Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO


Nº 

RELATOR: 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001785-85.2017.4.03.6109

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: GUSTAVO CANDIDO DE SOUSA

Advogado do(a) APELANTE: ADEMIR DE MATTOS - SP36445

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELADO: ANA LUIZA ZANINI MACIEL - SP206542-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação em sede de Embargos de Terceiro opostos por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA contra o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal (CEF), decorrente da constituição de hipoteca legal de 25% do imóvel descrito na matrícula nº 161, do 2º Cartório de Registro de Rio Claro/SP, nos autos da ação cautelar penal nº 0071055-56.2000.403.0399 (número original 96.1103876-3), na qual figurou como réu o genitor do ora embargante, VITOR LUÍS CÂNDIDO DE SOUZA , condenado na ação penal 0100142-43.1993.4.03.6109 como incurso nas penas do art. 312, caput, do Código Penal, por efetuar a liberação do pagamento a cheques sem fundos, em meados de 1987, na condição de gerente da CEF (denúncia recebida em 10.05.1994,  sentença publicada em 06.10.2000 e acórdão confirmatório de 18.08.2008, transitado em julgado em 10.12.2008 - ID 170513185 - Pág. 94/101).

 

Nos autos da mencionada ação cautelar penal, ajuizada em 18.12.1996 (ID 170513185 - Pág. 16), foi deferida a especialização de hipoteca legal objetivando a reparação de danos causados à Caixa Econômica Federal no importe de R$ 987.968,57 apurados em julho de 2003 (sentença prolatada em 26.10.2007 - ID 170513185 - Pág. 32/39), confirmando a liminar anteriormente expendida para a inscrição da hipoteca legal na matrícula do bem imóvel, cuja parte ideal constrita foi avaliada em R$ 20.000,00 (averbação realizada em 18.12.2003 - ID 170513185 - Pág. 54/55).

 

Na petição inicial (ID 170513185 - Pág. 4/10), recebida em 20.03.2017 (ID 170513185 - Pág. 77), o embargante narra que:

 

O casal proprietário de 25,00% ou 1/4 do referido imóvel, separou-se judicialmente, com sentença transitada em julgado em 23 de setembro de 1999, Processo de Separação Consensual n. 1665/1999, que tramitou pela R. Terceira Vara Cível da Comarca de Rio Claro (SP), (documento em anexo).

 

Conforme cláusulas da separação judicial transitada em julgado em 23 de setembro de 1999, o casal doou para o filho, Gustavo Cândido de Sousa, nascido em 25 de novembro de 1980, ora embargante, a parte ideal de 25,00 % (vinte e cinco por cento) que detinha sobre o imóvel objeto de matrícula 161, do 2° Oficio de Registro de Imóveis de Rio Claro, Estado de São Paulo (documento em anexo).

 

Cumpre esclarecer que, muito embora na Certidão de Matricula Imobiliária 161, do 2° Oficio de Registro de Imóveis de Rio Claro (SP), estivesse, desde 19 de novembro de 1986, averbada a compra de 25,00% (vinte e cinco por cento) do imóvel residencial da Rua 02 n. 1.865, em Rio Claro (SP), em nome do casal, a Sra. Rosangela Pacheco de Oliveira Cândido de Sousa — RG. 7.860.467 — SSP SP e CPF n. 820.869.458-53, ex-esposa de Sr. Vitor Luis Cândido de Sousa e mãe do embargante, e que era detentora, até então, de 50,00% da parte ideal de 25,00%, nunca foi intimada da intenção de estabelecimento da Hipoteca Legal ou de seu deferimento. (documento anexo).

 

Somente tomou conhecimento da averbação da HIPOTECA LEGAL sobre a parte ideal do imóvel, ao solicitar a Certidão Imobiliária da matrícula 161, 2° Oficial de Registro de Imóveis de Rio Claro, e constatar o gravame constituído através de Averbação n. R-5-161, de 18 de dezembro de 2003, (documento em anexo).

 

Ocorre que, como já mencionado, a parte ideal pertencente a Vitor Luis Candido de Sousa e Rosangela Pacheco de Oliveira Candido de Sousa, foi integralmente DOADA na Separação Judicial, Processo n. 1665/1999, 3° Vara Cível de Rio Claro (SP), para o filho, ora autor, GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUZA, permanecendo usufruto em nome de Sra. Olga Possenti Pacheco de Oliveira, avó materna.

 

Outrossim, importante esclarecer que por ocasião da doação, via separação judicial, com sentença transitada em julgado em 23 de setembro de 1999, não havia nenhum ônus inserido na referida matrícula, eis que a Hipoteca Legal liminarmente deferida foi averbada apenas em 18 de dezembro de 2003. A sentença proferida na ação foi publicada em 26 de outubro de 2007.

 

Ante os fatos narrados e comprovados, é certo que no caso vertente, a desconstituição da hipoteca legal é medida que se impõe, já que a parte ideal do imóvel (25,00%) sobre a qual incidiu a hipoteca legal deferida em 23 de julho de 2003, desde 23 de setembro de 1999, pertence a GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUZA, portanto, parte legitima para postular a presente Ação Anulatória de Hipoteca Legal.

 

(...)

 

A doação de parte ideal ao filho-embargante em Processo Separação Judicial Consensual, n. 1665/1999, 3ª Vara Cível de Rio Claro SP, homologada é anterior a deferimento e inscrição de hipoteca legal no Registro de Imóveis. Quando da doação não havia nenhum gravame inserido na matrícula. Doação 23 de setembro de 1999, Hipoteca Legal averbada 18 de dezembro de 2003.

 

Embora a partilha não esteja averbada no CRI, a mesma foi objeto de uma sentença judicial homologatória e transitada em julgado.

 

É oportuno se ressaltar, também, que a Ação Cautelar Penal foi ajuizada em 2000 e a doação ocorrida em 23 de setembro de 1999.

(...)

 

Além do mais o imóvel em questão é bem de família, nela residindo a usufrutuária legal, Sra. Olga Possenti Pacheco de Oliveira, averbação R. 4/161 da matrícula 161, bem como outras pessoas da família.

 

O imóvel, por ser a residência da família, é impenhorável nos termos do disposto na Lei 8.009, de 29.03.1990 (...)

 

Também por este ângulo a hipoteca legal não pode subsistir.

 

A r. sentença (ID 170513185 - Pág. 168/171), proferida em 30.08.2019 pela Exma. Juíza Federal Daniela Paulovich de Lima (1ª Vara Federal de Piracicaba/SP), julgou improcedente a pretensão desconstitutiva da hipoteca legal, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, asseverando a inocorrência de doação do imóvel pleiteado e que o objetivo subjacente ao ato de liberalidade consistiria em frustrar a indenização dos danos causados pela infração penal.

 

Nas razões de Apelação (ID 170513185 - Pág. 178/191), o embargante alega a ausência de conhecimento prévio à doação por parte de sua genitora acerca do estabelecimento da hipoteca judicial, e que a doação homologada judicialmente constituiria título aquisitivo da propriedade. Alega, ainda, impenhorabilidade por se tratar de bem de família.

 

As contrarrazões foram apresentadas pelo Ministério Público Federal (ID 170513185 - Pág. 201/206), não sendo devidamente intimada a Caixa Econômica Federal conforme o determinado em despacho judicial (ID 170513185 - Pág. 199).

 

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento da Apelação (ID 201625026).

 

É o relatório.

 

À revisão.

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001785-85.2017.4.03.6109

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: GUSTAVO CANDIDO DE SOUSA

Advogado do(a) APELANTE: ADEMIR DE MATTOS - SP36445

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

Advogado do(a) APELADO: ANA LUIZA ZANINI MACIEL - SP206542-A

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V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação em sede de Embargos de Terceiro opostos por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA contra o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal (CEF), decorrente da constituição de hipoteca legal de 25% do imóvel descrito na matrícula nº 161, do 2º Cartório de Registro de Rio Claro/SP, nos autos da ação cautelar penal nº 0071055-56.2000.403.0399, na qual figurou como réu o genitor do ora embargante, VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA, condenado na ação penal 0100142-43.1993.4.03.6109 como incurso nas penas  do art. 312, caput, do Código Penal, por efetuar a liberação do pagamento a cheques sem fundos, em meados de 1987, na condição de gerente da CEF (denúncia recebida em 10.05.1994,  sentença publicada em 06.10.2000 e acórdão confirmatório de 18.08.2008, transitado em julgado em 10.12.2008 - ID 170513185 - Pág. 94/101).

 

Nos autos da mencionada ação cautelar penal, ajuizada em 18.12.1996, foi deferida a especialização de hipoteca legal objetivando a reparação de danos causados à Caixa Econômica Federal no importe de R$ 987.968,57 apurados em julho de 2003 (sentença prolatada em 26.10.2007 - ID 170513185 - Pág. 32/39), confirmando a liminar anteriormente expendida para a inscrição da hipoteca legal na matrícula do bem imóvel, cuja parte ideal constrita foi avaliada em R$ 20.000,00 (averbação realizada em 18.12.2003 - ID 170513185 - Pág. 54/55).

 

A r. sentença (ID 170513185 - Pág. 168/171), proferida em 30.08.2019 pela Exma. Juíza Federal Daniela Paulovich de Lima (1ª Vara Federal de Piracicaba/SP), julgou improcedente a pretensão desconstitutiva da hipoteca legal, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, asseverando a inocorrência de doação do imóvel pleiteado e que o objetivo subjacente ao ato de liberalidade consistiria em frustrar a indenização dos danos causados pela infração penal.

 

Nas razões de Apelação (ID 170513185 - Pág. 178/191), o embargante alega a ausência de conhecimento prévio à doação por parte de sua genitora acerca do estabelecimento da hipoteca judicial, e que a doação homologada judicialmente constituiria título aquisitivo da propriedade. Alega, ainda, impenhorabilidade por se tratar de bem de família.

 

INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO PELA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF)

 

Nota-se que interposta a Apelação ora examinada, o r. juízo a quo determinou a intimação das partes que figuram como embargadas nos autos de Embargos de Terceiros, a saber, o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal (ID 170513185 - Pág. 199). Encaminhados os autos com vistas ao Ministério Público Federal e apresentadas as contrarrazões do Parquet, não foi dada a oportunidade de a CEF também apresentar contrarrazões, encaminhando-se os autos ao Tribunal (ID 170513185 - Pág. 209).

 

Entretanto, considerando o conteúdo das contrarrazões apresentadas pelo Parquet federal e o resultado de mérito que se segue, denota-se a ausência de prejuízo à parte interessada em razão da irregularidade detectada, não havendo nulidade a ser decretada, conforme encampado pela jurisprudência pátria:

 

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA PARA APRESENTAÇÃO DAS CONTRARRAZÕES. NÃO COMPROVAÇÃO DO SUPOSTO VÍCIO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. PEÇA PROCESSUAL APRESENTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo de revisão criminal e de recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício. 2. Em sede de habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída e incontroversa, cabendo ao impetrante apresentar documentos suficientes à análise de eventual ilegalidade flagrante no ato atacado. Na espécie, o processo não foi instruído com peças processuais que comprovam o alegado constrangimento ilegal, de modo que se torna impossível o exame da presente impetração. 3. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). 4. "O devido processo legal, amparado pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, é corolário do Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana, pois permite o legítimo exercício da persecução penal e eventualmente a imposição de uma justa pena em face do decreto condenatório proferido", assim, "compete aos operadores do direito, no exercício das atribuições e/ou competência conferida, o dever de consagrar em cada ato processual os princípios basilares que permitem a conclusão justa e legítima de um processo, ainda que para condenar o réu" (HC 91.474/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 2/8/2010). 5. No caso, segundo se observa das informações disponíveis no sítio eletrônico, nos autos da Ação Penal n. 0082986-36.2015.8.26.0050, em 16/5/2016 foram juntadas as contrarrazões. Igualmente, o relatório do acórdão recorrido faz menção à referida peça ("respondido o recurso"), de modo que não há falar em nulidade por cerceamento de defesa, incidente, pois o princípio "pas de nullité sans grief". 6. Writ não conhecido.

(HC - HABEAS CORPUS - 396943 2017.00.90084-2, RIBEIRO DANTAS, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:10/05/2018)

 

 

Pressupostos teóricos da hipoteca legal

 

As medidas assecuratórias patrimoniais são providências cautelares (de caráter provisório) que demandam, para a sua decretação, a presença de fumus boni iuris (probabilidade de existência do direito invocado pelo autor) e de periculum in mora (fundado receio de que haja um dano jurídico irreparável ou de difícil reparação durante o curso do processo principal).

 

Podem ser decretadas ora para se assegurar a devolução do proveito do crime ao final da ação penal ora para se garantir o ressarcimento do prejuízo causado pela conduta delitiva e/ou o futuro pagamento das custas processuais e da pena pecuniária. 

 

A legislação processual penal prevê, grosso modo, três espécies de providências assecuratórias, quais sejam : i) o “sequestro de bens móveis e/ou imóveis” (inteligência dos artigos 125 e 132, ambos do CPP; ii) o “arresto de bens móveis e/ou imóveis” - (inteligência dos artigos 136 e 137 do CPP; e iii) a “Hipoteca Legal” (inteligência do art. 134 do CPP), que consiste em direito real de garantia (inscrição em registro público de um gravame de intransferibilidade) e que, em princípio, apenas pode ser promovida após a instauração da ação penal (e não na fase de inquérito). Esta, diferentemente do “Sequestro de bens imóveis”, recai sobre quaisquer bens imóveis, além de aeronaves ou embarcações do(s) autor(es) da infração (exceto aqueles bens insuscetíveis de penhora), independentemente de terem sido adquiridos com proventos da infração, sem, contudo, retirá-los da posse do acusado. Destina-se a assegurar a reparação civil dos prejuízos decorrentes da conduta criminosa, bem como o pagamento das custas processuais e da pena pecuniária (sendo facultado ao réu oferecer caução).

 

Sendo originada da lei, e não pactuada entre as partes, a hipoteca legal encontra previsão expressa no art. 1.489 do Código Civil, que contempla justamente a possibilidade de salvaguardar a vítima da infração penal dos danos dela decorrentes:

 

Art. 1.489. A lei confere hipoteca:

(...)

 

III - ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinqüente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais;

 

O desfazimento da hipoteca depende, precipuamente, da extinção da obrigação principal à qual encontra-se lastreada (art. 1.499, inc. I, do Código Civil), subsistindo se validamente constituída até que seja executado o crédito.

 

Do caso concreto

 

O caso dos autos retrata situação em que o embargante alega ter adquirido graciosamente bem imóvel pertencente ao patrimônio de VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA por ocasião da homologação judicial, em 23.09.1999, da partilha de bens resultantes da separação de seus genitores (ID 170513185 - Pág. 60/65), o qual, entretanto restou submetido à hipoteca legal por crime cuja responsabilização importaria em elevada indenização à CEF.

 

A propriedade reivindicada cuida-se de situação jurídica de direito civil que teria sido instituída na vigência do Código Civil de 1916, sendo por ele regido (tempus regit actum), cujo art. 530 estabelecia como forma primordial de aquisição da propriedade imobiliária a transcrição do título no registro de imóvel:

 

Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:

 

I - Pela transcrição do título de transferência no registro do imóvel.

(...)

 

A lei civil vigente ao tempo do ato gracioso suscitado pelo embargante preceituava ainda que a doação endereçada no contexto de partilha de bens sujeitava-se ao devido registro imobiliário, sem o qual não se transfere o domínio:

 

Art. 531. Estão sujeitos a transcrição, no respectivo registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.

 

Art. 532. Serão também transcritos:

(...)

II - As sentenças, que nos inventários e partilhas, adjudicarem bens de raiz em pagamento das dívidas da herança.


Art. 533. Os atos sujeitos a transcrição (arts. 531 e 532 ns. II e III) não transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (arts. 856, 860, parágrafo único).

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o regime jurídico da aquisição da propriedade imobiliária permaneceu inalterado:

 

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1 Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

(...)

 

No caso dos autos, a teor da certidão da matrícula imobiliária (ID 170513185 - Pág. 53/55), em momento nenhum, foi levado a registro o suposto título aquisitivo, razão pela qual descabe o reconhecimento da condição de legítimo proprietário em favor do ora embargante.

 

Nestes moldes, por si só, a averbação da hipoteca legal na matrícula do imóvel gera óbice intransponível à não-incidência do gravame sobre o domínio ora pretendido, subsistindo a oponibilidade da doação ventilada na partilha de bens dos genitores, quiçá, contra os instituidores, a tornar insubsistentes as alegações ventiladas no apelo defensivo.

 

Oportuno consignar, demais disto, que sobressaem motivos para compreender pela nulidade do negócio jurídico pretendido com a doação do imóvel em favor do embargante, na justa medida em que o Código Civil de 1916, vigente na época do cometimento da infração penal (1987), já estabelecia como defeito do ato jurídico a simulação, pela qual a parte efetua declaração não verdadeira (art. 102, inc. II, do CC/16), mácula que, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 passou a representar nulidade de pleno direito do negócio jurídico, conforme estabelece o respectivo art.  167, inc. II:

 

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1 Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

(...)

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

 

Com efeito, a infração penal praticada por VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA gerou passivo vultoso, de tal sorte que a Caixa Econômica Federal ainda persegue reaver R$ 1.137,543,50 (atualizado em 09.02.2009) na Execução n° 0001260-84.2009.403.6109. Deve-se enfatizar, nesse sentido, que a alienação gratuita de bens na pendência de ação penal que pode gerar título capaz de reduzir o devedor à insolvência caracteriza ato de fraude à execução (art. 593, inc. II, do CPC/1973, vigente à época dos fatos), de forma que a partilha de bens na qual o ora embargante é contemplado como donatário dos imóveis titularizados por seus genitores configura ato de autêntica dilapidação patrimonial, principalmente tendo sido praticada inclusive após o ajuizamento da ação cautelar objetivando justamente a sua hipoteca legal (ação cautelar penal nº 0071055-56.2000.403.0399 ajuizada em 18.12.1996).

 

Conforme salientado pelo Parquet federal, o próprio embargante trouxe a baila caso no qual bem diverso do ora pleiteado (imóvel descrito na matrícula nº 12.564 do CRI de Rio Claro/SP), também arrolado na partilha de bens e ficticiamente doado ao ora embargante, foi alienado onerosamente por escritura pública em 05.10.2001 por seu então proprietário, de fato e de direito, VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA e sua esposa, para  Dorival Pereira dos Santos, que poderia figurar como eventual terceiro de boa-fé no contexto ora delineado.

 

De outro lado, a má-fé objetivamente extraída da conduta de VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA ressoa inclusive nos autos da ação cautelar penal, na qual procurou escusar-se da constituição da hipoteca legal alegando a doação para seu filho GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA, o que somente reforça a necessidade de tal medida constritiva para contrapor-se aos atos de dilapidação patrimonial que já estavam em curso.

 

No tocante à alegação de que o imóvel seria impenhorável por nele residir a usufrutuária legal, Sra. Olga Possenti Pacheco de Oliveira, bem como outras pessoas da família, não aproveita ao acusado situação jurídica porventura titularizada por terceiros estranhos à presente lide, cabendo acrescer, ademais, que o bem de família não é excluído da constrição legal caso se destine ao ressarcimento ou perdimento de bens em decorrência da infração penal (art. 3º, inc. VI, da Lei nº 8.009/1990).

 

Em conclusão, subsiste válida a hipoteca legal constante da matrícula nº 161, do 2º Cartório de Registro de Rio Claro/SP, não fazendo jus, o embargante, à desconstituição pleiteada.

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por negar provimento à Apelação interposta por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA, de sorte a manter a hipoteca legal constituída sobre o bem imóvel pleiteado, nos termos acima expendidos.

 

 

 



E M E N T A

 

 

APELAÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO AJUIZADOS CONTRA HIPOTECA LEGAL INSTITUÍDA NO BOJO DE AÇÃO CAUTELAR PENAL. IMÓVEL DOADO POR CONDENADO COMO INCURSO NO CRIME DE PECULATO CONTRA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, QUE TRANSFERIU GRATUITAMENTE IMÓVEL AO SEU FILHO, ORA EMBARGANTE. CONDIÇÃO DE PROPRIETÁRIO REIVINDICADA AFASTADA. MÁ-FÉ EXTRAÍDA OBJETIVAMENTE DA CONDUTA DE DILAPIDAÇÃO PATRIMONIAL. APELO DESPROVIDO.

01.  Trata-se de Apelação em sede de Embargos de Terceiro opostos por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA contra o Ministério Público Federal e a Caixa Econômica Federal (CEF), decorrente da constituição de hipoteca legal nos autos da ação cautelar penal na qual figurou como réu o genitor do ora embargante, VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA, condenado como incurso nas penas  do art. 312, caput, do Código Penal, por efetuar a liberação do pagamento a cheques sem fundos, em meados de 1987, na condição de gerente da CEF. Nos autos da mencionada ação cautelar penal, ajuizada em 18.12.1996, foi deferida a especialização de hipoteca legal objetivando a reparação de danos causados à Caixa Econômica Federal.

02. Em momento nenhum foi levado a registro o suposto título aquisitivo do bem imóvel em questão, razão pela qual descabe o reconhecimento da condição de legítimo proprietário do bem imóvel graciosamente alienado por VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA, por ocasião da partilha de bens resultantes da separação de seus genitores em 23.09.1999.

03. Oportuno consignar, demais disto, que sobressaem motivos para compreender pela nulidade do negócio jurídico pretendido com a doação do imóvel em favor do embargante, na justa medida em que o Código Civil de 1916, vigente na época do cometimento da infração penal (1987), já estabelecia como defeito do ato jurídico a simulação, pela qual a parte efetua declaração não verdadeira (art. 102, inc. II, do CC/16), mácula que, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 passou a representar nulidade de pleno direito do negócio jurídico, conforme estabelece o respectivo art. 167, inc. II. Deve-se enfatizar, nesse sentido, que a alienação gratuita de bens na pendência de ação penal que pode gerar título capaz de reduzir o devedor à insolvência caracteriza ato de fraude à execução (art. 593, inc. II, do CPC/1973, vigente à época dos fatos), de forma que a partilha de bens na qual o ora embargante é contemplado como donatário dos imóveis titularizados por seus genitores configura ato de autêntica dilapidação patrimonial, principalmente tendo sido praticada, inclusive, após o ajuizamento da ação cautelar objetivando justamente a sua hipoteca legal.

05. Evidenciada a má-fé objetivamente extraída da conduta de VITOR LUIZ CÂNDIDO DE SOUZA ao procurar escusar-se da constituição da hipoteca legal alegando a doação para seu filho GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA, o que somente reforça a necessidade de tal medida constritiva para contrapor-se aos atos de dilapidação patrimonial que já estavam em curso.

06. No tocante à alegação de que o imóvel seria impenhorável por nele residir familiar com usufruto legal, não aproveita ao acusado situação jurídica porventura titularizada por terceiros estranhos à presente lide, cabendo acrescer, ademais, que o bem de família não é excluído da constrição legal caso se destine ao ressarcimento ou perdimento de bens em decorrência da infração penal (art. 3º, inc. VI, da Lei nº 8.009/1990).

07. Negado o provimento à Apelação interposta por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA, de sorte a manter a hipoteca legal constituída sobre o bem imóvel pleiteado.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à Apelação interposta por GUSTAVO CÂNDIDO DE SOUSA, de sorte a manter a hipoteca legal constituída sobre o bem imóvel pleiteado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.