Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002324-58.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SINIGALLIA CAMILO PINTO - SP131587-A, GUILHERME ALVES COUTINHO - SP384981-A, GUILHERME PINHEIRO AMARAL - SP329761-A, MARCELA VIEIRA DA SILVA - SP406910-A, PAOLA MARTINS FORZENIGO - SP330827-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002324-58.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SINIGALLIA CAMILO PINTO - SP131587-A, PAOLA MARTINS FORZENIGO - SP330827-A, GUILHERME ALVES COUTINHO - SP384981-A, MARCELA VIEIRA DA SILVA - SP406910-A, GUILHERME PINHEIRO AMARAL - SP329761-A
 

 

 R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença de Id n. 256432080, que absolveu Martin Afonso de Sousa Bueno da imputação da prática do delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

A acusação alega, em síntese:

a) ser caso de reforma da sentença com a condenação do réu pela prática do delito tipificado no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, ante a comprovação da tipicidade e da autoria delitiva;

b) nesse sentido, sustenta que a empresa do acusado (Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação Ltda.) efetuou compensações de contribuições previdenciárias com créditos adquiridos de terceiros, decorrentes de alegado precatório trabalhista, por meio de dez requerimentos ao longo do ano de 2011, o que é expressamente vedado pela legislação (art. 74, § 12, II, “a”, da Lei n. 9.430/96; bem como arts. 34, 44 e 56 da Instrução Normativa RFB n. 900, de 30.12.08), de modo a restar claro o intuito de burlar o pagamento de tributos;

c) ademais, que “a empresa juntou aos autos apenas escrituras de cessão dos créditos trabalhistas da empresa R. BENETTI CONSULTORIA à SAVON, mas inexiste nos autos a prova de titularidade dos créditos pela R.BENETTI (por ex., cópia da sentença condenatória da União e da habilitação da R. BENETTI como credora do valor, já que não fazia parte da ação trabalhista)”;

d) cuidar-se de um empresário experimente, único sócio administrador de companhia com mais de mil funcionários, que “contratou uma consultoria (destacada em outros casos pelo mesmo modus operandi) para compensar tributos mediante precatórios de terceiros, oriundos de uma ação trabalhista em estado diverso. Todavia, não há comprovação da existência e do valor do crédito usado nas compensações, sendo que tais compensações eram vedadas legalmente desde 2004, além do que há normativos internos da RFB e entendimento jurisprudencial consolidado vedando a utilização destes créditos de terceiros”;

c) não haver dúvidas de que o acusado prestou informações falsas às autoridades tributárias, consistentes “na simulação de compensação tributária indevida, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os impostos”;

d) o elemento subjetivo do tipo, por sua vez, também está demonstrado, pois o réu era, na época dos fatos, o único administrador da companhia, “sendo certo que partiu dele a decisão de adquirir e utilizar os supostos créditos oriundos de precatório trabalhista para compensar indevidamente contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica” (Id n. 256432083).

Foram apresentadas contrarrazões pela defesa (Id n. 256432089).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. José Roberto Pimenta Oliveira, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id n. 257104886).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002324-58.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SINIGALLIA CAMILO PINTO - SP131587-A, GUILHERME ALVES COUTINHO - SP384981-A, GUILHERME PINHEIRO AMARAL - SP329761-A, MARCELA VIEIRA DA SILVA - SP406910-A, PAOLA MARTINS FORZENIGO - SP330827-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Inicialmente, ressalto a estima e admiração que nutro pelo E. Relator, Desembargador Federal André Nekatschalow, de quem ouso divergir nos seguintes termos.

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da  sentença (ID 256432080), proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São Paulo/SP, que absolveu MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO da imputação da prática do delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Em sede de razões recursais (ID 256432083), a acusação requereu a reforma da r. sentença, a fim de que o réu seja condenado pela prática do delito tipificado no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90. Alegou, em síntese, que o fato é típico e que a materialidade, a autoria e o dolo restaram comprovados nos autos. Nesse sentido, sustentou que: a) a empresa do acusado (Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação Ltda.) efetuou compensações de contribuições previdenciárias com créditos adquiridos de terceiros, decorrentes de alegado precatório trabalhista, por meio de dez requerimentos ao longo do ano de 2011, o que é expressamente vedado pela legislação (art. 74, § 12, II, “a”, da Lei n. 9.430/96; bem como arts. 34, 44 e 56 da Instrução Normativa RFB n. 900, de 30.12.08), de modo a restar claro o intuito de burlar o pagamento de tributos. b)“a empresa juntou aos autos apenas escrituras de cessão dos créditos trabalhistas da empresa R. BENETTI CONSULTORIA à SAVON, mas inexiste nos autos a prova de titularidade dos créditos pela R.BENETTI (por ex., cópia da sentença condenatória da União e da habilitação da R. BENETTI como credora do valor, já que não fazia parte da ação trabalhista)”; c) trata-se de empresário experimente, único sócio administrador de companhia com mais de mil funcionários, que “contratou uma consultoria (destacada em outros casos pelo mesmo modus operandi) para compensar tributos mediante precatórios de terceiros, oriundos de uma ação trabalhista em estado diverso. Todavia, não há comprovação da existência e do valor do crédito usado nas compensações, sendo que tais compensações eram vedadas legalmente desde 2004, além do que há normativos internos da RFB e entendimento jurisprudencial consolidado vedando a utilização destes créditos de terceiros”; d) não há dúvidas de que o acusado prestou informações falsas às autoridades tributárias, consistentes “na simulação de compensação tributária indevida, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os impostos”; e) “sendo certo que partiu dele a decisão de adquirir e utilizar os supostos créditos oriundos de precatório trabalhista para compensar indevidamente contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica".

O voto do E. Relator é no sentido de dar provimento à apelação do Ministério Público Federal, para o fim de condenar o réu Martin Afonso de Sousa Bueno à pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pena corporal substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo prazo da pena privativa de liberdade.

Com a devida vênia, divirjo do E. Relator para absolver o réu, nos termos do art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, por não vislumbrar dolo em sua conduta.

Acompanho o E. Relator no tocante à comprovação da materialidade e da autoria.

Não obstante, pelo conjunto probatório produzido, entendo que não restou demonstrado o elemento subjetivo do tipo. 

Vejamos.

Narra a denúncia, em suma, que o acusado teria, na qualidade de administrador da empresa Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação LTDA., reduzido, no ano de 2011, contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica mencionada, mediante a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias, consubstanciadas na “simulação de compensação tributária indevida”, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os tributos devidos.

Naquele ano de 2011, em dez oportunidades (dez procedimentos administrativos tributários), o réu teria se utilizado de créditos, oriundos de um precatório trabalhista adquirido de terceiros, para compensar débitos previdenciários da empresa, que alcançaram o montante de R$ 626.868,28 (seiscentos e vinte e seis mil, oitocentos e sessenta e oito reais e vinte e oito centavos), o que seria vedado pela Lei nº 11.051/2004, que alterou a Lei nº 9.430/1996.

No caso dos autos, a Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação LTDA. declarou os tributos devidos e, na própria GFIP, informou a compensação com os créditos adquiridos de terceiros. Tais créditos foram adquiridos pelo contribuinte previamente e eram oriundos de uma dívida da União com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima.

Embora a legislação tributária não admita a compensação de créditos de terceiros, o fato de o réu ter submetido o pleito ao Fisco, em formato de papel, possibilitando o conhecimento e as medidas por parte da autoridade fiscal, diferentemente do que ocorre em processos dessa espécie, denota ausência de dolo de ilidir o pagamento de tributo mediante fraude ou omissão.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso da acusação, a fim de manter a absolvição de MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO da imputação da prática do delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

É COMO VOTO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0002324-58.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO

Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SINIGALLIA CAMILO PINTO - SP131587-A, PAOLA MARTINS FORZENIGO - SP330827-A, GUILHERME ALVES COUTINHO - SP384981-A, MARCELA VIEIRA DA SILVA - SP406910-A, GUILHERME PINHEIRO AMARAL - SP329761-A

 

 

 

 V O T O

 

Imputação. Martin Afonso de Sousa Bueno foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90:

 

Consta dos autos que MARTIN AFONSO DE SOUZA BUENO, na qualidade de único administrador da empresa SAVON INDUSTRIA, COMERCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, CNPJ nº 04.184.711/0001-14, com sede nesta capital, de forma consciente e voluntária, reduziu contribuições previdenciárias devidas pela empresa referentes ao ano calendário de 2011, mediante a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias, consubstanciadas na simulação de compensação tributária indevida, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os impostos.

Segundo apurado pela Receita Federal em ação fiscal, a SAVON efetuou compensações de débitos previdenciários com a utilização de créditos de terceiros, oriundos de um pretenso precatório trabalhista, em 10 (dez) oportunidades durante o ano de 2011 (cf. Representação Fiscal para Fins Penais de fls. 07/09 e Termo de Verificação Fiscal de fls. 192/198). Os valores indevidamente compensados alcançaram, à época, o montante de R$452.862,13 (cf. tabelas de fls. 07 e 192/193).

Ocorre que, desde 2004, com o advento da Lei nº 11.051, que alterou a Lei nº 9.430/96, é vedado compensar tributos administrados pela Receita Federal com créditos de terceiros. Ademais, como destacado na ação fiscal, as instruções normativas da Receita Federal do Brasil vedam, expressamente, a compensação de contribuições sociais previdenciárias com quaisquer outras espécies de tributos. No caso em tela os créditos de terceiros incluídos para compensação eram de natureza trabalhista, ou seja, sequer referiam-se a tributos federais.

Percebe-se, portanto, que a empresa deliberadamente utilizou pretensos créditos trabalhistas de terceiros para tentar burlar e fraudar o pagamento de tributos, mediante uma compensação indevida, o que caracteriza a prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e a consecução do delito tipificado no artigo 11, inciso I da Lei nº 8.137/90.

Constatada a redução de tributos federais, foi lavrado, em desfavor da empresa, o DEBCAD nº 51.040.120-1, referente às contribuições sociais previdenciárias compensadas de maneira ilegal, no montante de R$626.868,28 - atualizado até novembro de 2013 (fls. 199 e 202).

O crédito tributário tornou-se definitivo na seara administrativa em 26 de dezembro de 2013 e foi inscrito em dívida ativa em 29 de dezembro de 2016, inexistindo informação de que tenha sido quitado ou parcelado (fls. 31 e 85).

Assim, a materialidade delitiva resta inequívoca diante do Procedimento Administrativo Fiscal nº 10880.723.725/2013-98 (íntegra na mídia de fl. 17), no bojo do qual foi lavrado o DEBCAD que atesta a redução de tributos devidos, bem como pelas informações de fls. 31 e 85, que confirmam o fato do crédito se encontrar definitivamente constituído e ativo, sem qualquer parcelamento vigente. O próprio acusado, quando ouvido em sede policial, declarou que o lançamento não foi quitado ou parcelado (fl. 68).

Quanto à autoria, esta também é inconteste. Conforme se infere do contrato social da empresa, no ano de 2011 a SAVON possuía apenas dois sócios, quais sejam, o denunciado MARTIN AFONSO DE SOUZA BUENO e outra empresa denominada MASB PARTICIPAÇOES LTDA, que também era administrada por MARTIN (fls. 104/119, 176/178 e 204/217). O acusado, ressalte-se, era também o único administrador da empresa (Cláusula 4ª do contrato social - fl. 209).

Ademais, mesmo após a entrada da P. B. I. PARTICIPAÇOES E ADMINISTRAÇÃO DE BENS PROPRIOS LTDA, na 34ª alteração contratual da SAVON, ocorrida em dezembro de 2011, o acusado permaneceu como único administrador da empresa, conforme determinado na Cláusula 4ª do contrato social (fls. 112). Some-se a isso o fato do acusado ter admitido, quando ouvido no inquérito, que era o administrador da SAVON, bem como ter demonstrado conhecimento da ação fiscal e das razões expostas pela RFB para o lançamento dos tributos (fl. 68).

Ante todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia MARTIN AFONSO DE SOUZA BUENO como incurso no artigo 10, inciso I, da Lei 8.137/90 (...) (Id n. 256431618, p. 3/6).

  

Da materialidade. A materialidade delitiva está comprovada pelos elementos indicados a seguir:

a) Procedimento Administrativo Fiscal n. 10880.723.725/2013-98 (Id n. 256431617, p. 13 e ss. e p. 228 e ss.; e Id n. 256431930, p. 3 e ss.);

b) Representação Fiscal para Fins Penais n. 10880.723.726/2013-32, em desfavor da empresa Savon Indústria, Comércio, Importação e Exportação Ltda., apontando que esta efetuou compensações indevidas de débitos previdenciários com créditos adquiridos de terceiros, oriundos de precatório trabalhista, por meio de dez requerimentos durante o ano de 2011 (Id n. 256431617, p. 14/16).

c) Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário (COMPROT n. 10880.723725/2013-98), indicando o valor da contribuição previdenciária devida pela empresa no valor de R$ 452.862, 11 (quatrocentos e cinquenta e dois mil oitocentos e sessenta e dois reais e onze centavos), não incluídos juros e multa (Id n. 256431617, p. 237).

d) o crédito tributário foi definitivamente constituído em 26.12.13 (Id n. 256431617, p. 40) e, posteriormente, foi inscrito em Dívida Ativa da União em 29.12.16 (Id n. 256431617, p. 111); e

e) escrituras públicas de cessão e sub-rogação de direitos creditórios em favor da empresa Savon, tendo como outorgante cedente a companhia R. Benetti Consultoria Assessoria e Participação Empresarial Ltda., indicando que esta se tornou, por sucessão da Benetti – Prestadora de Serviços Ltda., detentora de créditos e direitos oriundos de reclamação trabalhista promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima – SINTER em face da União, decorrente dos autos VTBV-054/90, em trâmite na Justiça do Trabalho de Boa Vista (RR) (Id n. 256431617, p. 255/258; Id n. 256432065, p. 22/29 e Id n. 256432067, p. 24/27).

 

Da autoria. No que concerne à autoria delitiva, foram amealhados os seguintes elementos de convicção.

Inicialmente, de acordo com as informações constantes do contrato social da empresa Savon Indústria, Comércio, Importação e Exportação Ltda.  (Id n. 256431617, p. 246, e Id n. 256431574, p. 7) e de ficha cadastral perante a Junta Comercial do estado de São Paulo (JUCESP) (Id n. 256431617, p. 112/114), o réu Martin Afonso de Sousa Bueno era sócio administrador e responsável pela sociedade na época dos fatos.

Ouvido em sede policial, o acusado Martin Afonso de Sousa Bueno afirmou:

 

que é administrador não sócio da empresa Savon. O auto de infração foi recebido por pessoa alheia aos quadros de funcionários a época, sendo que tomei conhecimento dessa autuação somente em janeiro/2014, não sendo mais possível tomar as medidas administrativas para contestar a decisão. O auto de infração versa sobre compensações, porém, vários dos processos mencionados estão aguardando julgamento de recurso. Causa estranheza, a lavratura do auto de infração, e ainda mais o presente inquérito, já que o assunto não foi superado, devendo aguardar as decisões dos diversos recursos pendentes de julgamento. As compensações foram efetuadas com base na legislação. Os impostos não foram pagos ou parcelados, pois, aguardam decisão final dos recursos que versam sobre as compensações. A Savon encontra-se em Recuperação Judicial desde abril de 2015, devido a dificuldades financeiras (Id n. 256431617, p. 82).

 

Ainda no âmbito administrativo, Aparecida dos Santos Silva indicou:

 

QUE trabalhou na empresa SAVON, em 15/04/2004. QUE a razão social mudou ao longo do, tempo, na seguinte ordem: CBA COM. IMP. EXP. LTDA: SERRALESTE IND. COM. IMP. EXP. LTDA: SAVON IND. COM. IMP. EXP. LTDA; e COROA IND. COM. S/A QUE sempre trabalhou para o mesmo empregador, houve apenas a alteração da razão social. QUE o objeto dos negócios eram, preponderantemente, cestas básicas, cestas de natal e cartão refeição e alimentação, por algum tempo. QUE, a empresa contava com setores específicos em sua administração, seja na área de notas fiscais, financeiro, dentre outros. QUE recorda-se que havia sistematização e organização, de modo que nunca presenciou a venda de produtos sem a respectiva nota fiscal. QUE MARTIN AFONSO DA SILVA BUENO era um dos sócios da empresa. QUE não o conheceu pessoalmente, apenas o via em eventos e festas da empresa. QUE em suma, a gestão da empresa era dividida, conforme os setores específicos. QUE em janeiro de 2015, soube que um incêndio atingiu o galpão da empresa; QUE em março de 2015, solicitou a demissão da empresa. QUE não recebeu nenhuma verba rescisória. QUE nessa mesma época, a empresa solicitou recuperação judicial, conforme soube por terceiros. QUE não sabe precisar quem era a pessoa responsável pela gestão fiscal da empresa no ano de 2011 (Id n. 256431617, p. 168).

 

Em Juízo, a testemunha de acusação Ronaldo Silva Mascarenhas, Auditor da Receita Federal do Brasil que participou da fiscalização que subjaz a esta ação penal, afirmou que essa teve origem em um pedido de compensação formulado em papel de forma irregular. Esclareceu que a empresa Savon entrou com vários pedidos de compensação em papel, na época em que a testemunha era lotada em Feira de Santana (BA), de forma irregular, porque o pedido foi realizado em papel, o que não era devido, e buscava compensar débitos previdenciários, o que deveria ser realizado por GFIP, além de utilizar créditos de terceiros, precatórios trabalhistas de um sindicato de professores de Roraima, razão pela qual o pedido foi considerado “não declarado”, pois não poderia ser aceito, resultando no lançamento fiscal. Indagado, disse que a análise se deu com base apenas na documentação, não existindo diligência ou oitiva no procedimento fiscal. Afirmou que atua como Auditor Fiscal desde 2008 e que as compensações não poderiam ser autorizadas. Questionado, reafirmou que créditos de precatórios de terceiros não podem ser utilizados para a compensação pretendida. Não soube informar se houve recurso ao Carf, desconhecendo se algum auto de infração seu já foi reformado (Ids n. 256432034 e 256432035)

Igualmente em Juízo, a testemunha de defesa Michele Cristina Cunha Galina declarou ter sido funcionária da empresa Savon no ano de 2011, ocupando o cargo de supervisora contábil, sendo que agora presta serviços contábeis para a companhia. Segundo a depoente, naquele ano, a Savon possuía, além da matriz, que ficava no estado da Bahia, três filiais, localizadas nos municípios de Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ) e Jundiaí (SP), unidade no qual atuava, reportando-se a um contador, Sergio Bracco. De acordo com a testemunha, a Savon possuía, na época, cerca de 1.300 funcionários, sendo que a parte administrativa era centralizada em Jundiaí (SP), mas em cada estabelecimento existiam gerentes de contabilidade, financeiro, comercial e de recursos humanos. Nesse contexto, afirmou que o réu Martin atuava como administrador, recordando-se do contador Bracco “fechar os balanços” e que semanalmente era apresentado o DRE para acompanhamento do resultado, sobre como estava indo a empresa. Indagada, aduziu que o acusado não participava do recolhimento dos tributos ou da declaração de compensação, pois isso ficava a cargo de cada departamento. Relatou que o departamento contábil era responsável pela apuração de tributos, mas que, em se tratando de contribuições previdenciárias, competia ao departamento de RH a apuração e a comunicação ao financeiro da empresa, para que fosse efetuado o pagamento. Em relação às compensações de contribuições previdenciárias apuradas nos autos, a depoente declarou que, após ser intimada a depor no presente feito, “levantou” nos registros contábeis que os tributos foram apurados corretamente, ou seja, pelo “valor cheio”. Segundo a testemunha, nas GFIPs transmitidas à Receita Federal, esses montantes foram indicados, porém também foram inseridos, em campo próprio, valores a serem compensados em razão do precatório e um valor residual líquido, que foi efetivamente recolhido pela empresa. Confirmou que o valor foi declarado integralmente, com a consignação de um abatimento relacionado à compensação. Segundo a testemunha, para gerência era formado um DRE referente ao resultado da empresa, em que se analisava a meta de vendas, o faturamento, as despesas e o resultado final da companhia, com lucro ou prejuízo, de modo que o foco nas reuniões era esse último item, se a empresa estava sendo rentável ou não, de forma que essas compensações nem seriam “enxergadas” pelo réu, pois não apareceriam no DRE, onde constaria apenas a apuração e não a forma de pagamento dos tributos, que envolveria a compensação. Questionada sobre a equipe em Feira de Santa (BA), afirmou que havia departamentos financeiro, comercial e RH, mas não soube informar o número de funcionários na época. Indagada, afirmou que se recebessem uma intimação da Receita Federal ou da Fazenda encaminhavam para o departamento responsável, se previdenciário, por exemplo, iria para o RH. Disse não ter notícia de intimação relativa ao caso apurado nos autos. Questionada, aduziu que o contador Sergio Bracco se reunia com Martin, e também com advogados do escritório de advocacia Melo, Salomé e Ambrosio, que prestava assessoria em matéria tributária para a Savon, sendo que toda análise e crédito “levantado” na empresa eram verificados por eles, que emitiam um parecer, oferecendo suporte sobre a legalidade das atuações. Por outro lado, segundo a depoente, a orientação sobre a possibilidade de compensação de contribuições previdenciárias devidas pela empresa com créditos oriundos de precatório trabalhista teria partido do escritório Benetti, que cedeu onerosamente os créditos para a Savon. A testemunha disse que não participou de reuniões com os advogados que usualmente prestavam assessoria à Savon, ou ainda com representantes do escritório Benetti. Questionada, afirmou que, em consulta aos sistemas da Receita Federal, verificou que alguns procedimentos tributários ainda estão em andamento, não foram finalizados. Reiterou que a compensação não “zerava” o valor devido, pois ainda existia um saldo remanescente, que não poderia ser compensado. Informou que em maio de 2015 a empresa Savon entrou em recuperação judicial, não estando mais em operação, de modo que não tinha como efetuar o pagamento ou o parcelamento dos valores. Perguntada, disse que o réu ficava na unidade de Jundiaí (SP) e que o acompanhamento das outras filiais se dava em reuniões trimestrais ou semestrais para informar quais os resultados de cada filial. Questionada, respondeu que suas afirmações sobre as compensações se baseiam em elementos colhidos posteriormente aos fatos, não tendo deles participado diretamente. Quanto à decisão sobre a aquisição dos créditos a serem compensados, afirmou desconhecer como essa ocorreu ou quem a tomou. Reiterou que se reportava ao contador Bracco e este, se necessitasse de alguma consultoria tributária, se dirigia ao escritório que assessorava a empresa, que respondia pessoalmente ou por e-mail. Afirmou que a empresa não tinha departamento jurídico, acrescentando que o escritório Benetti não apenas cedeu os créditos de precatórios como também protocolizou pedidos de compensação em nome da Savon junto à Receita Federal. Questionada sobre a aquisição de precatórios, afirmou que alguns estados os aceitam para pagamento, o que poderia ser um “facilitador para a empresa”, pois ainda que não seja utilizado dessa forma, pode se tornar um caixa futuro para a companhia (Id n. 256431613).

Em depoimento ao Juízo, a testemunha Luiz Carlos de Andrade Lopes afirmou conhecer o réu desde sua contratação e que presta serviços jurídicos ao escritório Benetti há cerca de dez anos, atuando com cessão e utilização de créditos de precatórios. Aduziu ter conhecimento sobre a legislação atinente à matéria, inclusive a Lei n. 12.431/11, que estabelece a possibilidade de utilização de créditos de precatórios para a liquidação de créditos tributários. Questionado, apontou que já acompanhou pedido de compensação por via física, um pedido administrativo, inclusive se valendo do direito de petição. Segundo a testemunha, a empresa Savon, por indicação de um escritório de advocacia terceirizado, procurou o escritório Benetti inicialmente para a aquisição dos créditos de precatório. Posteriormente, o objeto do contrato foi ampliado para que a cedente do crédito também ficasse encarregada de apresentar pedido de habilitação no processo de origem e requerimentos administrativos de liquidação e utilização desse crédito. Assim, ainda de acordo com o depoente, por meio de escritura pública, houve a cessão dos créditos para a empresa Savon, que passou utilizá-los para compensar débitos tributários. Asseverou que a legislação, constitucional e infraconstitucional, permite tanto a cessão do crédito de precatório a terceiro, como este utilizá-lo para adimplir um débito tributário, pleiteando, desse modo, a sua extinção. A testemunha não soube precisar como era feito o contato com a Benetti, mas afirmou que a apuração do tributo era realizada mês a mês pela empresa Savon e que tal informação era repassada à Benetti, para que fossem elaborados os requerimentos administrativos de compensação e eventuais recursos. Disse ter conhecimento de outros casos em que o escritório Benetti cedeu créditos de precatório para empresas, que tiveram êxito em utilizá-los para compensar débitos tributários tanto na esfera administrativa, quanto judicial. Indagado, respondeu que em muitos casos a Recita Federal apresenta o mesmo questionamento quanto à utilização de créditos decorrente de precatórios de terceiros, mas que em diversos deles houve êxito, sendo que não se recorda de nenhuma ação penal promovida em razão de fatos semelhantes. Acrescentou que nos casos em que houve indeferimento administrativo, o caso se esgotou no indeferimento, a Fazenda não concordou com a forma de liquidação do débito e, eventualmente, lavrou um auto de infração e aplicou uma multa que foi discutida na esfera cível, sem repercussões criminais, “até mesmo porque a atuação era no sentido de apresentar o requerimento de liquidação e não elaborar a própria compensação”. Questionado, disse que as pessoas procuram os créditos por terem um encaminhamento e entenderem ser possível a compensação tributária valendo-se do crédito de precatórios. Perguntado, afirmou desconhecer se os sócios da Benetti já sofreram qualquer medida de natureza penal, mas sabe que eles continuam atuando no mercado. Por fim, indicou que há posicionamentos favoráveis e contrários ao procedimento no Carf (Id n. 256431615).

Oswaldo Britz Júnior, também ouvido como testemunha, confirmou conhecer o réu e que era funcionário da empresa Savon no ano de 2011, ocupando o cargo de gerente comercial nacional, responsável pelas equipes interna e externa de vendas, sendo subordinado ao acusado. De acordo com o depoente, o réu era responsável pela parte comercial e industrial da empresa, não sabendo informar como ele administrava as outras filiais. Questionado, disse que trabalhava na filial de Jundiaí (SP) e que se reportava ao acusado, com quem frequentemente fazia reuniões para tratar estritamente de assuntos de sua área. Afirmou que desconhece a fiscalização em Feira de Santana (BA) e a utilização de créditos de precatórios para a compensação de débitos tributários. Confirmou que havia um divisão de atribuições na empresa, não estando tudo centralizado no réu Martin. Esclareceu se tratar de uma empresa de médio para grande porte e que não acompanhou a ação fiscal que deu origem a este processo (Ids n. 256431750 e 256431751).

Juntou-se, ademais, declarações escritas da testemunha João Martins Silva, a qual aduziu:

 

que fui funcionário da empresa Savon, no período de 2011, no cargo de gerente administrativo, atuando na área comercial, acompanhando os pedidos de vendas e também ordens de produção. Nesse período, trabalhei diretamente com o Martin Bueno, que era responsável pela área comercial e industrial. Tinha conhecimento que a Savon possuía nessa época outras filiais espalhadas pelo Brasil, a filial de Jundiaí, onde trabalhei junto com o Martin, e que eu me lembro, possuía filial no Rio de Janeiro e um escritório administrativo em São Paulo e se não me engano, a matriz da Savon era na Bahia, Feira de Santana. O Martin administrava à distância, pois as outras localidades, tinham gestores. O Martin estava sempre em Jundiaí, e que eu me lembre ele viajava muito pouco.  As filiais eram conduzidas por gestores locais e ao Martin cabia a gestão macro do negócio, pois sempre estava focado na área comercial na matriz, também que eu saiba mantinha uma equipe administrativa (sic – Id n. 256431621, p. 2).

No mesmo sentido, as declarações escritas de Sérgio Bracco Camarini, asseverando, em síntese, que foi contador da empresa Savon entre os anos de 2002 e 2010, e esclareceu que aludida companhia atuava em vários estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Bahia, e em cada unidade existia um gestor responsável e uma equipe administrativa da área fiscal, contas a apagar e departamento pessoal, que prestavam informações à central administrativa em Jundiaí (SP), que, por sua vez, possuía cerca de cento e quarenta funcionários, incluindo uma área contábil, com setor fiscal, de escrituração contábil, recebimento e expedição fiscais. Registra, por derradeiro, quanto aos tributos, que “em qualquer unidade e ou negócio, a apuração dos impostos diretos e indiretos (PIS, COFINS, ICMS, IPI, IR e CS) era realizada pela contabilidade e setor fiscal e a apuração do INSS, IR e FGTS sobre folha de pagamento pelo R.H.” (Id n. 256432040, p. 1).

Por derradeiro, o acusado Martin Afonso de Sousa Bueno foi interrogado perante o Juízo a quo, momento no qual afirmou que era o único administrador da empresa Savon, no ano de 2011, que tinha um faturamento da ordem de cem milhões de reais por ano, decorrente da produção de cestas básicas, achocolatados, mistura para bolos etc., tendo filiais no Rio de Janeiro (RJ), Jundiaí (SP) e Curitiba (PR), sendo a matriz em Feira de Santana (BA). Em Jundiaí (SP) ficava a administração central, mas que cada unidade da empresa tinha um gestor e responsáveis pelos diferentes departamentos, especialmente no estado da Bahia, pois atuava com um segmento específico, de detergentes em pó, onde a parte administrativa possuía dimensões maiores. Explicou que realizava reuniões semanais, sobretudo com a área comercial, que era o seu maior foco, e trimestralmente com as filiais, que mandavam representantes até Jundiaí (SP), para apurar resultados, bem como traçar metas e objetivos. Naquela época, segundo o acusado, a Savon contava com cerca de mil e cem funcionários e quem cuidava da área fiscal era o Sérgio Bracco, o gerente desse departamento. Indagado, aduziu que todos os tributos foram declarados e o procedimento de compensação de débitos previdenciários com créditos precatórios, que lhe foi apresentado pelo escritório Benetti, teria suporte jurídico. Informou que a empresa entrou em recuperação judicial em 2015, após problemas econômicos desde 2009. Ressaltou que, em nenhum momento, houve a não declaração de impostos e que as compensações foram realizadas conforme a orientação recebida de especialistas, com a compra de direitos creditórios com deságio de cerca de vinte e cinco porcento. Reiterou que a declaração foi realizada com o valor integral e houve o pagamento do saldo. Questionado, disse não ter conhecimento sobre a vedação de compensação de contribuições previdenciárias com outras espécies de tributos, sendo que não é especialista na área, acreditando que era um operação legal. Não sabia, na época, a natureza dos créditos utilizados para compensação, bem como não recorreu da decisão administrativa porque não foi intimado, pois a comunicação foi entregue a terceiro alheio à empresa, perdendo o prazo administrativo. Ressaltou que nenhum fiscal esteve na empresa na Bahia. Alegou que não teve condições econômicas de quitar ou parcelar o débito. O réu afirmou ter conhecido a Benetti por meio de clientes e fornecedores, sendo-lhe informado que esse escritório estava prestando serviços para outras empresas e obtendo êxito. Nunca soube de outros adquirentes que tenham tido o mesmo problema e que a empresa Benetti ainda considera a medida legal. Foi celebrado contrato com a Benetti, não só para aquisição de direitos de precatórios, mas também para que essa empresa conduzisse todo o procedimento de compensação de tributos apurados pela Savon junto à Receita Federal. Segundo o acusado, em 2011, a compra de precatório tinha um deságio de 25%, bem maior do que o percentual negociado hoje em dia, que gira em torno de 10%, pelo que conhece. Essa medida, segundo o interrogando, representaria economia para a empresa na época. Afirmou que analisava, nas reuniões, o DRE, mas que esses não entravam em nível de detalhamento, apontando apenas custos em geral, receita bruta e líquida, despesas etc., não mostrando sequer se o imposto estava sendo quitado, mas apenas o tributo a pagar. A reunião semanal era com a parte comercial, e quase diária com a área de produção e logística, com as outras eram mais esporádicas. Questionado, apontou que o produto da Benetti foi apresentado como algo possível, sem nenhuma suspeita ou qualquer risco apresentado, nunca cogitando que poderia se tornar uma acusação de sonegação fiscal. Indagado, disse não ter conhecimento para questionar aspectos jurídicos e fiscais, confiando em sua equipe de profissionais que foram contratados, em todas as áreas, não apenas a tributária (Ids n. 256431753 a 256431851).

 

Em seu apelo, o Ministério Público Federal aduz estar comprovado que o réu Martin Afonso de Sousa Bueno praticou, de forma dolosa, a conduta delitiva imputada na denúncia, atuando com consciência e vontade no sentido de suprimir tributos mediante a apresentação de informações falsas referentes à compensação indevida de créditos de terceiros em face da União. Destaca nesse sentido, não ser possível alcançar conclusão diversa, considerando que o acusado possui larga experiência em seu ramo empresarial e que havia, desde 2004, vedação legal expressa quanto à compensação pretendida.

Socorre razão à pretensão acusatória.

Retomem-se os termos em que proferida a sentença em 1º Grau de Jurisdição, no que concerne à autoria delitiva:

 

O réu MARTIN AFONSO DE SOUSA BUENO foi denunciado como incurso no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, pela conduta de suprimir ou reduzir tributo mediante omissão de informações e declaração de informações falsas.

Pois bem.

Após detida análise dos autos e de todos os elementos de prova produzidos, não estou convencida de que a empresa administrada pelo réu tenha apresentada declarações falsas à Receita Federal, tampouco omitido informações ao Fisco. Neste sentido, não estaria caracterizada a sonegação tributária. Ademais, ao meu sentir, não restou evidenciado o elemento volitivo doloso, por parte do réu, para a prática de uma suposta sonegação tributária. Senão vejamos.

Narra a denúncia que o acusado teria, na qualidade de administrador da empresa SAVON, INDÚSTRIA, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., reduzido, no ano de 2011, contribuições previdenciárias devidas pela empresa, mediante a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias, consubstanciadas na “simulação de compensação tributária indevida”, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os tributos devidos.

Em apertada síntese, naquele ano de 2011, em dez oportunidades (dez procedimentos administrativos tributários), o denunciado teria se utilizado de créditos de terceiros, oriundos de um precatório trabalhista adquirido de terceiros, para compensar débitos previdenciários da empresa, que alcançaram o montante de R$ 626.868,28, o que seria vedado pela Lei nº 11.051/2004, que alterou a Lei nº 9.430/1996.

Conforme consta dos autos, o contribuinte (empresa administrada pelo réu) baseou seu pleito de compensação tributária em escritura pública de cessão e sub-rogação de direitos creditórios em que a outorgante cedente, R. Benetti Consultoria Assessoria e Participação Empresarial Ltda., alegou que se tornou, por sucessão da Benetti – Prestadora de Serviços Ltda., detentora de créditos e direitos oriundos de Reclamação Trabalhista promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima – Sinter, contra a União Federal, decorrente dos autos VTBV-054/90, da Justiça do Trabalho de Boa Vista-RR. Conforme alegado pela outorgante cedente na referida escritura pública, foram cedidos a Savon Indústria, Comércio, Importação e Exportação Ltda os créditos adquiridos na forma mencionada, no montante de R$ 1.168.894,97.

Assim, em síntese, nos termos da escritura pública apresentada pelo requerente dos dez procedimentos tributários de compensação (a empresa “Savon”), os créditos destinados à compensação eram créditos de terceiros, pois a Savon teria adquirido os créditos e direitos oriundos de uma ação trabalhista, por cessão de empresa Benetti Prestadora de Serviços, que, por sua vez, teria adquirido os créditos da Reclamação Trabalhista promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima, em nome dos professores (servidores) que originaram os referidos créditos e que iniciam essa extensa cadeia sucessória. Ou seja, os credores originais seriam professores da rede de ensino de Roraima.

Em outras palavras: a empresa declarou os tributos devidos e, na própria GFIP, declarou compensação dos créditos tributários com os créditos adquiridos. Tais créditos foram adquiridos pelo contribuinte previamente e eram oriundos de uma dívida da União com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima.

No entanto, a legislação tributária não permite a compensação tributária de créditos de terceiros.

Os créditos apresentados para compensação não foram admitidos pela Receita Federal, em nenhum dos dez procedimentos administrativos. Assim, o Procedimento Fiscal nº 10880.723.725/2013-98, ao final, em dezembro de 2013, lavrou DEBCAD nº 51.040.120-1, referente às contribuições sociais previdenciárias compensadas de maneira ilegal, lançando o tributo em definitivo.

Nestes termos, dispõe a denúncia que teria ocorrido fraude na declaração apresentada pela empresa contribuinte, administrada pelo ora réu.

Pois bem.

Inicialmente, há que se ressaltar que os elementos de prova constante dos autos, sobretudo as oitivas testemunhais, denotam que a empresa administrada pelo réu era de médio/grande porte e possuía diversos departamentos especializados, bem como diversas filiais espalhadas pelo país.

Nestes termos, a testemunha João Martins, então gerente administrativo da empresa, quando ouvido perante este Juízo ressaltou que o acusado MARTIN era responsável sobretudo pela área comercial e industrial, bem como realizava boa parte da administração à distância, pois as outras filiais da empresa tinham seus próprios gestores diretos. Em síntese, relatou que MARTIN realizava a “gestão macro do negócio, pois sempre estava focado na área comercial” (ID 33642599).

Neste ponto, há que se ressaltar que a matriz, de onde MARTIN administrava a empresa, era localizada na cidade de Jundiaí, ao passo que o presente feito trata de procedimento administrativo fiscal instaurado pela Receita Federal do Brasil de Feira de Santana-BA, onde funcionava parte da empresa.

No mesmo sentido, o depoimento da testemunha de defesa Michele Cunha Galina, supervisora contábil da empresa, que relatou que a parte administrativa da empresa funcionava em Jundiaí, mas as filiais tinham funcionamento próprio, com divisão de setores, tais como contabilidade, RH, comercial e financeiro. Neste contexto, nos termos de seu depoimento, MARTIN tinha poder de supervisão, no entanto não participava diretamente das apurações de impostos e suas respectivas declarações.

O acusado, quando interrogado perante este Juízo, confirmou o relatado pelas testemunhas supra, ressaltando a extensa divisão de setores da empresa.

Em síntese, tais elementos de prova, colhidos durante a instrução processual, denotam que o acusado MARTIN não ficava presencialmente em Feira de Santana/BA, sede onde teria sido praticada a evasão ou elisão fiscal, e não se dedicava pessoalmente à administração tributária da empresa, que possuía equipes de gestores e diretoria específicas.

Neste contexto de estrutura empresarial complexa, há que se destacar que o próprio contrato social da empesa previa a possibilidade de o sócio administrador delegar administradores, prepostos e/ou procuradores para realização de determinados atos.

Neste sentido, a Defesa destacou, em suas alegações finais (fl. 29 de ID 110779166), procuração dada pelo ora acusado, em agosto de 2011, para que outros administradores elaborarem as declarações de compensação, acompanha-las junto à Receita Federal e tomar todas as providências inerentes ao seu processamento, o que foi confirmado pela testemunha Luiz Carlos, um dos outorgados na mencionada procuração (cf. ID 33209046).

Em verdade, ao que consta dos autos, a empresa administrada pelo réu contratou os serviços da empresa BENETTI PRESTADORA DE SERVIÇOS LTDA. para análise, aferição de viabilidade e realização de todo processo de compensação tributária, que seria fraudulenta no entender do órgão acusatório.

De acordo com a mencionada testemunha Luiz Carlos, membro da equipe jurídica da BENETTI, a empresa foi contratada para análise de viabilidade de compensação tributária e aquisição de créditos precatórios, além dos próprios atos de apresentação dos pedidos de compensação de créditos tributários.

Conforme consta dos autos, as petições apresentadas à Receita Federal para compensação dos créditos eram, de fato, subscritas por funcionários da empresa BENETTI.

Ademais, consta dos autos, também, parecer jurídico, firmado pela BENETTI, apontando a viabilidade de cessão de crédito para compensação de tributos (fls. 132/150 de ID 34058158).

Destaca-se em tal parecer que seriam “raríssimos os casos de indeferimento da compensação”, que poderiam ocasionar em lançamento de multa isolada. Entretanto, não se cogitava a conclusão de que a compensação intentada pudesse ser caracterizada como sonegação tributária fraudulenta.

Todos estes elementos acima apontados denotam dúvidas acerca da efetiva participação do acusado MARTINS AFONSO DE SOUSA BUENO no suposto delito descrito na denúncia, bem como acerca, sobretudo, do elemento volitivo doloso de sonegar tributos.

Isso porque, repise-se, a empresa administrada pelo réu declarou todos os fatos geradores de incidência tributária e ofereceu em pagamento os créditos de precatórios adquiridos de terceiros, através de uma terceira empresa, contratada especificamente para essa finalidade.

Em outras palavras, a empresa administrada pelo ora acusado, através de sua filial localizada em Feira de Santana-BA, contratou uma empresa especializada em compensação de créditos para análise e eventual compensação de futuros créditos tributários. A empresa SAVON apresentou declaração escorreita de todos fatos geradores de incidência tributária e, na própria declaração, apontou o valor a ser compensado, constante de procedimentos administrativos de pedido de compensação operados pela empresa BENETTI.

Não consta dos autos, portanto, a comprovação de qual foi a efetiva conduta pessoal do acusado MARTIN na suposta sonegação, tampouco restou evidenciado o elemento volitivo doloso da conduta do administrador da empresa.

Em síntese, ainda que se cogite que o acusado tenha deliberadamente deixado de verificar a correção do trabalho da empresa contratada para realizar os pedidos de compensação, bem como do setor financeiro e contábil de sua empresa, os elementos de prova juntados aos autos não comprovam, sem dúvida razoável, que assim o fez, bem como ensejam severas dúvidas acerca da intenção dolosa de sonegar os tributos.

Ademais, através da análise detida dos autos, não apenas surgem dúvidas acerca da participação direta e do elemento volitivo doloso do acusado, como também não restou evidenciada qual teria sido a fraude perpetrada pela empresa contribuinte.

Com efeito, ao que consta dos autos, todas as operações fiscais da empresa, bem como as compensações intentadas, foram integralmente declaradas.

Ao que consta, a empresa indicou em Guia própria o valor correto do tributo devido, comunicando, no mesmo documento, a compensação a ser realizada, com detalhamento do pedido de abatimento distribuído em paralelo (pela empresa BENETTI). Ou seja, o próprio contribuinte declarou todos os fatos geradores de incidência tributária, bem como todas as informações necessárias ao cruzamento de dados pela Receita Federal para validação ou não da compensação e cobrança.

Acrescente-se, neste ponto, que não constam dos autos quaisquer indícios de que os créditos oferecidos para compensação fossem fraudulentos ou alguma espécie de “título podre”. Ao que consta dos autos, pelo contrário, os créditos existiam e eram relacionados a créditos de precatórios da União. Assim, apenas não foram aceitos pela Receita Federal porque eram créditos de terceiros, não porque eram fraudados ou, de alguma forma, ardilosos.

Assim, a utilização, ou tentativa de utilização, de créditos de terceiros para compensação tributária, ao que parece, inseria-se no contexto de planejamento tributário da empresa, que ofereceu uma dívida da União para abatimento de um tributo federal.

Tal planejamento tributário é classificado doutrinariamente como “elisão fiscal”, que se distingue da evasão fiscal, que é a conduta penalmente tipificada. A elisão fiscal, ou planejamento tributário, consiste na escolha entre alternativas lícitas com o fito de reduzir o ônus tributário, sempre que isso for possível nos limites da lei.

Conforme muito bem ressaltado pela Defesa do acusado em suas alegações finais, o critério fundamental para distinguir a conduta criminosa do mero planejamento tributário não está no resultado, mas, sim, nos meios empregados para obtenção da redução de carga tributária. E, no campo da incidência penal, caberá apenas as operações que equivalem à eventual simulação, falsificação de livros, documentos etc.

No presente caso, entretanto, não constam elementos a comprovar qualquer fraude ou falsificação realizada. Reitere-se: o tributo foi integralmente declarado, bem como foi declarada a compensação a partir de créditos trabalhistas de precatórios adquiridos pelo contribuinte. A Receita Federal poderia aceitar ou não tais créditos. Ante a proibição legal de utilização de créditos de terceiros para compensação tributária, houve indeferimento e constituição do crédito tributário devido, nos mesmos valores declarados pelo próprio contribuinte.

Com efeito, o mero não pagamento de tributos não é crime. O que é crime é a omissão de informações ou declaração falsa com o fito de reduzir ou suprimir tributos. Não houve, no presente caso, ao que consta dos autos, qualquer omissão ou declaração de informação falsa, mas tão somente tentativa de pagamento com crédito que era lícito, mas não servia à compensação tributária.

Conforme consta do próprio procedimento administrativo fiscal “os valores foram lançados a partir das Guias de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP apresentadas nos meses compreendidos no período do débito acima mencionado (fls. 142/143 de ID 42347421).

Repise-se: não houve omissão, mas, sim, declaração expressa do valor total do tributo e, no mesmo documento, do valor a ser compensado.

Há que se ressaltar que toda compensação efetuada pelo contribuinte é submetida ao crivo do Fisco, que pode glosá-la e, em seguida, inscrever o débito já confessado em dívida ativa, conforme ocorreu no presente caso, executando-o imediatamente. Assim, não há que se falar em supressão de tributo pela mera apresentação, escorreitamente declarada, de compensação tributária.

Acrescente-se, ademais, que todo o valor remanescente das compensações foi integralmente pago pela empresa, em pecúnia, conforme comprovam os documentos de ID 46675171.

Assim sendo, afora as severas dúvidas acerca da participação dolosa e consciente do acusado nos fatos descritos na inicial, ante a ausência de comprovação de qualquer fraude ou omissão na declaração do tributo, não há que se falar em subsunção dos fatos à normal penal no sentido formal, sendo de rigor a absolvição do acusado, por atipicidade. (Id n. 256432080).

 

Em que pesem os fundamentos apresentados pelo Juízo a quo, entendo que a sentença merece reparo em sede recursal. Não resta, com efeito, dúvida razoável sobre a supressão tributária, que foi objeto de discussão na seara pertinente.

De fato, está demonstrada a fraude fiscal, consistente na indicação de créditos de terceiros perante a União com o fim de compensar o débito decorrente de contribuições previdenciárias, hipótese vedada legal e administrativamente (art. 74, § 12, II, “a”, da Lei n. 9.430/96; bem como arts. 34, 44 e 56 da Instrução Normativa RFB n. 900, de 30.12.08), constituindo claro ardil com o escopo de sonegar os tributos devidos.

Muito embora a empresa do apelado tenha informado os fatos geradores das aludidas contribuições, buscou se esquivar da exação, ao reduzir, indevidamente, o valor a ser adimplido mediante a apresentação de créditos, cedidos por terceiro, decorrentes de precatórios trabalhistas, pretensamente oponíveis à União.

Necessário destacar que esse objetivo já era proscrito pela Lei n. 11.051/04, impossibilitando a pretendida compensação. Observo, ademais, que o fato de a compensação ilegal ter sido prontamente verificada pelos órgãos fiscalizatórios não obsta o reconhecimento de seu potencial lesivo, pois caso não houvesse a atuação diligente da autarquia federal a declaração compensatória inidônea poderia ter prevalecido.

Por outro lado, compreendo igualmente comprovada a autoria delitiva, ao se considerar que o réu era o responsável pela empresa contribuinte, contratou a cessão de crédito de terceiro e a declarou à Receita Federal para o fim de compensar débitos tributários.

Note-se que as provas amealhadas corroboram a tese acusatória, não sendo as declarações do réu, ou das testemunhas de defesa, suficientes a afastar a atuação consciente e voluntária do acusado, o qual, ainda que não participasse diariamente das atividades contábeis da empresa, inequivocamente contratou o serviço e as cessões de crédito que culminaram nas declarações falsas ao Fisco. O próprio acusado, em momento algum, sustenta não ter contratado a empresa Benetti, mas tão somente desconhecer a impossibilidade da compensação.

Contudo, não é crível que o réu, empresário experiente, com faturamento expressivo em suas atividades comercial e industrial, desconhecesse o dever de declarar todas as receitas auferidas às autoridades fiscais, bem como compensações apenas se estritamente permitidas pela legislação.

Registro que, no que concerne à aferição do elemento subjetivo do tipo penal, o delito descrito no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a demonstração de que o acusado, na condição de administrador da pessoa jurídica, declarou informação falsa às autoridades tributárias, o que se verificou nos autos.

Por conseguinte, estando comprovada a prática de conduta penalmente típica, de forma dolosa, de rigor a reforma da sentença proferida pelo Juízo de origem, condenando-se o réu Martin Afonso de Sousa Bueno.

Passo, assim, à dosimetria da pena.

 

Dosimetria. Considerando os elementos constantes dos autos, entendo adequada a fixação da pena base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão, tendo em vista que as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal devem ser consideradas neutras, uma vez que não comprovada a existência de elementos desabonadores.

Na segunda fase, não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas, sendo inviável a incidência da atenuante da confissão espontânea, conforme previsão do art. 65, III, “d”, do Código Penal.

Dessa forma, mantenho a pena fixada em 2 (dois) anos de reclusão.

Na terceira fase, considerando a majorante estabelecida no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, observo que o valor do crédito tributário apurado administrativamente foi de R$ 452.862,11 (quatrocentos e cinquenta e dois mil oitocentos e sessenta e dois reais e onze centavos), conforme Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário (Id n. 256431617, p. 237). Na ausência de parâmetro previsto na legislação específica – Lei n. 8.137/90 – e considerando o expressivo valor do débito tributário não adimplido ou parcelado, correspondente ao dano causado à coletividade, entendo de rigor a incidência da referida causa de aumento de pena, com a elevação da sanção penal em 1/3 (um terço), fixando a pena final em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Não existindo outras causas de aumento ou diminuição a serem consideradas, torno a pena definitiva.

Incide, na hipótese, a previsão relativa à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, devendo ocorrer a elevação da pena privativa de liberdade em 1/6 (um sexto), considerando a quantidade de condutas praticadas pelo acusado, alcançando a pena final de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.

Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, é adequada a exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16), razão pela qual fixo a pena de multa em 15 (quinze) dias-multa.

Arbitro o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do valor do salário-mínimo, corrigido monetariamente quando da execução, tendo em vista a inexistência de elementos suficientes sobre a capacidade econômica do agente.

Estabeleço o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, caput e §2º, “c”, do Código Penal).

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente  (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.

Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, para o fim de condenar o réu Martin Afonso de Sousa Bueno à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário-mínimo e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

É o voto.


E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 1º, INC. I, DA LEI Nº 8.137/90. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INC. III, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO. RECURSO NÃO PROVIDO. 

1. A materialidade e a autoria restaram demonstradas, nos autos, pelos Procedimento Administrativo Fiscal n. 10880.723.725/2013-98, Representação Fiscal para Fins Penais n. 10880.723.726/2013-32, em desfavor da empresa Savon Indústria, Comércio, Importação e Exportação Ltda., apontando que esta efetuou compensações indevidas de débitos previdenciários com créditos adquiridos de terceiros, oriundos de precatório trabalhista, por meio de dez requerimentos durante o ano de 2011, Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário (COMPROT n. 10880.723725/2013-98), indicando o valor da contribuição previdenciária devida pela empresa no valor de R$ 452.862, 11 (quatrocentos e cinquenta e dois mil oitocentos e sessenta e dois reais e onze centavos), não incluídos juros e multa, e escrituras públicas de cessão e sub-rogação de direitos creditórios em favor da empresa Savon, tendo como outorgante cedente a companhia R. Benetti Consultoria Assessoria e Participação Empresarial Ltda., indicando que esta se tornou, por sucessão da Benetti – Prestadora de Serviços Ltda., detentora de créditos e direitos oriundos de reclamação trabalhista promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima – SINTER em face da União, decorrente dos autos VTBV-054/90, em trâmite na Justiça do Trabalho de Boa Vista (RR), bem como pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio acusado.

2. Não obstante, pelo conjunto probatório produzido, não restou demonstrado o elemento subjetivo do tipo.

3. Narra a denúncia, em suma, que o acusado teria, na qualidade de administrador da empresa Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação LTDA., reduzido, no ano de 2011, contribuições previdenciárias devidas pela pessoa jurídica mencionada, mediante a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias, consubstanciadas na “simulação de compensação tributária indevida”, com o intuito de fraudar a fiscalização e não quitar os tributos devidos. Naquele ano de 2011, em dez oportunidades (dez procedimentos administrativos tributários), o réu teria se utilizado de créditos, oriundos de um precatório trabalhista adquirido de terceiros, para compensar débitos previdenciários da empresa, que alcançaram o montante de R$ 626.868,28 (seiscentos e vinte e seis mil, oitocentos e sessenta e oito reais e vinte e oito centavos), o que seria vedado pela Lei nº 11.051/2004, que alterou a Lei nº 9.430/1996.

4. No caso dos autos, a Savon Industria, Comercio, Importação e Exportação LTDA. declarou os tributos devidos e, na própria GFIP, informou a compensação com os créditos adquiridos de terceiros. Tais créditos foram adquiridos pelo contribuinte previamente e eram oriundos de uma dívida da União com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Roraima.

5. Embora a legislação tributária não admita a compensação de créditos de terceiros, o fato de o réu ter submetido o pleito ao Fisco, em formato de papel, possibilitando o conhecimento e as medidas por parte da autoridade fiscal, diferentemente do que ocorre em processos dessa espécie, denota ausência de dolo de ilidir o pagamento de tributo mediante fraude ou omissão.

6. Recurso improvido. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por maioria, decidiu dar provimento e absolver o réu, nos termos do art. 386, III, do CPP, por não vislumbrar dolo na conduta do acusado, uma vez que submeteu o pleito ao Fisco em formato de papel, possibilitando o conhecimento e as medidas por parte da autoridade fiscal, diferentemente do que ocorre em processos dessa espécie, nos termos do voto do DES. FED. PAULO FONTES, acompanhado pela Juíza Federal Convocada LOUISE FILGUEIRAS, vencido o Relator que DAVA PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, para o fim de condenar o réu Martin Afonso de Sousa Bueno à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário-mínimo e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.