Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001535-54.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: DOMICIO JUNIOR DA SILVA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001535-54.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: DOMICIO JUNIOR DA SILVA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de DOMÍCIO JUNIOR DA SILVA em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande/MS, que condenou o réu pela prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal.

Narra a denúncia (ID260339296 – fls. 3/8):

“Consta da inclusa notícia de fato que, entre 19/11/2015 e 16/07/2017, no estado de Mato Grosso do Sul, o denunciado DOMÍCIO JÚNIOR DA SILVA importou mercadorias estrangeiras desprovidas de documentação comprobatória da regular importação por 7 (sete) vezes, iludindo, assim, os impostos devidos pela entrada dos bens no país no valor de RS 36.739,53 (trinta e seis mil, setecentos e trinta e nove reais e cinquenta e três centavos).

Por fim, em 16/07/2017, no terminal rodoviário do município de Campo Grande/MS, a Polícia Militar flagrou o denunciado transportando, após importar, diversas mercadorias estrangeiras (eletrônicos, perfumes e brinquedos) sem documentação comprobatória de sua regular importação (em anexo).

O valor dos tributos iludidos foi de RS 2.656,94 (dois mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e noventa e quatro centavos). Tal fato resultou na Representação Fiscal para Fins Penais n.19715.720871/2017-71 (em anexo).

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia DOMÍCIO JÚNIOR DA SILVA como incurso por 7 (sete) vezes nas penas do art. 334, caput, do Código Penal (redação da Lei n. 13.008/14), requerendo que, recebida e autuada a presente, seja instaurado o devido processo penal, citando-se o denunciado para que se veja processar e, ao final da regular instrução, julgar.”

A denúncia foi recebida em 2 de abril de 2019 , tendo o juiz de origem reconhecido a competência apenas quanto ao fato ocorrido em Campo Grande/MS, determinando a extração de cópias dos autos e a respectiva remessa para as Subseções Judiciárias de Ponta Porã/MS e Dourados/MS quanto aos demais fatos (ID 260339297 - fls. 18/21). 

Após regular instrução, sobreveio a sentença ID 260339489, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar DOMÍCIO JUNIOR DA SILVA como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334, caput, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade.

O juiz sentenciante decretou, ainda, o pagamento das custas processuais e o direito de o réu apelar em liberdade.

A sentença foi publicada em 23 de novembro de 2021 (ID 260339489).

A defesa do réu interpôs apelação, pleiteando (i) a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela imprópria; e (ii) a redução da pena pela atenuante da confissão espontânea abaixo do mínimo legal (ID 260339501).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo desprovimento da apelação da defesa (ID 262502406).

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001535-54.2018.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: DOMICIO JUNIOR DA SILVA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O apelante DOMÍCIO JUNIOR DA SILVA foi condenado pela prática do crime descrito no artigo 334, caput, do Código Penal.

1. Da insignificância e da bagatela imprópria

Alega a defesa que a conduta engendrada pelo réu carece de relevância na esfera penal em razão do valor do tributo iludido apurado, bem como que a pena poderia deixar de ser aplicada, com fulcro no artigo 59 do Código Penal

O princípio da insignificância estabelece que o Direito Penal, pela adequação típica do fato à norma incriminadora, somente intervenha nos casos de lesão de certa gravidade, atestando a atipicidade penal nas hipóteses de delitos de lesão mínima, que ensejam resultado diminuto.

Cabe frisar que o Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, exarou o entendimento de que incidiria a insignificância aos crimes contra a ordem tributária e de descaminho quando o débito tributário não ultrapassasse o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme previsão do artigo 20 da Lei nº 10.522/2002.

A apreciação do tema nesses moldes pela referida Corte representava o alinhamento da sua jurisprudência com o entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, em 2012, o Ministério da Fazenda editou as Portarias nº 75 e 130, as quais estipularam, entre outros, o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional nos casos de valores iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Ato contínuo, ambas as Turmas da Suprema Corte adotaram como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a ordem tributária e de descaminho o disposto em tais portarias, inclusive no que tange a condutas engendradas antes do advento desses atos normativos.

Nesse diapasão, colaciono os seguintes julgados:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II - Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III - Ordem concedida para trancar a ação penal.

(HC 139393, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 28-04-2017 PUBLIC 02-05-2017) (grifo nosso)

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada.

2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes.

3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais no montante de R$ 19.892,68 (dezenove mil, oitocentos e noventa e dois reais e sessenta e oito centavos) enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito pela aplicação do princípio da insignificância.

4. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de rejeição da denúncia exarado pelo magistrado de primeiro grau.

(HC n. 136.984/SP, Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 18/10/2016, DJe 15/3/2017) (grifo nosso)

Destarte, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, com base nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, decidiu revisar o Tema 157 dos recursos repetitivos para se amoldar ao corrente entendimento do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe a seguinte redação:

Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20 mil a teor do disposto no artigo 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

No caso em tela, o valor dos tributos iludidos pelo réu corresponde a R$ 2.656,94 (dois mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e noventa e quatro centavos) – consoante a Representação Fiscal para Fins Penais nº 19715.720871/2017-71 - levando-se em conta o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que seriam devidos na importação regular, razão pela qual seria aplicável o princípio da insignificância.

Insta salientar que, embora o valor do tributo elidido não supere o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei nº 10.522/2002, o que em tese autorizaria a incidência do princípio da insignificância, revejo meu posicionamento até então adotado sobre o tema, forte na jurisprudência da Suprema Corte, que também se modificou, sedimentando a visão de que, permanecendo o réu na prática delitiva do descaminho com habitualidade, deixa de ser aplicável o referido princípio, independentemente do valor do tributo iludido.

Nesse aspecto, o novel entendimento de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS. ORDEM DENEGADA.

1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei n.º 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Embora, na espécie, o descaminho tenha envolvido elisão de tributos federais em quantia inferior a R$ 20.000,00, a existência de registros criminais pretéritos obsta, por si só, a aplicação do princípio da insignificância, consoante jurisprudência consolidada da Primeira Turma desta Suprema Corte (HC 109.739/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.02.2012; HC 110.951/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 27.02.2012; HC 108.696/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.10.2011; e HC 107.674/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 14.9.2011). Ressalva de entendimento pessoal da Ministra Relatora. 4. Ordem denegada.

(HC 120438/SC, Rel. Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, j. 11/02/2014, DJe 11/03/2014) (grifo nosso)

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REITERAÇÃO DELITIVA. ORDEM DENEGADA. I - Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II - Contudo, os autos dão conta da existência de 6 (seis) registros criminais pretéritos da prática do delito de descaminho, a demonstrar a reiteração delitiva do paciente. III - Os fatos narrados demonstram a necessidade da tutela penal em função da maior reprovabilidade da conduta do agente. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância. Precedentes. III - Ordem denegada.

(HC 136769/PR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 18/10/2016, DJe 07/11/2016) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento de ambas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ÓBICE DO VERBETE SUMULAR N.º 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. INCURSÃO NA SEARA FÁTICO-PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO NO VALOR DE R$ 2.330,13. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. HABITUALIDADE NA PRÁTICA DA CONDUTA CRIMINOSA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGADA VIOLAÇÃO À DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE DE ANÁLISE NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Não incide o óbice do verbete sumular n.º 182/STJ, pois da simples leitura da peça de agravo em recurso especial se observa que os fundamentos da decisão combatida foram adequada e suficientemente infirmados.

2. Não se verifica indevida incursão na seara fático-probatória quando o decisum atacado, afastou a aplicação do princípio da insignificância após mera revaloração do contexto probatório, tal como estabelecido nas instâncias ordinárias.

3. A despeito do débito tributário referente às mercadorias estrangeiras sem documentação fiscal ser de R$ 2.330,13 (dois mil trezentos e trinta reais e treze centavos), subsiste o interesse estatal à repressão do delito de descaminho praticado habitualmente pelo Acusado.

4. A Suprema Corte firmou sua orientação no sentido de que "[o] princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimas, isoladas, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal" (STF, HC 102.088/RS, 1.ª Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 21/05/2010)

5. De fato, constatada a conduta habitual do Agente, a lei seria inócua se fosse tolerada a prática criminosa ou, até mesmo, o cometimento do mesmo delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo valor tido por insignificante, mas o excedesse na soma. A desconsideração dessas circunstâncias implicaria verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida. Precedentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e desta Turma.

6. Apesar de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais, inquéritos policiais ou procedimentos administrativos fiscais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância. No caso, há comprovação da existência de outros procedimentos administrativos pela prática de condutas idênticas.

7. A via especial, destinada à uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, não se presta à análise de possível violação a dispositivos da Constituição Federal, ainda que para fins de prequestionamento.

8. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 315247/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 24/04/2014, DJe 08/05/2014) (grifo nosso)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE DELITIVA.

1. Embora o valor dos tributos iludidos seja inferior a dez mil reais, não há como acatar a tese de aplicação do princípio da insignificância, por ser o comércio ilegal de mercadorias descaminhadas uma habitualidade na vida da recorrente. Há demonstrações nos autos de tratar-se de uma infratora contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 311355/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 06/02/2014, DJe 27/02/2014)

Desse modo, é de todo recomendável considerar as diversas circunstâncias que cercam o delito, tais como a conduta social do agente, a reincidência e a habitualidade da conduta para sopesar a viabilidade da aplicação de citado princípio.

Verifica-se que contra o apelante há diversos procedimentos administrativos elaborados pela Receita Federal do Brasil pela prática do delito de descaminho (ID 260339296).

Tais elementos demonstram que a aplicação do princípio da insignificância aos fatos em questão poderia tornar inócua a reprimenda penal, pois o réu adota comportamento reiterado quanto à prática da referida infração penal - comprovado pelos registros acima citados -, o que se revela suficiente para a configuração da habitualidade delitiva.

Por sua vez, o princípio da bagatela imprópria ou da irrelevância penal do fato visa extinguir a punibilidade de condutas que, embora possuam certa relevância penal, acabam por tornar desnecessária a aplicação da pena.

O mencionado princípio funda-se no artigo 59 do Código Penal, que prescreve que o magistrado estabeleça a pena do acusado conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Assim, em determinadas circunstâncias, a fixação da pena para um delito se mostra desnecessária.

Ocorre que no presente caso a aplicação da insignificância ou bagatela imprópria contribuiria sobremodo para a sensação de impunidade e ineficácia do sistema jurídico vigente, já que o apelante reiteradamente voltaria a delinquir, cônscio da impunidade de seus atos.

Portanto, inadmissível, in casu, o princípio da insignificância e o princípio da bagatela imprópria.

2. Da materialidade

A materialidade foi comprovada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 19715.720871/2017-71, sobretudo pela Relação de Mercadorias (ID 260339297 – fl. 9) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (ID 26033297 - fls. 10/11).

Com efeito, os documentos acima elencados certificam a apreensão de diversos produtos de origem estrangeira, tornando inconteste a materialidade delitiva.

3. Da autoria e do dolo

A defesa do réu não se insurgiu no tocante à autoria delitiva, que restou demonstrada pelo conjunto probatório amealhado.

O dolo, por sua vez, evidenciou-se tanto pelas circunstâncias em que as mercadorias foram apreendidas como pela prova oral produzida.

O apelante, ao ser interrogado, confessou a prática do delito em apreço. Esclareceu que adquiria produtos estrangeiros para fins de revenda, ganhando uma porcentagem em cima.

O policial militar Manoel Carlos de Queiroz Ramos explicou que as mercadorias transportadas pelo réu não eram de origem proibida, não se recordando se ele confirmou a propriedade dos bens.

Notório, pelas próprias palavras do réu, que engendrou o comportamento descrito na denúncia, ciente de que praticava ato ilícito, ao qual aderiu de forma livre e consciente, não incidindo em qualquer erro.

Como se vê, a confissão exarada, somada ao restante das provas produzidas, torna indubitável a autoria delitiva, devendo ser mantida a condenação do apelante, nos termos da r. sentença.

4. Da dosimetria

A sentença recorrida condenou o réu Domício Junior da Silva à pena de 1 (um) ano de reclusão pela prática do crime do artigo 334, caput, do Código Penal, em regime inicial aberto.

1ª Fase

Na primeira fase, ausentes circunstâncias judicias desfavoráveis, a pena-base foi fixada no patamar mínimo de 1 (um) ano de reclusão.

2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, reputou-se presente a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal.

Pugna a defesa a redução da pena abaixo do patamar mínimo.

O réu confessou os fatos em tela, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da acima aludida atenuante, nos termos da Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça.

Por outro lado, o reconhecimento da atenuante não pode levar à redução da pena abaixo do mínimo legal, pois o julgador, na fase intermediária da fixação da pena, está adstrito aos limites mínimo e máximo estabelecidos no preceito legal.

Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

SÚMULA N. 231. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO E POSSE DE ARMA DE FOGO. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. DESCABIMENTO. SÚMULA N. 231 DO STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA EM RELAÇÃO À CONSUNÇÃO. ENUNCIADO N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. É firme o entendimento que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo estabelecido em lei, conforme disposto na Súmula n. 231 desta Corte Superior.

2. A Terceira Seção deste Superior Tribunal examinou a questão sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento do REsp n. 1.117.068/PR, de minha relatoria, em 26/10/2011 (DJe 08/06/2012), reafirmando que o "critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo art. 68 do Código Penal, não permite ao Magistrado extrapolar os marcos mínimo e máximo abstratamente cominados para a aplicação da sanção penal."

3. A divergência jurisprudencial não foi demonstrada nos termos legais e regimentais, porquanto ausente o imprescindível cotejo analítico. Ademais, a reformulação da base fática estabelecida pelo Tribunal a quo - a de que o crime de porte de arma de fogo e de disparo de arma foram cometidos em contextos fáticos diversos -, premissa para a comprovação do suposto dissenso, demandaria inevitável reexame aprofundado dos fatos e provas, o que não se coaduna com a via especial, em razão do óbice da Súmula n. 7 desta Corte.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 1.860.431/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 12/8/2022.)

Tal questão foi, ainda, decidida em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, fixando-se o tema 158 (RE 597270):

Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

Portanto, a redução da pena pelo reconhecimento da circunstância atenuante no caso em apreço viola o entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores.

Assim, neste momento, mantenho a pena no patamar de 1 (um) ano de reclusão.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano de reclusão.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Tendo em vista o quantum da pena aplicada, mantenho o regime inicial aberto para o cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

Presentes os requisitos elencados no artigo 44, § 2º, do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade pelo período da pena substituída, a ser definida pelo Juízo da execução.

Por fim, ante a ausência das hipóteses que autorizam a decretação da prisão preventiva, mantenho, como já prolatado em primeiro grau, o direito de o réu recorrer em liberdade.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa do réu DOMÍCIO JUNIOR DA SILVA.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. VALOR DOS TRIBUTOS ILUDIDOS INFERIOR AO ESTIPULADO NO ARTIGO 20 DA LEI Nº 10.522/02, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE DELITIVA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. INADMISSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. APELO DA DEFESA DESPROVIDO.

1. O apelante foi condenado pela prática do crime descrito no artigo 334, caput, do Código Penal.

2. Em 2012, o Ministério da Fazenda editou as Portarias nº 75 e 130, as quais estipularam, entre outros, o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional nos casos de valores iguais ou inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ato contínuo, ambas as Turmas da Suprema Corte adotaram como parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a ordem tributária e de descaminho o disposto em tais portarias, inclusive no que tange a condutas engendradas antes do advento desses atos normativos.

3. Destarte, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, com base nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, decidiu revisar o Tema 157 dos recursos repetitivos para se amoldar ao corrente entendimento do Supremo Tribunal Federal, também aplicando o princípio da insignificância aos crimes tributários e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com fundamento no artigo 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nº 75 e 130 do Ministério da Fazenda.

4. No caso em tela, o valor dos tributos iludidos pelo réu corresponde a R$ 2.656,94 (dois mil, seiscentos e cinquenta e seis reais e noventa e quatro centavos) – consoante a Representação Fiscal para Fins Penais nº 19715.720871/2017-71 - levando-se em conta o Imposto de Importação e o Imposto sobre Produtos Industrializados, que seriam devidos na importação regular, razão pela qual seria aplicável o princípio da insignificância.

5. Entretanto, permanecendo o réu na prática delitiva do descaminho com habitualidade, deixa de ser aplicável o princípio da insignificância, independentemente do valor do tributo iludido. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

6. A aplicação do princípio da insignificância aos fatos em questão poderia tornar inócua a reprimenda penal, pois o réu adota comportamento reiterado quanto à prática do descaminho, o que se revela suficiente para a configuração da habitualidade delitiva.

7. Por sua vez, o princípio da bagatela imprópria ou da irrelevância penal do fato visa extinguir a punibilidade de condutas que, embora possuam certa relevância penal, acabam por tornar desnecessária a aplicação da pena, com fulcro no artigo 59 do Código Penal.

8. Ocorre que no presente caso a aplicação da insignificância ou bagatela imprópria contribuiria sobremodo para a sensação de impunidade e ineficácia do sistema jurídico vigente, já que o apelante reiteradamente voltaria a delinquir, cônscio da impunidade de seus atos.

9. A materialidade foi comprovada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 19715.720871/2017-71, sobretudo pela Relação de Mercadorias (ID 260339297 – fl. 9) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (ID 26033297 - fls. 10/11). Com efeito, os documentos elencados certificam a apreensão de diversos produtos de origem estrangeira, tornando inconteste a materialidade delitiva.

10. A autoria restou demonstrada pelo conjunto probatório amealhado. O dolo, por sua vez, evidenciou-se tanto pelas circunstâncias em que as mercadorias foram apreendidas como pela prova oral produzida.

11. O reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não pode levar à redução da pena abaixo do mínimo legal, pois o julgador, na fase intermediária da fixação da pena, está adstrito aos limites mínimo e máximo estabelecidos no preceito legal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

12. Apelo da defesa desprovido.

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa do réu DOMÍCIO JUNIOR DA SILVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.