APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008857-33.2015.4.03.6000
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: TEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CESAR STIIRMER, PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO PEREIRA ROMULO - MS9758-A
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RAFAEL DE MELO ALVES - MS7525-A
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO DE JESUS MARQUES - MS4862-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008857-33.2015.4.03.6000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: TEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CESAR STIIRMER, PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO PEREIRA ROMULO - MS9758-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelas defesas de TEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CERSAR STIIMER e PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA, contra a r. sentença proferida pelo Juízo Federal da 5ª Vara de Campo Grande/MS, que julgou procedente a ação penal para condená-los como incursos nas sanções do artigo 90 da Lei nº. 8.666/93. A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal ((ID 258397912 – fls. 400/402 dos autos físicos), segundo se extrai do parecer ministerial, narra o quanto segue, in vebis: “(…) 1. Dos Fatos No período compreendido entre 29 de março e 30 de abril de 2010, os denunciados THEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CESAR STIIRMER e PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA, agindo em comunhão de esforços e auxílio recíproco, sabedores da ilicitude de suas condutas, fraudaram, mediante ajuste e prévia combinação, o caráter competitivo do Processo Licitatório n. 027/2010, relativo à Tomada de Preço n. 006/2010, realizado pelo município de Corguinho/MS, com o intuito de obter, para si, vantagem decorrente da adjudicação do objeto do certame à empresa CAÇÃO & STIIRMER LTDA. O processo licitatório teve por objeto a contratação de empresa especializada para a construção de uma unidade de ensino infantil (creche), nos termos do convênio n. 656635/2009, celebrado entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FDNE e o município de Corguinho/MS. Participaram da Tomada de Preço n. 006/2010 as empresas CAÇÃO & STIIRMER LTDA, AJL Construções LTDA e CONSTRUTORA PAULO BARBOSA LTDA. As duas últimas foram desclassificadas por falta de apresentação de documentos (f. 94 do processo licitatório), restando vencedora a empresa CAÇÃO & STIIRMER LTDA (f. 199 do processo licitatório). O objeto contratado totalizou R$ 1.305.906,18. Ocorre que, a despeito da correta formalização das propostas e dos atos do certame licitatório, existiu uma prévia combinação entre as empresas CAÇÃO & STIIRMER LTDA, administrada pelo denunciado JULIO CESAR STIIRMER, e CONSTRUTORA PAULO BARBOSA LTDA, pertencente a PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA. E esse ajuste era do conhecimento do então prefeito THEOPHILO BARBOZA MASSI. O prévio ajuste ocorrido decorreu do vínculo de parentesco existente entre os três denunciados: TEOPHILO e PAULO MARCIO são primos, enquanto JULIO CESAR é casado com JALUSA BARBOSA, prima dos dois primeiros. O material apreendido no curso da Operação Teto de Vidro (IPL n. 83/2012), cujo desmembramento ensejou a instauração do IPL n. 385/2011, confirmou o vínculo entre as empresas CAÇÃO & STIIRMER LTDA e CONSTRUTORA PAULO BARBOSA LTDA. A partir da análise de um notebook apreendido na sede da CONSTRUTORA PAULO BARBOSA LTDA (HD espelhado na mídia de f. 325), identificou-se duas subpastas nominadas “cação & stiirmer” e “construtora Paulo Barbosa” nas quais existiam inúmeros arquivos contendo documentação das duas empresas, dentre as quais: 1. Etiquetas para os envelopes de documentação relativa a empresa “Cação & Stiirmer LTDA” (impresso na f. 337); 2. Duas planilhas orçamentarias da empresa “Cação & Stiirmer LTDA”, nos valores de R$ 1.305.906,18 (impresso na f. 339-3351) e R$ 1.258.787,22 (impresso na f. 353-365); 3. Duas propostas da empresa “Cação & Stiirmer LTDA”, nos valores de R$ 1.305.906,18 (impresso na f. 338) e R$ 1.238.119,43 (impresso na f. 352); Cotejando-se os documentos encontrados no computador da CONSTRUTORA PAULO BARBOSA LTDA, pertencentes à CAÇÃO & STIIRMER LTDA, com os autos do processo licitatório, constatou-se que se tratavam dos mesmos documentos que foram apresentados pela CAÇÃO & STIIRMER no curso do certame, a saber: 1. f. 201: a etiqueta do “Envelope nº 2 – Proposta”; 2. f. 202: as propostas da empresa CAÇÃO & STIIRMER no valor de R$ 1.305.906,18; e 3. f. 203-215: a planilha orçamentária da CAÇÃO & STIIRMER no valor de R$ 1.305.906,18. Inegável, portanto, que PAULO MARCIO e JULIO CESAR elaboraram as propostas conjuntamente e participaram ao mesmo tempo do referido processo licitatório com o único intuito de conferir aparente competitividade ao certame. E este acerto prévio era de conhecimento do então prefeito, o denunciado TEOPHILO BARBOZA, que participou ativamente da licitação: 1. autorizou a realização da licitação (f. 39 do processo); 2. adjudicou o objeto da licitação (f. 221 do processo); 3. homologou a licitação (f. 222 do processo); e firmou o contrato (f. 224-233 do processo). Destaque-se, outrossim, que o município de Corguinho possui apenas cerca de 5.000 habitantes, sendo, inclusive, de conhecimento da população local que obras públicas eram direcionadas pelo então prefeito a seus primos, dentre eles JULIO CESAR STIIRMER, consoante informação policial constante das f. 122-123, o que reforça o pleno conhecimento do gestor TEOPHILO BARBOZA sobre o engendro criminoso implementado. Pesa ainda contra o denunciado TEOPHILO BARBOZA MASSI que este não é o único caso de fraude a licitações em que está envolvido. Na realidade o IPL 0385/2011 é fruto do desmembramento do IPL 83/2012- SR/DPF/MS nos quais foram apuradas outras licitações fraudadas em que o acusado figura como participante ativo das ações para tal fim. O exposto é corroborado pela representação juntada as f. 66-91, em que são expostos os vários esquemas com intuito de fraudar a licitações. Inegável, portanto, que a contratação da empresa CAÇÃO & STIIRMER por meio do Processo Licitatório n. 27/2010, Tomada de Preço n. 006/2010, decorreu de ajuste prévio de, ao menos, dois dos concorrentes, com a anuência do gestor municipal. Em decorrência da fraude licitatória, o município de Corguinho teve um prejuízo no montante de R$ 60.616,46, conforme apurado pela Controladoria-Geral da União (f. 6 do IPL). (...)” - destaques constantes do original. A denúncia foi recebida em 07.11.2016 (p. 36/37 ID 258397913). Após seguimento do feito, sobreveio a r. sentença de ID 258399871, que condenou: "TEOPHILO BARBOZA MASSI como incurso nas penas do art. 90 da Lei 8.666/1993, atualmente revogado, e determino que cumpra uma pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, e que pague uma pena pecuniária de 185 (cento e oitenta e cinco) dias-multa, cada um deles valorado em 1/6 (um sexto) do salário-mínimo vigente por ocasião dos fatos (data da abertura dos envelopes contendo a documentação técnica e as propostas de preços da Tomada de Preços nº 6/2010, da Prefeitura Municipal de Corguinho/MS). JULIO CESAR STIIRMER como incurso nas penas do art. 90 da Lei 8.666/1993, e determino que cumpra uma pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, inicialmente em regime aberto, e que pague uma pena pecuniária de 97 (noventa e sete) dias-multa, cada um deles valorado em 1/6 (um sexto) do salário-mínimo vigente por ocasião dos fatos. PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA como incurso nas penas do art. 90 da Lei 8.666/1993, e determino que cumpra uma pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, inicialmente em regime aberto, e que pague uma pena pecuniária de 126 (cento e vinte e seis) dias-multa, cada um deles valorado em 1/6 (um sexto) do salário-mínimo vigente por ocasião dos fatos. SUBSTITUIU a pena privativa de liberdade de cada um dos acusados por duas restritivas de direitos, consistente na prestação de serviços comunitários, pelo prazo da pena substituída, à razão de 1 (uma) hora de trabalho por dia de condenação, em entidade a ser definida pelo Juízo da Execução, e o pagamento de uma prestação pecuniária, por cada um, equivalente a 10 (dez) salários-mínimos vigentes na data de hoje. As penas alternativas poderão ser alteradas ou substituídas pelo Juízo da Execução, a fim de adequá-las às condições dos réus ou às conveniências do Juízo.” Irresignada, a defesa de TEOPHILO BARBOZA MASSI recorre. Nas razões de apelação (ID 258399932), sustenta, preliminarmente, a nulidade do processo em decorrência da errônea subsunção da conduta, bem como da ocorrência de abolitio criminis do delito. No mérito, pugna pela absolvição, alegando não haver provas de que o réu agiu com o dolo específico. Subsidiariamente, requer a redução da pena-base e a não incidência da agravante prevista o artigo 61, inciso II, alínea “g”, do Código Penal). Inconformada, também a defesa de PAULO MARCIO AMORIM apela, em cujas razões recursais (ID 259369448) pleiteia, em síntese: i) a absolvição do réu em razão da ausência de provas para a condenação; ii) inexistência do ilícito penal; iii) ausência de prejuízo ao erário; iv) a redução da penas-base ao mínimo legal; e v) o afastamento da fixação de valor mínimo para indenização. Por sua vez, a defesa de JÚLIO CÉSAR STIIRMER também recorre, em cujas razões recursais (ID 259299204), postula, em síntese: i) absolvição por falta de provas da existência de conluio entre as partes; ii) inexistência do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, pois se três empresas participaram da Tomada de Preço n. 006/2010, o caráter competitivo não poderia ser fraudado por apenas duas das empresas; iii) fixação da pena-base no mínimo legal: v) seja afastada a fixação de valor mínimo para indenização. Contrarrazões apresentadas pela acusação tão somente ao recurso da defesa de TEOPHILO BARBOZA MASSI (ID 258399935), “uma vez que as razões recursais dos demais réus foram apresentadas diretamente perante o Tribunal ad quem, com fulcro no artigo 600, § 4º, do Código de Processo Penal” (conforme constante no parecer ministerial). Parecer da Procuradoria Regional da República (ID 260064281): (i) pela correção, DE OFÍCIO, da pena privativa aplicada a cada um dos réus, devendo constar como pena de detenção, conforme previsão do preceito secundário do artigo 90 da Lei nº. 8.666/93; e ii) DESPROVIMENTO dos recursos de apelação interpostos pelas defesas de TEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CESAR STIIMER e PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA, mantendo-se, no mais, na íntegra, a sentença condenatória prolatada pelo Juízo a quo” É o relatório. À revisão.
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO DE JESUS MARQUES - MS4862-A
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RAFAEL DE MELO ALVES - MS7525-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0008857-33.2015.4.03.6000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: TEOPHILO BARBOZA MASSI, JULIO CESAR STIIRMER, PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO PEREIRA ROMULO - MS9758-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: I – Preliminar de nulidade processual, sob o argumento de que a pretensa conduta narrada na denúncia deve ser enquadrada no Decreto-lei n. 201/67 e não na Lei de Licitações A defesa de Teophilo Barboza Massi alega o quanto segue, in verbis: “04. O recorrente fora denunciado, pela pretensa prática do crime previsto no artigo 90 da Lei Federal 8.666/93. 05. Contudo, como se vê, os fatos apontados na Denúncia, remontam-se ao período em que o recorrente Teophilo exercia o cargo de Prefeitura da cidade de Corguinho/MS. 06. Desta feita, é de se acertar, que a pretensa conduta em questão deve ser enquadrada no disposto do Decreto-lei n.º 201/67. 07. Para melhor compreensão do tema, é salutar transcrever os tipos penais em comento. A Lei n.º 8.666/93 preconiza: “Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.’ 08. Já o Decreto-lei n.º 201/67, prevê que: Art. 1.º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; 09. Veja-se que em ambos, o núcleo seria pretendida busca pela obtenção de vantagem. Nesta senda, imperioso reconhecer que os tipos penais em questão penalizam condutas bastante semelhantes, tendo como fator diferenciador o fato de que o Decreto-lei n.º 201/67 é direcionado para a punição de Prefeitos Municipais. 11. Assim sendo, ainda que a Lei n.º 8.666/93 seja posterior, é certo que o Decreto-lei n.º 201/67 deve ser encarado como lex specialis e, nesta condição deve prevalecer ao primeiro.” Sem razão a defesa, pois basta analisar ambos os tipos penais acima descritos para logo se perceber que não se confundem. Isso se dá porque a conduta de fraudar o caráter competitivo de procedimento licitatório não se assemelha à conduta de empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam, caso em que sequer é realizado o procedimento licitatório. Ademais, o E. STJ tem entendido que os crimes descritos na Lei de Licitação e na Lei que trata dos Crimes de Responsabilidade de Prefeitos possuem objetividade jurídica diversa, conforme se depreende da ementa a seguir descrita: “HABEAS CORPUS. CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 90 DA LEI N. 8666/93 E NO ART. 1º, X, DO DECRETO-LEI 201/67. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. SUPOSTA IRREGULARIDADE NA INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. VÍCIOS DA INVESTIGAÇÃO NÃO CONTAMINAM A AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATENDE AO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. INEXISTÊNCIA DE DOLO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. TESE AFASTADA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PEDIDO DE ABSORÇÃO DO CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO PELO CRIME DE LICITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIVERSIDADE DA OBJETIVIDADE JURÍDICA DOS TIPOS PENAIS. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos da inicial acusatória, o paciente, na qualidade de Prefeito - em conluio com a Comissão de Licitação e com a Comissão de Avaliação da Prefeitura de Nova Ponte/MG, bem como com diversos particulares - teria executado um esquema continuado de fraude a licitações para dilapidar o patrimônio público mediante a alienação de imóveis subavaliados, gerando um prejuízo ao erário de R$ 892.018,69 (oitocentos e noventa e dois mil, dezoito reais e sessenta e nove centavos). No presente writ, a defesa alega: nulidade dos atos investigatórios em razão de instauração do inquérito por servidora administrativa do Ministério Público do Estado de Minas Gerais; inépcia da inicial;e ausência de justa causa para a ação penal. (...) 6. À luz da jurisprudência do STJ, o delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, é formal, bastando para se consumar a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente de demostração de recebimento de vantagem indevida pelo agente e comprovação de dano ao erário. Precedentes. 7. Pedido de absorção do crime de responsabilidade de prefeito pelo crime licitatório não acolhido. Além de ser facilmente percebido que o crime de responsabilidade de prefeito possui pena cominada em abstrato mais grave, esta Corte Superior de Justiça tem entendido que os crimes descritos na Lei de Licitação e na Lei que trata dos Crimes de Responsabilidade de Prefeitos possuem objetividade jurídica diversa. Precedentes. Ademais, ainda que houvesse concurso aparente de normas, conforme alegam os impetrantes, seria prematuro o STJ substituir-se às instâncias ordinárias, a quem compete o revolvimento fático probatório, para decidir sobre a configuração em tese de um ou outo delito. 8. Em resumo, denúncia narra de forma clara a prática de fraude ao caráter competitivo da licitação, crime formal, bem como o dano ao erário, de modo a permitir que o paciente defenda-se dos fatos descritos. Ademais, magistrado não está adstrito à capitulação jurídica feita pelo Ministério Público, razão pela qual seria absolutamente precipitada qualquer decisão do STJ acerca do delito efetivamente praticado, bem como sobre o concurso de crimes, antes mesmo de o Tribunal Estadual analisar as provas constantes dos autos. 9. Ordem denegada. (STJ - HC 341341 / MG – Rel. Min. Joel Ilan Paciornik – Dje 30/10/2018)” Aliás, a sentença apelada já afastou de maneira fundamentada referida preliminar suscitada pela defesa “Afasto a desclassificação pedida pela defesa do Teophilo Barboza Massi, para a conduta prevista no inc. XI do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/1967. Imputa-se a ele o delito de fraudar o caráter competitivo da licitação, conduta não prevista no tipo penal para o qual pretende a desclassificação, que vem vazado nos seguintes termos: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; Vê-se, portanto, que o tipo penal em questão pune a conduta de deixar de realizar o procedimento licitatório, e não de fraudar o seu caráter competitivo. Ademais, o advento da Lei nº 8.666/1993 trouxe tutela penal própria para incriminação das condutas delituosas praticadas no bojo das licitações e contratações públicas. Assim, pelo princípio da especialidade, aplica-se o preceito penal contido na Lei de Licitações, e não o genérico previsto no Decreto-Lei nº 201/1967. Seria um contrassenso jurídico considerar que os prefeitos municipais estariam sujeitos a disciplina penal diferenciada, não só em relação aos agentes que não ocupam cargos públicos, mas até mesmo em relação aos governadores de Estado, por exemplo.” Também o Ministério Público Federal ressaltou, em seu parecer (ID 260064281), in verbis: “Ora, como se sabe, desde a entrada em vigor da Lei nº. 8.666/93, os prefeitos municipais passaram a estar sujeitos, na área das licitações, às sanções penais definidas nos artigos 89 a 99 desta legislação específica. Desse modo, conforme bem destacado pelo Parquet Federal em suas contrarrazões de apelação, sendo caracterizada conduta delitiva no bojo de procedimento licitatório, seja ela qual for, devem incidir na hipótese os tipos penais previstos na respectiva lei de regência sempre que existir a possibilidade de aplicação tanto de dispositivo da Lei de Licitações quanto de outra norma sobre o mesmo tema, principalmente quando aquela também é cronologicamente posterior a esta, como é o caso do Decreto-Lei nº. 201/1967, sob pena de violentar o princípio da especialidade (ID 258399935).” Por tais razões, afasto a preliminar de nulidade aventada pela defesa. II – Preliminar de alegação da ocorrência de abolitio criminis em relação à conduta tipificada no art. 90 da Lei 8.666/93 com a entrada em vigor da Lei n. 14.133/2021. Diversamente do quanto sustenta a defesa, verifica-se a continuidade típico normativa da conduta imputada, anteriormente prevista no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, atualmente no artigo 337-F do Código Penal, conforme bem pontuou o Parquet federal em seu parecer (ID 260064281), Frustração do caráter competitivo de licitação Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa. Como se pode verificar dos dispositivos legais transcritos, não houve abolitio criminis como alega a defesa, uma vez que o artigo 90 da Lei de Licitações continuou a ser típico penalmente, mas sob o enquadramento previsto no artigo 337-F do Código Penal. Verifica-se apenas que a redação do delito do artigo 337-F do Código Penal dada pela Lei nº 14.133 excluiu a locução típica "mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente". Além disso, considerando que a pena prevista no Código Penal é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, ou seja, muito superior àquela prevista na Lei de Licitações, sendo, portanto, uma novatio legis in pejus, permanece sendo aplicável ao caso objeto dos presentes autos a lei vigente ao tempo dos fatos, qual seja, a Lei 8.666/93. III – DO MÉRITO Compulsando os autos, tenho que a autoria e materialidade com relação aos apelantes Júlio Cesar Stiimer e Paulo Márcio Amorim Barbosa, restaram devidamente comprovadas e bem fundamentadas na sentença apelada. Vejamos. Descrevo o conjunto probatório, que foi bem detalhado na sentença recorrida (ID 258399871), in vebis: “(...) Compulsando os autos, vejo que o Município de Corguinho/MS lançou a Tomada de Preços nº 6/2010 (ID 34477652) visando à construção de uma unidade de ensino infantil pelo Programa Pró-Infância, com o valor estimado de R$ 1.313.265,75, a serem custeados, em sua maior parte, pelo Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), mediante celebração de convênio (p. 3/14 do ID 34477652). Cinco empresas retiraram cópia do edital (p. 90/94 do ID 34477652), mas apenas 3 apresentaram documentação técnica: Cação & Stiirmer Ltda., AJL Construções Ltda. e Construtora Paulo Barbosa Ltda. (p. 95/96, idem), tendo essas duas últimas sido inabilitadas pela Comissão de Licitação. A Comissão Permanente de Licitação do Município de Corguinho declarou vencedora do certame a empresa Cação & Stiirmer Ltda., que apresentou preço global de R$ 1.305.906,18, o qual foi considerado compatível com os valores praticados no mercado (p. 3 do ID 34472358), resultado que foi homologado pelo então Prefeito, o réu Teophilo Barboza Massi (p. 4, idem), adjudicando-se o objeto da Tomada de Preços à mencionada empresa (p. 5, idem). Fiscalização realizada pela CGU, no entanto, apontou algumas irregularidades no procedimento licitatório. Em primeiro lugar, e ao contrário do consignado pela CPL Corguinho/MS na ata de abertura das propostas comerciais dos licitantes, havia um sobrepreço estimado de R$ 60.616,46 em alguns itens do orçamento apresentado, quando cotejado com os valores constantes do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), de observância obrigatória por todos aqueles beneficiados com a descentralização de recursos públicos federais, nos termos da LDO 2008 (Lei 11.768/2008, art. 109), vigente para o caso (p. 8/9 do ID 29619966). Também foram constatados indícios que colocam em dúvida o efetivo caráter competitivo da licitação em comento. A equipe de auditoria constatou que o endereço em que, teoricamente, estaria estabelecida a vencedora do certame, não existia (p. 9/10, idem). Também constatou a existência de vínculos familiares entre servidores da Prefeitura e a empresa Cação & Stiirmer Ltda., sendo que uma das sócias-proprietárias, Jalusa Barbosa Cação Stiirmer, também era funcionária lotada na Secretaria Municipal de Educação, à qual a obra estaria vinculada (p. 10, idem). Valério Correia Salgado, funcionário da Prefeitura, também prestou serviços para a Cação & Stiirmer, apresentando-se como responsável pela obra (p. 10/11, idem). As investigações constataram, ainda, que os réus Teophilo Barboza Massi, então Prefeito Municipal, e Paulo Marcio Amorim Barbosa, sócio-administrador de uma das concorrentes desclassificadas, a Construtora Paulo Barbosa Ltda., além de Jalusa Barbosa Cação Stiirmer, cônjuge do outro acusado, Julio Cesar Stiirmer e também administrador da concorrente vencedora do certame, a Cação & Stiirmer Ltda., são primos entre si. Por fim, foram encontrados em um notebook apreendido na sede da Construtora Paulo Barbosa Ltda., minutas eletrônicas de documentos em nome da Cação & Stiirmer Ltda. que, posteriormente, se constatou se tratar daqueles efetivamente apresentados no procedimento licitatório, a saber: etiquetas dos envelope da documentação técnica e da proposta de preços, planilhas orçamentárias, propostas comerciais (tais documentos foram impressos e juntados aos autos físicos, atualmente correspondendo às p. 11/39 do ID 29620357). Cristiano Cunha Ayres, agente de polícia federal, declarou em Juízo que participou da fase de investigação, fazendo diligências veladas no município. Relatou que, em conversas com populares, escolhidos aleatoriamente, ouviu comentários de que existiam favorecimentos nas licitações do Município de Corguinho/MS. Relatou que as diligências propiciaram indícios que permitiram a continuidade das investigações. Geraldo Antonio Silva de Oliveira, servidor da CGU, participou das fiscalizações que deram origem à presente ação penal, tendo auditado a construção da creche em questão. Realizou análise documental e efetuou trabalhos de campo. Foram detectadas algumas irregularidades na planilha de custos da licitante vencedora, alguns valores eram superiores à Tabela Sinapi. Marcelo do Carmo Barbosa, servidor do SAE Corguinho, declarou que era membro da Comissão Permanente de Licitação da prefeitura, na época dos fatos. Relatou que poucas empresas de fora da cidade se interessavam em participar das licitações. A vencedora do certame, Cação & Stiirmer, tem sede em Corguinho, e seu representante é o acusado Julio Cesar. Desconhece fatos que desabonem a sua conduta. A Construtora de Paulo Marcio tem sede em Campo Grande. Já tinha ouvido falar que os donos das empresas eram parentes, sendo fato de conhecimento público no Município. A creche em questão está montada, mas não está em funcionamento ainda. Renato Franco do Nascimento relatou que era servidor público municipal, sendo lotado no setor de licitações. Na época dos fatos, provavelmente presidia a CPL. A licitação foi feita na modalidade Tomada de Preços, em razão do valor, tendo sido publicada nos diários oficiais. O acusado Teophilo era prefeito na época, mas não comparecia no Setor de Licitações, tampouco ele ou seus Secretários fizeram ingerências. Corguinho é um município muito pequeno e tinha um histórico de atrasos nos pagamentos, razão porque poucas empresas se interessavam em participar das licitações. A creche em questão foi um projeto oriundo do FNDE, que repassava aos municípios o dinheiro e o encargo de realizar a licitação. A creche está inacabada, embora falte pouca coisa para a conclusão da obra. A empresa Cação & Stiirmer é antiga no município, e executa serviços já há muito tempo, construção de pontes e edifícios. Está localizada no município, na área central. Teve conhecimento da Operação Teto de Vidro, e das buscas e apreensões, mas só ficou sabendo da apreensão do notebook na Construtora Paulo Barbosa posteriormente. Disse não se lembrar de quantos licitantes participaram do certame e se recordar vagamente da AJL. Relatou conhecer o acusado Paulo Marcio, mas não sabia das suas relações de parentesco com os demais acusados. Jalusa é funcionária da prefeitura, mas também não sabia que tinha relação de parentesco com os acusados. Relatou que as licitações de obras públicas se iniciavam no setor de engenharia, com elaboração do projeto e da estimativa do custo, vindo posteriormente para a CPL realizar a licitação. No caso em questão, utilizou-se a modalidade Tomada de Preços, tendo havido as devidas publicações, acreditando que, por se tratar de recursos do FNDE, houve publicação inclusive no DOU. Pelo que se recorda, os envelopes com a documentação e a proposta de preços foram entregues na hora pelos participantes. José Luiz Saad relatou que participou da licitação, pela Construtora Paulo Barbosa, a qual transcorreu normalmente. Chegou ao local cerca de meia hora antes do início e aguardou. Foi chamado à sala em que os envelopes com a documentação e as propostas seriam abertos. Negou que tenha havido fraude. Surpreendeu-se com a desclassificação. Houve algum problema com o registro do balanço. Participa de licitações desde 1982, sendo que jamais teve algum problema. Não se recorda se participou de algum outro certame anterior em que a Cação & Stiirmer também estivesse concorrendo. Relatou que a Construtora Paulo Barbosa venceu 5 licitações para construção de creches pelo programa do FNDE, mas em todas tiveram prejuízo, devido ao atraso no repasse dos recursos. Julio Cesar Stiirmer alegou, em seu interrogatório judicial, que não são verdadeiras as acusações feitas a ele. Relatou que, após o surgimento do assunto relativo à construção de uma creche no município, aguardou e obteve o edital. Por não ter experiência e não saber lidar com a ferramenta, pediu ao Paulo Barbosa para que elaborasse a planilha, serviço pelo qual teria pago. Ficou surpreso quando o viu, no dia da licitação, também participando do certame, pois não sabia que ele também tinha interesse. Não se recorda, mas parece que a Construtora Paulo Barbosa foi desclassificada. Explicou que, por se tratar de município pequeno, as relações de parentesco são comuns. O acusado Teophilo é primo de sua esposa, mas não teve qualquer interferência na licitação. A obra foi realizada e inaugurada pelo prefeito subsequente. O réu teve prejuízo com a obra, pois não recebeu o pagamento integral pelos serviços prestados. Paulo Barbosa é engenheiro, contratava ele para elaborar as planilhas da Cação & Stiirmer, pois o depoente não tem a formação adequada. Pagava pelo serviço. As planilhas são pré-preenchidas com os preços da Tabela Sinapi, pelo órgão repassador dos recursos, e cada licitante os altera, não podendo ultrapassar aquele valor. Paulo Barbosa, em seu interrogatório judicial, relatou que Júlio Stiirmer o procurou porque tinha montado uma empresa ou tinha assumido a administração de uma empresa de seu sogro, e não tinha muita experiência no ramo. O depoente trabalha com obras públicas há muito tempo. Júlio trabalhava apenas com pontes de madeira, e não com construção civil. Júlio lhe pediu para que elaborasse a planilha da creche, pagando por este serviço. Tais planilhas são complexas, possuem mais de 500 itens, tem o cronograma físico-financeiro ainda. Elaborou a planilha e entregou a ele, de modo que ele pudesse alterar os valores, de acordo com suas possibilidades. Acredita que Júlio desconhecia o fato de que ele, depoente, também participaria da licitação. De início não pensava em concorrer, mas como se tratava de uma obra grande, e como Júlio era inexperiente, achou que poderia ganhar, Júlio poderia esquecer um documento ou uma declaração. O acusado Teophilo não participou, nunca fez obra para ele. Participou somente porque sabia que os recursos viriam do FNDE. O depoente é primo de Jalusa, que é esposa de Júlio Cesar, tendo conhecido este por intermédio dela. Perguntado pelo MPF quanto ao fato de ter declarado na polícia que conhecera Júlio em uma licitação, disse não se lembrar de tal depoimento. Relatou que não dissera na polícia que era primo de Jalusa porque não lhe fora perguntado. Explicou que os valores do orçamento já vem pré-preenchidos, do Sinapi. Com o BDI é que o concorrente cria seu preço. Declarou que não sabia qual seria o preço apresentado por Júlio Cesar, porque ele poderia mudar os valores da planilha. Declarou não ter percebido qualquer atuação de Teophilo para beneficiar Julio Cesar. Os preços foram baseados na Tabela Sinapi, preços que não podem ser superados. Teophilo Barboza Massi, em seu interrogatório, explicou que houve de fato uma licitação para a construção de uma creche no Município. Não tem conhecimento se houve direcionamento ou conluio. As empresas já trabalhavam há anos prestando serviços para o Município. O Município contava com uma CPL, o procedimento foi realizado de forma regular. Confirmou que Julio Cesar é casado com sua prima, e que Paulo Barbosa é seu primo. Relatou que se elegeu como vereador em 2008 e assumiu interinamente a prefeitura em 2009. A empresa Cação & Stiirmer já prestava serviços, em mandatos anteriores, há muitos anos, na área de construção e reforma. Paulo Barbosa também prestou serviços anteriormente. Algumas empresas participaram da licitação, mas não se recorda quais. Não soube dizer porque foram encontrados documentos em tese pertencentes à Cação & Stiirmer na Construtora Paulo Barbosa, foi uma surpresa para ele. A obra ficou pendente, mas depois foi concluída. (...)” Apesar da existência de vínculo familiar entre os participantes não ser suficiente, por si só, para caracterizar o conluio entre as partes, existem elementos outros suficientes para caracterizar tal conluio entre Julio e Paulo, respectivamente, representantes das empresas Cação & Stiirmer e Construtora Paulo Barbosa Ltda. Vejamos, in verbis (ID 258399871): “Fiscalização realizada pela CGU, no entanto, apontou algumas irregularidades no procedimento licitatório. Em primeiro lugar, e ao contrário do consignado pela CPL Corguinho/MS na ata de abertura das propostas comerciais dos licitantes, havia um sobrepreço estimado de R$ 60.616,46 em alguns itens do orçamento apresentado, quando cotejado com os valores constantes do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), de observância obrigatória por todos aqueles beneficiados com a descentralização de recursos públicos federais, nos termos da LDO 2008 (Lei 11.768/2008, art. 109), vigente para o caso (p. 8/9 do ID 29619966). Também foram constatados indícios que colocam em dúvida o efetivo caráter competitivo da licitação em comento. A equipe de auditoria constatou que o endereço em que, teoricamente, estaria estabelecida a vencedora do certame, não existia (p. 9/10, idem). Também constatou a existência de vínculos familiares entre servidores da Prefeitura e a empresa Cação & Stiirmer Ltda., sendo que uma das sócias-proprietárias, Jalusa Barbosa Cação Stiirmer, também era funcionária lotada na Secretaria Municipal de Educação, à qual a obra estaria vinculada (p. 10, idem). Valério Correia Salgado, funcionário da Prefeitura, também prestou serviços para a Cação & Stiirmer, apresentando-se como responsável pela obra (p. 10/11, idem). As investigações constataram, ainda, que os réus Teophilo Barboza Massi, então Prefeito Municipal, e Paulo Marcio Amorim Barbosa, sócio-administrador de uma das concorrentes desclassificadas, a Construtora Paulo Barbosa Ltda., além de Jalusa Barbosa Cação Stiirmer, cônjuge do outro acusado, Julio Cesar Stiirmer e também administrador da concorrente vencedora do certame, a Cação & Stiirmer Ltda., são primos entre si. Por fim, foram encontrados em um notebook apreendido na sede da Construtora Paulo Barbosa Ltda., minutas eletrônicas de documentos em nome da Cação & Stiirmer Ltda. que, posteriormente, se constatou se tratar daqueles efetivamente apresentados no procedimento licitatório, a saber: etiquetas dos envelope da documentação técnica e da proposta de preços, planilhas orçamentárias, propostas comerciais (tais documentos foram impressos e juntados aos autos físicos, atualmente correspondendo às p. 11/39 do ID 29620357).” As irregularidades encontradas pela CGU foram confirmadas pela testemunha Geraldo Antônio Silva de Oliveira, servidor da CGU, em juízo, conforme descrito acima. Incontroverso é o fato de que um notebook foi apreendido na sede da Construtora Paulo Barbosa, com minutas eletrônicas de documentos em nome da Cação & Stiirmer, relativos à licitação objeto da presente ação penal, tendo em vista que foi admitido pelas próprias partes diretamente envolvidas, quais sejam, os acusados Julio Cesar Stiirmer e Paulo Marcio Amorim Barbosa. Além disso, posteriormente foi constatado que essas minutas eletrônicas correspondiam exatamente aos documentos apresentados pela Cação & Stiirmer na Tomada de Preços nº 6/2010, os quais foram impressos e juntados aos autos (p. 11/39 do ID 29620357). A versão apresentada tanto por Julio Cesar quanto por Paulo Barbosa, no sentido de que aquele contratou os serviços deste, para elaborar as planilhas orçamentárias que deveriam ser apresentadas na proposta, sob o argumento de que Julio Cesar não tinha experiência com esse tipo de documento eletrônico, não é crível. Isso porque, como bem salientado na sentença apelada, não há qualquer registro da formalização desse “negócio” (contratação de Paulo Barbosa para elaborar a planilha de preços para Julio Stiirmer), como um contrato, recibo de pagamento, comprovante do efetivo pagamento (cheque, transferência bancária, etc.). Some-se a isso o fato de a Construtora Paulo Barbosa também ter participado do mesmo procedimento licitatório, cujo representante legal já sabia dos preços que seriam praticados pelo concorrente, e ainda assim ter sido estranhamente desclassificada, considerando o fato de ter experiência em participar de licitações públicas. Também não convence a explicação de Paulo, no sentido de que Julio poderia fazer as modificações que entendesse adequadas nos preços, não havendo como saber qual seria o valor final que ele ofereceria. Primeiro porque, como bem ressaltado na sentença recorrida, os exames posteriores revelaram que a planilha de preços apresentada pela Cação & Stiirmer foi exatamente aquela encontrada no equipamento de informática apreendido na Construtora Paulo Barbosa, sem qualquer alteração de valores. Segundo porque, conforme se extrai do depoimento do então prefeito e corréu Teophilo, Julio Cesar já prestava serviços há muito tempo para o Município de Corguinho e, portanto, não seria plausível que encontrasse dificuldade em preencher uma planilha de preços, mesmo se tratando de obra pública de porte maior do que o usualmente praticado na municipalidade. Além disso, Paulo Barbosa declarou em seu interrogatório que a planilha já vinha pré-preenchida pelo FNDE, ou pelo menos que os valores estimados já vinham indicados pelo órgão repassador dos recursos, com base nos preços constantes da Tabela Sinapi, e que os licitantes poderiam tanto alterar os valores dos insumos, como aumentar ou diminuir os valores que compõem o BDI. Portanto, tudo indica que Julio não precisaria da ajuda de Paulo para preencher referida planilha. Por fim, dentre os documentos eletrônicos que constavam do notebook apreendido na Construtora Paulo Barbosa, em nome da Cação & Stiirmer, constavam as etiquetas dos envelopes da documentação técnica e da proposta comercial. Assim, tenho claro que todas essas circunstâncias realmente demonstram que os apelantes Julio Cesar e Paulo Barbosa se conluiaram para fraudar o caráter competitivo da licitação, o que é corroborado pela desclassificação da Construtora Paulo Barbosa por falha na documentação técnica, fato bastante atípico, como já ressaltado na sentença apelada, considerando que tanto Paulo Barbosa, como seu funcionário José Luiz Saad, afirmaram que participavam de licitações públicas há muitos anos (desde 1982), ou seja, eram pessoas experientes a ponto de não incidir em simples equívoco, como a falta de apresentação de balanço registrado (como relatado por José Luiz, em seu depoimento judicial). Sem razão a defesa, ainda, quando alega em suas razões recursais, que não estaria configurado o crime descrito no art. 90 da Lei 8.666/90, pois, mesmo que fosse verdadeira a ocorrência do conluio entre duas empresas (por meio de seus representantes Julio e Paulo), não teria como “eliminar a competição”, pois havia uma terceira empresa participando do procedimento licitatório. Sendo assim, não haveria como apenas duas, das três empresas participantes, fraudarem o caráter competitivo. Ocorre que, segundo a doutrina, não é necessário que haja frustração ou fraude que comprometa a eficácia total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos. Nesse sentido, é o ensinamento de Marçal Justen Filho, in verbis: “(...) A segunda modalidade (fraudar) envolve o ardil pelo qual o sujeito impede a eficácia da competição. A Lei refere-se expressamente ao ajuste ou combinação. Normalmente, essa hipótese concretiza-se quando diversos licitantes arranjam acordo para determinar a vitória de um deles. Porém, são criminalmente reprováveis também acordos “parciais”, nos quais os licitantes estabeleçam condições “paralelas” às previstas no ato convocatório. Não é necessário que haja frustração ou fraude que comprometa a eficácia total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos. O crime aperfeiçoa-se inclusive quando o acordo se destina a excluir da disputa participantes potenciais e inexistir uma definição prévia sobre qual dos contratantes será o vencedor. (...)” ( in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos Lei 8.666/93, 17ª edição RT , pág. 1407). Portanto, ainda que o conluio tenha sido parcial, entre duas das três empresas participantes, não há que se falar na descaracterização do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/90. Finalmente, cumpre ressaltar que, conforme entendimento jurisprudencial pacífico, não se exige o dolo específico de fraudar a licitação, bastando para tanto a demonstração de dolo genérico. Nesse sentido, encontra-se pacífico na Jurisprudência, sobretudo após a edição da Súmula 645 do Superior Tribunal de Justiça que “o crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção da vantagem”. Significa dizer que o delito em tela se consuma com a prática de qualquer ato voltado à frustração ou à fraude do caráter competitivo de uma licitação, não se exigindo a efetiva obtenção da vantagem decorrente da adjudicação, nem tampouco que se demonstre o prejuízo ao erário (Cf. TRF 3ª Região, APELAÇÃO CRIMINAL 0001153- 61.2018.4.03.6000, Relator: Desembargador Federal José Lunardelli, 11ª Turma, Data do Julgamento: 30/05/2022, Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema DATA: 02/06/2022). Ademais, como constou nas contrarrazões ministeriais (ID 258399935), “embora a obra tenha sido inaugurada pela gestão seguinte, segundo informado pelo membro do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul que realizou a audiência de 28/11/2018, designada em cumprimento a carta precatória deprecada ao Juízo da Comarca de Rio Negro/MS para a colheita de depoimentos de testemunhas de defesa, a obra não apresenta condições de ser utilizada, encontrando-se inacabada, o que reforça o prejuízo ao erário e à população local”. Por tais razões, verifico que a sentença apelada demonstrou adequadamente a materialidade e autoria delitivas no tocante aos apelantes Júlio e Paulo, razão pela qual a condenação com relação a eles deve ser mantida, nos termos da fundamentação da sentença recorrida. Já quanto ao apelante Teóplhilo, entendo que não foram produzidas provas suficientes a indicar sua participação na conduta delitiva. Vejamos. A sentença apelada, condenou referido apelante com a seguinte fundamentação, in verbis: “Quanto ao acusado Teóphilo, tenho para mim que, não só tinha ciência da fraude, como dela participou. Os documentos em nome da Cação & Stiirmer, que posteriormente foram apresentados na licitação, foram encontrados na Construtora Paulo Barbosa, que é primo de Teóphilo. A Construtora Paulo Barbosa também participou da licitação, tendo sido desclassificada por irregularidade documental (apresentação de demonstrativo contábil, balanço, não registrado, segundo se recordou José Luiz Saad). Tais circunstâncias induzem presunção de que Paulo Barbosa elaborou as propostas tanto da sua empresa, a Construtora Paulo Barbosa, como a da Cação & Stiirmer. Tendo sido desclassificada do certame de forma pouco usual para quem, no dizer do próprio Paulo Barbosa, tinha vasta experiência com licitações, tudo leva a crer que participou da licitação unicamente para tentar dar ares de competitividade ao certame. Ocorre que tais circunstâncias são, no mínimo estranhas, pois, o usual é que aquele que elabora a documentação forjada, tanto a sua como de terceiros, é o interessado em obter, de forma ilícita, o objeto da licitação. Entretanto, a Construtora Paulo Barbosa sequer foi habilitada no processo licitatório. Ou seja, porque forjar a documentação, sua e da Cação & Stiirmer, se essa é quem se saiu vitoriosa? Todas essas circunstâncias indicam que o conluio foi armado entre os 3, com a finalidade de fazer com que a Cação & Stiirmer vencesse a licitação, pois Julio Cesar era o único que não tinha relação de parentesco direta com os demais (Teóphilo e Paulo Barbosa tanto são primos entre si, como primos da esposa de Julio Cesar, Jalusa, que também é servidora da Prefeitura de Corguinho), conduta esta que contou com a participação ativa de todos. Até porque, toda a documentação da licitação teria que passar por Teóphilo, a quem caberia, ao fim e ao cabo, finalizar todo o processo e efetivamente entregar o objeto do certame a Julio Cesar. Não é crível, portanto, que nada soubesse, principalmente pela relação de parentesco que mantém com os demais acusados. Por fim, relembro que a outra concorrente, Construtora AJL, também foi desclassificada, ou seja, não houve, efetivamente, qualquer tipo de competição. As teses aventadas pelas defesas não podem ser acolhidas. O delito em questão é formal e se consuma no momento em que se adotam, no bojo do procedimento licitatório, expedientes fraudulentos tendentes a frustrar o seu caráter competitivo, o que se deu com a abertura dos envelopes contendo a documentação técnica e a proposta comercial, independentemente da efetiva ocorrência de prejuízo ao erário (veja-se que o tipo penal diz, claramente, “com o intuito de obter a vantagem...”). As circunstâncias do caso indicam o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar a conduta, da parte dos acusados, já que foram utilizados expedientes elaborados e dissimulados tendentes a frustrar o caráter competitivo da licitação, de modo que o seu objeto fosse adjudicado à Cação & Stiirmer, com vantagem para todos os envolvidos. O pedido constante da denúncia é procedente.” Negritei Diferentemente do Juízo a quo, entendo não existirem provas suficientes para a condenação do então Prefeito, Teophilo. Vejamos. Teophilo Barboza Massi, em seu interrogatório, “explicou que houve de fato uma licitação para a construção de uma creche no Município. Não tem conhecimento se houve direcionamento ou conluio. As empresas já trabalhavam há anos prestando serviços para o Município. O Município contava com uma CPL, o procedimento foi realizado de forma regular. Confirmou que Julio Cesar é casado com sua prima, e que Paulo Barbosa é seu primo. Relatou que se elegeu como vereador em 2008 e assumiu interinamente a prefeitura em 2009. A empresa Cação & Stiirmer já prestava serviços, em mandatos anteriores, há muitos anos, na área de construção e reforma. Paulo Barbosa também prestou serviços anteriormente. Algumas empresas participaram da licitação, mas não se recorda quais. Não soube dizer porque foram encontrados documentos em tese pertencentes à Cação & Stiirmer na Construtora Paulo Barbosa, foi uma surpresa para ele. A obra ficou pendente, mas depois foi concluída" (ID 258397913). Não há qualquer prova concreta no sentido de que o apelante Teophilo tenha participado do conluio entre as empresas de Julio e Paulo. Além disso, a testemunha Renato Franco do Nascimento, servidor público municipal que à época dos fatos presidia a CPL, ouvida em juízo, relatou que “o acusado Teophilo era prefeito na época, mas não comparecia no Setor de Licitações, tampouco ele ou seus Secretários fizeram ingerências” De outra parte, o fato de a testemunha Cristiano Cunha Ayres, agente de polícia federal, ter declarado em Juízo que participou da fase de investigação, fazendo diligências veladas no município e que, em conversas com populares, escolhidos aleatoriamente, ouviu comentários de que existiam favorecimentos nas licitações do Município de Corguinho/MS, não é suficiente para fazer qualquer prova em desfavor do apelante Teophilo, uma vez que é comum esse tipo de comentário, no mandato de qualquer Prefeito, entre os populares. Além disso, nem se sabe de quem ouviu dizer. Portanto, além do vínculo familiar entre Teophilo e um dos participantes da licitação, o que não é tão incomum em cidades pequenas como a de Corguinho, e o fato de ter homologado o resultado do procedimento licitatório, o que necessariamente faz parte das suas atribuições como Prefeito, não existem outros elementos capazes de demonstrar o dolo na conduta delitiva do referido apelante. Ou seja, não foi demonstrado pela acusação que este tenha aderido de forma dolosa na conduta dos outros dois corréus. Destarte, não obstante seja provável que o recorrente Teophilo tenha praticado os fatos narrados na denúncia, inafastável a conclusão de que a acusação não se desincumbiu de seu ônus de comprovar, judicialmente, o dolo em sua conduta de homologar o resultado do procedimento licitatório. Isso porque, independentemente de quem fossem as partes licitantes, caberia a ele, como Prefeito, a homologação do certame. Portanto, não pode ser condenado pelo simples fato de praticar uma das atribuições do cargo que ocupava, sem provas no sentido de que o fez com a vontade e consciência de aderir ao conluio praticado pelas partes licitantes. Em vista de tais elementos, tem-se que a autoria delitiva não restou demonstrada em juízo, pelo que a sentença condenatória deve ser reformada, para absolver TEOPHILO BARBOZA MASSI, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal. Faço um apontamento que me parece da maior relevância, conquanto seja de geral sabença. Uma condenação, em especial na esfera criminal, deve estar lastreada em certeza, tanto no que se refere à ocorrência concreta de conduta típica (sob o prisma objetivo e sob o prisma subjetivo, e analisada eventual insignificância jurídico-penal do fato) nos termos da denúncia, quanto no que tange à autoria e à inexistência de excludentes de qualquer espécie. Um mero juízo de probabilidade, ainda que esta possa ser considerada "acentuada", "muito real", ou dotada de outras qualificações símiles, não basta para a condenação criminal de um réu, que apenas se legitima juridicamente frente a um juízo de certeza, devidamente escorado em conjunto fático-probatório coeso e firme no sentido da eventual condenação. Inexistindo prova judicial que demonstre a autoria delitiva de forma indene de dúvida, não há que se falar em condenação de TEOPHILO BARBOZA MASSI, pois a dúvida deve ser revertida em favor do réu, em observância ao princípio do in dubio pro reo. DOSIMETRIA DAS PENAS A dosimetria das penas de JÚLIO e PAULO foi assim fundamentada na sentença apelada, in verbis: Aplicação da pena Dosimetria À falta de um regramento específico, adota-se o critério trifásico, previsto no art. 68 do Código Penal, para o cálculo da pena privativa de liberdade. (...) Julio Cesar Stiirmer A culpabilidade, juízo de reprovação que se faz pela opção que o agente escolheu, não desborda do quanto já foi sopesado pelo legislador, ao fixar o limite inferior da pena. Não constam dos autos anotações penais que possam ser valoradas como maus antecedentes. Não há elementos por meio dos quais se possa avaliar negativamente sua personalidade e sua conduta social. Não se denota uma motivação especial configuradora de um agravamento da conduta, desbordante do que é normal à espécie. Nada a acrescentar, também, a título de circunstâncias do delito. Como no caso do acusado anterior, as consequências são negativas, já que a conduta delituosa promoveu a imobilização de substancial montante de recursos públicos, que são escassos, sem que a obra, de inegável importância social, tenha até hoje gerado os benefícios que dela se esperavam. Quanto ao comportamento da vítima, o FNDE, em nada contribuiu para o cometimento do ilícito. Ante a presença de uma circunstância desfavorável, mas considerando que é relevante, inclusive do ponto de vista social, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão, parâmetro que considero suficiente e necessário para a prevenção e reprovação do crime, nas circunstâncias em que se deu, a qual torno definitiva, ante a ausência de agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes. Aplicando o princípio da proporcionalidade, como feito em relação ao réu anterior, fixo o número de dias-multa em 97. Também não há elementos que demonstrem, de forma segura, a renda do acusado, por ocasião do delito. No entanto, Julio Cesar é empresário do ramo da construção civil. Assim, utilizando-me dos mesmos critérios anteriores, também fixo o dia-multa em 1/6 do salário-mínimo então vigente, presumindo que este valor é, seguramente, o mínimo que o acusado tinha de rendimentos. Paulo Marcio Amorim Barbosa A culpabilidade, grau de reprovação da opção escolhida pelo acusado, é fator a agravar a pena. Paulo Barbosa participou ativamente da empreitada criminosa, dispondo-se a forjar os documentos a serem apresentados no certame licitatório, sendo que nem mesmo sua empresa se sagrou vencedora, o que mostra um grau de reprovação superior ao que ordinariamente se vê. Assim como em relação a Julio Cesar, nada há a valorar a título de antecedentes, personalidade, conduta social, motivos e circunstâncias do crime. As consequências, como já dito, refletem negativamente na pena a ser fixada, dada a falta de conclusão de uma obra de caráter social relevante para a população local. O comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do delito. Ante a presença de duas circunstâncias desfavoráveis, mas considerando que, ao menos uma delas é relevante do ponto de vista social, fixo a pena-base em 2 anos e 8 meses de reclusão, parâmetro que considero suficiente e necessário para a prevenção e reprovação do crime, nas circunstâncias em que se deu, a qual torno definitiva, ante a ausência de agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes. Aplicando o princípio da proporcionalidade, como feito em relação ao réu anterior, fixo o número de dias-multa em 126. Também não há elementos que demonstrem, de forma segura, a renda do acusado, por ocasião do delito, mas, assim como Julio Cesar, é empresário do ramo da construção civil, sendo de se supor que sua renda diária equivalia, no mínimo, a 1/6 do salário-mínimo então vigente, como no caso dos acusados anteriores. Regime inicial de cumprimento As circunstâncias judiciais (CP, art. 59) permitem que o regime inicial de cumprimento da pena seja o aberto para todos os acusados, a teor do que diz o art. 33, § 2º, alínea “c”, do CP, tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi fixada em patamar inferior a 4 anos. Substituição da pena Entendo cabível, tendo em conta o montante da pena aplicada e as demais circunstâncias do caso, a substituição das penas privativas de liberdade de todos os acusados por restritiva de direitos. O delito não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Também não se configurou a reincidência em crime doloso e, das circunstâncias judiciais, foram consideradas acima do padrão a culpabilidade, em relação a Paulo Barbosa, e as “consequências” do crime, para todos réus. Adicionalmente, considerou-se que Teóphilo Barbosa cometeu o crime com violação dos deveres de lealdade e probidade para com a Administração Pública. Ainda assim, penso que nada está a indicar que a substituição da pena privativa de liberdade não seja suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado. Ao contrário, trata-se, a meu viso, de medida socialmente adequada ao caso concreto, inclusive para a ressocialização dos condenados. Dessa forma, com fulcro no art. 44, § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade de cada um dos réus por 2 restritivas de direitos. Dentre as penas substitutivas previstas em lei, as circunstâncias do caso recomendam a aplicação da prestação de serviços à comunidade, em entidade a ser indicada pelo Juízo da Execução Penal, pelo período da pena privativa de liberdade, medida de inegável caráter ressocializante. Também é recomendável a aplicação da pena de prestação pecuniária em favor de entidade assistencial, a ser indicada pelo Juízo da Execução. Considerando as circunstâncias do caso, principalmente a ausência de demonstração de desvio dos recursos aplicados, penso ser adequado fixar a prestação pecuniária em 10 salários-mínimos vigentes na data de hoje para cada um dos apenados, a fim de não frustrar a possibilidade de cumprimento da pena, mas ao mesmo tempo retribuir o mal que causaram. Passo à análise da dosimetria dos apelantes. Julio Cesar Stiirmer Primeira fase da dosimetria Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi majorada de 2 anos para 2 (dois) anos e 06 (seis) de reclusão, que ora corrijo, de ofício, para detenção, em razão de uma circunstância judicial negativa, qual seja, consequências do delito. Para tanto, o Juízo a quo assim fundamentou: “as consequências são negativas, já que a conduta delituosa promoveu a imobilização de substancial montante de recursos públicos, que são escassos, sem que a obra, de inegável importância social, tenha até hoje gerado os benefícios que dela se esperavam”. Realmente, como constou das contrarrazões ministeriais (ID 258399935), “embora a obra tenha sido inaugurada pela gestão seguinte, segundo informado pelo membro do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul que realizou a audiência de 28/11/2018, designada em cumprimento a carta precatória deprecada ao Juízo da Comarca de Rio Negro/MS para a colheita de depoimentos de testemunhas de defesa, a obra não apresenta condições de ser utilizada, encontrando-se inacabada, o que reforça o prejuízo ao erário e à população local”. Além disso, em decorrência da fraude licitatória, o Município de Corguinho teve um prejuízo concreto no montante de R$ 60.616,46, conforme apurado pela Controladoria-Geral da União, referente ao valor do sobrepreço. Sendo assim, mantenho as consequências do crime como circunstância judicial desfavorável, entretanto, reduzo o percentual de majoração para 1/6 (um sexto), fixando a pena-base do apelante em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa. Ressalto que a pena de multa deve ser majorada de acordo com os mesmos critérios e na mesma proporção da pena privativa de liberdade. Mantido o valor unitário do dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo, nos termos da sentença recorrida. Segunda fase da dosimetria Ausentes agravantes e atenuantes, fica mantida a pena-base fixada na fase anterior. Terceira fase da dosimetria Ausentes causas de aumento e diminuição, a pena fica definitivamente estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fatos. Paulo Marcio Amorim Barbosa Primeira fase da dosimetria Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi majorada de 2 anos para 2 (dois) anos e 08 (oito) de reclusão, que ora corrijo, de ofício, para detenção, em razão de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, culpabilidade e consequências do crime. Como já dito acima, entendo que deve ser mantida a circunstância referente às consequências do crime como desfavorável ao apelante, pois como constou das contrarrazões ministeriais (ID 258399935), “embora a obra tenha sido inaugurada pela gestão seguinte, segundo informado pelo membro do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul que realizou a audiência de 28/11/2018, designada em cumprimento a carta precatória deprecada ao Juízo da Comarca de Rio Negro/MS para a colheita de depoimentos de testemunhas de defesa, a obra não apresenta condições de ser utilizada, encontrando-se inacabada, o que reforça o prejuízo ao erário e à população local”. Além disso, em decorrência da fraude licitatória, o Município de Corguinho teve um prejuízo concreto no montante de R$ 60.616,46, conforme apurado pela Controladoria-Geral da União, referente ao valor do sobrepreço. De outra parte, entendo que a culpabilidade do ora apelante foi normal à espécie, pois justamente a conduta de “forjar os documentos a serem apresentados no certame licitatório” foi o que caracterizou a fraude no caráter competitivo do certame, expressamente anuída por seu primo e então “concorrente”. Sendo assim, mantenho as consequências do crime como circunstância judicial desfavorável, entretanto, reduzo o percentual de majoração para 1/6 (um sexto), fixando a pena-base do apelante em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa. Ressalto que a pena de multa deve ser majorada de acordo com os mesmos critérios e na mesma proporção da pena privativa de liberdade. Mantido o valor unitário do dia-multa em 1/6 (um sexto) do salário mínimo, nos termos da sentença recorrida. Segunda fase da dosimetria Ausentes agravantes e atenuantes, fica mantida a pena-base fixada na fase anterior. Terceira fase da dosimetria Ausentes causas de aumento e diminuição, a pena fica definitivamente estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fatos. Fica mantido o regime inicial aberto para o início de cumprimento de pena de ambos os apelantes, nos termos da fundamentação da sentença apelada, bem como a substituição das penas privativas de liberdade dos apelantes por restritivas de direito. Do valor mínimo de indenização Verifico que houve pedido expresso na denúncia a respeito da condenação do valor mínimo de dano causado ao erário, referente ao sobrepreço calculado pela CGU, in verbis: “4. Do dano mínimo causado Para os fins do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, deverá ser considerado como valor mínimo do dano causado pelos denunciados o total de R$ 60.616,46 (f. 6 do IPL), o qual deverá ser devidamente atualizado (juros e correção monetária). 5. Do Pedido Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer o recebimento da presente denúncia e, após regular instrução, a condenação dos denunciados pela prática do crime acima descrito, incluindo-se a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados.” Se houve pedido expresso na denúncia, houve a oportunidade da defesa se defender durante todo o processo. Por tal razão, deve ser mantida a condenação do valor mínimo do dano ao erário. Dispositivo Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação de TEOPHILO BARBOZA MASSI, para absolvê-lo da imputação que lhe foi feita na denúncia, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal; DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de JULIO CESAR STIIRMER, apenas para reduzir o percentual de majoração da pena-base para 1/6 (um sexto), fixando sua pena definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, no regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fato; DOU PARCIAL PROVIMETNO à apelação de PAULO MARCIO AMORIM BARBOSA, apenas para excluir a culpabilidade como circunstância judicial negativa na primeira fase da dosimetria, e reduzir o percentual de aumento da pena-base para 1/6 (um sexto), fixando sua pena definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente na data dos fatos. Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, nos termos da sentença apelada, para ambos. É o voto.
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO DE JESUS MARQUES - MS4862-A
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RAFAEL DE MELO ALVES - MS7525-A
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – ARTIGO 90 DA LEI N. 8.666/93. PRELIMINAR DE NULIDADE SOB O ARGUMENTO DE QUE A CONDUTA NARRADA DEVE SER ENQUADRADA NO DECRETO-LEI 201/67 E NÃO NA LEI DE LICITAÇÕES – REJEITADA. ALEGAÇÃO DE ABOLITIO CRIMINIS. AFASTADA. CRIME DE LEI DE FRAUDE À LICITAÇÃO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. SÚMULA 645 STJ. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS COM RELAÇÃO AOS DOIS REPRESENTANTES DAS EMPRESAS QUE FIZERAM O CONLUIO PARA FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. CONLUIO PARCIAL NÃO DESCARACTERIZA O CRIME DO ARTIGO 90 DA LEI DE LICITAÇÕES. ABSOLVIÇÃO DO ENTÃO PREFEITO. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE TENHA ADERIDO DOLOSAMENTE AO CONLUIO DAS PARTES LICITANTES. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. DOSIMETRIA. REDUZIDO O PERCENTUAL DE AUMENTO DA PENA-BASE PARA 1/6 PARA AMBOS OS RÉUS. EXCLUÍDA A CULPABILIDADE NEGATIVA DE UM DOS RÉUS. MANTIDO REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. MANTIDA A CONDENAÇÃO NO VALOR MÍNIMO DE DANO CAUSADO AO ERÁRIO EM RAZÃO DE EXPRESSO PEDIDO NA DENÚNCIA. APELAÇÃO DE UM DOS RÉUS PROVIDAS PARA ABSOLVÊ-LO DA IMPUTAÇÃO DA DENÚNCIA. APELAÇÃO DOS DEMAIS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDAS APENAS PARA REDUZIR A PENA-BASE.
1. Preliminar de nulidade processual, sob o argumento de que a pretensa conduta narrada na denúncia deve ser enquadrada no art. 1º, inciso IV, do Decreto-lei n. 201/67, e não no art. 90 da Lei de Licitações. Ocorre que aquele pune a conduta de deixar de realizar o procedimento licitatório, e não de fraudar o seu caráter competitivo e, portanto, não se confundem. Além disso, o advento da Lei nº 8.666/1993 trouxe tutela penal própria para incriminação das condutas delituosas praticadas no bojo das licitações e contratações públicas. Assim, pelo princípio da especialidade, aplica-se o preceito penal contido na Lei de Licitações, e não o genérico previsto no Decreto-Lei nº 201/1967. Preliminar de nulidade rejeitada.
2. Alegação de abolitio criminis. Afastada. Diversamente do quanto sustenta a defesa, verifica-se a continuidade típico normativa da conduta imputada, anteriormente prevista no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, atualmente no artigo 337-F do Código Penal. Verifica-se apenas que a redação do delito do artigo 337-F do Código Penal dada pela Lei nº 14.133 excluiu a locução típica "mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente". Além disso, considerando que a pena prevista no Código Penal é de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, ou seja, muito superior àquela prevista na Lei de Licitações, sendo, portanto, uma novatio legis in pejus, permanece sendo aplicável ao caso objeto dos presentes autos a lei vigente ao tempo dos fatos, qual seja, a Lei 8.666/93.
3. O conjunto probatório demonstra a autoria e materialidade apenas em relação aos dois representantes das empresas licitantes que realizaram um conluio entre si, com a finalidade de fraudar o procedimento licitatório do qual participavam, com relação aos quais a condenação fica mantida.
4. Ausência de provas concretas de que o então Prefeito tenha aderido dolosamente ao conluio das partes licitantes, razão pela qual deve ser absolvido, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
5. Não é necessário que haja frustração ou fraude que comprometa a eficácia total da licitação. É suficiente que alguns dos aspectos do certame sejam atingidos, como no caso dos autos.
6. Encontra-se pacífico na Jurisprudência, sobretudo após a edição da Súmula 645 do Superior Tribunal de Justiça que “o crime de fraude à licitação é formal, e sua consumação prescinde da comprovação do prejuízo ou da obtenção da vantagem”. Significa dizer que o delito em tela se consuma com a prática de qualquer ato voltado à frustração ou à fraude do caráter competitivo de uma licitação, não se exigindo a efetiva obtenção da vantagem decorrente da adjudicação, nem tampouco que se demonstre o prejuízo ao erário.
7. Dosimetria das penas. Excluída a culpabilidade negativa de um dos apelantes. Mantida as consequências do crime como circunstância desfavorável para ambos os apelantes, entretanto, reduzido o percentual de aumento da pena-base para 1/6 (um sexto).
8. Mantido o regime inicial aberto e a substituição das penas privativas de liberdade por duas restritivas de direito, nos termos da sentença apelada.
9. Mantida a condenação no valor mínimo de dano causado ao erário, pois houve pedido expresso na denúncia.
10. Apelação do então prefeito provida para absolvê-lo da imputação que lhe foi feita na denúncia. Apelação dos demais réus parcialmente providas apenas para reduzir a pena-base.