AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012021-29.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
AGRAVANTE: RUMO MALHA OESTE S.A.
Advogado do(a) AGRAVANTE: MARCELO ALVES MUNIZ - SP293743-N
AGRAVADO: GENI ROSA DA COSTA
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012021-29.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES AGRAVANTE: RUMO MALHA OESTE S.A. Advogado do(a) AGRAVANTE: ROBERTO CARLOS KEPPLER - SP68931-A AGRAVADO: GENI ROSA DA COSTA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto por RUMO MALHA OESTE S.A. contra a decisão que, nos autos da ação de reintegração de posse, declinou a competência para a Justiça Estadual por ausência de ente público federal no feito. Em suas razões recursais, a parte agravante sustenta a legitimidade da concessionária de transporte ferroviário, bem como a competência da Justiça Federal para o processamento da ação, sendo manifesto o interesse tanto do DNIT, quanto da ANTT no deslinde da demanda. O pedido liminar foi indeferido (ID 257861345). Sem contraminuta. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5012021-29.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES AGRAVANTE: RUMO MALHA OESTE S.A. Advogado do(a) AGRAVANTE: ROBERTO CARLOS KEPPLER - SP68931-A AGRAVADO: GENI ROSA DA COSTA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Razão não assiste à recorrente. O Juízo de origem decidiu a questão nos seguintes termos: “Trata-se de ação de reintegração de posse proposta por RUMO MALHA OESTE S.A. em face de GENI ROSA DA COSTA. A parte autora alega que a natureza da demanda é de interesse do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), autarquias federais, o que justificaria a propositura da demanda perante essa Justiça Federal. Foi determinada a intimação do DNIT e da ANTT a fim de que se manifestem quanto ao interesse em integrar a lide. Ambas as autarquias informaram que não têm interesse na ação. Após, os autos vieram conclusos. Decido. Na presente ação, a parte autora pretende defender a posse que detém sobre imóvel público federal por força de contrato de concessão. O DNIT e a ANTT manifestaram o desinteresse em integrar a lide sob o argumento de que a posse pode e deve ser protegida pela concessionária. Havendo manifestação expressa das entidades autárquicas de que inexiste interesse na lide, não cabe ao Poder Judiciário obriga-las a litigar. Nos termos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, aos juízes federais compete processar e julgar “(…) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. Conforme entendimento sedimentado da Corte Cidadã, “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas” (Súmula nº150, STJ). Assim, verifica-se não há nenhum dos entes elencados no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal com interesse nesta demanda, razão pela qual não se justifica o processamento dos presentes autos perante este Juízo Federal. Pelo exposto, DECLARO a incompetência absoluta da Justiça Federal para o conhecimento, processamento e julgamento da presente ação, na forma do artigo 64, §3º, do Código de Processo Civil e, como consequência, DETERMINO a remessa dos autos, para livre distribuição, a uma das Varas da Comarca da Justiça Estadual de Andradina/SP com as devidas homenagens. (...)”. A parte autora é concessionária de serviço público, constituída sob a égide do direito privado. Através de Contrato de Arrendamento lhe foram transferidos os bens denominados “operacionais”, compostos por bens móveis e imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA. A competência da Justiça Federal é definida em razão das pessoas que figuram nos polos da demanda (ratione personae), à luz do art. 109, I, da Carta Magna, que dispõe, in verbis: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. Registre-se que o DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes manifestou-se pela ausência de interesse na lide, por sua vez, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT também informou não ter interesse em ingressar na ação. Constam nos autos apenas cópias dos contratos de arrendamento e concessão, contudo, referidos documentos não são aptos a comprovar o interesse daqueles na lide. Verifica-se, in casu, a configuração da intervenção anômala, com previsão no paragrafo único do artigo 5º da Lei 9.469/97, fundamentada na potencialidade de efeitos reflexos diretos ou indiretos, em relação à decisão que vier a ser proferida na causa, conforme conceituado por Leonardo José Carneiro da Cunha (In: Fazenda Pública em Juízo, 8ª edição, editora Dialética, São Paulo, 2010, fls. 168). Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça assentou que o simples fato de a empresa expropriante ser concessionária de serviço público federal não desloca a competência para julgar as ações, por ela movidas, para a Justiça Federal, havendo necessidade de se comprovar o efetivo interesse jurídico: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO PROPOSTA PELO ESTADO DO PIAUÍ CONTRA PARTICULAR. IMÓVEL A SER TRANSFERIDO AO DNIT PARA CONSTRUÇÃO DE TRECHO DA FERROVIA TRANSNORDESTINA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SÚMULA 150/STJ. 1. Cuida-se de conflito negativo de competência instaurado entre as Justiças Estadual e Federal, nos autos de ação de desapropriação promovida pelo Estado do Piauí contra Elísio Raimundo Coelho. O Juízo estadual declinou da competência à Justiça Federal porque o Estado do Piauí age por delegação do DNIT, a quem requer seja transferido o domínio do imóvel desapropriado. O Juízo Federal suscitou o conflito por entender que não estão presentes na lide quaisquer das entidades arroladas no art. 109 da CF/88 a justificar a sua competência. 2. A competência fixada no art. 109 da CF não se dá em razão da matéria discutida na demanda, mas se firma ratione personae, de modo que o deslocamento do feito para a Justiça Federal somente se justifica ante a presença na lide de alguma das pessoas elencadas naquele dispositivo constitucional, o que não é o caso dos autos. Precedentes. 3. Assim, embora a desapropriação tenha sido proposta por delegação conferida ao Estado do Piauí pelo DNIT, a ausência dessa autarquia na lide, ou de alguma outra entidade federal, impede o deslocamento da competência a essa Justiça especializada. 4. Nos termos da Súmula 150/STJ, "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas." No caso, o juízo federal foi categórico em afastar o interesse do DNIT na lide, o que, sob esse prisma, também justifica a competência da Justiça Estadual. 5. O julgamento do conflito de competência é realizado secundum eventum litis, ou seja, com base nas partes que efetivamente integram a relação, e não aqueles que deveriam ou poderiam integrar. Assim, como o DNIT não faz parte da relação processual - embora pudesse ele próprio ter ajuizado a ação de desapropriação, já que o imóvel expropriado será transferido ao seu domínio -, deve o feito ser processado na Justiça Comum Estadual. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitado. (CC 115.202/PI, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2011, DJe 13/09/2011) Ademais, o Superior Tribunal Justiça também consignou que "conquanto seja tolerável a intervenção anódina da União plasmada no art. 5º da Lei n. 9.469/97, tal circunstância não tem o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal, o que só ocorre no caso de demonstração de legítimo interesse na causa, nos termos do art. 50 e 54 do CPC/73" (STJ-AgRg no REsp 1118367, 1ª T., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22/05/2013). Assim, o fato de uma das partes litigantes ser concessionária de serviço público federal não enseja a aplicação da regra de competência prevista no art. 109, I da CRFB/88. (Precedentes: CC 37.568/SO, Relator: Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Segunda Seção, DJ 23/08/2004; CC 38.799/TO, Relator: MIN. LUIZ FUX, Primeira Seção, STJ, DJ 05/04/2004; REsp 111.869/SP, Relator: Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Primeira Turma, STJ, DJ 10/09/1997) Acrescento ainda, que não se vislumbra in casu qualquer possibilidade de lesão eventual a bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas, pois a malha ferroviária em questão encontra-se sob regime de concessão à iniciativa privada, competindo à concessionária: competindo à concessionária: promover as medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento a RFFSA, conforme cláusula quarta, X, do contrato de arrendamento (ID 145763935 - pág. 7 do processo originário). Cumpre ressaltar que a discussão travada nos autos é de natureza possessória entre particulares, não se está discutindo o domínio de bem público, de modo que o resultado do processo não atingirá a esfera jurídica da União, do DNIT ou da ANTT. Assim, “ainda que a área em questão integre, em tese, o patrimônio público federal, o resultado do processo não atingiria a relação de domínio, mas apenas sua posse”. Nesse sentido o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE ENTRE PARTICULARES. UNIÃO E ANTT. AUSÊNCIA DE INTERESSE EM INTEGRAR A LIDE. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL. DNIT. INTERVENÇÃO NO FEITO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1."É da Justiça Estadual a competência para processar e julgar ação possessória entre particulares, eis que o resultado do processo não atingirá a esfera jurídica da União ou do DNIT, considerando que não está se discutindo o domínio de bem público, mas tão somente a posse. Precedente: (TRF5, AG 200805000852443, Desembargador Federal Francisco Wildo, Segunda Turma, DJE - Data: 16/10/2009) 2. Os pedidos encartados na petição inicial possuem natureza exclusivamente possessória, de sorte que seu julgamento não afeta a esfera jurídica da União, do DNIT ou da ANTT. Dito de outra forma, ainda que a área em questão integre, em tese, o patrimônio público federal, o resultado do processo não atingiria a relação de domínio, mas apenas sua posse. 3. A competência cível geral da Justiça Federal é firmada pela participação processual da União, suas autarquias, fundações ou empresas públicas, na condição de autores, rés, assistentes ou oponentes. Assim, não basta o interesse no resultado da demanda, mas se exige a intervenção do ente federal em uma daquelas posições, intervenção esta que somente se justifica quando houver interesse jurídico no feito. 4. O contrato de concessão celebrado entre a União e a agravante conferiu à concessionária a responsabilidade pelo cumprimento das normas de segurança da ferrovia, pela indenizações e desapropriações necessárias à exploração da concessão e, ainda, por todas as medidas, inclusive judiciais, imprescindíveis ao funcionamento regular da ferrovia, independentemente da atuação de qualquer ente público federal. Não bastasse isso, o contrato de arrendamento firmado entre a Rede Ferroviária Federal S.A e a Companhia Ferroviária do Nordeste - atual Transnordestina Logística S.A. - dispõe expressamente que a Arrendatária assume a obrigação de 'promover as medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento à RFFSA' (cláusula quarta, X). 5. Não se verifica, na hipótese, o interesse do DNIT na causa, valendo ressaltar que a autarquia não participa da relação de direito material posta em juízo, em que se pretende obstar a continuidade de um ato (esbulho possessório) praticado por particulares contra interesse de pessoa jurídica de direito privado, sem interferência direta de qualquer pessoa jurídica de direito público na esfera federal, pelo que, evidentemente, não atraída a legitimidade de tal ente para a demanda. O simples fato de os bens da extinta RFFSA terem sido transferidos ao DNIT (art. 11 da Lei 11.483/2007) não resulta, por si só, na existência de interesse do ente federal a ser tutelado na espécie. 6. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 0056484-16.2013.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, TRF1 - SEXTA TURMA, e-DJF1 08/02/2018) Destarte, o caso dos autos não se amolda à regra de competência da Justiça Federal instituída no art. 109 da CRFB/88. Nesse sentido: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO DE TRILHOS DE TREM. VÍTIMA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS FERROVIÁRIOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO DO FEITO. NULIDADE DA AÇÃO PENAL DESDE O INÍCIO QUE SE RECONHECE DE OFÍCIO. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA. 1. Impende, de ofício, o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a infração penal descrita na comunicação de prisão em flagrante levada a efeito na repartição policial do Município de Bebedouro/SP, na qual figurou como vítima a empresa América Latina Logística, empresa que obteve a concessão dos serviços ferroviários da Malha Paulista Ferroban - Ferrovias Bandeirantes S.A (ANTT - fls.39/76). 2. A provável tentativa de furto noticiada se deu em parte da malha outrora operada pela antiga FEPASA, agregada à Rede Ferroviária Federal S/A, sociedade de economia mista, que não se submetia à Justiça Federal. Esta de sua feita foi extinta pela União que retomou os serviços ferroviários (CF: art. 21, inc. XII, "d", 1ª hipótese), e a incluiu no Programa Nacional de Desestatização (PND), por meio do Decreto n. 473/1992. 3. A parte da malha ferroviária onde ocorreram os fatos, beira do Rio da Onça, nas margens da Rodovia Faria Lima, SP, fazia parte da RFFSA, sendo objeto de nova concessão à Ferroban por força de concessão efetivada por meio de Decreto Presidencial, iniciando-se a exploração em seu nome. 4. Sendo assim, no caso do eventual crime aqui ventilado, embora tratando-se de concessionária de serviço público, é constituída sob a égide do direito privado, donde que a competência não remanesce na seara federal, tendo em vista a não existência de interesse da União, sendo competente para o conhecimento, processo e julgamento do feito, a Justiça Estadual. 5. Não se vislumbra no caso em apreço qualquer lesão eventual a bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, não se amoldando à regra de competência da Justiça Federal instituída no art. 109, IV, do CP, pois a malha ferroviária em que teria ocorrido o delito se encontra sob regime de concessão à iniciativa privada no qual compete à concessionária "promover a reposição de bens e equipamentos vinculados à CONCESSÃO, bem como a aquisição de novos bens, de forma a assegurar a prestação de serviço adequado", conforme o teor da cláusula 9.1, X, do contrato de concessão de serviço público de transporte ferroviário à Ferrovia Centro-Atlântica S/A, extraída do sítio eletrônico da Agência Nacional de Transportes Terrestres (www.antt.gov.br). Precedentes. 6. De ofício, declara-se a nulidade absoluta da presente ação penal, desde o início, com fulcro no artigo 564, inciso I, do Código de Processo Penal, e determina-se a remessa dos autos à E. Justiça Estadual em Bebedouro/SP. 7. Não conhecimento da apelação. (APELAÇÃO CRIMINAL - 56589 / SP 0014994-26.2009.4.03.6102, Relator(a): DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, PRIMEIRA TURMA, Data do Julgamento 07/02/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/03/2017) Dessa forma, não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto. COTRIM GUIMARÃES Desembargador Federal
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco: Com a devida vênia, divirjo do voto do e.Relator, no que concerne à alegada incompetência da Justiça Federal para processamento e julgamento da ação.
Com efeito, dispõe o art. 109, I, da CF, que aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.
A avaliação sobre a existência do interesse jurídico a justificar a presença da União, suas autarquias ou empresas públicas no processo compete à Justiça Federal, consoante entendimento assentado na Súmula 150, do STJ.
Ao que interessa à presente controvérsia, observo que a Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, estabelece em seu art. 3º que as concessões e permissões estarão sujeitas à fiscalização pelo poder concedente responsável pela delegação. O art. 23, do mesmo diploma legal classifica como essenciais ao contrato de concessão as cláusulas que tratam da forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la, e ainda as relativas aos bens reversíveis, assim considerados aqueles empregados pela concessionária e indispensáveis à continuidade da prestação do serviço concedido, e que serão, em regra, restituídos/revertidos ao poder concedente União ao término dos contratos. Já o art. 25 da mesma Lei impõe à concessionária a incumbência de executar o serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
Por sua vez, ao tratar dos encargos do poder concedente, o art. 29, da mencionada Lei incumbiu a esse mesmo poder, a regulamentação do serviço concedido, assim como a fiscalização permanente de sua prestação.
Por fim, a Lei nº 11.483/2007, que trata da revitalização do setor ferroviário, estabeleceu em seu art. 8º, I, que “ficam transferidos ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT a propriedade dos bens móveis e imóveis operacionais da extinta RFFSA”.
No caso dos autos, trata-se de ação de reintegração de posse movida por Rumo Malha Oeste S.A. buscando ser reintegrada em faixa de domínio de via férrea, irregularmente ocupada por particulares. Em consulta aos termos do contrato de concessão que regula a atividade da concessionária autora, verifica-se que entre as obrigações atribuídas à concedente pela cláusula nona (9.2), estão a fiscalização permanente da prestação dos serviços, aplicação de eventuais penalidades regulamentares e contratuais, cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais.
Dito isso, observo que o magistrado intimou a Procuradoria Federal para que se manifestasse acerca do interesse do DNIT ou da ANTT em integrar a lide. Em resposta, o órgão salientou que o ingresso do DNIT nas demandas que envolvem patrimônio ferroviário, decorria da previsão normativa contida na Portaria PFE/DNIT n° 19, de 11 de setembro de 2015, que foi revogada pela Instrução Normativa da PFE/DNIT n° 02/2021. Da mesma forma a ANTT se manifestou pela ausência de interesse em compor o polo ativo.
Ato contínuo, foi proferida decisão declarando a incompetência da Justiça Federal para análise da causa, e determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual.
Do que até aqui restou exposto, entendo que a decisão recorrida merece reparo por restar caracterizado o interesse jurídico do poder concedente, seja em razão do dever de fiscalizar a prestação adequada dos serviços concedidos, seja pelo potencial impacto da decisão a ser proferida, sobre sua esfera de direitos, notadamente sobre os bens a serem revertidos ao final do contrato de concessão, ainda que a discussão aqui travada ostente apenas natureza possessória. Sobre o tema, cito os seguintes precedentes desta e.Corte :
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO. INTERESSE JURÍDICO DO DNIT. LEI Nº 10.233/2001. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. A Lei nº 10.233/2001 prevê em seus artigos 81 e 82 as atribuições legais do DNIT, entre elas a celebração de convênios, acordos e contratos, projetar, acompanhar e executar, direta ou indiretamente, obras relativas a transporte ferroviário, bem como aprovar projetos de engenharia cuja execução modifique a estrutura do Sistema Federal de Viação. 2. A análise dos dispositivos legais que estabelecem as atribuições legais do DNIT conduz à inequívoca conclusão da existência de interesse jurídico da autarquia federal em intervir no feito originário por constituir uma de suas atribuições legais o acompanhamento e execução, direta e indiretamente, de obras relativas a transporte ferroviário. 3. Caracterizado o interesse do DNIT, autarquia federal, em intervir no feito, o prosseguimento do feito na Justiça Federal é medida que se impõe, na forma do artigo 109, I da Constituição Federal. 4. Agravo de Instrumento provido. (AI 5012026-51.2022.4.03.0000. RELATOR: Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, TRF3 - 1ª Turma, DJEN DATA: 06/09/2022)
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIDA POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO CONTRA PARTICULAR. IMÓVEL OBJETO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DE PROPRIEDADE DO DNIT POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL. INTERESSE JURÍDICO CARACTERIZADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A competência absoluta, dentre as quais se inclui aquela ratione personae, é inderrogável, ou seja, a ação deverá tramitar perante a Justiça Federal, desde que a pretensão envolva interesse da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Apenas na ausência desses entes a ação deve tramitar perante o Juízo Estadual, por não preencher os requisitos do artigo 109, inciso I, da Constituição Federal. 2. "Os bens arrendados vinculados aos Contratos de Concessão e Arrendamento dessa América Latina Logística Malha Sul S.A. são, por força da Lei nº 11.483, de 31/05/2007, de propriedade do Departamento Nacional de Infra-Estrutura dos Transportes - DNIT", atraindo para a Justiça Federal a competência para o julgamento das ações de reintegração de posse movidas por empresa concessionária de serviço público federal de transporte ferroviário. Precedente. 3. Agravo de instrumento provido. (AI 5012865-76.2022.4.03.0000, RELATOR: Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, TRF3 - 1ª Turma, DJEN DATA: 08/09/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INTERESSE DO DNIT CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. - A Rede Ferroviária Federal S/A, sucessora da FEPASA, foi extinta pela Lei nº 11.483/2007, sendo sucedida pela União nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada. - Ademais, os bens imóveis da extinta RFFSA foram transferidos para a União e aqueles dispostos nos incisos I e IV do artigo 8º da referida lei, quais sejam, os operacionais e os não operacionais, "com finalidade de constituir reserva técnica necessária à expansão e ao aumento da capacidade de prestação do serviço público de transporte ferroviário", ao DNIT. - No caso, a posse da Rumo Malha Paulista S/A sobre o imóvel objeto dos autos decorre do contrato de arrendamento firmado entre a RFFSA e a FERROBAN - Ferrovia Bandeirantes S/A (antiga denominação da Rumo). - Instado a se manifestar quanto a eventual interesse em ingressar na lide, o DNIT afirmativamente asseverou a sua intenção em intervir no feito, requerendo o seu ingresso na ação de reintegração de posse como assistente simples, na forma do art. 50 do CPC. - O DNIT é entidade autárquica federal, vinculada ao Ministério dos Transportes; ademais, a Lei nº 11.483/07 previu que os bens operacionais da extinta RFFSA passariam a ser de propriedade do DNIT. Configurado seu interesse na lide. - Agravo de instrumento provido. (AI 5017444-04.2021.4.03.0000, RELATOR: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, DJEN DATA: 14/12/2021)
No que concerne às Portarias mencionadas pelo DNIT para justificar a cessação do interesse em ingressar no feito, cumpre destacar que a Portaria PFE/DNIT n° 19/2015, tem como único objeto recomendar o ingresso do DNIT nas ações que envolvam patrimônio ferroviário concedido à iniciativa privada, tendo em vista a transferência, ao mesmo DNIT, dos bens da extinta RFFSA por força do art. 8º, da Lei nº 11.483/2007. In verbis:
“Art. 1º Recomendar a todas as unidades da Procuradoria Federal Especializada junto ao DNIT que se manifestem favoravelmente ao ingresso da Autarquia no polo ativo das ações judiciais que envolvam patrimônio ferroviário concedido à iniciativa privada.”
A Instrução Normativa PFE/DNIT n° 02/2021, por sua vez, dispôs sobre a organização e o funcionamento da Procuradoria Federal Especializada junto ao DNIT, revogando, ao final, uma extensa lista de atos normativos até então vigentes, entre os quais a mencionada Portaria PFE/DNIT n° 19/2015, sem, contudo, tratar da atuação do DNIT nas ações judiciais por ela mencionada.
Com isso, entendo que não há modificação no quadro até então existente, haja vista a continuidade das atribuições do DNIT na gestão do patrimônio ferroviário por força do art. 8º, da Lei nº 11.483/2007, e ainda do dever de fiscalização previsto no art. 3º, da Lei nº 8.987/1995, de onde emerge o interesse jurídico em ações como a presente.
Reconheço a existência de decisões do STJ em conflitos de competência, nas quais se entendeu ser a Justiça Estadual competente para julgamento dos feitos respectivos. Contudo, essas decisões não tratam objetivamente sobre a existência de interesse jurídico do ente público para integrar a lide, mas sobre o dever de se observar o teor da já mencionada Súmula 150 daquela Corte, segundo a qual “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”. Assim, havendo decisão da Justiça Federal entendendo ausente o interesse jurídico a justificar a presença da União, suas autarquias ou empresas públicas no processo, não há que se questionar a determinação de remessa dos autos para a Justiça Comum Estadual. Nesse sentido, oportuna a citação dos seguintes julgados:
“(...) O Juízo Federal suscitado declarou sua incompetência absoluta e determinou a remessa ao Juízo estadual, fundamentando que "os pedidos encartados na petição inicial possuem natureza exclusivamente possessória, de sorte que seu julgamento não afeta a esfera jurídica da União, do DNIT ou da ANTT. Dito de outra forma, ainda que a área em questão integre, em tese, o patrimônio público federal, o resultado do processo não atingiria a relação de domínio, mas apenas sua posse" Após receber os autos do Juízo Federal - que declinara de sua competência, nos termos do art. 109, I, da CF/1988 -, o Juízo Estadual expressamente afirmou que, "tenho que o pedido da autarquia federal deve ser deferido, pois conforme exposto na petição inicial, a faixa de domínio objeto da presente lide é bem público integrante do patrimônio do DNIT". Assim, o exame da demanda deverá ser retomado pelo Juízo Estadual, tendo em vista a orientação das Súmulas 150 e 254 do STJ, respetivamente: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas"; e "A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual (...)". (CC n. 187.880, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 02/08/2022)
“(...) nos termos do enunciado sumular 150 desta Corte, compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. In casu, o Juízo federal afastou o interesse da União e da ANTT na lide, fato que corrobora a competência da Justiça Estadual para o julgamento da lide (...). (EDcl no CC n. 183.648, Ministra Regina Helena Costa, DJe de 11/02/2022.)”
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO. CHAMAMENTO AO PROCESSO DA UNIVERSIDADE FEDERAL. SÚMULA 150 DO STJ. MANIFESTA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE ENTE FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Consoante a Súmula 150 do STJ, "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". Essa orientação é aplicável a qualquer que seja a forma de intervenção de ente federal na relação processual, inclusive por "chamamento ao processo", "nomeação à autoria" e "denunciação da lide". 2. Hipótese em que o Juízo Federal se pronunciou pela inexistência de interesse que justifique a presença de ente federal no feito. Assim, não há como afastar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no CC 96.634/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 05/03/2009).
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS FEDERAL E ESTADUAL. AÇÃO ORDINÁRIA. TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA UNIÃO. VERIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO INCIDENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas (Súmula 150 do STJ), não cabendo à Justiça estadual reexaminar a decisão, manifestando-se contrariamente (Súmula 254 do STJ). 2. "Excluída a União da lide pelo Juizado Federal competente, cabe ao interessado interpor o recurso ordinário próprio, descabendo discutir na via do conflito de competência a necessidade de reingresso do ente federal no feito" (AgRg no CC 109096/SC, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 10/06/2011). 3. A finalidade do conflito de competência é apenas resolver o juízo competente para o julgamento do feito, não sendo possível adentrar no mérito da causa (onde suscitado o conflito), ainda que a controvérsia se refira a preliminar, como, no caso, a legitimidade ad causam, nem em eventual nulidade da decisão do Juízo Federal, visto que tais matérias devem ser analisadas no bojo da ação ordinária. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no CC 167.955/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 17/03/2020, DJe 27/03/2020)
Assim, visualizando a existência de interesse jurídico do DNIT a justificar sua permanência na presente ação, entendo que a sentença recorrida deve ser reformada, a fim de que o feito seja processado perante esta Justiça Federal.
Por essas razões, respeitados os posicionamentos contrários, voto por dar provimento ao recurso.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MALHA FERROVIÁRIA. REGIME DE CONCESSÃO À INICIATIVA PRIVADA. DISCUSSÃO DE NATUREZA POSSESSÓRIA. AUSÊNCIA DAS PESSOAS JURÍDICAS MENCIONADAS NO ART. 109 DA CF. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.
1. Da análise dos documentos trazidos aos autos, denota-se que os fundamentos externados na decisão agravada revestem-se de plausibilidade jurídica, quais sejam: (i) havendo manifestação expressa das entidades autárquicas de que inexiste interesse na lide, não cabe ao Poder Judiciário obrigá-las a litigar; (ii) ausentes os entes públicos elencados no inciso I do artigo 109 da CF não se justifica o processamento dos autos perante o Juízo Federal
2. A parte autora é concessionária de serviço público, constituída sob a égide do direito privado. Através de Contrato de Arrendamento lhe foram transferidos os bens denominados “operacionais”, compostos por bens móveis e imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA.
3. O Superior Tribunal de Justiça assentou que o simples fato de a empresa expropriante ser concessionária de serviço público federal não desloca a competência para julgar as ações, por ela movidas, para a Justiça Federal, havendo necessidade de se comprovar o efetivo interesse jurídico.
4. Assim, o fato de uma das partes litigantes ser concessionária de serviço público federal não enseja a aplicação da regra de competência prevista no art. 109, I da CRFB/88. Precedentes.
5. Não se vislumbra in casu qualquer possibilidade de lesão eventual a bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas, pois a malha ferroviária em questão encontra-se sob regime de concessão à iniciativa privada, competindo à concessionária: promover as medidas necessárias, inclusive judiciais, à proteção dos bens arrendados contra ameaça ou ato de turbação ou esbulho que vier a sofrer, dando conhecimento a RFFSA, conforme cláusula quarta, X, do contrato de arrendamento (ID 145763935 - pág. 7).
6. A discussão travada nos autos é de natureza possessória entre particulares, não se está discutindo o domínio de bem público, de modo que o resultado do processo não atingirá a esfera jurídica da União, do DNIT ou da ANTT.
7. Agravo de instrumento desprovido.