RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000613-80.2019.4.03.6322
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: MOISES ALONSO RUA
Advogado do(a) RECORRENTE: ANDRE AFFONSO DO AMARAL - SP237957-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000613-80.2019.4.03.6322 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: MOISES ALONSO RUA Advogado do(a) RECORRENTE: ANDRE AFFONSO DO AMARAL - SP237957-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido de restabelecimento de benefício de aposentadoria por invalidez. Sustenta a ocorrência de decadência do direito do INSS de rever o benefício, passados mais de dez anos. Sustenta, ainda, a necessidade de realização de perícia por médico psiquiatra, conforme sugerido pelo perito judicial. Alega também não ter condições de retornar ao trabalho, tanto pela sua saúde, como pelo tempo que já está afastado do mercado de trabalho, aliado às suas condições pessoais. O acórdão proferido em 22/01/2020 converteu o julgamento em diligência para realização de perícia médica judicial na especialidade de psiquiatria. Realizada a perícia, os autos retornaram para julgamento do recurso interposto pela parte autora. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000613-80.2019.4.03.6322 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: MOISES ALONSO RUA Advogado do(a) RECORRENTE: ANDRE AFFONSO DO AMARAL - SP237957-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso da parte autora (Id. 180321650) não merece provimento. A tese de decadência formulada pela parte autora deve ser afastada, conquanto em ocasião pretérita este relator já a tivesse encampado, porém com posterior modificação de posição, da maneira adiante explicitada. Ressalvadas as hipóteses do § 1º do art. 101 da Lei nº 8.213/1991 e do § 5º do art. 43 da Lei nº 8.213/1991 (HIV/aids - Lei nº 13.847/2019), que não ocorrem no caso concreto, a Lei nº 8.213/1991 não estipula prazo decadencial para a prática de ato administrativo que convoca o segurado para realizar exame médico periódico para a avaliação das condições de saúde necessárias à manutenção dos benefícios por incapacidade laborativa - cuja essência é, em regra, a temporalidade ou transitoriedade condicionada à impossibilidade momentânea de o segurado desempenhar o trabalho. A aposentadoria por incapacidade permanente cessa com a recuperação da capacidade do beneficiário, diz a referida lei (art. 47), inclusive a mensalidade de recuperação, em uma das hipóteses legais (art. 47, I, "b"), deverá ser paga pelo prazo de "tantos meses quantos forem os anos de duração" do benefício, o que reforça o argumento de que não se aplica o prazo decadencial decenal na espécie. A própria Lei nº 8.213/1991 distingue a situação da revisão periódica das condições de saúde do segurado afastado do trabalho (art. 101, "caput") da circunstância da revisão do ato inicial de concessão da prestação previdenciária (art. 103-A). A corroborar esse raciocínio: EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRAZO DECADENCIAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AVALIAÇÃO DE PRÉ-EXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DEPOIS DO ESGOTAMENTO DO PRAZO. 1. A aposentadoria por invalidez é um benefício precário e cujo direito se mantém enquanto permanecerem as condições que levaram à sua concessão. Por isso, o segurado pode ser convocado a qualquer tempo e tem o dever de comparecer à perícia administrativa, a fim de que a administração pública verifique se persiste a incapacidade. A possibilidade perene de revisão está intimamente vinculada à possibilidade de modificação do quadro clínico e de eventual recuperação da capacidade de trabalho. 2. Conforme o art. 103-A, da Lei 8.213/1991, na redação da Lei 10.839/2004, o direito da previdência social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os segurados decai em dez anos, contados da prática do ato. A referida lei incide sobre benefícios concedidos no passado, mas a partir de sua entrada em vigor, por aplicação analógica do precedente do STJ firmado no Tema 214. 3. Transcorrido o prazo decadencial de dez anos para a revisão do ato de concessão do benefício, é indevido o cancelamento da aposentadoria por invalidez com base o argumento de pré-existência da incapacidade. Isso equivale à revisão do próprio ato de concessão e dos requisitos então avaliados pela administração pública. Não é a mesma coisa que a modificação posterior do quadro de saúde pela recuperação da capacidade de trabalho, situação que pode ser aferida nas perícias periódicas sujeitas à realização enquanto for mantido o benefício. 4. Incidente de uniformização provido. ( 5000393-07.2019.4.04.7118, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, juntado aos autos em 15/03/2022 - Realcei) Passo à verificação da (in)capacidade laborativa do autor. A primeira perícia médica judicial (Id. 180321371) concluiu inexistir incapacidade laborativa do autor, com base nestes fundamentos: A parte autora realizava trabalho de natureza moderada e atualmente apresenta grandes calosidades palmares. Constata-se perda auditiva sensório neural bilateral (CID: H903) com boa resposta com uso de AASI (aparelho de amplificação sonora individual) bilateral que resulta em deficiência auditiva segundo os critérios contidos no art. 4 do Decreto Federal nº 3.298, de 20/12/1999. Apresenta membros simétricos, sem atrofias, com amplitude de movimentos, reflexos tendinosos profundos e força normais, portanto funcionalmente preservados. A obesidade (CID: E66.9) não é incapacitante, mas é fator de risco cardiovascular e sobrecarga articular, portanto deverá ser tratada com auxílio do médico assistente e colaboração da parte autora. Constata-se presença de epilepsia (CID: G40.9) sem estado de mal epiléptico ou maiores repercussões neurológicas e apresenta-se clinicamente estabilizado com uso de medicação especifica. Não apresenta trabalho de risco para portadores de epilepsia como: trabalho em altura, trabalho em espaços confinados, mergulho, operação de máquinas automatizadas, direção de veículos, etc. O cerne do ato pericial é o fornecimento de prova técnica, embasada cientificamente, para que a justiça social seja atingida, portanto, a concessão de afastamentos indevidos ou o impedimento de inserção de trabalhadores com epilepsia no mercado de trabalho somente pelo simples diagnóstico de epilepsia devem ser repensados, pois vão contra o maior objetivo da perícia-médica, a justiça. Somente a presença de uma doença não deve ser confundida com a presença de incapacidade laborativa, porque a incapacidade é resultante do comprometimento funcional decorrente da doença e nem todas as pessoas portadoras de doenças são incapacitadas por isso doença não é sinônimo de incapacidade laborativa. É importante lembrar que a Resolução n° 1851/2008 do Conselho Federal de Medicina, a que todos os médicos estão subordinados, estabelece as competências dos médicos assistentes e dos peritos médicos, indicando que a determinação sobre a incapacidade laborativa compete única e exclusivamente ao médico perito. Constata-se ausência de alterações significativas laborativamente nos exames clínico e complementares, portanto sem comprometimento significativo para sua função habitual. Lembrete: A perícia médica NÃO pode ser utilizada como fator prognóstico futuro, de sobrevida, de risco de morte ou de agravamento de morbidades e comorbidades presentes no (a) periciando (a); a perícia médica apenas cumpre o papel de informar ao juízo acerca da capacidade laborativa, no contexto atual de suas patologias e as repercussões pertinentes a cada uma delas e do conjunto das mesmas no quadro clínico do (a) periciando (a). CONCLUSÃO Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se que a parte autora não apresenta no momento incapacidade laboral. A segunda perícia médica judicial (Id. 259264231), com enfoque na psiquiatria, também considerou o autor capaz para o trabalho, consoante mostra este fragmento do laudo respectivo: História/ Anamnese e Estado Mental de MOISÉS ALONSO RUA: Vem à consulta psiquiátrica de camisa e calça limpas, sapatos limpos, unhas curtas e limpas, cabelos curtos e desgrenhados, barba feita. Pergunto como tem passado, responde “eu pra falar a verdade pro senhor abandonei tudo, com essa pandemia tá pior ainda. O que o senhor fizé tá bem feito. Tanto faz. Já não tou mais saindo de casa, perdi a esperança”. Pergunto com quem mora, responde “com minha mulher. Ninguém tá trabalhando, a Prefeitura me dá uma cesta básica pra sobrevivê”. Pergunto sobre sua rotina, responde “não saio de casa. Sentado”. Pergunto sobre tarefas domésticas, responde “praticamente não tem nada pra fazê. Ela me ajuda. Minha companheira, depois de Deus só ela que eu tenho. Tenho que dá graças a Deus”. Pergunto sobre uso de álcool e drogas, responde “um tempo atrás eu até bebia, quando tava internado em hospital psiquiátrico. Ficá trancado lá é ruim, pulei o muro e fui embora. Faz muito tempo que eu parei”. Pergunto sobre trabalho, responde “não tou fazendo nada”. Pergunto qual era sua profissão, responde “o último serviço era cozinheiro”. Pergunto sobre experiência profissional, responde “trabalhei em bastante coisa. Cortando cana, montando móveis. Qualquer coisa, serviço geral, eles fala hoje”. Pergunto sobre formação técnica profissional, responde “acho que na época foi 6ª série, 7ª série, um negócio assim”. Pergunto sobre tratamento psiquiátrico, responde “sê sincero, abandonei tudo”. Pergunto quando iniciou tratamento psiquiátrico, responde “a última vez que me levou no médico foi meu irmão. Não gosto de médico. Já fiquei trancado. Povo pelado jogando bosta. Nada contra os médicos, eu não gosto”. Pergunto sobre seus planos futuros, responde “nenhum. Pra mim se eu fô embora hoje, eu tou no lucro”. Discussão: A depressão também pode se apresentar de múltiplas formais, com queixas psíquicas, como: humor depressivo, anedonia, ideias de autodesvalorização e culpa, ideias de morte e suicídio, fadiga, sensação de perda de energia, diminuição da concentração, memória e capacidade de decidir, além de queixas somáticas, como: aumento ou diminuição de sono, apetite e peso, diminuição da libido, dores sem substrato orgânico. Podem ocorrer também alterações no comportamento tais como retraimento social, crises de choro, abandono de atividades habituais e do cuidado próprio, comportamento suicida, retardo ou agitação psicomotora. A causa exata da depressão permanece desconhecida, a explicação provavelmente mais adequada é o desequilíbrio bioquímico dos neurônios responsáveis pelo controle do estado de humor. Esta afirmação baseia-se na comprovada eficácia dos antidepressivos. Eventos desencadeantes são muito estudados e de fato encontram relação entre certos acontecimentos estressantes na vida das pessoas e o início de um episódio depressivo. Os eventos estressantes provavelmente aceleram o desenvolvimento desta nas pessoas predispostas vulneráveis, a influência genética, o ambiente durante a infância pode predispor mais as pessoas. Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite). Os sintomas psíquicos incluem humor depressivo: sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimentos de culpa; redução da capacidade de experimentar prazer na maior parte das atividades, antes consideradas como agradáveis; fadiga ou sensação de perda de energia; diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões. Os sintomas fisiológicos incluem alterações do sono (mais frequentemente insônia, podendo ocorrer também hipersonolência); alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento do apetite); redução do interesse sexual. Evidências comportamentais como retraimento social; crises de choro; comportamentos suicidas; retardo psicomotor e lentificação generalizada, ou agitação psicomotora e alterações do ritmo circadiano como da regulação da temperatura e do ritmo de produção do cortisol. Entre as alterações mais conspícuas estão aquelas relacionadas ao ritmo do sono. O episódio depressivo pode ser, quanto à intensidade, classificado como: leve, moderado ou grave. Os episódios leves e moderados podem ser classificados de acordo com a presença ou ausência de sintomas somáticos. Os episódios depressivos graves são subdivididos de acordo com a presença ou ausência de sintomas psicóticos. A duração de um episódio depressivo é muito variável. Um episódio não tratado dura em torno de 6 meses a um ano, podendo desaparecer por completo ou continuar com um rebaixamento afetivo por mais tempo. Na maioria dos casos tratados existe a remissão completa com a pessoa voltando ao funcionamento normal e sem sequelas. O curso do transtorno depressivo recorrente, é variável. Alguns indivíduos têm episódios isolados, separados por muitos anos e sem quaisquer sintomas depressivos entre eles, outros têm episódios depressivos sucessivos, outros ainda, têm episódios progressivamente mais frequentes à medida que envelhecem. Existem algumas evidências de que os períodos de remissão, ou seja, entre os episódios, em geral duram mais tempo no início do transtorno. O número de episódios anteriores é que prediz a probabilidade de desenvolver um novo episódio subsequente. O tratamento antidepressivo deve ser entendido de uma forma globalizada levando em consideração o ser humano como um todo incluindo dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Portanto, a terapia deve abranger todos esses pontos e utilizar as psicoterapias, terapias ocupacionais, mudanças no estilo de vida e a terapia farmacológica. Devese mencionar que o tratamento deve ser contextualizado em seus meios sociais e culturais e compreendido nas suas dimensões biológicas e psicológicas. Mudanças no estilo de vida deverão ser debatidas com cada paciente, objetivando uma melhor qualidade de vida. Os antidepressivos produzem, em média, uma melhora dos sintomas depressivos de 60% a 70%, no prazo de um mês. Estima-se em seis meses o tempo necessário para a recuperação terapêutica. Sabe-se que em média os antidepressivos iniciam sua resposta de três semanas até 90 dias mas a expansão do tratamento é sugerida na intervenção recomendada pelo Programa de Ação para o Hiato na Saúde Mental (Mental Health Gap Action Programme - mhGAP) da OMS com uso contínuo de antidepressivos por seis meses e tratamento psicossocial, com 14 a 18 consultas anuais para os casos moderados e graves e quatro consultas por ano no caso de intervenção psicossocial para os casos leves. O curso de longo prazo do transtorno depressivo recorrente caracteriza-se por taxas de recorrência elevadas e manifestações sintomáticas crônicas ou prolongadas. Os objetivos primários do tratamento de manutenção (profilático) são prevenir um novo episódio de depressão, uma recorrência, o suicídio e o desenvolvimento de cronicidade. É essencial pensar na evolução da doença do paciente e nos antecedentes de tratamento para a implementação do tratamento da fase de manutenção. Embora não possam ser oferecidas recomendações bem-definidas sobre quando a terapia profilática deve ser iniciada, está claramente indicada em situações associadas a alto risco de recorrência. Aos pacientes que tenham tido três ou mais episódios de depressão maior e aos indivíduos com taxa anterior de alta de recorrência (p.ex., dois episódios em cinco anos), indicase terapia de manutenção por um prazo mais longo. A duração pode variar de três anos à vida toda, mas, em geral, quanto mais adverso o prognóstico, mais longa a terapia de manutenção. Indicadores de prognóstico adverso de recorrência incluem alto número de episódios anteriores, sintomas residuais na remissão, episódios prévios mais longos e cronicidade, episódios prévios mais graves, início cedo na vida, transtorno distímico ao mesmo tempo ("depressão dupla"), recidiva depois de retirada da medicação, episódio prévio no ano anterior, abuso de substâncias psicoativas ou transtornos ansiosos concomitantemente e antecedentes familiares de transtorno depressivo maior em parentes de primeiro grau. Como se observa na entrevista, MOISÉS ALONSO RUA apresenta humor levemente depressivo, fadiga, diminuição da concentração, sintomas característicos de um transtorno depressivo recorrente, episódio depressivo atual leve, F 33.0 pela CID 10 já que não se observa prejuízo nas atividades de rotina, ou a presença de sintomas psicóticos como delírios e alucinações nem de ideação suicida persistente ou atos e gestos suicidas. Incapacidade pode ser definida como: “[...] a impossibilidade de desempenhar as atribuições definidas para os cargos, funções ou empregos, decorrentes de alterações patológicas consequentes a doença ou acidente”. Para a caracterização de incapacidade, é necessária a verificação de uma alteração no funcionamento ocupacional original do examinando e a identificação objetiva da causa (doença) da disfunção. Depreende-se ainda que o foco situacional em análise é exclusivamente o ambiente profissional comparado à intensidade do prejuízo apresentado, à reversibilidade da condição clínica e à possibilidade de readaptação em função semelhante. A investigação da incapacidade laboral inicia-se pelo estabelecimento do diagnóstico psiquiátrico do examinado e verificar se o prejuízo apresentado é consequência plausível da doença; se há nexo causal entre o prejuízo e a função exercida; possibilidade de tratamento adequado e prognóstico; possibilidade, no momento, de retorno ao trabalho. No caso em questão observamos que neste momento MOISÉS ALONSO RUA cuida dos afazeres da casa e procura sobreviver com a ajuda do Estado. Não faz tratamento psiquiátrico ou psicoterápico. Não se verifica incapacidade para o trabalho. Conclusão: Como se observa, MOISÉS ALONSO RUA apresenta quadro clínico que não o incapacita ao trabalho. Dispõem as Súmula nºs 47 e 77 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU): Súmula 47 - Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez. Súmula 77 - O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual. A TNU tem interpretado a sua Súmula 47 em conjugação com a própria Súmula 77, no sentido de que o exame das condições pessoais, sociais, econômicas e culturais - ou seja, a análise da incapacidade em sentido amplo ou ampliada (funcionalidade) -, tem como antecedente ou pressuposto lógico a constatação nos autos de alguma incapacidade (ao menos parcial), como se percebe do trecho a seguir, retirado do voto condutor do PUIL nº 0512288-77.2017.4.05.8300/PE, que gerou a tese do Tema 274 da TNU: Entende, portanto, esta Relatoria, que a existência de alguma incapacidade também seja essencial, para que se proceda a análise das condições pessoais, sociais, culturais e econômicas do segurado, no passo lógico seguinte, no caso de outras doenças, que não se relacionem ao HIV. Isso se dá, porque a Súmula 78, que trata do HIV, deve ser interpretadda sistematicamente, mais especificamente, em conjunto com as Súmulas 47 e 77 desta mesma turma nacional. Assim, ao contrário do que se tem afirmado, amplamente, desde a edição da Súmula 78, ela só poderia ser considerada uma exceção à Súmula 77, caso, quando da aprovação da Súmula 78, fosse promovida a revogação ou a alteração parcial da Súmula 77, esclarecendo que "o julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual, exceto no caso de portador do vírus HIV" ou ainda, "..., exceto no caso de doenças estigmatizantes, em geral". Porém, a Súmula 77 nunca foi revogada, nem alterada parcialmente, para deixar claro que a hipótese da Súmula 78 constituiria uma exceção à regra geral da Súmula 77. [...] Pelo contrário, só se diz [Súmula 78/TNU] que, na hipótese de portador de HIV, há a necessidade de uma verificação dessas condições, para analisar a incapacidade ampliada. Mas, não nega a aplicação, a tais casos, da Súmula 77. De fato, a Súmula 77 afirma a necessidade de existência de alguma incapacidade, para a realização da verificação das condições sociais, econômicas, pessoais e culturais, em qualquer caso, como regra geral, enquanto a Súmula 78 -diz ser necessária a avaliação de tais condições, no caso do portador do HIV, por conta do estigma social. [...] De qualquer modo, pelo menos, uma incapacitação parcial é necessária como pressuposto, por força de entendimento sumulado por esta turma nacional, para que se possa passar ao segundo momento da análise. [...] A turma nacional, por outro lado, por força de entendimentos jurisprudenciais reiterados, consubstanciados na Súmula 77, considera que, para se analisar a eventual existência da incapacidade ampliada, para fins de concessão da aposentadoria por invalidez, é requisito necessário a existência de incapacidade parcial permanente. Isso se reflete na própria pergunta do Tema 274, da maneira como formulada, porque o raciocínio empregado na Súmula 77 é um prius lógico em relação ao Tema 274, verbis: "O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual." Por isso, a própria questão de afetação já incorporou, por decisão do colegiado, a premissa da existência da incapacidade parcial e permanente, para que se possa passar ao degrau seguinte, que é o da análise das condições pessoais, sociais, econômicas e culturais. [...] No entender desta Relatoria, para se conceder benefício por incapacidade, para portadores de doenças estigmatizantes - inclusive todas as demais, além daquelas decorrentes de contágio e/ou infecção por HIV -, desde que, existente a incapacidade parcial e permanente, deve ser realizada a avaliação das condições pessoais, de índole econômico, social e cultural, para aferir a funcionalidade social do segurado/trabalhador, o que, em outras palavras, significa aferir, em tal contexto, se possui condições mínimas de obter colocação no mercado de trabalho. Outra não pode ser a conclusão, até que se revogue ou modifique a Súmula 77 ou a própria Súmula 78, para eliminar o aparente conflito surgido e restaurar o sistema, possuindo a resposta à questão formulada no Tema 274 um alcance bem menor do que se considerada aplicável a Súmula 78, sem a incidência da regra geral da Súmula 77, apenas trazendo maior especificidade ao que já foi decidido na Súmula 47 desta turma nacional. Portanto, uma revisão das referidas súmulas se faz necessária. Isto posto, conclui-se, em resposta à indagação do Tema 274 dos representativos de controvérsia desta turma nacional, fixando-se tese, que "é possível a concessão de aposentadoria por invalidez, após análise das condições sociais, pessoais, econômicas e culturais, existindo incapacidade parcial e permanente, no caso de outras doenças, que não se relacionem com o vírus HIV, mas, que sejam estigmatizantes e impactem significativa e negativamente na funcionalidade social do segurado". No caso em exame, conforme os dois laudos periciais médicos judiciais supracitados, foi afastada categoricamente a existência de incapacidade para o trabalho, inclusive constando indícios de atividade laborativa do segurado, diante da seguinte constatação técnica: “atualmente apresenta grandes calosidades palmares”. Os laudos em comento foram realizados por profissionais habilitados, equidistantes das partes e de confiança do Juizado de origem. Além disso, atenderam as necessidades do caso concreto, tendo sido realizados entrevista e exame clínico, bem como suficiente análise da documentação médica que instrui a ação. Também houve satisfatórias respostas aos quesitos formulados e as conclusões dos referidos laudos apresentam-se de maneira objetiva e fundamentada, inexistindo motivos para novos esclarecimentos ou realização de outra perícia judicial. Haja vista o disposto no art. 927 do Código de Processo Civil e considerando a Recomendação nº 134, de 2022, do Conselho Nacional de Justiça, curvo-me ao entendimento persuasivo do PUIL nº 0512288-77.2017.4.05.8300/PE, no sentido de que a inexistência de qualquer incapacidade laborativa, ao menos parcial – ressalvada a hipótese de HIV/aids, não ocorrente no caso concreto - inviabiliza a concessão/restabelecimento de benefício de aposentadoria por incapacidade permanente/auxílio por incapacidade temporária, não sendo possível, portanto, em tal situação, conceder o benefício pleiteado com base, exclusivamente, nas condições sociais, pessoais, econômicas e culturais da parte autora. Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Parte autora desobrigada do pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei nº 9.099/1995 e conforme entendimento desta 3ª Turma Recursal, em razão da ausência de atuação de procurador(a) da parte contrária em segundo grau (não apresentação de contrarrazões). É o voto.
E M E N T A
RECURSO INOMINADO DA PARTE AUTORA. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. DECADÊNCIA INEXISTENTE. MODIFICAÇÃO POSTERIOR DO QUADRO DE SAÚDE DO SEGURADO, PELA RECUPERAÇÃO DA CAPACIDADE DE TRABALHO. SITUAÇÃO QUE PODE SER AFERIDA, A QUALQUER TEMPO, ENQUANTO ATIVO O BENEFÍCIO, NAS PERÍCIAS MÉDICAS PERIÓDICAS PREVISTAS EM LEI. PROVA PERICIAL MÉDICA QUE AFASTA A EXISTÊNCIA INCAPACIDADE LABORATIVA. INTERPRETAÇÃO CONJUGADA DAS SÚMULAS 47 E 77 DA TNU. IMPOSSIBILIDADE CONCRETA DE CONCESSÃO/RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE/AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA, UMA VEZ AUSENTE QUALQUER INCAPACIDADE, APENAS COM BASE NAS CONDIÇÕES PESSOAIS, SOCIAIS, ECONÔMICAS OU CULTURAIS DO SEGURADO. RECURSO DESPROVIDO.