APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016031-69.2014.4.03.6181
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
APELANTE: EMERSON DE SOUSA VIANA, CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA NIEDHEIDT FASSI - SP176570-A
Advogado do(a) APELANTE: FABIO GUERINO ADAS PASTORE - SP387310-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016031-69.2014.4.03.6181 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: EMERSON DE SOUSA VIANA, CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA NIEDHEIDT FASSI - SP176570-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelações criminais interpostas por EMERSON DE SOUZA VIANA e CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA contra a sentença (Id. 152129805 – fls. 99/117), que condenou os acusados pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97 à pena de 03 (três) anos de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa. A reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária a ser paga à União Federal. Em sede de razões recursais, a defesa de EMERSON DE SOUZA VIANA requereu, preliminarmente, a) a nulidade processual, tendo em vista a existência de vício do relatório policial/denúncia, pois teriam sido indiciados outro dois agentes no inquérito policial, os quais não foram mencionados no relatório da autoridade policial e nem na denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal; b) cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pleito de expedição de ofício junto a ANATEL; c) nulidade do feito, em razão da caracterização de bis in idem, visto que os mesmos fatos descritos na denúncia foram objeto da ação penal nº 0015495-58.2014.403.6181. Requereu, ainda, a subsunção da conduta imputada ao artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e não ao art. 183 da Lei nº 9.472/97. No mérito, pede a absolvição do acusado, sob o fundamento de que não restou devidamente comprovada sua autoria delitiva, visto que não contribuiu direta ou indiretamente na exploração clandestina, mas apenas fez a locação de horário para veiculação de programação na rádio, desconhecendo sua clandestinidade (Id. 152129805 – fls. 120/139). Por sua vez, a defesa de CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA, requereu, preliminarmente, a) a nulidade processual, tendo em vista a existência de vício do relatório policial/denúncia, pois teriam sido indiciados outro dois agentes no inquérito policial, os quais não foram mencionados no relatório da autoridade policial e nem na denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal; b) nulidade do feito, em razão da caracterização de bis in idem, visto que os mesmos fatos descritos na denúncia foram objeto da ação penal nº 0015495-58.2014.403.6181. Requereu, ainda, a subsunção da conduta imputada ao artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e não ao art. 183 da Lei nº 9.472/97. No mérito, pede a absolvição do acusado, por insuficiência de provas quanto à autoria delitiva (Id. 152129806- fls. 04/12). Contrarrazões do Ministério Público Federal (Id. 152129829). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento dos recursos de apelação da defesa de Emerson de Souza Viana e de Carlos Eduardo Leite da Silva (Id. 152221685 ). É O RELATÓRIO. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
Advogado do(a) APELANTE: FABIO GUERINO ADAS PASTORE - SP387310-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0016031-69.2014.4.03.6181 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: EMERSON DE SOUSA VIANA, CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA NIEDHEIDT FASSI - SP176570-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do caso dos autos. EMERSON DE SOUZA VIANA e CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA foram denunciados pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97. Narra a denúncia (Id. 152129804 – fls. 3/5) o que se segue: Em 15 e 16 de junho de 2014, agentes de fiscalização da ANATEL em atendimento à informação de interferência em frequência aeronáutica na torre de controle do aeroporto de Congonhas, localizaram e apreenderam equipamentos que mantinham e operavam emissora de radiofusão sem a devida outorga do Ministério das Comunicações e se a competente autorização para uso de radiofrequência expedida pela ANATEL. Os agentes fiscalizadores da ANATEL lograram encontrar, em pleno funcionamento, na Rua São José, s/n' (final da rua), Vila Cruzado, Santo André/SP, rádio exploradora de serviços de radiofusão denominada "RÁDIO CERTA FM”, e que operava na frequência 88,7 MHz, sem autorização legal e regulamentar. No local dos fatos, foi encontrado sistema irradiante compatível com serviços de radiofusão, instalados em altura aproximadamente de 10 metros em relação ao solo, fixados em árvores, no topo de morro de aproximadamente 900 metros de altitude. Segundo avaliação técnica, os equipamentos eram composto por 1 transmissor de radiofusão sonora em FM, o qual operava na frequência de 88,7 MHz com potência aferida de 475 W. Conforme relatório de fiscalização (fis. 13/16), o áudio da rádio operado na frequência 88,7 MHz traz o nome da entidade COMUNIDADE CRISTÃ AMOR E GRAÇA, cujo responsável legal e principal administrador é EMERSON DE SOUZA VIANA. Segundo declarações do termo de interrogatório perante a autoridade policial (fls. 34/35 e 90/93), EMERSON DE SOUZA VIANA afirmou que de fato sua igreja transmitia seus programas evangélicos na frequência 88,7, desde junho de 2014. Contudo, esclarece que realiza seus programas via internet, sendo transmitido via rádio por CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA, o qual tinha a função de zelar pelo funcionamento técnico da rádio e, pelo desempenho de sua atividade recebia remuneração mensal no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), sempre pagos em dinheiro. Os aparelhos utilizados na atividade delituosa foram apreendidos, estando devidamente comprovada a materialidade do delito do artigo 183 da Lei nº 9.472197, pelo auto de exibição e apreensão (fis. 12), pelo auto de infração (f. 10), pelo relatório de fiscalização da ANATEL (fis. 13/16) e pelo laudo pericial elaborado pelo Núcleo de Criminalística da Policia Federal (fis. 60/65), que constatou a clandestinidade da emissora de radiodifusão e a transmissão em radiofrequência com potência de 520 watts. A potência de 520 Watts supracitada é superior ao limite estipulado no §11 do art. 11, Lei 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, que institui o serviço de rádio comunitária e dá outras providências e aptas a causar interferências em serviços de rádio comunicação que operem na mesma frequência ou com frequências próximas, prejudicando, inclusive, o serviço de rádio navegação aeronáutica. A denúncia foi recebida em 09 de março de 2017 (Id. 152129804 – fls. 15/16). Após a regular instrução processual, sobreveio sentença, que julgou procedente a denúncia para condenar os réus pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97 à pena de 03 (três) anos de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa. A sentença foi publicada em 31 de janeiro de 2020 (Id 152129805 - fl. 118). Das Preliminares. A) a nulidade processual, tendo em vista a existência de vício do relatório policial/denúncia. No que se refere à nulidade processual, pelo vício do relatório policial/denúncia, pois teriam sido indiciados outros dois agentes no inquérito policial, os quais não foram mencionados no relatório da autoridade policial e nem na denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, não merece prosperar. No caso dos autos, o representante do Ministério Público Federal se convenceu de que no caso concreto existiam elementos que sustentavam a autoria e a materialidade apenas em relação a Carlos Eduardo e Emerson, sem atribuir qualquer responsabilidade pela prática do crime a outros agentes, pois não havia indícios suficientes de autoria delitiva. Observa-se que a investigação criminal é especialmente destinada ao Ministério Público, pois é o Parquet que deverá fazer a análise das provas e deliberar se há elementos ou não para instaurar a ação penal, ou seja, a opinião sobre a ocorrência do delito. Assim, rejeito a aludida preliminar defensiva. B) cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pleito de expedição de ofício junto à ANATEL. A defesa suscita a nulidade da sentença, em face da ausência de expedição de ofício junto à ANATEL para esclarecer que a origem, lapso temporal e a duplicidade de apuração na esfera penal, evitando o cerceamento de defesa e "bis in idem". O pedido já foi analisado pelo juiz a quo e a diligência solicitada foi indeferida, conforme a seguir (Id. 152129805 – fl. 26): 2. Fls. 354/356: Indefiro o requerimento da defesa por entender impertinentes e desnecessários ao deslinde do feito. Os documentos trazidos aos autos são suficientes para o julgamento da demanda. Como se vê, o julgador entendeu que há elementos suficientes para julgamento da lide, em razão das provas já produzidas no processo, não havendo que se falar em cerceamento de defesa. O magistrado é destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da realização da atividade probatória pleiteada. Como bem ressaltou o Ministério Público Federal, “a simples leitura da nota técnica da ANATEL à fl. 08, em conjunto com o oficio do mesmo órgão à fl. 193, revela-se suficiente para dirimir todas as dúvidas levantadas” (Id. 152129805 – fl. 24). Assim, rejeito a aludida preliminar. c) nulidade do feito, em razão da caracterização de bis in idem, visto que os mesmos fatos descritos na denúncia foram objeto da ação penal nº 0015495-58.2014.403.6181. Para comprovar a alegação da incidência do “bis in idem”, além dos documentos contidos nos autos, a defesa de EMERSON DE SOUSA VIANA juntou o documento de ID. 262857709. No que se refere à ocorrência de bis in idem, a tese já foi contestada pelo Ministério Público Federal, nos seguintes termos (Id. 152129804 – fls. 95/96): Conforme nota técnica da ANATEL às fis. 08109, através de monitoração do espectro de radiofrequências, constatou-se que, em frequência de comunicações aeronáuticas (118,35 MHz,) havia interferências provocadas por duas emissoras de radiodifusão sonora em FM clandestinas, uma operando em 88,7 MHz e outra em 105,9 MI-12 contexto em que agentes de fiscalização da agência reguladora, nos dias 15 e 16/0612014, em diligências de campo, localizaram os equipamentos que compunham a estação de transmissão da emissora não outorgada autodenominada –Rádio CERTA FW. operando em 88.7 MHz, na Rua José, s/n', Vila Cruzado. Santo André/SP, sendo tal operação clandestina o objeto da presente persecução penal. Outrossim, conforme relatório de fis. 14116 e informação da ANATEL às fis. 193/194, as atividades de fiscalização realizadas em Santo André (objeto da presente ação penal) se desenrolaram como um desdobramento de diligências levadas a cabo as data de 06/06/2014, no município de São Pauto/SP (objeto da ação penal nº 0015495-58.2014.403.6181, em que EMERSON foi beneficiado com proposta de transação penal), haja vista que a mesma emissora de rádio clandestina operava com duas estações transmissoras distintas, uma situada em São Paulo/SP e outra em Santo André/SP, visando "ampliara área de cobertura da rádio por toda a Grande São Paulo, de sorte que não se há que falar em ocorrência de "bis in idem". De fato, quanto menos no período entre 06/06/2014 (quando foi interrompida pela ANATEL a transmissão de radiofrequência real por meio da estação localizada em São Paulo) e 16/06/2014 (quando foi interrompida pela ANATEL a transmissão de radiofrequência realizada por meio da estação localizada em Santo André), a emissora autodenominada -Rádio CERTA FW, operada por CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA. emitiu radiofrequência em 88,7 MI -17- com potência de no mínimo 475 W, exclusivamente por meio de estação transmissora instalada em Santo André/SP, divulgando programação da entidade COMUNIDADE CRISTÃ AMOR E GRAÇA, de responsabilidade de EMERSON DE SOUZA VLANA, não estando obviamente tal conduta contemplada na denúncia que deu origem à ação penal â` 0015495- 58.2014,403.6181, cujo objeto restou circunscrito à operação clandestina da "Rádio 88,7 FM" até 06/0612014, por meio de estação de transmissão instalada no bairro Parada de Taipas, no município de São Paulo, conforme revela uma simples leitura de tal inicial (fls.188/189). Assim, apesar da documentação apresentada pela defesa de EMERSON DE SOUSA VIANA (ID. 262857709), que, aliás, grande parte já estava presente nos autos, não há indicativo pela ocorrência do bis in idem, tendo em vista que a mesma emissora de rádio clandestina operava com duas estações transmissoras distintas, uma localizada em São Paulo/SP e outra localizada em Santo André/SP, conforme se vê da contestação acima apresentada pelo Ministério Público Federal e pela cópia da transação penal oferecida pelo Ministério Público Federal em outra ação penal (ID. 152129804 - fls. 8/9). Da alegada inaplicabilidade do art. 183 da Lei nº 9.472/97 e ab-rogação do art. 70 da Lei nº 4.117/62. No que se refere à questão suscitada sobre a capitulação da conduta imputada aos réus, sendo telecomunicações gênero do qual a radiodifusão é uma das espécies, a jurisprudência dos Tribunais Superiores entende que, subsistindo a vigência de ambos os dispositivos, a diferença entre os tipos penais depende da caracterização ou não da habitualidade da conduta. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que o crime do artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas uma única vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida ao tipo do artigo 70 da Lei n.º4.117/62, pois não haverá aí um meio de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, caso este que ensejaria punição mais severa pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/97. A respeito do tema, colaciono os seguintes julgados: "HABEAS CORPUS. PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472 /1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117 /1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117/1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. 1. (...) 5. Ambas as Turmas desta já decidiram que "a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de telecomunicações por força do requisito da habitualidade"(HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada." (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08.09.15)" "PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. RÁDIO COMUNITÁRIA. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 70 DA LEI N° 4.117 /1962. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE E CLANDESTINIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI N° 9.472 /1997. ORDEM DENEGADA. 1. A conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de telecomunicações por força do requisito da habitualidade. Precedente: (HC 93.870/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 10/09/2010). 2. A atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica delito previsto no art. 183 da Lei 9.472 /1997 e não aquele previsto no art. 70 da Lei 4.117 /1962. 3. Ordem denegada." (STF, HC n. 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.13)" "HABEAS CORPUS. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES CONTRA O DISPOSTO EM LEI. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. ARTIGO 70 DA LEI N° 4.117/62. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 183 DA LEI N° 9.472/97. ORDEM DENEGADA. 1. A diferença entre a conduta tipificada no artigo 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações e a do artigo 183 da nova lei de telecomunicações está na habitualidade da conduta. 2. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no artigo 183 da Lei n° 9.472/97, e não o artigo 70 da Lei n° 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão. 3. (...). 4. Ordem denegada. (STF, HC n. 93.870, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.10) "PENAL E PROCESSUAL PENAL. (...) CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ARTIGO 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. (...). 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no artigo 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 743.364, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.04.16) " "In casu", a habitualidade exsurge de modo evidente da prova carreada aos autos, indicativa de que a utilização dos aparelhos não era eventual e sim habitual, uma vez que o denunciado realizava a transmissão de programa de cunho religioso. Diante desse contexto, deve ser mantida a capitulação da conduta como constado na sentença. Da materialidade. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada, nos autos, pelo TERMO DE REPRESENTAÇÃO (Id. 152129801 – fl. 13), Relatório Fotográfico (Id. 152129801 - Fls. - Pág. 14/15), Nota técnica (Id. 152129801 - Pág. 16/17), AUTO DE INFRAÇÃO (fls. 152129801 - Pág. 18), TERMO DE LACRAÇÃ0, APREENSÃO E/OU INTERRUPÇÃO (152129801 – fl. 20), RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO (Id. 152129801 – fls. 21/28), AUTO DE APREENSÃO 1919/2015 (Id. 152129801 – fl. 65) e Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) nº 5052/2015 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (Id. 152129801 – fls. 82/87), além das declarações dos acusados prestadas em juízo. Deve ser ressaltado que os agentes fiscais da ANATEL encontraram, no Final da Rua São José, s/n' - Vila Cruzado - município de Santo André – SP, equipamentos e instalações de emissora denominada rádio “CERTA FM", operando em 88,7 MHz, sendo que o transmissor se encontrava em funcionamento e não era homologado pelo órgão de fiscalização, conforme assim consignado na Nota Técnica (Id. 152129801 – fls. 16/17): 4.1.2. A emissora interferente foi localizada operando em 88,7 MHz juntamente com outra emissora em 105,9 MHz, cuja proximidade e tipo de instalação causavam o efeito de batimento de frequência, gerando produto de intermodulação na frequência de 118,35 MHz, sendo esta faixa da referida comunicação aeronáutica; 4.1.3. Ambas as emissoras foram encontradas instaladas e com seus transmissores de FM e respectivos receptores de link em pleno funcionamento, sendo que nenhuma delas possuía as devidas licenças expedidas pela ANATEL, caracterizando assim emissoras ilegais; 4.1.4. 0 transmissor de FM da emissora, instalado de forma precária em meio à vegetação estava operando na frequência de 88,7 MHz, e sua potência foi aferida pela leitura no pai 475 W. 4.1.5. 0 sistema irradiante estava instalado a aproximadamente 10m de altura em relação ao solo, fixado em árvores, salientando que o local de instalação das emissoras trata-se do topo de um morro de aproximadamente 900 metros de altitude. Além disso, nos termos do Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) nº 5052/2015 – NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (152129801 fls. 82/87), restou devidamente comprovado que os aparelhos apreendidos possuíam aptidão para causar interferências em outras frequências, e não eram homologados pela ANATEL. Da autoria e dolo. Igualmente respaldada no conjunto probatório dos autos a autoria e o dolo dos réus. Interrogado em sede policial, EMERSON DE SOUZA VIANA afirmou que transmitia seus programas evangélicos na frequência 88,7 desde junho de 2014. Afirmou que Carlos Eduardo Leite da Silva prestava os serviços para igreja e recebia a quantia mensal de R$ 4000,00, que depois subiu para R$7000,00. Disse que CARLOS EDUARDO compareceu à igreja e lhe ofereceu os serviços, alegando que a rádio tinha documentação, mas nunca lhe mostrou. Disse, ainda, que não sabia dos detalhes do funcionamento técnico dos equipamentos ou quem os fornecia para CARLOS EDUARDO. Afirmou que já foi ouvido em outro inquérito na Polícia Federal e realizou uma transação penal sobre a prática do mesmo crime recentemente (Id. 152129801 – fls. 51/52). Em um segundo interrogatório, em sede policial, EMERSON DE SOUZA VIANA disse que utilizava da Rádio Certa na frequência 88.7 Mhz, sendo que realizava os programas pela internet, os quais eram transmitidos por CARLOS EDUARDO LEITE. Relatou que CARLOS EDUARDO LEITE informou o interrogado que havia arrendado esta rádio, sendo cobrado o valor de R$7.000,00 mensais para transmissão dos programas. Falou que CARLOS EDUARDO LEITE retransmitia a programação realizada na rádio de frequência 88.7 Mhz para a rádio 105.5 Mhz, que os pagamentos realizados para CARLOS EDUARDO LEITE eram feitos apenas em dinheiro, entregue em mãos. Disse que conhece uma pessoa chamada ROSIVALDO, conhecido por "ROSSI", o qual havia arrendado a mencionada rádio de Campinas/SP, sendo que posteriormente repassou a mesma rádio para o interrogado em 2011, e que essa rádio repassada ao interrogado utilizou o nome como sendo Rádio Nova Canção. Que questionado se CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA é o "laranja" do interrogando, respondeu que simplesmente sublocou o espaço localizado na Rua ltamaracá, 258 - sala 5 – bairro Água Rasa, para o mesmo. Afirmou que também utilizava outra rádio, de frequência 98.1 Mhz, e que as rádios de 88.7, 105.5 e 103.5 são de propriedade de CARLOS EDUARDO. Afirmou que não tinha ciência que a rádio Certa 88.7 Mhz operava próximo ao aeroporto e nem que a rádio interferia nas comunicações com as aeronaves. Afirmou que arrendou uma rádio, Rádio Laser, 88,5 Mhz, de propriedade de ODILON, de Campinas/SP, mas ao que parece, essa nova rádio possui autorização para funcionamento na ANATEL, sendo que a cessão desta rádio, foi comunicada à ANATEL. Informou que pagava a Carlos Eduardo Leite pelo arrendamento da rádio o valor de R$ 7.000,00 reais, sendo abatido o valor do aluguel de R$ 850,00. Afirmou, ainda, que não comprou os equipamentos para funcionamento da rádio e que os equipamentos mostrados às fis. 48 a 52 não são de sua propriedade. Não soube afirmar se ROSSI era sócio dessa rádio, pois quebrou a relação com ele desde 2013, bem como não soube afirmar se CARLOS EDUARDO LEITE trabalhava para o ROSSI (Id 152129801 – fls. 114/ 115 e Id. 152129802 – fls. 1/2). Em interrogatório judicial, EMERSON disse que transmitia o programa na frequência 88.7 Mhz desde junho de 2014. Afirmou que não era dono da rádio, mas alugava horários na emissora. Relatou que gravava os programas em mídias e eram transmitidos pela emissora, e que nunca os programas foram ao vivo. Afirmou que outros programas permanecem na rádio até hoje. Disse que achava que o contrato com a emissora era a garantia de que a rádio era legalizada (mídia – Id. 152129812). Os elementos coligidos aos autos, portanto, atestam a responsabilidade penal do réu EMERSON, bem como demonstram que o denunciado agiu de forma livre e consciente ao desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, não se admitindo falar em terceiro de boa-fé ao arrendar o horário na rádio. Observa-se que o réu não apresentou qualquer documentação de regularidade da rádio e nem se preocupou de pedir ao dono da rádio, o que afastaria a sua participação sobre o crime em questão. O fato de não ser dono da rádio, não afasta a responsabilidade do réu pela prática do crime do artigo 183 da Lei 9.472/97, na medida em que não se trata de simples contratação de serviço de propaganda da igreja, mas sim a veiculação de programas que eram produzidos e gravados na igreja, atingindo inúmeras pessoas. Noutro vértice, rememore-se que sendo delito formal e de perigo abstrato, basta que a conduta do agente crie o risco não permitido para que seja consumado. Por fim, como bem ressaltou o juízo a quo, o acusado tem pleno conhecimento da matéria, tendo em vista que já fez contratos com várias empresas do setor, comprovando a habitualidade e o conhecimento de normas relativas à matéria. Desta feita, há prova robusta de que o réu, conscientemente, concorreu para o desenvolvimento de atividade de radiodifusão sonora clandestina, do que de rigor a manutenção do édito condenatório em seu desfavor. Quanto ao corréu CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA, em sede policial, usou de seu direito constitucional de permanecer calado (Id. 152129801 – fls. 76/77). Em juízo, disse que era o intermediário entre EMERSON e o dono da rádio. Afirmou que recebia uma comissão do sr. Rosivaldo, dono da rádio, pela venda dos horários. Afirmou que Rosivaldo disse que tinha autorização para funcionamento da rádio. Ressalvou que tentou entrar em contato com Rosivaldo, mas não conseguiu encontrá-lo. Afirmou que agiu de boa-fé, pois não sabia que a rádio era clandestina (mídia – Id. 152129813 e 152129814). A versão apresentada por CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA não restou comprovada nos autos e se mostra contrária aos depoimentos prestados por EMERSON. Não há qualquer comprovação de que a rádio não pertencia a CARLOS EDUARDO, bem como não há qualquer documentação hábil a demonstrar que o réu representava o Sr. Rosivaldo nas intermediações de locações de horários na programação da rádio. Neste caso, o réu apesar de alegar não ser o proprietário da rádio, reconheceu que foi responsável pela assinatura do Instrumento Particular de Cessão de Espaço em Transmissão Radiofônica com a Igreja Comunidade Cristã Amor e Graça, representada pelo Sr. Emerson, corréu na ação. Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo, devendo ser mantida a sentença em sua integralidade, a fim de julgar procedente a denúncia, para condenar EMERSON DE SOUZA VIANA e CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA como incursos nas penas do delito do art. 183 da Lei nº 9.472/97. Logo, impõe-se a confirmação da condenação. Da dosimetria da pena. EMERSON DE SOUZA VIANA 1. Primeira fase. Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal de 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa. 2. Segunda fase. Na segunda fase, ausentes agravantes ou atenuantes a serem reconhecidas. 3. Terceira fase Na terceira fase não há causas de diminuição de pena. No entanto, há causa de aumento, em metade da pena, nos termos da norma prevista no artigo 183 da Lei nº 9472/97, tendo vista a interferência ocorrida na Torre de Controle do Aeroporto de Congonhas, conforme consta da Nota Técnica (152129801 – fls. 16/17). Observa-se a ocorrência de prejuízos no caso específico, havendo, portanto, razão para agravamento da pena imposta. Portanto, resta a pena definitiva de EMERSON DE SOUZA VIANA fixada em 3 (três) anos de detenção e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Regime da pena. Mantenho fixado o regime inicial aberto para início de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal. A pena corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos à União Federal, considerando a condição econômica do réu. CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA 1.Primeira fase. Na primeira fase, a pena-base foi fixada no mínimo legal de 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa. 2. Segunda fase. Na segunda fase, ausentes agravantes ou atenuantes a serem reconhecidas. 3.Terceira fase. Na terceira fase não há causas de diminuição de pena. No entanto, há causa de aumento, em metade da pena, nos termos da norma prevista no artigo 183 da Lei nº 9472/97, tendo vista a interferência ocorrida na Torre de Controle do Aeroporto de Congonhas, conforme consta da Nota Técnica (Id. 152129801 – fls. 16/17). Observa-se a ocorrência de prejuízos no caso específico, havendo, portanto, razão para agravamento da pena imposta. Portanto, resta a pena definitiva de CARLOS EDUARDO LEITE DA SILVA fixada em 3 (três) anos de detenção e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Regime da pena. Mantenho fixado o regime inicial aberto para início de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal. A pena corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária no valor de 03 (três) salários mínimos à União Federal, considerando a condição econômica do réu. Ante o exposto, rejeito as preliminares e nego provimento aos recursos da defesa, mantendo-se a r. sentença em sua integralidade. É COMO VOTO.
Advogado do(a) APELANTE: FABIO GUERINO ADAS PASTORE - SP387310-A
E M E N T A
1.No que se refere à nulidade processual, pelo vício do relatório policial/denúncia, não merece prosperar. No caso dos autos, o representante do Ministério Público Federal se convenceu de que no caso concreto existiam elementos que sustentavam a autoria e a materialidade apenas em relação a Carlos Eduardo e Emerson, sem atribuir qualquer responsabilidade pela prática do crime a outros agentes, pois não havia indícios suficientes de autoria delitiva.
2. Nulidade. O julgador entendeu que há elementos suficientes para julgamento da lide, em razão das provas já produzidas no processo, não havendo que se falar em cerceamento de defesa. O magistrado é destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da realização da atividade probatória pleiteada.
3. A mesma emissora de rádio clandestina operava com duas estações transmissoras distintas, uma localizada em São Paulo/SP e outra localizada em Santo André/SP, razão pela qual não se há que falar em ocorrência de "bis in idem".
4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que o crime do artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas uma única vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida ao tipo do artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, pois não haverá aí um meio de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, caso este que ensejaria punição mais severa pelo artigo 183 da lei nº 9.472/97 . In casu, a habitualidade exsurge de modo evidente nos autos, não sendo o caso de se modificar, pois, a subsunção da conduta do réu ao tipo previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
5. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada nos autos pelos seguintes documentos: Termo de Representação, Relatório Fotográfico, Nota Técnica, Auto de Infração, Relatório de Fiscalização, Auto de Apreensão e Laudo Pericial em Equipamento Eletroeletrônico, além das declarações prestadas pelos próprios acusados.
6. Autoria e dolo comprovados. No caso, as circunstâncias em que foi realizada a apreensão, aliadas à prova oral colhida, confirmam a responsabilidade dos réus pela autoria dos fatos.
7. Condenação mantida.
8. Dosimetria da pena. 1ª Fase. Pena base mantida no mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa. 2ª Fase, ausentes agravantes ou atenuantes a serem reconhecidas. 3ª Fase, há causa de aumento, em metade da pena, nos termos da norma prevista no artigo 183 da Lei nº 9472/97, tendo vista a interferência ocorrida na Torre de Controle do Aeroporto de Congonhas, conforme consta da Nota Técnica (Id. 152129801 – fls. 16/17). Pena definitiva fixada em 3 (dois) anos de detenção e 15 (quinze) dias-multa.
9. O regime inicial de cumprimento da pena foi fixado no aberto, nos termos do artigo 33, §2º, "c" do Código Penal. A pena corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária.
10. Preliminares rejeitadas. Recursos da defesa desprovidos.