Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004018-28.2016.4.03.6000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIERANGELO CAMILLO

Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004018-28.2016.4.03.6000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIERANGELO CAMILLO

Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

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RELATÓRIO

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por Pierangelo Camillo em face de sentença que julgou improcedente os pedidos de anulação de cláusula garantia vinculada à Cédula de Crédito Bancário nº. 20.242/0017/2014 (Custeio Agrícola), e de condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais que alega ter suportado.

Sustenta a parte apelante, em síntese, que em 16/04/2014 obteve um empréstimo junto à Caixa Econômica Federal no valor de R$ 366.741,16, destinado ao custeio do plantio de safra de soja, ficando ajustado que o valor contratado seria liberado em duas parcelas, sendo a primeira no ato de assinatura do contrato, e a segunda em 10/12/2014. Contudo, a instituição financeira deixou de creditar a segunda parcela sob o fundamento de que a tomadora do empréstimo estaria inadimplente em outro financiamento rural, ocasionando, com isso, graves prejuízos de ordem material e moral. Acrescenta que em 10/08/2018 tomou conhecimento da realização de leilão de seu único imóvel, dado em garantia na operação de crédito. Diante da improcedência de seus pedidos, requer a reforma da sentença alegando, para tanto: 1) intempestividade da contestação; 2) cerceamento de defesa em razão da impossibilidade de produção de prova oral e pericial; 3) rescisão unilateral do contrato por parte da instituição financeira; 4) má-fé da Caixa Econômica Federal ao apresentar laudo de fiscalização com data anterior ao efetivo comparecimento na propriedade do autor; 5) nulidade das cláusulas de garantia que tratam da alienação fiduciária de bem imóvel. Pugna, ao final, pelo reconhecimento da nulidade das cláusulas consideradas abusivas, com a condenação da apelada ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais que alega ter sofrido, e à restituição do imóvel alienado a terceiros pela CEF.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o breve relatório.

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0004018-28.2016.4.03.6000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIERANGELO CAMILLO

Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO CARLOS MONREAL - MS5709-A

APELADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: JULIO CESAR DIAS DE ALMEIDA - MS11713-A

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VOTO

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Iniciando pela pretendida aplicação dos efeitos da revelia em razão da alegada apresentação tardia da contestação, observo que de acordo com o art. 335, do CPC, o réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 dias, cujo termo inicial será a data da audiência de conciliação, ou do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência, apresentado pelo réu, ou ainda, nos demais casos, a data considerada no art. 231, do CPC, de acordo com o modo como foi feita a citação.

No caso dos autos, consta que a Caixa Econômica Federal foi citada em 18/04/2016 (fls. 139/verso, dos autos físicos), oportunidade em que foi cientificada da designação de audiência de tentativa de conciliação para 27/06/2016.  Em 07/06/2016, ou seja antes mesmo da realização da audiência, foi protocolizada a contestação. Com isso, não há que se falar em intempestividade da manifestação da ré.

  Ademais, sobre o instituto da revelia, dispõe o art. 344, do CPC, que se o réu não contestar a ação, a presunção de veracidade recairá apenas sobre as alegações de fato formuladas pelo autor, e desde que sejam verossímeis e não estejam em contradição com prova constante dos autos.

No que concerne ao alegado cerceamento de defesa pela impossibilidade de produção de prova oral e pericial, destaco que compete ao juiz a avaliação das provas necessárias ao julgamento do mérito, determinando, de ofício ou a requerimento da parte, a realização daquelas que se mostrarem indispensáveis à solução da lide e, de outro lado, indeferindo as que importem diligências inúteis ou protelatórias. É o que estabelece o artigo 370, do Código de Processo Civil (CPC):

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Concluindo pela desnecessidade de provas, notadamente quando as questões de mérito forem unicamente de direito, e estando a causa em condições de ser decidida, impõe-se ao juiz o julgamento antecipado da lide. Não se trata de mera faculdade, mas de um dever alinhado ao princípio constitucional da celeridade e da razoável duração do processo. Nesse sentido, dispõe o art. 355, do CPC:

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:

I - não houver necessidade de produção de outras provas;

II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349 .

No caso dos autos, entende a parte embargante que as realizações da prova técnica, bem como a oitiva de testemunhas, demonstrariam irregularidades no laudo de fiscalização que constatou a inexistência do plantio da soja, a exemplo de indefinição sobre o local exato da vistoria, ou das partes que estiveram presente no local. Note-se que o litígio está centrado nos prejuízos que teriam sido causados à parte autora em razão da não liberação da segunda parcela do crédito inicialmente pactuado, bem como na alegada impossibilidade de execução da garantia contratada, questões eminentemente de direito, comportando solução a partir da análise, por parte do julgador, da legalidade das condições pactuadas, passíveis de constatação a partir da verificação dos elementos constantes dos autos. Sem razão a parte apelante, portanto, nesse ponto específico.

Dito isso, cumpre destacar que o contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando com isso obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida.

Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade contratual, dado que, uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade das avenças e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer igualmente de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

Sobre a regência normativa, encontra-se sedimentado na jurisprudência o entendimento segundo o qual contratos bancários e de financiamento em geral se submetem à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Não bastasse a previsão contida no artigo 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/1990, segundo a qual “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”, a questão restou pacificada com a edição da Súmula 297 do E.STJ, nos seguintes termos: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”.

Análise detida nos termos do contrato celebrado entre as partes permite concluir pela inexistência de ofensa aos dispositivos previstos na legislação consumerista, notadamente às garantias da transparência, da boa-fé e do equilíbrio contratuais. Isso porque a redação das cláusulas pactuadas, além de respeitar as disposições legais que regem a matéria, propiciou ao devedor (quando da obtenção do empréstimo junto à instituição financeira) o entendimento exato do alcance das obrigações assumidas, não se vislumbrando regras abusivas ou lesivas que levassem a um desequilíbrio das relações jurídicas estabelecidas entre as partes.

Sobre o tema, note-se o que restou decidido pelo E.STF:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO. 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA. 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade. (ADI 2591, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-02 PP-00142 RTJ VOL-00199-02 PP-00481)

No mesmo sentido, trago à colação os seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região:

DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. I - Suficiente para o processo e julgamento da ação de cobrança que se demonstre a relação jurídica entre as partes e a existência do crédito. Precedente. II - Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor que não tem o alcance de autorizar a decretação de nulidade de cláusulas contratuais com base em meros questionamentos do devedor com alegações vagas e genéricas de abusividade. III - Recurso desprovido. (ApCiv 0006483-79.2008.4.03.6100, Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/03/2020.)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. APLICAÇÃO DO CDC - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. INCIDÊNCIA DA TABELA PRICE. FÓRMULA DE CÁLCULO DAS PRESTAÇÕES. JUROS OU ENCARGOS EXCESSIVOS OU ABUSIVOS. INOCORRÊNCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA INEXISTENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Aplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, nos termos da Súmula 297 do STJ. Essa proteção, porém, não é absoluta e deve ser invocada de forma concreta, comprovando o mutuário efetivamente a existência de abusividade das cláusulas contratuais ou de excessiva onerosidade da obrigação pactuada. 2. Ainda que se entenda que o cálculo dos juros pela utilização da Tabela Price implica em capitalização, tratando-se de contratos bancários firmados posteriormente à vigência da Medida Provisória nº 1.963-17, de 30/03/2000 (em vigor a partir da publicação no DOU de 31/03/2000), por diversas vezes reeditada, a última sob nº 2.170-36, de 23/08/2001, ainda em vigor por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11/09/2001, é lícita da capitalização dos juros, nos termos do artigo 5º. Precedente. 3. O sistema de amortização do saldo devedor pela utilização da Tabela Price não é vedado por lei. Além disso, é apenas uma fórmula de cálculo das prestações, em que não há capitalização de juros e, portanto, não há motivo para declarar a nulidade da cláusula questionada. Precedentes. 4. As instituições financeiras não estão sujeitas à limitação da taxa de juros, conforme entendimento de há muito firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 596. 5. No sentido de que a mera estipulação de juros contratuais acima de 12% não configura abusividade, que somente pode ser admitida em situações excepcionais, firmou-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça. 6. Destarte, observa-se não haver qualquer irregularidade ou ilegalidade no contrato firmado entre as partes, uma vez que quando a parte embargante contratou, sabia das taxas aplicadas e das consequências do inadimplemento. Uma vez inadimplente, não pode agora ser beneficiada com taxas diferentes das contratadas, devendo ser respeitado o princípio do pacta sunt servanda. 7. As Súmulas n. 30, 294 e 296 do Superior Tribunal de Justiça já reconheciam a legitimidade da aplicação da comissão de permanência, uma vez caracterizada a inadimplência do devedor, contanto que não haja cumulação com índice de atualização monetária ou taxa de juros. 8. A comissão de permanência, prevista na Resolução nº 1.129/1986 do BACEN, já traz embutida em seu cálculo a correção monetária, os juros remuneratórios e os encargos oriundos da mora. Desse modo, nenhum encargo decorrente da mora (como, v.g. juros moratórios) pode ser cumulado com a comissão de permanência, por configurar verdadeiro bis in idem. Precedente. 9. In casu, o exame dos discriminativos de débito revela a inexistência de cobrança de comissão de permanência, como se vê também no laudo elaborado pela Contadoria Judicial. Daí, inexiste cobrança cumulativa de comissão de permanência com outros encargos. 10. Apelação improvida.” (ApCiv 5000054-63.2018.4.03.6131, Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/04/2020.)

Ademais, nos termos do art. 51, IV, do CDC, ou do art. 423 e art. 424, ambos do Código Civil, as cláusulas abusivas estabelecem obrigações consideradas iníquas ou excessivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, vale dizer, notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. Assim, valendo-se da vulnerabilidade do contratante consumidor, tais cláusulas gerariam desequilíbrio contratual, com vantagem exclusiva ao agente econômico mais forte (fornecedor).

Não basta que um contrato seja de adesão para que suas cláusulas sejam consideradas abusivas, sendo necessário que tragam em si a desvantagem ao consumidor, como um desequilíbrio contratual injustificado.

Esse o entendimento adotado por este E.TRF da 3ª Região, conforme se observa no julgado transcrito a seguir:

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. EXEQUIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA CONTÁBIL. PRELIMINAR AFASTADA. CDC. CLÁUSULAS ABUSIVAS. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. BENEFÍCIO INDEFERIDO. RECURSO DESPROVIDO. I - No caso dos autos, há de se constatar que os valores, índices e taxas que incidiram sobre o valor do débito estão bem especificados, e que a questão relativa ao abuso na cobrança dos encargos contratuais é matéria exclusivamente de direito, bastando, porquanto, a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades. Logo, totalmente desnecessária a realização de prova pericial. II - Não obstante tratar-se de contratos de adesão, inexiste qualquer dificuldade na interpretação das cláusulas contratuais, de modo que descabe alegar desconhecimento do conteúdo dos contratos à época em que foram celebrados. III - Afiguram-se presentes os pressupostos de certeza, exigibilidade e liquidez, não havendo se falar em vício que macula o título executivo utilizado para a propositura da ação IV - Não logrou êxito a parte pessoa jurídica em comprovar hipossuficiência relativa as custas deste processo V - Recurso desprovido.” (ApCiv 5008236-53.2017.4.03.6105, Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/04/2020.)

Pelas características relatadas nos contratos combatidos, bem como à luz da legislação de regência, não há que se falar em cláusulas contratuais celebradas com conteúdo doloso ou excessiva onerosidade, mesmo porque o contratante tinha capacidade suficiente de entender os termos do contrato celebrado com a instituição financeira.

No que concerne à modalidade de garantia eleita pelas partes, vale frisar que a figura da alienação fiduciária é tradicional no direito brasileiro, sendo aceita amplamente como modalidade contratual, muito embora algumas de suas características tenham sido abrandadas pela interpretação constitucional (dentre elas, a impossibilidade de prisão civil, tal como assentado pelo E. STF na Súmula Vinculante 31, em razão da interação entre o Pacto de San José da Costa Rica e o sistema jurídico brasileiro).

Conforme o art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante.

Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá entregar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997).

Inclino-me pela constitucionalidade e pela validade do contrato firmado com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia, pois o teor da Lei nº 9.514/1997 se assenta em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de contratação, embora resulte em regime obrigacional diverso da tradicional garantia hipotecária. Isso porque, pela redação da Lei nº 9.514/1997 (com alterações), há equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com plena publicidade de atos e ampla possibilidade de as partes buscarem seus melhores interesses, inexistindo violação a primados constitucionais e legais (inclusive de defesa do consumidor). Para tanto, reafirmo que, na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para purgação da mora pelo devedor-fiduciante (no montante correspondente apenas às parcelas atrasadas, com acréscimos), há a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor-fiduciário, levando o bem a leilão pelo saldo devedor da operação de alienação fiduciária (ou seja, pelo valor total remanescente do contrato, em razão do vencimento antecipado das parcelas vincendas, mais encargos e despesas diversas da consolidação), no qual o devedor-fiduciante terá apenas direito de preferência. Observe-se que o contrato entre o devedor-fiduciante e o credor-fiduciário somente se extingue com a lavratura do auto de arrematação do imóvel em leilão público do bem, dada a necessidade de eventual acerto de contas em razão de eventual excedente.

Quanto ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante.

Esse procedimento ágil de execução do mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia é motivado pela necessária eficácia de políticas públicas que vão ao encontro da proteção do direito fundamental à moradia e ao Estado de Direito, de maneira que a inadimplência do compromisso de pagamento de prestações assumido conscientemente pelo devedor afronta os propósitos da Lei nº 9.514/1997 (expressão das mencionadas políticas públicas). Contudo, a retomada do imóvel pelo credor-fiduciário não exclui casos específicos da apreciação pelo Poder Judiciário.

A exemplo do procedimento de execução extrajudicial da dívida hipotecária previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, resta pacificado na jurisprudência a constitucionalidade do rito da alienação fiduciária de coisa imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997, conforme se pode notar pelos seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região:

CONSTITUCIONAL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL PREVISTA PELA LEI N. 9.514/97. INADIMPLEMENTO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. Com base no art. 370 do Código de Processo Civil, deve prevalecer a prudente discrição do magistrado no exame da necessidade ou não da realização de provas, de acordo com as peculiaridades do caso concreto.

2. No caso, basta a mera interpretação das cláusulas do contrato firmado entre as partes para se apurar eventuais ilegalidades, de modo que a prova pericial mostra-se de todo inútil ao deslinde da causa.

3. A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, de modo que, conforme disposto pela própria Lei n. 9.514/97, inadimplida a obrigação pelo fiduciante a propriedade se consolida em mãos do credor fiduciário.

4. Afasta-se de plano a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista pela Lei n. 9.514/97, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei n. 70/66 de há muito declarada constitucional pelo STF.

5. Os contratos de financiamento foram firmados nos moldes do artigo 38 da Lei n. 9.514/97, com alienação fiduciária em garantia, cujo regime de satisfação da obrigação (artigos 26 e seguintes) diverge dos mútuos firmados com garantia hipotecária.

6. A impontualidade na obrigação do pagamento das prestações pelo mutuário acarreta o vencimento antecipado da dívida e a imediata consolidação da propriedade em nome da instituição financeira.

7. Providenciada pela instituição financeira a intimação da parte devedora para purgar a mora acompanhada de planilha de projeção detalhada do débito e, posteriormente, para exercer seu direito de preferência previsto na legislação de regência, denota-se que foram observadas as regras do procedimento executório.

8. O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia não ofende os princípios fundamentais do contraditório ou ampla defesa, porquanto não impede que devedor fiduciante submeta à apreciação do Poder Judiciário eventuais descumprimentos de cláusulas contratuais ou abusos ou ilegalidades praticadas pelo credor.

9. Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFI, e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou demonstrada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.

10. Apelação não provida.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5026408-58.2017.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020).

                                   

APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - - AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CONSTITUCIONALIDADE DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO PREVISTO NA LEI 9.514/97 - SENTENÇA MANTIDA.

I - Não há que se confundir a execução extrajudicial do Decreto-lei nº 70/66 com a alienação fiduciária de coisa imóvel, como contratado pelas partes, nos termos dos artigos 26 e 27 da Lei nº 9514/97.

II - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. Precedentes desta E. Corte.

III - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei consumerista aos contratos regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário e que se trate de contrato de adesão, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência.

IV - Recurso desprovido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma,  ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002391-35.2016.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020).

 

No mesmo sentido da validade dos procedimentos da Lei nº 9.514/1997, já se manifestou o C. STJ:

SFI - SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. LEI 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DO FIDUCIANTE. CONSOLIDAÇÃO DO IMÓVEL NA PROPRIEDADE DO FIDUCIÁRIO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO. IRREGULARIDADE NA INTIMAÇÃO. PRETENSÃO, DO CREDOR, A OBTER A REINTEGRAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL ANTERIORMENTE AO LEILÃO DISCIPLINADO PELO ART. 27 DA LEI 9.514/97. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI.

1. Os dispositivos da Lei 9.514/97, notadamente seus arts. 26, 27, 30 e 37-A, comportam dupla interpretação: é possível dizer, por um lado, que o direito do credor fiduciário à reintegração da posse do imóvel alienado decorre automaticamente da consolidação de sua propriedade sobre o bem nas hipóteses de inadimplemento; ou é possível afirmar que referido direito possessório somente nasce a partir da realização dos leilões a que se refere o art. 27 da Lei 9.514/97.

2. A interpretação sistemática de uma Lei exige que se busque, não apenas em sua arquitetura interna, mas no sentido jurídico dos institutos que regula, o modelo adequado para sua aplicação. Se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada de um contrato firmado com o credor fiduciante, a resolução do contrato no qual ela encontra fundamento torna-a ilegítima, sendo possível qualificar como esbulho sua permanência no imóvel.

3. A consolidação da propriedade do bem no nome do credor fiduciante confere-lhe o direito à posse do imóvel. Negá-lo implicaria autorizar que o devedor fiduciário permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, na medida em que a Lei 9.514/97 estabelece, em seu art. 37-A, o pagamento de taxa de ocupação apenas depois da realização dos leilões extrajudiciais. Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa.

4. Recurso especial não provido”.

(STJ, 3ª Turma, REsp 1155716/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 13/03/2012, DJe 22/03/2012 RB vol. 582 p. 48).

Feitas essas considerações, verifico que, no caso dos autos, em 16/04/2014 o autor Pierangelo Camillo emitiu em favor da Caixa Econômica Federal a Cédula de Crédito Bancário nº. 20.242/0017/2014 (custeio agrícola), representativa de empréstimo no valor de R$ 366.741,16, cuja liberação se daria em duas parcelas, sendo a primeira, no valor de R$ 239.665,34, no ato da contratação, e a segunda, no valor de R$ 127.075,83, em 10/12/2014, recursos esses destinados ao custeio da produção de soja em área arrendada pelo emitente.

A operação teve por garantia o penhor das colheitas de soja em grãos do período agrícola do ano safra 2014/2015, estimada em 13.920 sacas de 60 kg a R$ 51,60, perfazendo um total de R$ 714.241,00, e ainda a alienação fiduciária do imóvel de titularidade do devedor.

Ocorre que a segunda parcela a ser disponibilizada deixou de ser liberada, caracterizando, no entendimento do autor, descumprimento unilateral das obrigações assumidas pela instituição credora, inviabilizado totalmente a lavoura, além de impedir a restituição do valor correspondente à primeira parcela. Pretende, com a presente ação, a reparação dos prejuízos de ordem material e moral suportados, além da anulação das cláusulas contratuais que tratam da garantia oferecida, notadamente, a alienação fiduciária de bem imóvel de sua propriedade, sob o fundamento de que não seria admitida nessa modalidade contratual e de se tratar, o imóvel dado em garantia, de bem de família.

A propósito da não liberação da segunda parcela do financiamento, cumpre destacar que de acordo com o item “b”, da cláusula de vencimento antecipado da dívida, “a Caixa também poderá considerar integralmente vencida e exigível a dívida resultante de operações existentes quando o emitente (...) deixar de cumprir com qualquer obrigação legal ou convencional prevista em qualquer outro financiamento rural no qual o emitente figure como devedor”.

Foi justamente esse o motivo que ensejou o bloqueio da parcela do valor contratado que aguardava a liberação, bem como o vencimento antecipado da dívida, já que a parte emitente estava inadimplente em diversas operações de crédito com outras instituições financeira, conforme registros lançados entre as datas de liberação da primeira e segunda parcelas do montante financiado, constantes do espelho da pesquisa realizada pela Caixa, anexado aos autos por ocasião da contestação, com destaque para a inadimplência certificada no Sistema Nacional de Crédito Rural junto ao Banco do Brasil.

Some-se ainda o fato de a Caixa ter realizado uma fiscalização em 09/09/2014, na propriedade arrendada pelo devedor, na qual seria realizada a plantação, constatando-se a inexistência da lavoura de soja objeto do financiamento (fls. 150/152, dos autos físicos). Verifica-se, portanto, a existência de motivação para a não liberação da segunda parcela do crédito pactuado, assim como para o vencimento antecipado da dívida, com a consequente execução da garantia contratada.

Se algum prejuízo foi suportado pela devedora em razão da não obtenção do montante integral pretendido, ele não pode ser atribuído à Caixa, que se ateve estritamente às condições pactuadas para reaver o valor do mútuo, tão logo ficaram evidenciadas as circunstâncias em face das quais estava previsto o vencimento antecipado da dívida. Em outros termos, não restou comprovado nexo de causalidade entre a conduta, repito, legítima, da Caixa, e os danos que a ora apelante alega ter suportado.

No que concerne à alegada impenhorabilidade do imóvel oferecido em garantia por se tratar de bem de família,  entendo que o caso em tela não deve ser analisado ao abrigo da Lei 8.009/1990, que, em seu art. 1º, prevê que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei.

Ainda que esses bens possam ser caracterizados como bens de família, o art. 3º, V, da mesma Lei nº. 8.009/1990, admite que a impenhorabilidade seja afastada para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

A jurisprudência sobre o tema é assente no sentido de que o garantidor que renunciou a tal proteção legal ao celebrar a alienação fiduciária do bem de família, não pode posteriormente opor a impenhorabilidade do bem, pugnando por sua exclusão. Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. CONTRATO DE FACTORING. NULIDADE. QUESTÃO PRECLUSA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL RECONHECIDO COMO BEM DE FAMÍLIA. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE FERE A ÉTICA E A BOA-FÉ. 1. Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, em razão de contrato de fomento mercantil firmado entre as partes. 2. O propósito recursal é, a par da análise da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, definir se é nulo o contrato de fomento mercantil firmado entre as partes, bem ainda se é válida a alienação fiduciária de imóvel reconhecido como bem de família. 3. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. 4. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pela recorrente em suas razões recursais, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 5. Apenas em sede de recurso especial a recorrente vem defender a inexistência de nulidade do instrumento celebrado entre as partes, mostrando-se inviável a sua análise, ante a inegável ocorrência da preclusão. 6. A questão da proteção indiscriminada do bem de família ganha novas luzes quando confrontada com condutas que vão de encontro à própria ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais. 7. Não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão (vedação ao comportamento contraditório). 8. Tem-se, assim, a ponderação da proteção irrestrita ao bem de família, tendo em vista a necessidade de se vedar, também, as atitudes que atentem contra a boa-fé e a eticidade, ínsitas às relações negociais. 9. Na hipótese dos autos, não há qualquer alegação por parte dos recorridos de que houve vício de vontade no oferecimento do imóvel em garantia, motivo pelo qual não se pode extrair a sua invalidade. 10. Ademais, tem-se que a própria Lei 8.009/90, com o escopo de proteger o bem destinado à residência familiar, aduz que o imóvel assim categorizado não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra de outra natureza, mas em nenhuma passagem dispõe que tal bem não possa ser alienado pelo seu proprietário. 11. Não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade, nos termos do art. 22 da Lei 9.514/97. 12. Reconhecida, na espécie, a validade da cláusula que prevê a alienação fiduciária do bem de família, há que se admitir que o imóvel, após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, seja vendido, nos termos do art. 27 da já referida lei. 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp 1677015/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2018, DJe 06/09/2018).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANÁLISE. INVIABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO. ART. 3º, V DA LEI 8.009/1990. OFERECIMENTO EM GARANTIA DO PRÓPRIO CONTRATO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS E MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. Sob pena de usurpação da competência exclusiva atribuída ao STF, a via especial é inadequada para análise de arguição de contrariedade a texto constitucional. 2. Segundo o 3º, inciso V, da Lei 8.009/1990, a impenhorabilidade do bem de família não é oponível para obstar a execução de hipoteca sobre bem imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar. 3. Hipótese em que o acórdão recorrido assentou que essa é a circunstância presente nos autos, de modo que obstar a execução, no caso concreto, encontra obstáculo nas Súmulas 5 e 7 deste Tribunal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (STJ, AgRg no AREsp 531.879/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 19/02/2016)

No caso dos autos, a constituição da garantia foi firmada por ambos os cônjuges e proprietários do bem que, entre outras obrigações, consentiram com a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira credora em caso de descumprimento das obrigações garantidas. Permitir a invocação da impenhorabilidade do bem ofertado pelo próprio casal, depois que se beneficiaram do crédito obtido e se tornarem inadimplentes, seria legitimar o oferecimento simulado, em desfavor da parte credora, de garantia cuja imprestabilidade os devedores, de antemão, já conheciam.

Em suma, tenho como válida a alienação fiduciária do imóvel oferecido em garantia pelos autores, devendo ser mantida, integralmente a sentença recorrida.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

Considerando o insucesso do recurso interposto, com a manutenção da decisão recorrida, aplica-se a regra da sucumbência recursal estabelecida no art. 85, § 11, do CPC, pelo que majoro em 20% os honorários advocatícios fixados na sentença, observando-se o disposto no art. 98, § 3º, do CPC, ante à concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita à parte apelante.

É como voto.



EMENTA

 

PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO (CUSTEIO AGRÍCOLA). CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS E ENCARGOS ABUSIVOS. DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES PACTUADAS. MOTIVAÇÃO PARA O VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELOS DANOS MATERIAIS E MORAIS ALEGADOS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. ARGUIÇÃO DE IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. INOPONIBILIDADE. ANUÊNCIA DO CASAL PROPRIETÁRIO.

- Compete ao juiz a avaliação da necessidade das provas requeridas pelas partes para o julgamento do mérito, determinando a realização daquelas que se mostrarem indispensáveis à solução da lide e, de outro lado, indeferindo as que importem diligências inúteis ou protelatórias, não se caracterizando cerceamento de defesa o indeferimento de provas consideradas desnecessárias.

- Contratos bancários e de financiamento em geral se submetem à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 297 do E.STJ e posicionamento do E.STF na ADI 2591/DF. Não basta que um contrato seja de adesão para que suas cláusulas sejam consideradas abusivas, sendo necessário que tragam em si desvantagem ao consumidor, como um desequilíbrio contratual injustificado.

- São constitucionais e válidos os contratos firmados conforme a Lei nº 9.514/1997, pois se assentam em padrões admissíveis pelo ordenamento brasileiro e pela liberdade de negociar, notadamente com equilíbrio nas prerrogativas e deveres das partes, com publicidade de atos e possibilidade de defesa de interesses, inexistindo violação a primados jurídicos (inclusive de defesa do consumidor).

- De acordo com o art. 1º, da Lei nº. 8.009/1990, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nessa lei, entre as quais a contida no art. 3º, V, do mesmo diploma legal, que admite que a impenhorabilidade seja afastada para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.

-No caso dos autos, a parte autora contratou um empréstimo para custeio de produção agrícola, que seria liberado em duas etapas, sendo que a segunda delas restou retida em razão da constatação de violação de disposições contratuais relativas à existência de débitos em outros financiamento, além da constatação, em fiscalização realizada na propriedade arrendada pelo autor, de que recursos não foram utilizados para a finalidade contratada, autorizando, com isso, o vencimento antecipado da dívida, com a execução da garantia contratada (alienação fiduciária de bem imóvel).

- A constituição da garantia foi firmada por ambos os cônjuges e proprietários do bem que, entre outras obrigações, consentiram com a consolidação da propriedade em nome da instituição financeira credora em caso de descumprimento das obrigações garantidas. Permitir a invocação da impenhorabilidade do bem ofertado pelo próprio casal, depois que se beneficiaram do crédito obtido e se tornarem inadimplentes, seria legitimar o oferecimento simulado, em desfavor da parte credora, de garantia cuja imprestabilidade os devedores, de antemão, já conheciam.

- Recurso não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.