Amigos de Iporanga - SASIP, objetivando obstar a implantação da rua 37 e praça 34, bem como a ocupação do lote 1 da quadra 70 do Loteamento Iporanga, no Município de Guarujá. A liminar foi deferida na medida cautelar conexa (0007380-56.2012.4.03.6104) para determinar aos réus que se abstenham de autorizar e proceder intervenções físicas, ocupações, obras e desmatamento no imóvel, fixada multa diária de dez mil reais no caso de descumprimento. Os feitos tramitaram inicialmente perante a Justiça Estadual até a fase de apresentação de memoriais, quando a União manifestou interesse, vindo a integrar a lide como assistente no polo ativo, com declínio da competência para a Justiça Federal e ratificação de todos os atos processuais praticados e provimentos proferidos (ID 143392306, f. 215/21 e ID 143392307, f. 3 e 29). Inicialmente, não se conhece do agravo retido face ao indeferimento de complementação do laudo pericial (ID 143392307, f. 254/5), vez que não houve reiteração na forma do artigo 523, §1º, CPC/1973, tampouco foi devolvida a questão nas contrarrazões de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC/2015). Quanto à ilegitimidade passiva de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita, por ter sido o imóvel adquirido, enfim, exclusivamente por Armindo Barreto de Andrade (ID 143392301, f. 43/6), é inequívoco que tais corréus foram promitentes compradores de tal lote (ID 143392298, f. 60/9) e, provocados sobre o ponto, aduziram que “por ser o regime de legitimidade passiva em sede de ação civil pública ambiental na hipótese de litisconsórcio facultativo unitário, os apelantes não se opõem à sua exclusão da lide em razão da alienação do imóvel objeto da demanda caso haja pedido específico dos apelados neste sentido” (ID 256445984). Percebe-se que, embora aleguem não se oporem à respectiva exclusão da lide, é certo que tais réus manifestaram interesse na causa, tanto que exerceram ativamente defesa sem invocar, em momento algum, a própria ilegitimidade passiva. Ademais, em linha com o entendimento no sentido de manter tais réus no polo passivo da ação, cabe registrar que qualquer eventual intervenção antrópica em área de preservação permanente implica dano ambiental presumido, in re ipsa, conforme jurisprudência consolidada (REsp 1.284.610, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/11/2019), sendo propter rem a obrigação de reparar tal dano, recaindo a responsabilidade sobre o atual proprietário ou possuidor do imóvel, que têm o ônus de suportar os efeitos de eventual condenação judicial (REsp 1.263.952, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 30/10/2019). Aliás, para ampliar a garantia protetiva, a jurisprudência reconhece, inclusive, natureza solidária à responsabilidade dos degradadores, podendo ser acionados individualmente ou em conjunto para assumirem deveres e obrigações segundo a legislação (REsp 1.826.761, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 29/10/2019). Neste cenário, afigura-se adequada e pertinente a manutenção de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita no polo passivo da demanda, inclusive para garantir maior abrangência à eficácia da solução a ser dada à presente lide, pelo que se rejeita a preliminar arguida. Rejeita-se, também, a preliminar de ofensa à dialeticidade, arguida em contrarrazões, vez que as apelações apresentaram fundamentos de fato e de direito suficientes a respaldar o pleito de reforma da sentença recorrida. Tratando-se, no caso, de imóvel integrado em terreno de marinha e acrescidos, de domínio da União e sujeito à degradação ambiental, conforme demonstrado nos autos (ID 143392306, f. 215/220), manifesto é o interesse jurídico de tal ente na lide, ao contrário do alegado pelo corréu Armindo Barreto de Andrade. Igualmente, não se cogita de perda de objeto da ação em razão do segundo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firmado em 2017 em continuidade ao de 1997, já que, tal qual o primeiro, sequer menciona o lote 1 da quadra 70, não abrangendo, pois, o imóvel ora controvertido (ID 258513039). Ademais, eventual autorização por órgão ambiental competente não afasta integralmente o risco de efetiva degradação ao meio ambiente, existindo, pois, interesse processual da autora no feito. No mérito, discute-se se o imóvel objeto da presente ação encontra-se em área de preservação permanente, e se haveria alguma hipótese de exceção a viabilizar a supressão da vegetação e intervenções antrópicas no local. Trata-se, como visto, de controvérsia cuja solução vincula-se, essencialmente, à produção e análise de prova técnica para enquadramento ou não na legislação ambiental, a que se refere a ação civil pública ajuizada. Neste sentido, importa destacar, primeiramente, o teor do Laudo de Dano Ambiental do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN, de 20/12/1993, sobre o Loteamento Iporanga, encaminhado por meio do Ofício/ETSA/222/93, que consignou especificamente sobre o imóvel tratado nos autos que (ID 143392298, f. 70/1): "Quadra 70: Lote 1: com vegetação primitiva com declividade de 17º ou 30º, Lei 6.766/79, art. 3º, parágrafo único III Rua 37 não está aberta, parte em área de preservação permanente - (restinga), e parte com vegetação mangue (Reserva Ecológica) e vegetação em estágio primitivo (encosta), Lei 6.766/79, art. 3º, parágrafo único V.” Determinada produção de perícia judicial, constou do respectivo laudo técnico e esclarecimentos complementares que (grifamos - ID 143392303, f. 160 a ID 143392304, f. 49, e ID 143392306, f. 54/72): "Rua 37 [...] A área necessária para a implantação da continuação da Rua 37 é de 3.994m², dado obtido pela análise da Planta do Plano Urbanístico do loteamento Iporanga. Sendo que 96,76% desta área encontra-se em área de preservação permanente (APP), de acordo com a Lei 4.771/65, artigo 2º Letra ‘a’ [...] A área encontra-se dentro do limite da faixa marginal do curso d´água existente no local; 8,85% ou 353,60m² da área é recoberta por manguezal e 7,78% ou 310,60m² por vegetação de Restinga na área. No entanto, a maior parte da vegetação secundária em estágio médio de regeneração, levando em consideração os critérios da Resolução CONAMA nº 001/94, a qual dispõe sobre a caracterização primária e secundária da vegetação do bioma da Mata Atlântica. [...] Praça 34 A praça 34 liga a Rua 37 ao lote 01 da quadra 70 [...] com uma área de 598,65 m² [...] A declividade do terreno se distribui entre 0 até 30% de declividade (43,35% do total da área) e a mais acentuada entre 47% até 100% de declividade em 56,65% da área [...] Conforme critérios estabelecidos na Resolução CONAMA 01/94, podemos caracterizar toda a extensão da área projetada para a implantação da Praça 34 como recoberta com vegetação secundária em estágio médio de regeneração. [...] somente 6,05 m² da praça encontra-se em APP de curso d’água (lei 4.771/65, artigo 5º, Letra ‘a’) [...] Lote 1 da quadra 70 [...] De acordo com a matrícula do terreno, o lote localiza-se em parte em área de marinha [...] com área de 1.200 metros quadrados. Conforme critérios estabelecidos na Resolução CONAMA 01/94, podemos caracterizar a área total do lote 01 da quadra 70 como sendo vegetação secundária em estágio médio de regeneração. [...] Análise: a boa conservação do lote 1 deve-se ao fato da sua não ocupação pela ausência da rua [...] [...] Para a implantação da rua 37 e da praça 34, conforme projetada para o loteamento Iporanga e registrada na matrícula 34869, serão necessários 4.592,65 m², sendo 3.554,25 m² em APP, 742,00 m² em área fora de APP e 296 m² sobre massa d’água. [...] Análise: O lote 1 da quadra 70 não faz parte dos lotes e áreas que foram objeto do Termo de Acordo 04/97 [...] O referido lote é composto por duas elevações interligadas por área de restinga, manguezal e lagoa salobra. Seu acesso se dá na parte baixa do loteamento a partir da Rua 37 em cota inicial de 5,00 de altitude em relação ao nível do mar. O primeiro trecho a partir do final da Rua 37 hoje existente é a passagem sobre o córrego sem denominação. [...] O lote 1 encontra-se numa extremidade do loteamento, rodeado pelo mar, nos lados direito e aos fundos para quem olha a área de frente, e à esquerda pela área verde do loteamento. [...] Resposta: O termo de Acordo Ambiental 04/97 não há uma cláusula que libera expressamente a ocupação do lote 1 da quadra 70. Em todas as 15 cláusulas do Termo nenhuma referência ao lote 1 da quadra 70 não é citado nenhuma vez. O Termo de Acordo 04/97 versa sobre a readequação do projeto original do loteamento Iporanga, principalmente através de maior dimensionamento das áreas verdes, de modo a permitir o desenvolvimento urbano aliado aos estritos princípios de preservação do meio ambiente, com a supressão de parte de lotes não vendidos e sistema viário projetado inicialmente. [...] A implantação da rua 37 e da praça 34 conforme o projeto do Plano Urbanístico provocará a supressão da vegetação local de restinga, mangue e vegetação secundária em estágio médio de regeneração. Quanto à intervenção antrópica sobre a vegetação do local pode-se afirmar que esta já ocorreu, pois a atual cobertura da vegetação presente na área é de vegetação secundária sucessora. [...] Com a ocupação ordenada haverá alteração no padrão estético e paisagístico no lote em questão. Para a implantação de uma obra na área será necessário suprimir parte de sua vegetação [...]” “03. Sem o desmatamento da praça 34 há como ter acesso ao lote 01 da quadra 70? Resposta: Não, não há a possibilidade de acesso da rua 37 ao lote 1 da quadra 70 sem o desmatamento de parte da vegetação local. [...] Resposta: Não há garantia de que não haverá impacto danoso ao manguezal em questão [...]” Registre-se, a propósito, que o laudo judicial foi elaborado por perito nomeado pelo Juízo e sua equipe, todos da área de Engenharia Civil e Agrônoma, Arquitetura e Topografia (ID 143392304, f. 21). Logo, dentro da respectiva expertise, afiguram-se relevantes à lide as constatações fáticas e técnicas exaradas pelo perito judicial, cabendo ao órgão julgador extrair interpretação e conclusão à luz de todo o conjunto probatório, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. Neste sentido, aliás, opinou o Ministério Público Federal, observando que “o referido laudo pericial de fls. 532/646 foi realizado por profissional não expert na área ambiental, já que engenheiro por formação, o que nos torna clara a existência de equívocos na análise da citada matéria, em especial no que concernente à interpretação do ofício OFÍCIO/ETSA/Nº 222/93 e à interpretação equivocadamente de que o empreendimento seria obra de utilidade pública, de baixo/insignificante impacto ambiental e de que o mesmo não necessitaria de EIA/RIMA” (ID 143392307, f. 56). Assim, consideradas constatações fáticas e técnicas apuradas em perícia judicial, tem pertinência, na espécie, o disposto no revogado Código Florestal, vigente à época da aquisição do lote: “Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; 2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação; i) nas áreas metropolitanas definidas em lei. Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. [...] Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. [...] § 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. § 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2º deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. [...] Art. 10. Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes.” O atual Código Florestal contempla semelhante previsão (artigos 4º, 8º e 11), com destaque para as seguintes disposições: “Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. § 1º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. § 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda”. A partir de tais previsões legislativas, cumpre destacar, na espécie, as conclusões da Perita e Analista de Engenharia Florestal do Ministério Público Federal, no Parecer MPF/PRSP 034/2013, no sentido de que, “No que se refere à possibilidade de intervenção no Lote 1 da Quadra 70, as principais divergências técnicas encontradas nos documentos analisados no presente parecer dizem respeito à existência de áreas de preservação permanente no interior do lote [...] As cartas planialtimétricas apresentadas tanto pelo assistente técnico da autora, quanto pelo perito judicial, em razão das escalas utilizadas, não alcançaram a precisão necessária para a delimitação, na área do Lote 1 da Quadra 70, das porções do terreno com declividade acima de 45º, consideradas APPs (inciso V, artigo 4º da Lei Federal 12.651/2012) e daquelas com declividade entre 25º e 45º, que possuem uso restrito em razão da declividade (artigo 11 da Lei Federal 12.651/2012). Também não se mostram adequadas para a delimitação de eventual faixa marginal de curso d’água, coberta por restinga, no interior do lote” (grifamos, ID 143392307, f. 155/72). Não obstante, tal incongruência citada no parecer técnico do Ministério Público Federal - e, assim, por igual as anteriores manifestações inconclusivas do DEPRN e Ibama - foi superada por pronunciamentos mais recentes e específicos dos órgãos ambientais competentes, nos seguintes termos (ID 143392307, f. 174/7 e 179): Informação Técnica da CETESB, de 06/05/2013 “Esta informação foi elaborada para o atendimento [...] à solicitação do Ministério Público de análise técnica das conclusões dos laudos periciais elaborados para o lote 01, quadra 70, praça 34 e rua 37, Loteamento Iporanga, Município de Guarujá. Para o atendimento ao solicitado, temos a informar que em 05/11/2010 foi emitido o Termo de Indeferimento 98.090/2010, referente ao pedido de autorização para supressão de vegetação nativa para construção de residência no lote 01, quadra 70, Loteamento Iporanga, pois, de acordo com o levantamento topográfico apresentado pelo interessado, o lote possui declividade superior a 25º e Floresta Ombrófila Densa. O enquadramento legal na época da emissão do Termo foi o artigo 10, Lei 4.771/65. Tendo em vista que a solicitação para supressão de vegetação nativa para o lote não pode ser autorizada devido à restrição imposta pelo atual artigo 11, Lei 12.651/2012, informamos que a autorização para supressão de vegetação nativa para a implantação do acesso ao lote não faz sentido. Diante do exposto, comunicamos que a utilização do lote para construção de residência está comprometida, uma vez que não será admitida autorização para o desmatamento de vegetação nativa em áreas com declividades superiores a 25º.” Ofício do IBAMA de 27/05/2013 “[...] informamos que, com base nas informações constantes na ACP 0007381-41.2012.4.03.6104, fica evidenciado que independentemente do Lote 1 da quadra 70 do Loteamento Iporanga, no Município do Guarujá, ser passível ou não de licenciamento pela legislação vigente, o acesso ao mesmo (Rua 37) não seria. A rua em tela incidiria em área de preservação permanente e o acesso a um único lote de loteamento de segunda residência não se enquadra em obra de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto. O erro encontra-se no próprio loteamento, que previu e vendeu lote em área não ocupável por suas características físicas e naturais. O interesse público pelo patrimônio ambiental preservado, neste caso, se sobrepõe ao interesse privado.” Talvez por isso, independentemente de análise de boa ou má-fé, a própria empreendedora imobiliária tenha feito constar expressamente do próprio instrumento particular de compromisso de compra e venda de tal lote que “Devido às condições do presente negócio e das características de localização do imóvel objeto desta, como condição expressa de negócio fica sob responsabilidade e custeio única e exclusivamente dos compromissários ou seus sucessores as seguintes obrigações: a) Efetuar de acordo com a viabilidade do local e de conformidade com as posturas dos órgãos públicos pertinentes o acesso ao lote de terreno objeto desta; [...] c) Obter junto aos órgãos municipais, estaduais, federais, órgãos reguladores e fiscalizadores de meio ambiente em qualquer de suas entidades, DPRN, Cetesb, Polícia Floresta, toda e qualquer licença seja a que título for para acesso, construção, utilização e ocupação do lote; [...]” (grifamos - cláusula 7ª, ID 143392298, f. 60). Diante de tais pareceres conclusivos e taxativos da CETESB e IBAMA, no sentido da inviabilidade de supressão da vegetação em área de preservação permanente e de floresta ombrófila densa para fins de ocupação do lote e implantação do respectivo acesso, não há, na espécie, qualquer violação ao princípio da separação dos poderes nem a direito que ampare, legalmente, a pretensão dos apelantes, não procedendo, pois, a pretensão de reforma da sentença, proferida com amparo e em conformidade com a comprovação técnica da sujeição da área às restrições da legislação ambiental, conforme pleiteado na ação civil pública ajuizada. Ante o exposto, não conheço do agravo retido e nego provimento às apelações. É como voto.
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO BRANDAO LEX - SP163665-A
Advogado do(a) APELANTE: MAURIZIO COLOMBA - SP94763-A
APELADO: SASIP - ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DO IPORANGA, UNIÃO FEDERAL
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO. OCUPAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DE ACESSO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESTINGA E MANGUEZAL. FLORESTA OMBRÓFILA DENSA.
1. Não se conhece do agravo retido interposto ao indeferimento de complementação do laudo pericial produzido, vez que não houve a reiteração exigida pelo artigo 523, §1º, CPC/1973, tampouco foi devolvida a questão nas contrarrazões de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC/2015).
2. Quanto à ilegitimidade passiva de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita, por ter sido o imóvel adquirido, enfim, exclusivamente por Armindo Barreto de Andrade, é inequívoco que tais corréus foram promitentes compradores de tal lote. Embora aleguem não se oporem à respectiva exclusão da lide, é certo que tais réus manifestaram interesse na causa, tanto que exerceram ativamente defesa sem invocar, em momento algum, a própria ilegitimidade passiva. Ademais, cabe registrar que qualquer eventual intervenção antrópica em área de preservação permanente implica dano ambiental presumido, in re ipsa, conforme jurisprudência consolidada, sendo propter rem a obrigação de reparar o dano, recaindo a responsabilidade sobre o atual proprietário ou possuidor do imóvel, que têm o ônus de suportar os efeitos de eventual condenação judicial. Aliás, para ampliar a garantia protetiva, a jurisprudência reconhece, inclusive, ser solidária a responsabilidade dos degradadores, podendo ser acionados individualmente ou em conjunto para assumirem deveres e obrigações segundo a legislação. Neste cenário, afigura-se adequada e pertinente a manutenção de Marcia Regina Lisboa Kugelmas Guarita e José Luiz Costa Guarita no polo passivo da demanda, inclusive para garantir maior abrangência à eficácia da solução a ser dada à presente lide, pelo que se rejeita a preliminar arguida.
3. Igualmente, rejeitadas as demais preliminares: de ofensa à dialeticidade, arguida em contrarrazões, vez que a apelação apresentou fundamentos de fato e de direito suficientes a respaldar o pleito de reforma da sentença; de ausência de interesse processual da autora e da União, tendo em vista tratar-se de terreno de marinha e acrescidos, sujeito à degradação ambiental; e de perda de objeto da ação em razão do segundo Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, firmado em 2017 em continuidade ao de 1997, que, tal qual o primeiro, sequer menciona o lote 1 da quadra 70, não abrangendo, pois, o imóvel ora controvertido.
4. No mérito, cuida-se de ação civil pública foi ajuizada pela Sociedade Amigos de Iporanga - SASIP objetivando obstar a implantação da rua 37 e praça 34, bem como a ocupação do lote 1 da quadra 70 do Loteamento Iporanga, no Município de Guarujá/SP. Discute-se se o imóvel objeto da presente ação encontra-se em área de preservação permanente, e se haveria alguma hipótese de exceção a viabilizar a supressão da vegetação e intervenções antrópicas no local.
5. Conforme comprovado nos autos, inclusive por perícia judicial e pronunciamentos da CETESB e IBAMA, o lote 01 da quadra 70 do Loteamento Iporanga é coberto por floresta ombrófila densa com declividade superior a 25º e as áreas da praça 34 e rua 37, que lhe dão acesso, encontram-se em área de preservação permanente, com vegetação de restinga e manguezal, não se cogitando de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental a intervenção de supressão da vegetação para fins de acesso a um único lote residencial.
6. O laudo judicial foi elaborado por perito nomeado pelo Juízo e sua equipe, todos da área de Engenharia Civil e Agrônoma, Arquitetura e Topografia. Logo, dentro da respectiva expertise, afiguram-se relevantes à lide as constatações fáticas e técnicas exaradas pelo perito judicial, cabendo ao órgão julgador extrair interpretação e conclusão à luz de todo o conjunto probatório, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional.
7. Diante de pareceres conclusivos e taxativos da CETESB e IBAMA, no sentido da inviabilidade de supressão da vegetação em área de preservação permanente e de floresta ombrófila densa para fins de ocupação do lote e implantação do respectivo acesso, não há, na espécie, qualquer violação ao princípio da separação dos poderes nem a direito que ampare, legalmente, a pretensão dos apelantes, não procedendo, pois, a pretensão de reforma da sentença, proferida com amparo e em conformidade com a comprovação técnica da sujeição da área às restrições da legislação ambiental, conforme pleiteado na ação civil pública ajuizada.
8. Agravo retido não conhecido e apelações desprovidas.